quinta-feira, 28 de janeiro de 2016


Uma alma desonesta

A melhor coisa do Brasil é Lula, segundo Lula. “Se tem uma coisa de que eu me orgulho neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu”, confessou o ex-presidente a uma plateia de blogueiros aduladores. Na conversa, ninguém produziu uma tentativa de distinção entre honestidade pessoal e honestidade política. Mas são conceitos diferentes. No plano pessoal, o julgamento da honestidade de Lula não cabe a ele — e permanece em suspenso. No plano político, provavelmente “não tem uma viva alma” mais desonesta que ele “neste país”.

Um boneco de FH com trajes de presidiário surgiu muitos anos atrás, carregado por sindicalistas da área de influência de Lula. O precedente não torna menos reprováveis os “pixulecos” que representam Lula em condições similares. Aquilo que, nos tempos de oposição, o PT classificava como parte da luta política legítima deve ser entendido como um elemento da degeneração sectária de nossa vida democrática. Lula é inocente até que, eventualmente, sua culpa seja provada no curso do devido processo legal. Mas, como disse Dilma Rousseff, o ex-presidente não está acima da lei e pode ser investigado, tanto quanto qualquer cidadão.
Charge do dia 28/01/2016

Não é, aparentemente, o que pensa o próprio Lula. Dias atrás, seu fiel escudeiro Gilberto Carvalho denunciou uma suposta “politização” das investigações que miram Lula e seus familiares. De acordo com ele, tudo não passaria de uma sórdida campanha destinada a impedir a “volta de Lula” no ano da graça de 2018. As declarações, altamente “politizadas”, implicam uma grave acusação contra o Ministério Público, que comanda as investigações, a Polícia Federal, que as conduz, e o Poder Judiciário, que as controla. Carvalho, a voz de Lula, está sugerindo que as três instituições operam segundo um ardiloso plano político-partidário. É uma alegação paralela à de Eduardo Cunha — e um sintoma de temor típico dos que têm algo a esconder.

Há muitas coisas incomuns nas atividades de Lula e nos negócios de seus filhos. Quando um ex-presidente que continua a exercer influência decisiva no governo profere palestras patrocinadas por empreiteiras condenadas no escândalo do petrolão e remuneradas em valores extraordinários, emerge uma natural desconfiança. Quando os negócios de um de seus filhos recebem impulso notável de uma empresa de telefonia beneficiada por alteração no marco regulatório decidida pelo governo de Lula, algo parece fora de lugar. Quando os negócios de outro filho se misturam aos de um lobista preso por corrupção, a coincidência solicita investigação. Lula é, pessoalmente, desonesto? A pergunta tornou-se razoável, mas uma resposta negativa carece de fundamento e, antes de um processo, deve ser marcada com a etiqueta da calúnia.

A imputação de desonestidade política, por outro lado, depende da opinião pública e, em certos casos, do Congresso, não dos tribunais. O tema pertence ao universo da ética e varia, no tempo e no espaço, ao sabor dos valores sociais hegemônicos. Nas repúblicas democráticas contemporâneas, a sujeição do Estado a interesses políticos particulares e o desvio de recursos públicos para fins partidários caracterizam a desonestidade política. Nesse sentido, Lula é uma alma desonesta.

As provas estão à vista de todos, a começar da “entrevista” concedida aos bajuladores. A existência de blogueiros chapa-branca não é um problema, mas seu financiamento com recursos de empresas estatais (a Petrobras, a Caixa, o Banco do Brasil, os Correios) infringe o princípio da impessoalidade da administração pública. A nomeação de diretores da Petrobras segundo critérios partidários, conduta defendida por Dilma, que está na raiz do petrolão, é uma forma de privatização do Estado. O uso da Petrobras como patrocinadora do Fórum Social Mundial, um encontro de ativistas de esquerda simpáticos ao PT, faz parte da mesma classe de práticas. Jaques Wagner nunca criticou tais iniciativas, mas reconheceu que o PT “se lambuzou” no poder. Lula chefiou a farra dos “lambuzados”, assegurando para si mesmo um lugar de honra no panteão de nossa “elite de 500 anos”.

“A curiosidade é condição necessária, até mesmo a primeira das condições, para todo trabalho intelectual ou científico”, escreveu Amós Oz, acrescentando que “em minha opinião a curiosidade é também uma virtude moral”. Uma face ainda mais relevante, se bem que menos evidente, da desonestidade política de Lula é seu esforço para, em nome de seus interesses políticos, abolir a curiosidade do debate público brasileiro. Lula instaurou um paradigma nefasto na linguagem política que consiste em retrucar a qualquer crítica por meio de uma acusação de preconceito dirigida ao crítico.

O argumento do interlocutor não interessa. Ele critica para reagir à ascensão ao poder de um pobre que conheceu a fome, de um operário metalúrgico filho de mãe analfabeta. Ou para contestar a competência da primeira mulher a chegar à Presidência. Ou, alternativamente, com a finalidade de sabotar as políticas de combate à pobreza, de inclusão dos negros ou de proteção aos índios. O crítico é intrinsecamente mau. Se não o for, está a serviço da elite, de ambições estrangeiras ou de ambas. A linguagem política lulista, um relevo inescapável na paisagem brasileira, espalhou-se tão rapidamente quanto a dengue, as obras superfaturadas e o vício do crack. O assassino de nossa curiosidade é uma alma desonesta.

Lula colhe os frutos da árvore que plantou e, metodicamente, irrigou. Os fabricantes de “pixulecos” aprenderam a lição de sectarismo que ele ensinou. Aceitaram a divisão do país segundo as linhas do ódio político. Chamam-no de “ladrão” e “bandido” para circundar o caminho difícil do argumento. No país do impropério, do grito e da palavra de ordem, identificaram a escada do sucesso. O principal legado do lulismo é essa espécie peculiar de devastação ambiental.

Demétrio Magnoli

O fim do feudalismo sem 'gallantry'


Não foi por acaso que a democracia nasceu nas Américas. No que ela tem de essencial, trata-se de um arranjo espontâneo entre iguais para a sobrevivência em territórios isolados e em condições adversas.

“Como vamos nos organizar para termos o que comer e podermos nos defender neste fim de mundo”?

Era a essa questão muito prática que tratava de responder o Pacto do Mayflower (1620). Era a essa questão muito prática que tratavam de responder, 90 anos antes, os portugueses que instalaram em São Vicente a 1a Câmara Municipal da Terra de Santa Cruz (1530).

Durante 400 anos funcionou como um relógio a “democracia dos analfabetos” daquele Brasil das vilas esparsas, sem comunicação umas com as outras, pequenos mundos isolados onde a presença do governo de fora era rala ou inexistente e onde toda a economia e toda a autoridade política tinham de ser providas pelos próprios moradores. Do povo, pelo povo, para o povo…

Foi 1808 que veio truncar essa bela história. São os filhos do privilégio que vão escrever a história da contrarrevolução no Brasil.

O século 18 aporta na democracia instintiva do Norte a sua metade futuro. Renega formalmente o passado; sacraliza a livre circulação das ideias; elege o merecimento como única fonte de legitimação do poder e do dinheiro; proíbe proibir senão a exceção e o privilégio; trata de armar esse sonho das instituições capazes de materializá-lo e blindá-lo contra e acima das tentações do “lobo do homem”.

O século 19 provaria que não era ainda o suficiente. O poder político e o poder econômico compram-se favores. A corrupção reconstitui a força do privilégio. Tudo ameaça vir abaixo. É só na virada para o 20 que se consolida a revolução. O remédio, síntese de milênios de servidão, é de uma objetividade cristalina: para que seja estável o mundo dos cidadãos, tudo que é necessário é que seja essencialmente instável o mundo dos servidores do “Leviatã“. A legislação antitruste, o “recall“, as leis de iniciativa popular e o poder de veto às leis do legislador armam a mão dos oprimidos; dão ao povo a última palavra; é ele no poder.

A diferença que isso faria é a que grita ao mundo hoje…

Aqui a história foi outra. O século 18 aporta na democracia instintiva do Sul a sua metade passado. Asila no Brasil o absolutismo moribundo; demoniza a livre circulação das ideias; impõe o rei como única fonte de legitimação do poder e do dinheiro; proíbe tudo menos a exceção; trata de imortalizar o sistema atribuindo-lhe a elasticidade mole da complacência e dotando-o de um labirinto judiciário sem porta de saída que tudo mói em processos sem fim.

O século 19 provaria que não foi o bastante para matar o sonho. O Brasil americano insiste. Infiltrada pelos contrarrevolucionários “positivistas” que sentindo-a inevitável embarcam na mudança para sabotá-la, nasce afinal a Republica, vencida a escravidão. Mas é só um eco; faltam as instituições. Num hiato entre ditaduras Prudente de Morais e Rui Barbosa logram plantar o marco institucional da liberdade de empreender que faz nascer o Brasil moderno. Eterno refém da insegurança jurídica, porém, ele será mantido desde então – as veias sempre expostas – no limite da sobrevivência para sustentar o outro.

O sistema político da República permanece exatamente o mesmo do Império, com o Estado herdando as prerrogativas do imperador sobre os súditos. O povo — tanto o analfabeto quanto o que oficialmente “vota” — não participa do jogo. É convocado, de quatro em quatro anos, apenas para sacramentar a sucessão presidencial previamente acertada no circuito fechado dos chefes de partidos agora fazendo as vezes da Corte, e dispensado a seguir.

Na Primeira Republica segue o sistema do Imperador que quando, a seu talante, alternava os partidos na chefia do governo, “derrubava” os titulares de todos os cargos públicos para que fossem redistribuídos pelo novo contemplado. (“Governabilidade“). A única diferença é que a troca passa a se dar mediante uma “eleição” presidencial de que se conhecia o ganhador meses antes de votações abertamente fraudadas.
Câmara de Dourados, MS, 1936

Depois dos 26 anos da ditadura Vargas, o que muda com a redemocratização, essencialmente, é que não sai mais da folha de pagamento do Estado quem quer que tenha conseguido por um pé lá dentro uma vez. Isso mergulha de vez num processo de entropia um sistema politico que sempre foi divorciado do povo. Cada vez mais explicitamente os novos interesses objetivos criados vão configurando as duas únicas classes sociais com interesses intrinsecamente conflitantes no panorama sociológico brasileiro: a dos que são sustentados pelo Estado, auferem e distribuem direitos especiais vitalícios e frequentemente hereditários que a Constituição de 88 virá a tornar “pétreos“, e a dos que sustentam o Estado e todos esses privilégios. Daí por diante, das prisões à renda per capita e ao resto do IDH, tudo será cada vez mais desigual para os habitantes desses dois brasis.

A chegada ao poder do PT, que se assume desde sempre como o campeão desse Brasil dos direitos especiais, leva o processo da entropia à fusão. Não ha saída com ele desse feudalismo sem “gallantry” dos partidos/quadrilhas hereditárias empenhados na conquista de “nobreza” (dinheiro e direitos especiais) pelo acumpliciamento a que chegamos. A “democracia” sem povo à brasileira, só de ida, esgota-se, com dois séculos de atraso, no seu próprio paroxismo.

É o fim de uma era. A meticulosidade do desastre lulopetista reitera que só existe um jeito de se construir uma nação: o difícil. Exaspera a ideia de voltar para trás mas isso já não é uma escolha. Não ha atalho possível. A História exige que todos os passos do caminho sejam trilhados. O Brasil terá de voltar à sua raíz americana; fazer as revoluções do século 18 e do século 19, ainda que acelerando o filme.

Democracia?

Faça você mesmo. “Recall“, iniciativa popular, referendo, e mãos à obra, pedra por pedra, a partir de onde se vive a vida real, que é o município. Não existe outro jeito.

O que faltava: o mosquito

O Brasil afunda em meio a uma crise econômica que este ano vai fazer o PIB, de acordo com as previsões mais recente e nada exageradas do Fundo Monetário Internacional, retroceder cerca de 3,5%. A inflação, verdadeiro calcanhar de Aquiles desta economia, controlada até 2014, se soltou no ano passado para mais de 10% e ainda flutua à vontade fazendo com que os brasileiros temam a volta aos tempos terríveis em que era preciso, no primeiro dia do mês, esvaziar todo o salário para esvaziar os supermercados e encher as geladeiras das casas. Como se isso não bastasse, um Parlamento ingovernável, atomizado em partidos sem ideologia clara e com tendência a chantagear por cargos, derrubando o tempo todo as medidas orçamentárias encaminhadas para, segundo a opinião do Governo, endireitar a marcha financeira do país.

Alguém dá mais? Sim, claro.

A presidenta Dilma Rousseff, que não teve pausa em seu tormentoso segundo mandato desde que começou em 1º de janeiro de 2015, sofre um envenenado processo de impeachment que, apesar de sua razão de ser juridicamente questionável, vai se transformar em um imprevisível julgamento político de sua figura (e de seu partido). Tudo vai explodir assim que terminarem as férias de verão e o Carnaval. Fiquem atentos.

Isso é tudo? Não, claro que não.

Uma macro-operação policial, a Operação Lava Jato, que se desenvolve há um ano e meio, com foco na crescente onda de corrupção da empresa pública Petrobras, afeta os maiores empresários do país, dezenas de políticos relevantes. O maquiavélico sistema judicial brasileiro permite reduzir a pena em troca de delatar outros, de modo que as revelações não acabam nunca. Ninguém sabe onde ou quem vai terminar na relação de corruptos, acusados, presos e condenados.

Assim, no dia em que os mercados não se assustam com a lista de corruptos, são os números (atrozes) da economia ou o (negro) futuro político Rousseff ou tudo junto ao mesmo tempo. E as agências de classificação diminuem a nota de crédito do Brasil colocando-a no status de lixo, tornando os números da economia ainda mais atrozes etc, etc...

E como se fosse pouco, chega o mosquito. O maldito Aedes aegypti, um inseto antipático, que voa baixo (não sobe além do sexto andar) e tem o hábito de picar no horário comercial, entre nove da manhã e uma da tarde. Transmissor da dengue, do chikunguya e do zika. Este último é a causa, de acordo com todos os especialistas, dessa doença terrível que as mães transmitem pelo sangue a seus filhos ainda não nascidos: a microcefalia, fonte de doenças imprevisíveis dependendo da área do cérebro afetada.

Não existe cura ainda. O falido sistema de saúde brasileiro solicita medidas preventivas: matar o mosquito atacando onde ele se esconde, seja em vasos com água, copos cheios esquecidos ou em qualquer recipiente que acumule água no exterior.

Para piorar a situação, o país está no meio da estação chuvosa, período em que o mosquito aproveita para se multiplicar.

Poderia ser pior?

Falou!

O Governo é instituído para o bem comum; para a proteção, segurança, prosperidade e felicidade das pessoas; e não para o lucro, honra ou interesse privado de um homem, família ou classe de homens; Portanto, se o povo tem o direito incontestável, inalienável e irrevogável de instituir um governo, tem também o direito de reformar, alterar ou mudar totalmente o mesmo, quando sua proteção, segurança, prosperidade e felicidade exigirem 
John Adams

Governo de algemas

Lula acha que não há uma alma mais honesta que ele nessa terra brasilis, e a terra acha que não há uma alma brasileira feliz, neste momento, com sua vida financeira, profissional, social, ética, política.

Nem o Carnaval é capaz de melhorar esse estado de espírito. O desconforto é diversificado, pode-se fazer a pesquisa em diferentes universos que ora irão cravar o desemprego como o maior problema do país, outro momento será o da corrupção, ora é a saúde que, em qualquer nível, esfera administrativa ou partido na gestão é o que arrefece o entusiasmo com a vida de todo cidadão responsável. Há enquetes que mostram grupos numerosos preocupados com transporte, outras revelam terror com a ausência das obras de infraestrutura que poderiam conter os desastres naturais mas as providência para evitá-los não aparecem antes. E como a presença do governo na vida do cidadão é por aqui sufocante, a responsabilidade por todos os males, omissão e ação, é mesmo do governo. No caso do governo Dilma, omissão, pois a paralisia é total.


O governo está no segundo ano do segundo mandato e não começa. A presidente é movida por um festival de negações, de sustos, de respostas vazias quando resolve fornecê-las, de lugares comuns, sentenças carentes de sentido. Passa a maior parte do tempo enfurnada. De vez em quando, tocada por uma ameaça forte de ser defenestrada, reúne grupos, mobiliza, discursa, viaja. Mas na maior parte do tempo se preserva. Se explode, é internamente, nem isso se vê. O problema é sempre o outro, ou não há problema.

O professor Delfim Netto fez uma boa síntese em entrevista à jornalista Claudia Safatle, publicada no Valor de segunda-feira: não existe presidencialismo sem presidente. Já havia ele próprio, em manifestações anteriores, destacado a falta de protagonismo de Dilma Rousseff. Eufemismos. Aconselhou-a a assumir sua responsabilidade, mas o fez por vias tortas. Sugeriu que ela coloque o Congresso contra a parede exigindo que aprove reformas de fundo ou assuma a culpa pelo caos.
Jogar a responsabilidade de governo sobre o Congresso é só o que este governo tem feito, desde sempre. Embora esteja com o principal partido da aliança que o sustenta, o PT, o confronto das ideias de reforma sugeridas por Delfim. Pode ser a técnica da psicologia de dizer a ela para agir mesmo que seja para por peso nas costas do próximo.

A presidente passou pelo espasmo das providências com relação ao desastre ambiental que atingiu várias cidades de Minas, passou pelo espasmo das providências de combate ao Aedes aegypti, a maior vergonha nacional e o maior risco à população no momento, e agora se prepara para enfrentar outro espasmo de ação, o da ressurreição do Conselhão, de cuja eficácia o Brasil está livre desde sua gênese. Como um conselho de 80 pessoas nada resolve, já se pode prever, por exemplo, o resultado de sua primeira reunião, na quinta-feira. Dilma encontrou-se com oito ministros de Estado, ontem, para preparar medidas a serem anunciadas aos ilustres integrantes do grupo, entre elas a retomada do crédito como motor do crescimento. De novo. Além de outras que também acha o governo que vale a pena reiterar, reiterar, reiterar.

Em contrapartida espera ouvir dos conselheiros o apoio ao governo na sua campanha para aprovar a CPMF no Congresso e levar adiante a reforma da Previdência. Dilma não tem demonstrado força nem criatividade para sair do redemoinho.

Sabe que o impeachment acabou, mas no lugar da guerra que travava para se manter no cargo a presidente não tem o que colocar.

Não há também mais a disputa Nelson Barbosa versus ministro da Fazenda, vez que ele assumiu o posto de seu próprio freguês de contendas. Então, em lugar de apresentar novas armas, será mais um para voltar seus mísseis ao Congresso.

No meio desse nevoeiro, a presidente está sempre perplexa: com o FMI, com a corrupção, com seus assessores diretos envolvidos em suspeita de irregularidades nos processos correntes, com o desleixo do governo, com a falta de iniciativas que tirem o país do ciclo de calamidades.

Agora deve estar estarrecida, um estágio mais avançado do que perplexa, com seu ministro da Saúde, de uma franqueza desconcertante, que diz, como a OMS, que estamos perdendo a guerra para o mosquito Aedes aegypti, e numa nova versão do dito malufista "estupra mas não mata", disse que torce para que as mulheres peguem a doença que provoca microcefalia antes de engravidar.

Esse ministro da Saúde, porém, é o de menos. Ele entrou em outubro para a história do Brasil, ao ingressar no governo quando a dengue, a zika e a chikungunya já eram epidemia. Nos governos Lula e Dilma o PT colocou na Saúde seus ministros politicamente mais fortes. Alexandre Padilha de lá saiu para disputar o governo de São Paulo; Humberto Costa foi enfrentar Eduardo Campos em Pernambuco, e hoje é senador que volta e meia assume a liderança dos interesses do governo; e o último, Arthur Chioro, o mais enraizado no partido, que ampliou os tentáculos petistas pelo ministério inteiro, fazendo uma administração por conferências e assembleias, foi provavelmente o mais inerte.

Se for possível deixar o pensamento dar um voo daqui para trás, não é possível deter a atenção em uma única providência inovadora, séria, competente para resolver o dramático problema da saúde. Para um único Mais Médicos, há centenas de redes falidas de atendimento à saúde como a do Rio e a de Brasília.

O futuro que se vem desenhando também não é atraente. Procura-se uma ideia de Ciro Gomes, por exemplo, o último candidato a presidente lançado esta semana, um único plano ou medida para o governo do Brasil, e não se acha; procura-se um caminho apontado por Dilma para a Petrobras, em que é especialista, sair do buraco onde a jogaram, e não se vê; procura-se uma fonte de recursos para o governo meter a mão que não seja o FGTS, uma espécie de fundo de pensão dos novos tempos a sofrer sangria, não há. Passado, presente e futuro sem perspectiva.

Encurralado pelas denúncias e suspeitas, processos e delações, Lula resolveu cuidar da vida, da sobrevivência política, das campanhas eleitorais, e deve parar de ficar tutelando Dilma a cada nova rodada de crise. Só Dilma pode libertar seu governo das algemas.

Profético

Eu quero dizer para vocês que, se depender de mim, tem muita coisa para ser restaurada neste país. Se depender de mim, vocês vão ser parceiros em outra restauração. 
Lula sobre a restauração do Palácio do Planalto em 2006

A vingança de Delfim Netto

Dilma Rousseff não gostou nem um pouco do recado que recebeu de Delfim Netto, através do Lula: “Ela deveria assumir a presidência da República”. O ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, venenoso como sempre, definiu-se como parceiro intransigente das elites financeiras, pressionando o governo dito do PT para adotar reformas ao avesso, como a da Previdência Social, reduzindo pensões e aposentadorias, da flexibilização do mercado de trabalho, restringindo benefícios sociais estabelecidos há décadas em favor dos assalariados, da desindexação entre os salários e o aumento da inflação e, por último, da desvinculação das emendas ao orçamento das obrigações prometidas pelo Executivo.

A ironia está em que, nem diante dos generais-presidentes, de Costa e Silva a Médici e a Figueiredo, Delfim ousou tanto. Pensava como pensa hoje, ou seja, em favor dos interesses do empresariado mais retrógrado, mas não tinha coragem de enfrentar os pruridos nacionalizantes dos militares. Era obstado por eles, os verdadeiros donos do poder, sem condições para implementar todas as mudanças exigidas pelo mundo neoliberal, ainda que tentasse cumprir essas determinações. Agora, para Delfim, liberou geral, ainda que atrasado, do alto de seus 85 anos. Integrou-se sem temores na defesa do modelo que domina o planeta, aproveitando-se da débâcle dos governos do PT. Admite-se até que esteja se vingando dos companheiros que um dia bateram firme em suas diretrizes, antes de o Lula haver aderido ao neoliberalismo e de Madame mostrar-se sem rumo diante da pressão das elites.

As quatro imposições passadas a Dilma através do Lula, mais do que a demolição das poucas estruturas sociais conquistadas ao longo dos anos, de Getulio Vargas em diante, significam o fim de uma era de expectativas sobre a ilusão de que a Humanidade caminha para a frente. Faz tempo que anda de marcha-a-ré, mas por força da supremacia dos ricos e poderosos, desfaz-se o sonho de um mundo mais justo e equânime.

Por coincidência, no Brasil, isso acontece por obra e graça do governo do PT, da traição do Lula e da perplexidade da Dilma. Parece óbvio que ela vai ceder, que carece de forças para resistir ao ímpeto do egoísmo dos controladores da economia e das finanças. Por mais estranho que pareça, o golpe de graça no pescoço das massas acaba de ser vibrado pela lâmina do Delfim.

Vale repetir, há quem imagine a presidente Dilma resistindo, não se curvando à derradeira exigência das falsas reformas que só estenderão privilégios, benefícios e vantagens aos mesmos de sempre. Como falta, como sempre faltou a ela, discernimento para saber de que lado se posicionar, o provável é que não reassuma mesmo a presidência da República. Esta permanece ocupada pelo Delfim…

Paraguai 18 x Brasil 0

Desde que Dilma Rousseff assumiu o governo, o crescimento da renda per capita no Brasil foi ZERO. No Paraguai, de 18%. No rico Chile, 14,5%. Na tumultuada Argentina, 9%. Na região, o México é a economia de tamanho mais remotamente comparável à do Brasil, além de dividir conosco a penúltima colocação do campeonato do crescimento latino-americano desde 1990. Pois bem. A partir de 2011, o crescimento mexicano foi de 7%.

Quem é o lanterna da América Latina no último quarto de século, entre as economias relevantes? Sim, é ela, Miss Venezuela, onde o PIB per capita não difere muito do que era em 1990 (o chavismo não é o único motivo do desastre, pois).

É possível dourar a pílula do Brasil. Desconte-se o ano da desgraça de 2015, que o dilmismo considera arrebentado pela Lava Jato, pela China e pelo Sobrenatural de Almeida. De 2011 a 2014, o PIB por pessoa do Brasil cresceu 4,7%. No Paraguai, na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Uruguai, uns 17%. No Chile, 13,5%.

Os números foram calculados com base em estatísticas da Cepal (os dados de 2015 são estimativas, mas devem mudar muito pouco).

Qual o motivo de outra vez vir com a numeralha comparada? Na semana que passou, a presidente aproveitou a reaparição do fantasma de seu álibi, a crise mundial, para outra vez tentar limpar a barra da política econômica que nos arrastou à lama. Não cola.

Comparações imediatas de taxas de crescimento são problemáticas, é verdade. Em cada período, o ritmo pode variar devido a características de cada país, como nível de renda, de industrialização, tipo de comércio exterior etc.

Isto posto, a disparidade recente entre o crescimento do Brasil e o dos países mais relevantes da América Latina é tamanha que é impossível não desconfiar, digamos assim, de que aqui se fez besteira grossa desde 2011.

A baixa do preço das commodities nos prejudicou, decerto. Mas, no Chile, 52% do valor das exportações são de cobre e derivados. No Peru, 36% vêm de minérios. Na Colômbia, petróleo e carvão representam mais de 60% das vendas ao exterior etc..

De resto, todas as economias latino-americanas são mais abertas ao comércio exterior que a do Brasil, exceto a venezuelana (não há dados sobre Cuba e Suriname).

O Brasil seria então um caso à parte na região, pois a estrutura produtiva é mais avançada? Poderia ser. Em geral, países pobres podem crescer mais fácil e rapidamente até atingir um nível de renda média (como a do Brasil), dadas certas condições (industrialização, urbanização, certa ordem política e social etc.).

Mas tanto países mais ricos como os mais pobres cresceram muito mais que nós. O PIB per capita do Chile é 38% maior que o do Brasil; o do Uruguai, 18% maior. O do Paraguai, a metade. O da Bolívia, 38% do nosso.

O Brasil teria outra síndrome muito particular de crescimento, “estrutural”? Quem sabe. Mas, de 2003 a 2010, anos Lula, nosso PIB per capita cresceu 24,5%, não muito diferente de Bolívia, Chile, Colômbia ou Paraguai. Os alunos excepcionais foram Uruguai (60%) e Peru (47%).

Quais as estimativas para 2016? Nas previsões dos economistas do Itaú, o México cresce 2,8%. Chile, 2,3%. Colômbia, 2,5%. Peru, 3,8%. Brasil: decresce 2,8%.

Qual o nome da síndrome brasileira?

Sobre a luz e a escuridão

Na semana passada estive em Haia, na Holanda, participando num festival literário cujo tema, “Hello Darkness!” (Oi, Escuridão!), já prenunciava um programa original. Assim aconteceu. Ao longo de vários debates e leituras os escritores presentes foram desafiados a discutir a maldade e a escuridão nas suas vidas e nas suas obras. Muitos, como o poeta sírio Adonis, o romancista egípcio Alaa al Aswany, ou a romancista chinesa Jung Chang, provinham de países sujeitos a regimes ditatoriais. Outros haviam atravessado longas guerras civis. Vários afirmaram escrever para tentar compreender a maldade. A bondade é como a água pura: não tem grande mistério.

A mim fascinam-me os personagens perversos. Tento encontrar neles algo que os resgate. Uma centelha de humanidade. Também me interessa perceber como alguém escolhe um lado ou outro: pessoas cujo destino as empurrou, desde muito cedo, para a escuridão, mas que conseguem (rindo) alçar-se para o lado luminoso da vida; pessoas que, pelo contrário, nasceram com o caminho desimpedido e escolheram a corrupção e a maldade.

Numa guerra, combatentes e não combatentes estão autorizados a ser maus. A maldade é encorajada. Cidadãos comuns transformam-se em monstros. Acontece algo semelhante a populações sujeitas a regimes totalitários. Em países democráticos, mas com graves distorções sociais, como o Brasil, a situação pode não ser muito melhor. Sociedades doentes empurram as pessoas para o lado escuro.
Rosa de porcelana (Etlingera elatior)
Quando estou em Lisboa gosto de correr junto ao rio. No Inverno isso é um pouco mais difícil porque o tempo nem sempre ajuda. Então inscrevi-me numa academia com vista para as águas do Tejo. Corro numa esteira, mas os meus olhos continuam a acompanhar o rio, até a ponte, quer chova ou faça sol. Há poucos dias um amigo apresentou-me a um dos professores. “O gajo tem uma história extraordinária”, disse-me. E realmente tem. Sérgio nasceu numa fazenda, no interior de Alagoas. Abandonado pela mãe à nascença, foi recolhido por um casal, e criado numa cidade próxima. Aos 12 anos zangou-se com o pai adotivo e decidiu partir sozinho, à carona, para São Paulo. Passou a viver nas ruas, com outros garotos, roubando comida para sobreviver. Um dia, aos 14 anos, tropeçou num mendigo. Ocorreu-lhe, tomado por um brusco sentimento de horror, que ele próprio poderia vir a ser, dali a poucos anos, aquele homem sujo e cheirando mal. Nesse mesmo dia começou a trabalhar como entregador para um feirante. Mais tarde arranjou emprego numa academia de jiu-jitsu. Limpava as instalações e treinava. Dormia lá. Veio a ser campeão mundial de MMA, modalidade de artes marciais mistas. Após uma passagem de dois anos pela Legião Estrangeira, em França, fixou-se em Portugal. Lembra-se de ter vivido 45 dias ao relento, nas ruas de Lisboa. Tinha prática, portanto não lhe custou muito. Hoje é um dos personal trainers mais requisitados da cidade. As pessoas gostam dele porque está sempre rindo, brincando, e aquilo que poderia ser uma hora de tortura física acaba se tornando num divertimento.

Há pessoas boas por pura preguiça. Outras são más pela mesma razão. Quer a verdadeira bondade quer a verdadeira maldade exigem esforço. Sérgio é um bom exemplo de alguém contra quem a vida se acirrou, desde muito cedo, à dentada e à patada, e que parecia condenado a permanecer para sempre no seu lado mais sombrio. Contudo, escolheu lutar contra a escuridão e triunfou. “Você leu ‘Capitães da Areia’?”, perguntou-me. E os olhos dele encheram-se de lágrimas. Sim, eu li Jorge Amado de uma ponta a outra. Aprendi com Jorge Amado, o qual, por sua vez, deve ter aprendido, nos terreiros, com a filosofia dos orixás, que somos todos feitos de um pouco de luz e de outro tanto de sombras.

Conheci um antigo guerrilheiro, que viveu quase 20 anos nas matas de Angola, combatendo numa guerra insana e particularmente cruel, e que hoje cultiva e vende rosas de porcelana. A rosa de porcelana (Etlingera elatior) é uma planta, originária da Ásia, que foi introduzida com imenso sucesso em Angola, ainda no tempo colonial. Dá uma flor enorme, belíssima e delicada, que parece realmente ter sido moldada em porcelana. Visitei o antigo guerrilheiro em Benguela, uma velha cidade junto à costa, onde agora vive. Perguntei-lhe, como pergunto sempre a quem fez guerras, como consegue adormecer, à noite, tendo às costas tantos mortos e tanta dor. “Matar era fácil”, disse-me. “Era o que se esperava de nós. É muito mais difícil agora pensar nessas mortes. O que me salva hoje é a beleza das rosas.”

Não estou certo de que a beleza nos salve. Mas ajuda.
José Eduardo Agualusa

Hoje tem Conselhão? Tem. sim senhor


Nada mais adequado do que colocar na rua o Bloco do Conselhão, outra carnavalesca retomada por Dilma para ficar bem foto.

Entre confetes e serpentinas, sob os holofotes de marketing, Dilma sai de destaque no blocão de dezenas de dignos caras de pau, que concordaram em bancar papagaio de pirata para enfeitar a carnavalesca agenda positiva.

Conselho é para discussão, mas já se antecipa que os conselheiros formarão apenas plateia para ouvir as apresentações de cinco ministros da tropa de choque presidencial e principalmente se calar diante do discurso inexorável de Dilma, que tem a última palavra. Serão homens e mulheres que concordam em participar de mais um espetáculo midiático promovido pelo marketing do Planalto.

Inacreditável que os componentes dessa "banda", onde já estiveram José Carlos Bumlai, José Dirceu, Marcelo Oderbrecht e João Vaccari - hoje trancafiados - acreditem que terão alguma influência ou serão ouvidos pela mouca presidente, que quer "dividir a responsabilidade".

O Conselhão será mais um circo para o público petista e comparsa, mas positivamente seus integrantes não devem aceitar essa "divisão" do crime calamitoso de se destruir um país como Dilma pretende.

Levar o Brasil para o fundo do poço é de responsabilidade única de Dilma. Afinal está no cargo legitimamente eleita e empossada. Dividir a responsabilidade como quer é mais um crime em seu já extenso prontuário de irresponsabilidade administrativa.

Depende de nós

O mal e o remédio estão em nós. A mesma espécie humana que agora nos indigna, indignou-se antes e indignar-se-á amanhã. Agora vivemos um tempo em que o egoísmo pessoal tapa todos os horizontes. Perdeu-se o sentido da solidariedade, o sentido cívico, que não deve confundir-se nunca com a caridade. É um tempo escuro, mas chegará, certamente, outra geração mais autêntica. Talvez o homem não tenha remédio, não tenhamos progredido muito em bondade em milhares e milhares de anos sobre a Terra. Talvez estejamos a percorrer um longo e interminável caminho que nos leva ao ser humano. Talvez, não sei onde nem quando, cheguemos a ser aquilo que temos de ser. Quando metade do mundo morre de fome e a outra metade não faz nada... alguma coisa não funciona. Talvez um dia! José Saramago

As nove áreas em que o Brasil é criticado em Direitos Humanos

O Brasil foi citado no Relatório Mundial 2016 da organização Human Rights Watch – que compila abusos de Direitos Humanos em 90 países – pela violência policial e pela superlotação do sistema prisional.

A 26º edição do relatório foi lançada nesta quarta-feira em Istambul. O documento afirma essencialmente que vários governos do planeta reduziram a proteção aos direitos humanos em nome da segurança – e por medo da disseminação de ações terroristas fora do Oriente Médio.

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Segundo a organização, os governos europeus têm fechado suas fronteiras para o fluxo massivo de refugiados fugindo principalmente do conflito sírio – deixando a responsabilidade de lidar com a questão para países vizinhos à Síria.

Algumas das consequências são a islamofobia e a estigmatização de comunidades de imigrantes.

Segundo Maria Laura Canineu, diretora do escritório brasileiro da HRW, o Brasil adotou uma ação positiva na questão dos refugiados.

"O Brasil merece aplausos pela aceitação e pela abertura aos refugiados, principalmente sírios. Foram concedidos mais de 8 mil vistos humanitários. A questão agora é criar oportunidades de trabalho para eles", disse.

O Brasil porém recebeu destaque negativo devido ao alto número de pessoas assassinadas pela polícia – 3 mil em 2014 – e pela superlotação das cadeias, que supera sua capacidade de vagas em 61%. Segundo ela, no campo de abusos de violência na área de segurança pública, o Brasil enfrenta um dos piores cenários na comparação com os outros países.

"A situação (de violência policial) não melhora, só piora. Acreditamos que isso acontece devido a um fracasso generalizado das instituições em combater a impunidade", disse Canineu.

Segundo ela, a situação no ano passado foi agravada por esforços de grupos políticos em aprovar legislações que tentam "regredir" as conquistas na área de direitos humanos.

O documento da HRW critica o histórico do ano no país em 9 áreas sensíveis do ponto de vista dos direitos humanos.