quinta-feira, 4 de maio de 2017

No limite do achincalhe

Com a Operação Lava Jato, muitas coisas têm brotado dos subterrâneos. Algumas delas, em forma de raízes fortalecidas pelo medo da prisão e pela maturação do tempo: as delações premiadas. Tal fenômeno mostra que, de todos os bens acumulados pelos suspeitos, a liberdade é o mais indispensável. Tão indispensável que a fidelidade a alguém ao qual se foi muito próximo pula para o último plano.

As delações do ex-líder do governo no Senado Delcídio Amaral, do casal de publicitários João Santana e Mônica Moura, marqueteiros de uma campanha do ex-presidente Lula e de duas de Dilma Rousseff, e dos executivos e ex-executivos da Odebrecht provam tudo isso. Nenhuma amizade foi capaz de segurar a intangível busca pela liberdade.

Chegou agora a vez de o ex-ministro Antonio Palocci buscar um jeito de sair da prisão.


Esqueça o partido, esqueça os amigos. Palocci disporia de informações que poderiam comprometer Lula seriamente com as propinas pagas pela Sete Brasil, empresa surgida em 2010, cujo plano era construir 29 sondas para o pré-sal e atrair, até 2020, cerca de US$ 25 bilhões, algo em torno de R$ 80 bilhões. Fundos de pensão pressionados pelo governo federal, bancos estatais e privados, Odebrecht e Queiroz Galvão investiram na Sete R$ 8 bilhões. Hoje a empresa está em processo de recuperação judicial.

Palocci foi ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma. Fora do governo, manteve uma empresa de consultoria influente. Não é nada demais. Como ex-ministro deveria carregar apenas segredos de Estado e por eles se responsabilizar. Mas as coisas não são bem assim. Houve no Brasil, nos últimos tempos, um conluio entre o público e o privado de tal monta que o governo quase foi privatizado. Parte da própria legislação brasileira está sob suspeita de ter sido comprada.
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Entrar para um ministério pode ser o sonho de muita gente, talvez até a abertura de portas para a riqueza. Mas é também uma aventura perigosa. O economista Gil Castello Branco foi cotado para assumir o Ministério da Transparência logo que se falou na possibilidade de Michel Temer chegar à Presidência da República. Ele disse não antes que o convite oficial fosse feito. Castello Branco, da ONG Contas Abertas, foi o primeiro a descobrir que o governo de Dilma Rousseff havia feito manobras para melhorar os resultados primários, depois conhecidas por pedaladas fiscais. Resultaram no impeachment de Dilma.

Especialista em contas públicas, Castello Branco é mais do que credenciado para assumir uma pasta como a da Transparência. Refugou porque, na opinião dele, o ministério, qualquer um, é uma máquina de moer homens de bem. Diz ele: “Quanto mais alto o cargo, maiores as tentações”.

Tudo o que Castello Branco fala é baseado em experiências próprias. Em 1989, funcionário de carreira dos Correios, ele foi chamado para tocar uma superintendência que cuidava dos imóveis funcionais. Logo descobriu que Maria Isabel C. Afonso Pereira mantinha um imóvel em Brasília, mas ficava lá no Maranhão. Ele requisitou o apartamento de volta para a União.

Em pouco tempo, o governador do Maranhão, Epitácio Cafeteira, ligou para a repartição e mandou desfazer tudo. Perguntou se alguém ali sabia o que era o C. do nome de Isabel. Informou então que o C era de Cafeteira. E que Isabel era sua mulher.

Castello Branco foi exonerado e nomeado para a Secretaria do Patrimônio. Quis cobrar dos que ocupam terrenos de marinha, da União, uma taxa compatível. Foi obrigado a sair. Viu o balanço dos Correios pular de negativo para positivo numa manobra política. Levou o caso ao ministro. Perdeu o cargo. “Ou você se achincalha, ou tem de ir embora. Eu preferi ir embora e montar a ONG.”

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