quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Sabedoria milenar



É difícil adquirir riqueza, mas a pobreza está sempre à mão
Provérbio mesopotâmico 2000 a.C.

Nem por decreto

A sociedade brasileira é conservadora, afirma-se à boca pequena, e a prova seria a eleição de Bolsonaro, que nunca escondeu sua ojeriza às liberdades no campo das escolhas de vida. Será? Ou o resultado das eleições estaria induzindo a conclusões equivocadas? Como se ele tivesse sido eleito pelas suas opiniões retrógradas e não, como foi o caso para muitos de seus eleitores, apesar delas.

Elegeram-no a exasperação com a violência, a indignação com a corrupção e o maciço apoio das igrejas, estas sem dúvida interessadas na pregação moralista. Uma eleição pode ser um termômetro que, em determinado momento e circunstâncias, indique uma febre que pode ter várias causas, não uma alteração orgânica profunda.


Afirmar que a sociedade é conservadora autoriza o conservadorismo a assumir um protagonismo de suposta maioria, justiceira, transformando quem não se enquadre em suas convicções em inimigo do povo. Serve à intimidação.

O governo terá que respeitar a Constituição, o Congresso e os tribunais. Já a vertente retrógrada da sociedade age por si e se propõe a censurar e reprimir os “dissidentes”. Aí reside uma ameaça real. Manter o clima de polarização da campanha eleitoral só interessa aos que alimentam suas hostes com o nós contra eles.

Passada a eleição, a população volta à realidade multifacetada de suas vidas. A liberdade de cada um ser o que é, antes de ser reconhecida como direito, estava presente na vida dos que por ela lutaram e dos que apoiaram essa luta. Essas forças continuam vivas.

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre questões controversas. A ministra Cármen Lúcia, referindo-se atual“onda perigosamente conservadora”,disse,com razão,que“de direitos fundamentais agente não recua”.

A diversidade é constitutiva da sociedade brasileira. Inscrita nos matizes de pele, sexualidades, nas múltiplas formas de religiosidade e de configurações familiares. É uma construção de gerações. Não se fez da noite para o dia, nem de cima para baixo. Não se destrói por decreto.

Gente fora do mapa


Lula constrói com método sua própria Waterloo

Lula frequenta o processo sobre o sítio de Atibaia como um imperador às avessas. Isso acontece porque o réu permite que seus advogados o apresentem como uma espécie de Napoleão se descoroando. Executada com método, a descoroação é tão bem sucedida que o soberano petista tornou-se um exemplo raro de inocente indefeso.

O caso do sítio é muito parecido com o do tríplex, que rendeu a Lula uma condenação de 12 anos e um mês de cadeia. Com uma diferença: o apartamento do Guarujá Lula desistiu de comprar depois que virou escândalo. A propriedade de Atibaia virou escândalo porque Lula utilizou mesmo sem comprar.

Sobram nos autos evidências de que Lula usufruía do sítio como dono. Na condição de ex-presidente, faz jus a assessores remunerados pela União. Entre 2012 e 2016, esses servidores receberam 1.096 diárias para viajar a Atibaia. Funcionários do sítio trocaram e-mails com o Instituto Lula. Batida da PF encontrou espalhados pela casa roupas e objetos pessoais de Lula e de sua mulher Marisa.

Lula é proprietário oculto do imóvel, acusa a Lava Jato. Os verdadeiros donos são dois sócios do filho do imperador, o Lulinha, rebate a defesa. Coisas estranhas passaram a acontecer desde que Lula se apropriou do sítio.

Membros do consórcio Odebrecht-OAS-Bumlai —duas notórias empreiteiras e um pecuarista-companheiro— aplicaram mais de R$ 1 milhão em verbas de má origem numa reforma do sítio. É dinheiro roubado da Petrobras, sustenta a força-tarefa de Curitiba. Não, não. Absolutamente, nega a defesa.

Como de hábito, alega-se que Lula nem sabia que o sítio seria reformado. Nessa versão, contratos comprovariam que as despesas correram por conta dos “donos” do imóvel. Um deles, Fernando Bittar, prestou inusitado depoimento à juíza Grabriela Hardt, substituta de Sergio Moro. Nele, disse que não gastou um mísero tostão.

No processo do tríplex, Lula disse que jamais passou uma noite no imóvel. Admitiu ter visitado o apartamento porque Marisa cogitara comprá-lo. Mas desistiu. Como se sabe, essa lorota deu cadeia. No caso do sítio, recorre-se ao mesmo erro para ver se dá certo. Amigos como Paulo Okamotto e Gilberto Carvalho disseram à Justiça que Lula pensou em adquirir o sítio. Mas não levou a ideia adiante.

A engenhosidade dos advogados transformou Lula num sujeito que mantém ligação sobrenatural com os imóveis. Basta que ele pense em comprar uma propriedade para que a OAS, a Odebrecht ou as duas providenciem os confortos. Assim mesmo, do nada, sem que ninguém solicite.

No tríplex, surgiram um elevador, uma cozinha de luxo, uma sauna, um piso novo… No sítio, outra cozinha, a reforma da sede, a construção de anexos, melhorias no lago, pedalinhos… De repente, quando a coisa vira escândalo, Lula foge pela porta de incêndio: ''Não é meu, não tenho nada a ver com isso.''

Esse tipo de enredo divide os brasileiros em duas categorias: há os cínicos, que conseguem usufruir graciosamente de um sítio paradisíaco, do tamanho de 24 campos de futebol. Há também os azarados como você, caro leitor, que não dispõe de amigos tão generosos. A um desconhecido chamado Fernando Bittar, os mandarins da Odebrecht e da OAS não dariam nem bom dia. A um imperador popular, entregariam a própria alma.

O que estragou o universo de gente como Lula foi uma ferramenta jurídica aperfeiçoada por uma lei que a companheira Dilma Rosseff sancionou quando ainda estava no Planalto. Chama-se colaboração judicial. Permite que amigos se convertam em delatores. E faz com que gente poderosa fique impotente.

Foi assim que amigos como Emílio Odebrecht e Léo Pinheiro jogaram água no chope de Lula. Odebrecht ainda teve a delicadeza de atribuir a encomenda das obras do sítio a “dona Marisa”, que já morreu. Mas Pinheiro, língua em riste, disse ter ouvido a solicitação dos lábios do próprio Lula.

Com o laborioso auxílio dos seus advogados, Lula dedica-se no processo sobre o sítio de Atibaia a desconstruir a imagem que erguera durante uma vida. É como se o imperador petista, no papel de anti-Napoleão, planejasse sua própria Waterloo. Sob atmosfera burlesca, um Lula descoroado vai à presença da juíza Gabriela Hardt, nesta quarta-feira, no papel de duque de Wellington de si mesmo.

Defender a verdade

Hoje a maioria das pessoas já não compra jornais, o que não quer dizer que não os leia na Internet (não estou a falar de assinatura). Eu compro. Gosto do jornal em papel com as páginas todas a estalar e de o folhear de trás para a frente, hábito que julgo ter ganho há anos com a leitura da crónica de Eduardo Prado Coelho na última página do Público – e que agora aplico a todos os outros diários e semanários que costumamos comprar lá em casa (embora leia as revistas do princípio para o fim). Quando vejo uma notícia num jornal impresso, tendo a acreditar nela – o que já não me acontece, por exemplo, se a vir divulgada numa rede social (a morte de um actor ou escritor, um acidente, etc., tantas vezes seguida de um comentário a dizer que é treta). Em tempo de fake news usadas em campanhas políticas contra os adversários (há quem receba um ordenado para espalhar boatos desagradáveis e acusações graves), temos de ter cada vez mais sentido crítico e desconfiança em relação ao que lemos por aí – e, por isso, os jornais tradicionais continuam a ser uma espécie de porto seguro, sobretudo enquanto ainda lá trabalharem profissionais da verdade. Mas, para garantirmos que mantêm alguma isenção e não se deixam influenciar, que têm jornalistas a sério que não se vendem por tuta e meia, precisamos urgentemente de fazer com que se vendam mais, ou seja, precisamos de os comprar. Eu compro um todos os dias e três ao fim-de-semana. Compre também um jornal de vez em quando.

Má-fé e má vontade sabotam o Brasil

Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, durante o mês de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dedicou-se, em vão, a combater fake news no pleito, mas fez vista grossa à maior de todas as mentiras - pregada na campanha, que os institutos de pesquisa previam derrotada - do Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula. Fernando Haddad, o petista que se apresentou à tarefa de representar o presidiário impedido de concorrer, foi o porta-voz da patranha absurda de que o País corria o risco de optar nas urnas pelo fim da democracia, com a instauração do neonazismo e do protofascismo em nossa República.

Em 28 de outubro, o capitão reformado do Exército e deputado federal há 27 anos Jair Bolsonaro obteve 57.797.456 votos, 55,13% do total dos válidos, contra 47.040.819, 44,87%, dados, em teoria, ao ex-prefeito de São Paulo, mas, na prática, ao verdadeiro titular da chapa, dono do PT e ex-presidente. A ampla margem majoritária de 10.756.637 passou a ser depreciada como desprezível por alguns políticos profissionais e pretensos analistas, que logo adicionaram à lorota uma conta não prevista na ordem constitucional vigente. Segundo esses derrotados, falta ao vencedor legitimidade porque, dos 147,3 milhões de eleitores brasileiros aptos, 42,4 milhões não sufragaram o vencedor, Jair Bolsonaro (PSL), a quem teriam faltado, graças a essa conta estúpida, 16 milhões de sufrágios. O argumento cretino, ao incluir votos nulos, em branco e eleitores ausentes, então, nessa hipótese estapafúrdia, levaria a calcular que quase 100 milhões de brasileiros detestariam o ladrão condenado Lula.

O chororô dos vencidos logo se tornou má vontade e má-fé na explícita sabotagem da vontade popular, expressa na eleição. A esquerda Rouanet e os devotos do padim de Caetés, então, negaram seu papel no Estado de Direito, definido pela palavra oposição, e adotaram o termo resistência, cunhado pelos maquis, que se negaram a aceitar a anexação da França aos invasores, pelas tropas nazistas de Hitler.


A troca, contudo, não teve o impacto desejado pelos pregadores do caos, que aí apelaram para o “assassinato da reputação” (apud Romeu Tuma Jr.) do eleito, que passou a ser o culpado universal por tudo o que é ruim. A deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) reproduziu no Twitter um post que insinua ter sido Bolsonaro responsável pelo aumento do gás de cozinha. A 45 dias da posse, o profeta do apocalipse Fernando Henrique já alertou para a repercussão negativa no exterior de medidas que Bolsonaro adotar. Talvez fosse mais útil para seu projeto de “reagrupar” o centro preocupar-se menos com os humores de além-fronteira e mais com 13 milhões de desempregados que fazem da calçada seu lar.

À parte essas contribuições ao “festival de besteiras que assola o País”, como nos tempos do saudoso Sérgio Porto (Staniwlaw Ponte Preta), certo é que algumas verdades precisam ser aqui lembradas.

O Ministério do Trabalho (MT), que poderia ser extinto no próximo governo, resulta de uma legislação trabalhista que o estancieiro Getúlio Vargas, no Estado Novo, ditadura fascistoide em nossos tristes trópicos (apud Lévi-Strauss), traduziu ao pé da letra da Carta del Lavoro, de Mussolini. Sim, ele mesmo, o aliado de Hitler, herói confesso de Lula em seus tempos de líder grevista. Aliás, quem entende do setor é o ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho Almir Pazzianotto, que foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo à época do próprio Lula. Almir repete que quem emprega é empresa, não sindicato. Mas o MT também emprega muito: dirigentes dos partidos ditos trabalhistas, que controlam a máquina que lhes enche os bolsos de dinheiro roubado da tal Contribuição Sindical, para gáudio do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de Roberto Jefferson, e do Partido Democrático Trabalhista (PDT), de Ciro Gomes.

Tentou-se ainda inculpar o ainda não empossado em episódio recente. Em Brasília para tratar da transição, Bolsonaro se disse contra o acordo infame pelo qual liderados pelo presidente do Senado até março, Eunício Oliveira, previamente demitido por decisão popular, se curvaram docemente à pressão telefônica do chefe do STF, Dias Toffoli. Tal “pacto” garfou os espoliados em R$ 4 bilhões/ano para engordar as contas bancárias dos maganões que se acham “supremos”, mas agem como mendigos Chanel ao depenarem o erário.

O presidente eleito falou em nome de todos os brasileiros que vai governar a partir de 1.º de janeiro e que pagarão a conta - os acusados de conservadores, como se conservar fizesse mal, os revolucionários que só usam chumbo do Diário Oficial e os miseráveis, aos quais se nega o pão para garantir champanhota e caviar aos ministros. Do caso todos saímos derrotados, mas coleguinhas e veículos de comunicação desolados com a prisão de um ladrão atribuem a derrota a um homem só: o presidente avant-la-lettre.

No dia seguinte ao de mais uma remessa dos escrúpulos às favas, ainda sem ter sido decretada a prévia volta à ditadura militar, o mesmo Senado transferiu parte da poupança nacional para os cofres das montadoras estrangeiras de automóveis no Brasil. Isso vem sendo feito desde a opção maligna do popular Juscelino Kubitschek pelo sucatamento do parque ferroviário em troca das rodovias, hoje controladas pelos transportadores de derivados de petróleo e víveres. E tornou-se obrigatória desde a passagem do chorado presidiário de Curitiba, a ponto de um lobista dos velhos tempos, Mauro Marcondes, estar preso em outra cela, em Brasília.

Este texto é um alerta de que esses lacrimosos “heróis” da democracia moveram guerra à ditadura militar sem usar em vão, em nenhum de seus documentos, essa sagrada palavra, pois eram vassalos de cruéis tiranias comunistas. E hoje, só para voltar a saquear o erário, sabotam não o futuro governo, mas o povo que o elegeu.