quinta-feira, 4 de maio de 2017
Qualidade e quantidade
– Quê? Exclamou ele. Enxotam-me daqui? Negam-me talento? Pois hei de provar que sou um grande figurão e vocês não passam duns idiotas.
Enterrou o chapéu na cabeça e dirigiu-se à praça pública onde se apinhava copiosa multidão de beócios. Lá trepou em cima duma pipa e pôs-se a declamar.
Disse asneiras como nunca, tolices de duas arrobas, besteiras de dar com um pau. Mas como gesticulava e berrava furiosamente, o povo em delírio o aplaudiu com palmas e vivas – e acabou carregando-o em triunfo.
– Viram? – resmungou ele ao passar ao pé dos sábios. Reconheceram a minha força? Respondam-me agora: que vale a opinião de vocês diante desta vitória popular?
Um dos sábios retrucou serenamente:
- A opinião da qualidade despreza a opinião da quantidade.
Monteiro Lobato
Supremo: a vez e a voz do plenário
Ao contrário do que muitos pensam, a principal questão levantada pelo habeas corpus de José Dirceu não foi se deveria ou não ter sido concedido. Mas quem decidiu e como foi decidido. E as mudanças diante disso.
Teori Zavascki abriu o caminho que ontem foi seguido pelo ministro Edson Fachin. Caminho este que pode mudar o curso da História do Supremo Tribunal Federal.
Quando teve que decretar a prisão do senador Delcídio Amaral diante das conversas gravadas entre o senador, o filho de Nestor Cerveró e o advogado Edson Ribeiro, Teori pediu reunião de emergência da Segunda Turma. Para referendar a decisão que regimentalmente lhe competia decretar.
Decisão de muito impacto. Grave demais para ser tomada por um ministro sozinho; ou por três. Agiu com a cautela exigida pelo Código de Ética da Magistratura. O magistrado tem que estar atento às consequências que suas decisões podem provocar. Ter a virtude da prudência.
A decisão sobre a soltura de José Dirceu foi tomada por três votos a dois. Com graves divergências. O Supremo tem 11 ministros. Três tomaram a decisão em nome de todos.
A questão decisiva é: quem é o Supremo?
Quem deve tomar decisões em seu nome? O juiz sozinho? A Turma? Ou o plenário? Quem é o “juiz natural” no Supremo? Quem constitucionalmente tem o poder natural para decidir? Perguntam-se os juristas.
Ontem, o ministro Fachin parece ter enfrentado a questão. Por cautela e prudência, decidiu levar ao plenário a decisão sobre a manutenção da prisão do ex-ministro Antonio Palocci.
Nada assegura que os seis silentes, que não votaram, reverteriam a concessão do habeas corpus de Dirceu. Ou que referendarão a decisão de Fachin pela manutenção da prisão de Palocci. Esta incerteza judicial é natural. Mas, pelos menos agora, será uma decisão da maioria real e constitucional do Supremo.
Quando uma minoria de três decide pela maioria de 11, essa minoria mantém os réus, deputados e senadores, mesmo de partidos concorrentes, e o Congresso subjugados. Dependentes de eventual e provisória aliança política ou mesmo jurídica.
Tudo estaria assim dominado. Mas parece que não está.
Teori Zavascki abriu o caminho que ontem foi seguido pelo ministro Edson Fachin. Caminho este que pode mudar o curso da História do Supremo Tribunal Federal.
Quando teve que decretar a prisão do senador Delcídio Amaral diante das conversas gravadas entre o senador, o filho de Nestor Cerveró e o advogado Edson Ribeiro, Teori pediu reunião de emergência da Segunda Turma. Para referendar a decisão que regimentalmente lhe competia decretar.
Decisão de muito impacto. Grave demais para ser tomada por um ministro sozinho; ou por três. Agiu com a cautela exigida pelo Código de Ética da Magistratura. O magistrado tem que estar atento às consequências que suas decisões podem provocar. Ter a virtude da prudência.
A decisão sobre a soltura de José Dirceu foi tomada por três votos a dois. Com graves divergências. O Supremo tem 11 ministros. Três tomaram a decisão em nome de todos.
A questão decisiva é: quem é o Supremo?
Quem deve tomar decisões em seu nome? O juiz sozinho? A Turma? Ou o plenário? Quem é o “juiz natural” no Supremo? Quem constitucionalmente tem o poder natural para decidir? Perguntam-se os juristas.
Ontem, o ministro Fachin parece ter enfrentado a questão. Por cautela e prudência, decidiu levar ao plenário a decisão sobre a manutenção da prisão do ex-ministro Antonio Palocci.
Nada assegura que os seis silentes, que não votaram, reverteriam a concessão do habeas corpus de Dirceu. Ou que referendarão a decisão de Fachin pela manutenção da prisão de Palocci. Esta incerteza judicial é natural. Mas, pelos menos agora, será uma decisão da maioria real e constitucional do Supremo.
Quando uma minoria de três decide pela maioria de 11, essa minoria mantém os réus, deputados e senadores, mesmo de partidos concorrentes, e o Congresso subjugados. Dependentes de eventual e provisória aliança política ou mesmo jurídica.
Tudo estaria assim dominado. Mas parece que não está.
Com Lava Jato a pino, Brasília repete os erros
Michel Temer decidiu colocar ordem no bazar. Começou a punir os deputados que venderam a honra ao governo e não entregaram a mercadoria. Para reduzir as traições na votação da reforma da Previdência, o presidente demite apadrinhados dos deputados que traíram o Planalto na reforma trabalhista. Um dos primeiros demitidos se chama Marcelo Xavier de Castro. Foi indicado pelo deputado Deley, do PTB do Rio. Era diretor de Finanças e Administração da INB, Indústrias Nucleares do Brasil S.A.. O que leva um deputado a se apossar da diretoria financeira de um nicho estatal? Emílio Odebrecht, em sua delação, explicou: eles não estão atrás de cargos, mas de orçamentos gordos.
Temer joga o velho jogo do fisiologismo. A única diferença é que mudou de lado. Como presidente do PMDB, ele era consumidor de cargos. Como presidente da República, é um provedor de cofres gordos. O que há de mais desalentador nesse processo é que roubaram da cena política até o ponto de exclamação. O absurdo ganhou uma doce naturalidade. Os deputados continuam transitando pelos corredores do Congresso com código de barras na lapela.
O primeiro Parlamento brasileiro, a Assembléia Constituinte convocada por dom Pedro I na época da Independência, durou seis meses. O imperador fechou a birosca em novembro de 1823. Alegou que os parlamentares descumpriram o juramento de ''salvar o Brasil''. O Congresso seria fechado outras seis vezes. Com a redemocratização, em 1985, imaginou-se que o Legislativo sairia de um jejum para um banquete de poderes. Foi um engano. Hoje, mesmo com a Lava Jato a pino, nada muda. O Congresso ora se vende ora se rende. Na maioria das vezes, se rende depois de se vender. O que não se compreende é por que a democracia brasileira insiste em cometer velhos erros com tantos erros novos a serem cometidos!
Temer joga o velho jogo do fisiologismo. A única diferença é que mudou de lado. Como presidente do PMDB, ele era consumidor de cargos. Como presidente da República, é um provedor de cofres gordos. O que há de mais desalentador nesse processo é que roubaram da cena política até o ponto de exclamação. O absurdo ganhou uma doce naturalidade. Os deputados continuam transitando pelos corredores do Congresso com código de barras na lapela.
O primeiro Parlamento brasileiro, a Assembléia Constituinte convocada por dom Pedro I na época da Independência, durou seis meses. O imperador fechou a birosca em novembro de 1823. Alegou que os parlamentares descumpriram o juramento de ''salvar o Brasil''. O Congresso seria fechado outras seis vezes. Com a redemocratização, em 1985, imaginou-se que o Legislativo sairia de um jejum para um banquete de poderes. Foi um engano. Hoje, mesmo com a Lava Jato a pino, nada muda. O Congresso ora se vende ora se rende. Na maioria das vezes, se rende depois de se vender. O que não se compreende é por que a democracia brasileira insiste em cometer velhos erros com tantos erros novos a serem cometidos!
Sem aposentadoria aos 116 anos por ser exageradamente idosa para o banco
Os 1.200 pesos (200 reais) que María Félix Nava recebia por mês eram sua principal fonte de renda até que uma mudança burocrática no México a obrigou a abrir uma conta bancária e obter um cartão. Mas 116 são anos demais para conseguir exercer esse direito. Félix Nava viveu um século completo e quase duas décadas de outro. Ficou órfã e sem irmãos quando ainda era menina, pouco antes da Revolução Mexicana. Nunca mais soube deles. Passou dois anos vagando por Laguna Grande (Estado de Zacatecas, centro do México) sem outra ajuda além da que os moradores lhe ofereciam.“Eu comia nopales [um tipo de cacto habitual na dieta mexicana] e quelites [ervas silvestres comestíveis]; os feijões e o milho eram um luxo”, narra por telefone. Sobreviveu desse jeito até que uma família a recolheu da rua. Não pôde estudar – não sabe nem ler e escrever –, casou-se aos 22 anos e teve 10 filhos, seis deles já mortos, além de 20 netos, 56 bisnetos e 23 tataranetos. E nunca imaginou que, depois de uma vida marcada pela adversidade, enfrentaria um último empecilho que lhe tira o sossego quando está prestes a completar 117 anos.
Em janeiro, quando – com a ajuda de sua filha Marina, sua sombra dia e noite – tentou receber o benefício previdenciário ao qual tem direito devido à sua precária situação econômica, a operação foi negada. Félix Nava já havia passado quase um ano recebendo essa pensão para maiores de 65 anos em situação de vulnerabilidade: até janeiro deste ano, o dinheiro era depositado numa conta conjunta da qual os 50.000 beneficiários do programa assistencial podiam retirar mensalmente a quantia atribuída. “Mas a regra mudou e obrigou essas pessoas a terem uma conta bancária individual em que receberiam seu dinheiro”, explica Miguel Castro, secretário de Desenvolvimento e Integração Social de Jalisco, o Estado onde Félix Nava vive há cinco décadas. Aí começou sua peripécia: ao solicitar a abertura da conta corrente individual e um cartão para saques, o sistema do Citibanamex barrou o trâmite pelo fato de a cliente ter mais de 110 anos.
“Disseram-me que esse era o limite”, afirma, com certa resignação e uma voz vigorosa para sua avançada idade. O banco se justifica citando uma falha de programação no sistema informático que emite novos cartões. “Não estava programado para conceder cartões a maiores de 110 anos. Era a primeira vez que uma pessoa tão idosa o solicitava”, diz Francisco Cabellero, chefe de Comunicação Social do Citibanamex. “O sistema já foi corrigido e reprogramado, e a idade agora é ilimitada”, acrescentou. Mesmo que por questões informáticas – e não por vontade do banco, como faz questão de reiterar a instituição –, essa barreira violava a Constituição mexicana, que proíbe “toda discriminação motivada por (...) idade (...) ou qualquer outra que atente contra a dignidade humana e tenha por objetivo anular ou menosprezar os direitos e liberdades das pessoas”.
O caso chegou, quase três meses depois, aos ouvidos do Governo de Jalisco. “Ficamos sabendo pela imprensa local”, diz Castro. “Emitimos um cheque nominal a ela e a acompanhamos no processo. Mas o caso é mais um exemplo da burocracia; não só dos bancos, mas também a nossa, das autoridades: há 55 outras pessoas que não puderam receber a ajuda depois da mudança de regra”, relata o responsável por assuntos sociais desse Estado mexicano. “Não deve voltar a ocorrer.”
Aos 116 anos, Félix Nava é a mulher mais idosa de Jalisco. “E acham que uma das mais velhas do México, embora isso ninguém tenha confirmado”, diz sua filha Marina. Até receber o cheque relativo aos três meses atrasados, as duas se viraram com a pensão da filha e com a ajuda de seus netos e bisnetos e de uma associação sem fins lucrativos do Tlaquepaque, na região metropolitana de Guadalajara, onde vivem. Valiam-se também dos poucos pesos que ganham numa improvisada barraca de guloseimas e doces que montam diariamente na porta de casa. “Apesar da idade, ela é completamente independente”, salienta Fernanda, uma amiga da família. E, transtornos burocráticos à parte, Félix Nava parece satisfeita: “Estou bem; só rezo para que tudo continue igual”.
María Félix Nava, em sua casa do Tlaquepaque (Jalisco) |
“Disseram-me que esse era o limite”, afirma, com certa resignação e uma voz vigorosa para sua avançada idade. O banco se justifica citando uma falha de programação no sistema informático que emite novos cartões. “Não estava programado para conceder cartões a maiores de 110 anos. Era a primeira vez que uma pessoa tão idosa o solicitava”, diz Francisco Cabellero, chefe de Comunicação Social do Citibanamex. “O sistema já foi corrigido e reprogramado, e a idade agora é ilimitada”, acrescentou. Mesmo que por questões informáticas – e não por vontade do banco, como faz questão de reiterar a instituição –, essa barreira violava a Constituição mexicana, que proíbe “toda discriminação motivada por (...) idade (...) ou qualquer outra que atente contra a dignidade humana e tenha por objetivo anular ou menosprezar os direitos e liberdades das pessoas”.
O caso chegou, quase três meses depois, aos ouvidos do Governo de Jalisco. “Ficamos sabendo pela imprensa local”, diz Castro. “Emitimos um cheque nominal a ela e a acompanhamos no processo. Mas o caso é mais um exemplo da burocracia; não só dos bancos, mas também a nossa, das autoridades: há 55 outras pessoas que não puderam receber a ajuda depois da mudança de regra”, relata o responsável por assuntos sociais desse Estado mexicano. “Não deve voltar a ocorrer.”
Aos 116 anos, Félix Nava é a mulher mais idosa de Jalisco. “E acham que uma das mais velhas do México, embora isso ninguém tenha confirmado”, diz sua filha Marina. Até receber o cheque relativo aos três meses atrasados, as duas se viraram com a pensão da filha e com a ajuda de seus netos e bisnetos e de uma associação sem fins lucrativos do Tlaquepaque, na região metropolitana de Guadalajara, onde vivem. Valiam-se também dos poucos pesos que ganham numa improvisada barraca de guloseimas e doces que montam diariamente na porta de casa. “Apesar da idade, ela é completamente independente”, salienta Fernanda, uma amiga da família. E, transtornos burocráticos à parte, Félix Nava parece satisfeita: “Estou bem; só rezo para que tudo continue igual”.
Duas narrativas sobre a Previdência
Os números parecem avassaladores. A pesquisa Datafolha, publicada pela “Folha de S.Paulo” sobre a reforma previdenciária, registra reprovação de 71%, contra aprovação de escassos 23%. À primeira vista, a reforma é um fracasso irremediável na arena de batalha da opinião popular. Contudo, a mesma pesquisa oferece os indícios de que, no fundo, o desastre reflete menos a natureza da reforma que a narrativa política na qual está envolvida.
O governo apostou suas fichas em campanhas de propaganda destinadas a esclarecer os mecanismos do crescente, insustentável, déficit previdenciário. Disse-nos, insistentemente, que as regras atuais chocam-se com a dinâmica demográfica de envelhecimento da população. Explicou-nos, pedagogicamente, que os tempos de contribuição e as idades-limite de aposentadoria, definidos há décadas, refletem as expectativas de vida do passado. Mostrou-nos, à base de estatísticas, que o aumento da participação de idosos na população exige a atualização das regras, sob pena de colapso do sistema de financiamento previdenciário. Nada disso, porém, convenceu 71% dos brasileiros — inclusive, especialmente, os que têm curso superior, grupo no qual a rejeição à reforma atinge 76%. Como interpretar isso?
Reformas previdenciárias são impopulares em todos os países, pois atingem expectativas universais de direitos pecuniários. Mesmo assim, elas avançaram em diversos países europeus, obtendo níveis razoáveis de legitimação política. Na Alemanha, a significativa elevação da idade mínima de aposentadoria decorreu de amplos acordos costurados entre os dois partidos tradicionais (a social-democracia e a democracia-cristã) e as centrais sindicais. O caso alemão é singular: um espelho da notável coesão política de uma sociedade que se reconstruiu a partir das experiências das sucessivas tragédias nacionais provocadas pelo nazismo e pelo comunismo. Mas o impulso reformista manifesta-se, hoje, também na França, um bastião da política corporativa, na forma do surpreendente apoio popular à candidatura de Emmanuel Macron, que promete mexer em sacrossantos direitos trabalhistas e previdenciários. Por que, então, nada similar acontece no Brasil?
Nossa “história profunda” sugere fragmentos de respostas. No país de colonos empenhados em “fazer a América”, o interesse privado suplanta o interesse público. No país de colonos modernizado pelo varguismo, o Estado aparece como fonte universal de oferta de direitos e a elite política extrai sua legitimidade da prerrogativa de assegurar a distribuição de rendas. Por aqui, desprezamos bens públicos de usufruto geral (escolas, hospitais, redes de saneamento, transportes urbanos, parques, museus, bibliotecas), mas agarramo-nos a direitos pecuniários de usufruto individual (aposentadorias, pensões, bolsas, cotas, cestas básicas, passes livres, meias-entradas). FHC, Lula e Dilma esbarraram em muralhas de rejeição, quando ousaram ensaiar reformas previdenciárias. Recusamo-nos terminalmente, portanto, a entender as contas, a acatar as realidades básicas da aritmética?
Os sindicalistas, em particular as entidades do funcionalismo, confrontam a campanha do governo com a tese de que não existe um déficit previdenciário. A aritmética política deles opera por oníricas adições (receitas previdenciárias puramente imaginárias) e espertas subtrações (despesas previdenciárias magicamente descartadas). Há quem simule acreditar nisso — mas 76% dos cidadãos com diploma universitário? As informações do Datafolha insinuam algo diferente: da pesquisa, extrai-se a hipótese de que o erro se encontra na narrativa governista. No lugar da ênfase na lógica atuarial (ou seja, na sustentabilidade das contas previdenciárias), o esforço de persuasão deveria se concentrar nas teclas do privilégio e da igualdade.
Nos gráficos do Datafolha, nítidas maiorias rejeitam as regras diferenciadas para militares (58%), policiais (55%) e professores (54%). Nosso sistema previdenciário está crivado pelas exceções corporativas e contaminado pelo privilégio, beneficiando as castas mais abastadas de servidores públicos. A marca da desigualdade, o signo do favorecimento esvaziam-no de legitimidade política. Sob esse pano de fundo, a reforma projetada pelo governo aparece (justa ou injustamente) como uma conspiração devotada a cobrar das pessoas comuns as dívidas contraídas por um edifício de injustiças. Diante de outra narrativa, o Brasil poderia ser uma Alemanha — ou, ao menos, uma França.
A narrativa, porém, não é uma escolha livre, mas um fruto incontornável das circunstâncias políticas. Um governo eleito sob uma plataforma reformista teria a oportunidade de formular um projeto previdenciário baseado nos princípios da sustentabilidade financeira e da igualdade de direitos. Nessa hipótese, o discurso da reforma confrontaria as resistências sindicais alvejando os privilégios e exceções corporativas. O país não pertence a juízes, procuradores, homens em armas ou professores. Os privilégios são pagos às custas da ruína da educação, da saúde, dos transportes e dos espaços públicos urbanos. A natureza do governo Temer, porém, coloca tal narrativa fora de seu alcance.
Temer não nasceu do voto popular, mas do impeachment da presidente de quem era sócio político. Na falta de legitimidade eleitoral, seu governo depende, exclusivamente, de uma coalizão de ocasião, constituída no ambiente de desmoralização generalizada da elite política. Seu projeto de reforma previdenciária, eivado de exceções, expressa os temores de uma base parlamentar sitiada pelas pressões corporativas. A narrativa que lhe resta está calçada apenas no fraco poder persuasivo da aritmética.
O governo impopular usará sua impopularidade para salvar o Brasil de si mesmo, dizem, esperançosos, uns poucos arautos da reforma. É um teorema curioso, que fala mal da democracia.
Demétrio Magnoli
Reformas previdenciárias são impopulares em todos os países, pois atingem expectativas universais de direitos pecuniários. Mesmo assim, elas avançaram em diversos países europeus, obtendo níveis razoáveis de legitimação política. Na Alemanha, a significativa elevação da idade mínima de aposentadoria decorreu de amplos acordos costurados entre os dois partidos tradicionais (a social-democracia e a democracia-cristã) e as centrais sindicais. O caso alemão é singular: um espelho da notável coesão política de uma sociedade que se reconstruiu a partir das experiências das sucessivas tragédias nacionais provocadas pelo nazismo e pelo comunismo. Mas o impulso reformista manifesta-se, hoje, também na França, um bastião da política corporativa, na forma do surpreendente apoio popular à candidatura de Emmanuel Macron, que promete mexer em sacrossantos direitos trabalhistas e previdenciários. Por que, então, nada similar acontece no Brasil?
Nossa “história profunda” sugere fragmentos de respostas. No país de colonos empenhados em “fazer a América”, o interesse privado suplanta o interesse público. No país de colonos modernizado pelo varguismo, o Estado aparece como fonte universal de oferta de direitos e a elite política extrai sua legitimidade da prerrogativa de assegurar a distribuição de rendas. Por aqui, desprezamos bens públicos de usufruto geral (escolas, hospitais, redes de saneamento, transportes urbanos, parques, museus, bibliotecas), mas agarramo-nos a direitos pecuniários de usufruto individual (aposentadorias, pensões, bolsas, cotas, cestas básicas, passes livres, meias-entradas). FHC, Lula e Dilma esbarraram em muralhas de rejeição, quando ousaram ensaiar reformas previdenciárias. Recusamo-nos terminalmente, portanto, a entender as contas, a acatar as realidades básicas da aritmética?
Os sindicalistas, em particular as entidades do funcionalismo, confrontam a campanha do governo com a tese de que não existe um déficit previdenciário. A aritmética política deles opera por oníricas adições (receitas previdenciárias puramente imaginárias) e espertas subtrações (despesas previdenciárias magicamente descartadas). Há quem simule acreditar nisso — mas 76% dos cidadãos com diploma universitário? As informações do Datafolha insinuam algo diferente: da pesquisa, extrai-se a hipótese de que o erro se encontra na narrativa governista. No lugar da ênfase na lógica atuarial (ou seja, na sustentabilidade das contas previdenciárias), o esforço de persuasão deveria se concentrar nas teclas do privilégio e da igualdade.
Nos gráficos do Datafolha, nítidas maiorias rejeitam as regras diferenciadas para militares (58%), policiais (55%) e professores (54%). Nosso sistema previdenciário está crivado pelas exceções corporativas e contaminado pelo privilégio, beneficiando as castas mais abastadas de servidores públicos. A marca da desigualdade, o signo do favorecimento esvaziam-no de legitimidade política. Sob esse pano de fundo, a reforma projetada pelo governo aparece (justa ou injustamente) como uma conspiração devotada a cobrar das pessoas comuns as dívidas contraídas por um edifício de injustiças. Diante de outra narrativa, o Brasil poderia ser uma Alemanha — ou, ao menos, uma França.
A narrativa, porém, não é uma escolha livre, mas um fruto incontornável das circunstâncias políticas. Um governo eleito sob uma plataforma reformista teria a oportunidade de formular um projeto previdenciário baseado nos princípios da sustentabilidade financeira e da igualdade de direitos. Nessa hipótese, o discurso da reforma confrontaria as resistências sindicais alvejando os privilégios e exceções corporativas. O país não pertence a juízes, procuradores, homens em armas ou professores. Os privilégios são pagos às custas da ruína da educação, da saúde, dos transportes e dos espaços públicos urbanos. A natureza do governo Temer, porém, coloca tal narrativa fora de seu alcance.
Temer não nasceu do voto popular, mas do impeachment da presidente de quem era sócio político. Na falta de legitimidade eleitoral, seu governo depende, exclusivamente, de uma coalizão de ocasião, constituída no ambiente de desmoralização generalizada da elite política. Seu projeto de reforma previdenciária, eivado de exceções, expressa os temores de uma base parlamentar sitiada pelas pressões corporativas. A narrativa que lhe resta está calçada apenas no fraco poder persuasivo da aritmética.
O governo impopular usará sua impopularidade para salvar o Brasil de si mesmo, dizem, esperançosos, uns poucos arautos da reforma. É um teorema curioso, que fala mal da democracia.
Demétrio Magnoli
O 'preço módico' do STF
Gilmar mendes está desmoralizando o Supremo e precisa sofrer impeachment
No ano passado, houve vários pedidos de impeachment do ministro Gilmar Mendes, recusados pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Um deles foi apresentado pelos juristas Celso Antônio Bandeira de Mello, Fábio Konder Comparato, Sérgio Sérvulo da Cunha e Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, além da ativista de direitos humanos Eny Raymundo Moreira e do ex-deputado Roberto Amaral.
No último dia 12, a Mesa do Senado recebeu mais um pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes, desta vez apresentada pelo advogado Alberto de Oliveira Piovesan, sob alegação de crime de responsabilidade.
Diante da intransigência de Renan, em 20 de dezembro um outro grupo de juristas impetrou mandado de segurança no Supremo para determinar que o Senado autorize a abertura de processo destinado a afastar o ministro. O pedido ao STF foi apresentado pelo advogado Bruno Rodrigues de Lima, em nome de cinco juristas, entre os quais Cláudio Fonteles, ex-procurador-geral da República.
Cada um desses cinco pedidos de impeachment tem justificativa diferente. Se fossem reunidos num só, estariam transformados num irrecusável dossiê, capaz de provocar o afastamento de qualquer ministro do Supremo, se estivéssemos num país com ordenação garantida. Mas a situação atual demonstra que vivemos em clima de flagrante esculhambação institucional, destinada a garantir a impunidade de autoridades corruptas que estão incrustadas nos três Poderes da República.
O fato concreto é que os pedidos de impeachment não prosperaram e Renan Calheiros sequer os submetia à Mesa Diretora. No mandado de segurança encaminhado ao Supremo pelo grupo de juristas, eles afirmam que o então presidente do Senado era suspeito para analisar os requerimentos, porque Gilmar Mendes foi um dos ministros que votou pela rejeição da denúncia contra Renan no dia 1º de dezembro, quando o STF enfim aceitou, por 8 a 3, transformar o senado alagoano em réu por crime de peculato.
O motivo principal para impeachment deveria o estranho comportamento de Gilmar Mendes, que decididamente não tem postura compatível com a liturgia de ministro do Supremo. Na maior parte do tempo, ele age como ativista político e despreza o Código de Processo Civil, atuando em questões que envolvem pessoas amigas, como o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves, ou até clientes do escritório de advocacia ao qual sua mulher é associada, como o empresário Eike Batista.
Sua atividade política é tão intensa que, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, costuma se reunir com o presidente da República, com os presidente da Câmara e do Senado e com parlamentares notoriamente envolvidos em corrupção, a pretexto de “coordenar” a reforma política, cuja competência é exclusiva do Congresso.
Nunca de viu nada igual na História do Supremo e da República, sua ousadia não tem limites, conforme fica comprovado na reportagem abaixo, publicada em 6 de fevereiro de 2015 pela revista Época e enviada agora à Tribuna da Internet pelo comentarista Marcos José Bispo.
No último dia 12, a Mesa do Senado recebeu mais um pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes, desta vez apresentada pelo advogado Alberto de Oliveira Piovesan, sob alegação de crime de responsabilidade.
Diante da intransigência de Renan, em 20 de dezembro um outro grupo de juristas impetrou mandado de segurança no Supremo para determinar que o Senado autorize a abertura de processo destinado a afastar o ministro. O pedido ao STF foi apresentado pelo advogado Bruno Rodrigues de Lima, em nome de cinco juristas, entre os quais Cláudio Fonteles, ex-procurador-geral da República.
O fato concreto é que os pedidos de impeachment não prosperaram e Renan Calheiros sequer os submetia à Mesa Diretora. No mandado de segurança encaminhado ao Supremo pelo grupo de juristas, eles afirmam que o então presidente do Senado era suspeito para analisar os requerimentos, porque Gilmar Mendes foi um dos ministros que votou pela rejeição da denúncia contra Renan no dia 1º de dezembro, quando o STF enfim aceitou, por 8 a 3, transformar o senado alagoano em réu por crime de peculato.
O motivo principal para impeachment deveria o estranho comportamento de Gilmar Mendes, que decididamente não tem postura compatível com a liturgia de ministro do Supremo. Na maior parte do tempo, ele age como ativista político e despreza o Código de Processo Civil, atuando em questões que envolvem pessoas amigas, como o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves, ou até clientes do escritório de advocacia ao qual sua mulher é associada, como o empresário Eike Batista.
Sua atividade política é tão intensa que, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, costuma se reunir com o presidente da República, com os presidente da Câmara e do Senado e com parlamentares notoriamente envolvidos em corrupção, a pretexto de “coordenar” a reforma política, cuja competência é exclusiva do Congresso.
Nunca de viu nada igual na História do Supremo e da República, sua ousadia não tem limites, conforme fica comprovado na reportagem abaixo, publicada em 6 de fevereiro de 2015 pela revista Época e enviada agora à Tribuna da Internet pelo comentarista Marcos José Bispo.
Brasil acima de tudo
Será que os doutos Ministros do STF avaliam o mal que têm causado ao país? Ou o Olimpo em que vivem os afasta totalmente da consciência nacional? Façam uma pesquisa para avaliar o que a população honesta pensa, hoje, da instituição em que militam. Vossas Exas votam calcados em saber jurídico? Não parece. Para a imensa maioria, fingem fazê-lo. Em votos prolixos e tardios, dão vazão a imensuráveis vaidades, a desavenças pessoais e a discutíveis convicções ideológicas. Hoje, transmitem à Nação, alarmada pela criminalidade e corrupção que se alastram, uma lamentável insegurança jurídica e uma frustrante certeza da impunidade. Passam a sensação de que o Brasil, com esse Tribunal, não tem nenhuma chance de sair do buraco; e colocam em sério risco nossa combalida e vilipendiada “democracia”. Sabemos que são professores de Deus e lhes pedimos,apenas, que desçam do pedestal e coloquem o Brasil acima de tudo.
General da reserva Augusto Heleno Fragoso, ex-comandante na Amazônia e das tropas brasileiras no Haiti
Somos vítimas permanentes dos eternos vendedores de ilusões
Inicio estas linhas semanais, caro leitor, cada vez mais impressionado com o que ocorre de trágico em nosso país e, claro, no mundo inteiro. Que cada qual cuide, no mundo, de seu país, e que nós cuidemos do nosso, enquanto há tempo, antes que a crise, em todos os setores, se agrave mais ainda. Não há no que falo nenhum ressaibo de sentimento pessimista. Já me preparei para combatê-lo quando surge.
Como se não bastassem nossas tragédias cotidianas, que vão da violência escancarada à corrupção generalizada - esta última vinda à tona por meio da operação Lava Jato, que, pela primeira vez, enfrenta os poderosos, mas que jamais pode afastar-se do Estado democrático de direito - tomei conhecimento, na manhã de ontem, de um assassinato brutal e covarde em fazenda próximo a Belo Horizonte.
A pequena propriedade a que me refiro me pertenceu há algum tempo, e a vítima trabalhou comigo durante 23 anos. Foi através dela, e também de outros que também trabalharam comigo, que, a partir da década de 1970, passei a respeitar a natureza. Aprendi com eles, no amanho da terra e na pequena criação de gado leiteiro, o que jamais aprendi em toda minha vida. Devo a eles o que não posso pagar. Completei lá verdadeiro curso de pós-graduação no conhecimento da terra e da vida, mas, sobretudo, no conhecimento da vida do trabalhador rural, em grande parte responsável pelo desenvolvimento de nosso país.
Impactado pela injustiça contra os pequenos que grassa neste país (daí o cuidado que se deve ter com as reformas que estão sendo propostas pelo governo), tirei do artigo “A arte de enganar os eleitores”, de Sandra Starling, publicado neste O TEMPO, o título que dei a estas linhas. Depois de se referir ao presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e a Marine Le Pen, líder da direita radical que disputa o segundo turno com Emmanuel Macron (do movimento Em Marcha!) na França, Sandra diz que operários votam nos “vendedores de ilusões para caírem depois na desilusão”. “Escrevo isso porque estou acompanhando também as pesquisas sobre quem poderá vir a ser o presidente eleito no Brasil em 2018”, explica ela.
E é exatamente isso, leitor, que poderá acontecer, digo eu, se os operários brasileiros, sobretudo os mais humildes e desassistidos, apostarem, pela terceira vez consecutiva (se isso for possível, depois de tantos processos contra ele), no ex-presidente, por duas vezes, Luiz Inácio Lula da Silva – um autêntico vendedor de ilusões, que, auxiliado pela ex-presidente Dilma Rousseff, depois de obrigado a engoli-la na reeleição, sangrou o país por meio de concessões absurdas, tanto a bancos quanto a empresas e governos amigos, financiados pelo BNDES.
Não sei se Lula será ou não preso. Nem se deve ser ou não preso. Não compulsei os processos contra ele, e como dizia meu professor Amílcar de Castro, “direito é prova, nada mais do que isto”. Sei, porém, que contra fatos tão notórios poderá haver argumentos.
Rezemos para que Deus, finalmente, tenha piedade dos brasileiros. Que não caiamos, pela terceira vez, nas mãos hábeis (e corrompidas) de um traidor, que se vestiu de vendedor de ilusões, nem muito menos nas de um maluco da direita, que tem certeza de que é Deus.
O que posso dizer, enfim, é que também eu, leitor, com outra honrosa exceção, fui vítima de vendedores de ilusão. Além dos pequenos e humildes, eles enganam a ingênuos ou incautos.
Durma em paz, Silvânio!
Como se não bastassem nossas tragédias cotidianas, que vão da violência escancarada à corrupção generalizada - esta última vinda à tona por meio da operação Lava Jato, que, pela primeira vez, enfrenta os poderosos, mas que jamais pode afastar-se do Estado democrático de direito - tomei conhecimento, na manhã de ontem, de um assassinato brutal e covarde em fazenda próximo a Belo Horizonte.
Impactado pela injustiça contra os pequenos que grassa neste país (daí o cuidado que se deve ter com as reformas que estão sendo propostas pelo governo), tirei do artigo “A arte de enganar os eleitores”, de Sandra Starling, publicado neste O TEMPO, o título que dei a estas linhas. Depois de se referir ao presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e a Marine Le Pen, líder da direita radical que disputa o segundo turno com Emmanuel Macron (do movimento Em Marcha!) na França, Sandra diz que operários votam nos “vendedores de ilusões para caírem depois na desilusão”. “Escrevo isso porque estou acompanhando também as pesquisas sobre quem poderá vir a ser o presidente eleito no Brasil em 2018”, explica ela.
E é exatamente isso, leitor, que poderá acontecer, digo eu, se os operários brasileiros, sobretudo os mais humildes e desassistidos, apostarem, pela terceira vez consecutiva (se isso for possível, depois de tantos processos contra ele), no ex-presidente, por duas vezes, Luiz Inácio Lula da Silva – um autêntico vendedor de ilusões, que, auxiliado pela ex-presidente Dilma Rousseff, depois de obrigado a engoli-la na reeleição, sangrou o país por meio de concessões absurdas, tanto a bancos quanto a empresas e governos amigos, financiados pelo BNDES.
Não sei se Lula será ou não preso. Nem se deve ser ou não preso. Não compulsei os processos contra ele, e como dizia meu professor Amílcar de Castro, “direito é prova, nada mais do que isto”. Sei, porém, que contra fatos tão notórios poderá haver argumentos.
Rezemos para que Deus, finalmente, tenha piedade dos brasileiros. Que não caiamos, pela terceira vez, nas mãos hábeis (e corrompidas) de um traidor, que se vestiu de vendedor de ilusões, nem muito menos nas de um maluco da direita, que tem certeza de que é Deus.
O que posso dizer, enfim, é que também eu, leitor, com outra honrosa exceção, fui vítima de vendedores de ilusão. Além dos pequenos e humildes, eles enganam a ingênuos ou incautos.
Durma em paz, Silvânio!
Jornalistas avaliam que liberdade de imprensa diminuiu
Os jornalistas brasileiros sentem que a liberdade e a independência da imprensa diminuíram nos últimos dez anos. Questionados sobre os presidentes da República que mais interferiram no trabalho, a maioria apontou o atual, Michel Temer. Com mais da metade das respostas, ele está bem à frente do segundo colocado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula a Silva.
Os resultados são da pesquisa "Liberdade de imprensa nas redações brasileiras 2017", da pesquisadora Adélia Franceschini. Os números foram divulgados nesta quarta-feira durante o 9º Fórum Liberdade de Imprensa e Democracia, promovido pela Revista e Portal Imprensa, com apoio do Grupo Globo, da Souza Cruz, e da seção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no DF. O questionário foi respondido por cerca de 400 jornalistas em 2007, e 200 em 2017.
— Quando nós perguntávamos: os meios de comunicação são independentes? Nós tínhamos em 2007 42% e caiu para 22%, quase pela metade. Liberdade de imprensa piorou nos últimos cinco anos. Essa era a opinião de 15% em 2007, subiu para 54%. É um grande salto. Tem total ou muita liberdade para trabalhar: era a verdade há dez anos para mais da metade dos jornalistas. Hoje caiu para menos da metade — resumiu Adélia, durante a apresentação da pesquisa.
Questionado sobre o presidente que mais interfere na imprensa, 53% responderam que é o atual, Michel Temer. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), na segunda colocação, foi escolhido por 10%. Outros 9% apontaram Fernando Henrique (1995-2002) e 7% Dilma. O restante não indicou ninguém ou não soube responder.
A maioria dos jornalistas acha que há menos liberdade de imprensa em cidades menores. Quanto ao tamanho da empresa, há dez anos 31% concordavam muito que grandes veículos de comunicação propiciavam mais liberdade. Hoje são 9%. Enquanto isso, chega a 33% os que não veem diferença à liberdade de imprensa em grandes e pequenos veículos.
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No limite do achincalhe
Com a Operação Lava Jato, muitas coisas têm brotado dos subterrâneos. Algumas delas, em forma de raízes fortalecidas pelo medo da prisão e pela maturação do tempo: as delações premiadas. Tal fenômeno mostra que, de todos os bens acumulados pelos suspeitos, a liberdade é o mais indispensável. Tão indispensável que a fidelidade a alguém ao qual se foi muito próximo pula para o último plano.
As delações do ex-líder do governo no Senado Delcídio Amaral, do casal de publicitários João Santana e Mônica Moura, marqueteiros de uma campanha do ex-presidente Lula e de duas de Dilma Rousseff, e dos executivos e ex-executivos da Odebrecht provam tudo isso. Nenhuma amizade foi capaz de segurar a intangível busca pela liberdade.
Chegou agora a vez de o ex-ministro Antonio Palocci buscar um jeito de sair da prisão.
Esqueça o partido, esqueça os amigos. Palocci disporia de informações que poderiam comprometer Lula seriamente com as propinas pagas pela Sete Brasil, empresa surgida em 2010, cujo plano era construir 29 sondas para o pré-sal e atrair, até 2020, cerca de US$ 25 bilhões, algo em torno de R$ 80 bilhões. Fundos de pensão pressionados pelo governo federal, bancos estatais e privados, Odebrecht e Queiroz Galvão investiram na Sete R$ 8 bilhões. Hoje a empresa está em processo de recuperação judicial.
Palocci foi ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma. Fora do governo, manteve uma empresa de consultoria influente. Não é nada demais. Como ex-ministro deveria carregar apenas segredos de Estado e por eles se responsabilizar. Mas as coisas não são bem assim. Houve no Brasil, nos últimos tempos, um conluio entre o público e o privado de tal monta que o governo quase foi privatizado. Parte da própria legislação brasileira está sob suspeita de ter sido comprada.
Especialista em contas públicas, Castello Branco é mais do que credenciado para assumir uma pasta como a da Transparência. Refugou porque, na opinião dele, o ministério, qualquer um, é uma máquina de moer homens de bem. Diz ele: “Quanto mais alto o cargo, maiores as tentações”.
Tudo o que Castello Branco fala é baseado em experiências próprias. Em 1989, funcionário de carreira dos Correios, ele foi chamado para tocar uma superintendência que cuidava dos imóveis funcionais. Logo descobriu que Maria Isabel C. Afonso Pereira mantinha um imóvel em Brasília, mas ficava lá no Maranhão. Ele requisitou o apartamento de volta para a União.
Em pouco tempo, o governador do Maranhão, Epitácio Cafeteira, ligou para a repartição e mandou desfazer tudo. Perguntou se alguém ali sabia o que era o C. do nome de Isabel. Informou então que o C era de Cafeteira. E que Isabel era sua mulher.
Castello Branco foi exonerado e nomeado para a Secretaria do Patrimônio. Quis cobrar dos que ocupam terrenos de marinha, da União, uma taxa compatível. Foi obrigado a sair. Viu o balanço dos Correios pular de negativo para positivo numa manobra política. Levou o caso ao ministro. Perdeu o cargo. “Ou você se achincalha, ou tem de ir embora. Eu preferi ir embora e montar a ONG.”
As delações do ex-líder do governo no Senado Delcídio Amaral, do casal de publicitários João Santana e Mônica Moura, marqueteiros de uma campanha do ex-presidente Lula e de duas de Dilma Rousseff, e dos executivos e ex-executivos da Odebrecht provam tudo isso. Nenhuma amizade foi capaz de segurar a intangível busca pela liberdade.
Chegou agora a vez de o ex-ministro Antonio Palocci buscar um jeito de sair da prisão.
Palocci foi ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma. Fora do governo, manteve uma empresa de consultoria influente. Não é nada demais. Como ex-ministro deveria carregar apenas segredos de Estado e por eles se responsabilizar. Mas as coisas não são bem assim. Houve no Brasil, nos últimos tempos, um conluio entre o público e o privado de tal monta que o governo quase foi privatizado. Parte da própria legislação brasileira está sob suspeita de ter sido comprada.
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Entrar para um ministério pode ser o sonho de muita gente, talvez até a abertura de portas para a riqueza. Mas é também uma aventura perigosa. O economista Gil Castello Branco foi cotado para assumir o Ministério da Transparência logo que se falou na possibilidade de Michel Temer chegar à Presidência da República. Ele disse não antes que o convite oficial fosse feito. Castello Branco, da ONG Contas Abertas, foi o primeiro a descobrir que o governo de Dilma Rousseff havia feito manobras para melhorar os resultados primários, depois conhecidas por pedaladas fiscais. Resultaram no impeachment de Dilma.
Especialista em contas públicas, Castello Branco é mais do que credenciado para assumir uma pasta como a da Transparência. Refugou porque, na opinião dele, o ministério, qualquer um, é uma máquina de moer homens de bem. Diz ele: “Quanto mais alto o cargo, maiores as tentações”.
Tudo o que Castello Branco fala é baseado em experiências próprias. Em 1989, funcionário de carreira dos Correios, ele foi chamado para tocar uma superintendência que cuidava dos imóveis funcionais. Logo descobriu que Maria Isabel C. Afonso Pereira mantinha um imóvel em Brasília, mas ficava lá no Maranhão. Ele requisitou o apartamento de volta para a União.
Em pouco tempo, o governador do Maranhão, Epitácio Cafeteira, ligou para a repartição e mandou desfazer tudo. Perguntou se alguém ali sabia o que era o C. do nome de Isabel. Informou então que o C era de Cafeteira. E que Isabel era sua mulher.
Castello Branco foi exonerado e nomeado para a Secretaria do Patrimônio. Quis cobrar dos que ocupam terrenos de marinha, da União, uma taxa compatível. Foi obrigado a sair. Viu o balanço dos Correios pular de negativo para positivo numa manobra política. Levou o caso ao ministro. Perdeu o cargo. “Ou você se achincalha, ou tem de ir embora. Eu preferi ir embora e montar a ONG.”
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