quarta-feira, 18 de setembro de 2024
Sol laranja sob uma chuva ácida
Aparentemente, ninguém detectou ainda, com precisão, a dimensão dos efeitos desse envenenamento vagaroso da população pelos incêndios florestais. As atuais "queimadas controladas" - concepção acadêmica - continuam a destruir tudo desde 14 de agosto de 1963, quando se tomou conhecimento amplo do fenômeno que, nos trópicos, se repete nos meses de julho, agosto e setembro.
Naquele agosto de 1963, um incêndio incontrolável emergiu subitamente destruindo cerca 20 mil hectares de florestas plantadas, e 500 mil de florestas nativas e matas secundárias., devastando os municípios de Guaravera, Paiquerê e Tamarana, no Paraná, desabrigando centenas de famílias e provocando a morte de 110 pessoas.
Depois estendeu-se para Ortigueira, Tibagi, Arapoti, Jaguariaíva até Sengés. Cerca de 15 milhões de araucárias de reservas florestais plantadas pelas indústrias Klabin, produtoras de papel e celulose para exportação, foram totalmente destruídas, embora a empresa tivesse um sofisticado projeto de proteção de suas áreas de florestas.
Mesmo com os diversos programas de governos, sobretudo federais, conduzidos por cientistas e especialistas bio-climaticos, a perda da cobertura arbórea no Brasil, devido a incêndios nos trópicos, subiu, em média, 41, 5 mil ha (9%) ao ano. Seria acusada de responsável por cerca de 15% do aumento das áreas desmatadas no planeta.
Queimadas devastadoras surgem periodicamente também no, no Chile, EUA (Califórnia), Portugal, Espanha, França, Grécia, Austrália e alguns países do sul da Ásia. Esses incêndios são vistos, entretanto, com complacência, lamentando-se, frequentemente, as perdas humanas e materiais. Da África sabe-se pouco.
Nos trópicos, nos meses de inverno (julho a setembro), registram-se anualmente fortes estiagens, com taxas de umidade baixas, e vegetação ressequida. Surpreende mesmo são as queimadas chegando ao Pantanal, onde são extensas as terras úmidas. Constata-se que o uso do fogo para limpar os terrenos agrícolas, mesmo controlado, não resiste aos ventos constantes e se reproduz pela vegetação. O máximo que se consegue, com aplicação de tecnologias modernas, é contê-lo pontualmente. Aceso, vai se multiplicando, até alcançar proporções incontroláveis.
Apagar mesmo o fogo sobre a vegetação natural, no inverno tropical, só com as chuvas que, em geral, vem no final de setembro, com a chegada da primavera, conforme demonstra a sabedoria indígena ancestral. Os estudiosos das queimadas tratam a experiência dos povos originários, entretanto, como uma maneira ingênua de praticar o manejo dos recursos da floresta.
Na ausência do saber ancestral, torna cômodo encontrar “bodes espiatorios” pessoas para serem acusadas levianamente de responsáveis pela queimada seja para renovação da terra produtiva ou para a expansão da pecuária. Nas denúncias veiculam-se até estatísticas, como faz o secretário, Wolnei Wolf, Coordenador de Prevenção e Programas Estratégicos da Defesa Civil do Governo Federal. Supostas autoridades em desmatamento e queimadas chegam a afirmar que "tem certeza de que 99,9% das queimadas são causados pela ação humana".
Embora a maioria dos percentuais citados não sejam tão confiáveis, é provável, sim, que boa parte das queimadas surja mesmo para limpeza dos terrenos agrícolas ou para renovação das pastagens. Há gente que seria paga para fazer o fogo abortar. Os políticos gostam desse argumento para culpar opositores, embora a expansão das queimadas tenha um pé nos financiamentos públicos do BNDES, do Banco do Brasil, e dos bancos privados, como incentivo a expansão da produção agropecuária na balança comercial, políticas mantidas pelos próprios governos de plantão.
Pesquisadores menos comprometidos com a produção agrícola admitem, com reserva, a hipótese mais centrada em observações empíricas, supostamente científicas, de que a secura do ar e da vegetação favorece a combustão vegetal na medida em que o sol incide diretamente sobre os cristais expostos na superfície do solo, especialmente no do cerrado.
Neste cenário de leviandades e de efetivo desconhecimento científico sobre a origem das queimadas, surgiu, de repente, um personagem novo, o PCC- Primeiro Comando da Capital, organização criminosa do Brasil, criada no submundo de São Paulo, e que se espalhou por todo o território brasileiro, alcançando até países próximos, como o Paraguai, a Bolívia, a Colômbia e a Venezuela. Possuiria 30 mil membros, sendo 8 mil apenas em São Paulo. Com ele, emergiu uma narrativa dando conta de que filiados da organização, financiados por produtores rurais, foram presos como incendiários. Seria um deboche ou um desafio ao jornalismo investigativo?
Os políticos, desconhecedores efetivos das razões das queimadas, não perdem a oportunidade para fazer delas uso retórico, sobretudo em tempos eleitorais. Para desviar a atenção da população instituíram até o "Dia do Fogo", como se com ele estaria resolvida a questão das queimadas. Em 2023 foi criado um tal de Cemaden - Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, para monitorar e emitir alertas sobre esses tipos de fatalidades, como se o IBAMA, o INPE e INPA já não fizesse isso há anos, sem encontrar, de fato, uma solução definitiva, nem usando helicópteros, aviões tanques, bombeiros e agentes florestais e um voluntariado.
Um dos dirigentes da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa), dos EUA, James Hansen, confirmava que havia “99% de chance de que o aquecimento do clima na Terra vinha da poluição produzida por atividades humanas, não apenas das queimadas da vegetação natural, mas também da utilização massiva de combustíveis fósseis: petróleo, carvão mineral, gás natural, urânio, xisto betuminoso base o modelo industrial que, no fundo, trafega longe desses discursos ambientais.
Não faltam estatísticas, nem institutos de pesquisas para carimbar às informações sobre as queimadas no Brasil. O tal de Cemade informou que, no mês de agosto, o número de incêndios florestais no País elevou-se de 110 para 3.300. Desde o início deste ano, o INPE sozinho teria detectado 50 mil focos desses incêndios por aqui. Pelo que vê, na chegada da primavera, o brasileiro vai estar desfrutando de uma visão laranja do sol, chuvas ácidas e ares poluídos. Ninguém tem a solução.
Naquele agosto de 1963, um incêndio incontrolável emergiu subitamente destruindo cerca 20 mil hectares de florestas plantadas, e 500 mil de florestas nativas e matas secundárias., devastando os municípios de Guaravera, Paiquerê e Tamarana, no Paraná, desabrigando centenas de famílias e provocando a morte de 110 pessoas.
Depois estendeu-se para Ortigueira, Tibagi, Arapoti, Jaguariaíva até Sengés. Cerca de 15 milhões de araucárias de reservas florestais plantadas pelas indústrias Klabin, produtoras de papel e celulose para exportação, foram totalmente destruídas, embora a empresa tivesse um sofisticado projeto de proteção de suas áreas de florestas.
Mesmo com os diversos programas de governos, sobretudo federais, conduzidos por cientistas e especialistas bio-climaticos, a perda da cobertura arbórea no Brasil, devido a incêndios nos trópicos, subiu, em média, 41, 5 mil ha (9%) ao ano. Seria acusada de responsável por cerca de 15% do aumento das áreas desmatadas no planeta.
Queimadas devastadoras surgem periodicamente também no, no Chile, EUA (Califórnia), Portugal, Espanha, França, Grécia, Austrália e alguns países do sul da Ásia. Esses incêndios são vistos, entretanto, com complacência, lamentando-se, frequentemente, as perdas humanas e materiais. Da África sabe-se pouco.
Nos trópicos, nos meses de inverno (julho a setembro), registram-se anualmente fortes estiagens, com taxas de umidade baixas, e vegetação ressequida. Surpreende mesmo são as queimadas chegando ao Pantanal, onde são extensas as terras úmidas. Constata-se que o uso do fogo para limpar os terrenos agrícolas, mesmo controlado, não resiste aos ventos constantes e se reproduz pela vegetação. O máximo que se consegue, com aplicação de tecnologias modernas, é contê-lo pontualmente. Aceso, vai se multiplicando, até alcançar proporções incontroláveis.
Apagar mesmo o fogo sobre a vegetação natural, no inverno tropical, só com as chuvas que, em geral, vem no final de setembro, com a chegada da primavera, conforme demonstra a sabedoria indígena ancestral. Os estudiosos das queimadas tratam a experiência dos povos originários, entretanto, como uma maneira ingênua de praticar o manejo dos recursos da floresta.
Na ausência do saber ancestral, torna cômodo encontrar “bodes espiatorios” pessoas para serem acusadas levianamente de responsáveis pela queimada seja para renovação da terra produtiva ou para a expansão da pecuária. Nas denúncias veiculam-se até estatísticas, como faz o secretário, Wolnei Wolf, Coordenador de Prevenção e Programas Estratégicos da Defesa Civil do Governo Federal. Supostas autoridades em desmatamento e queimadas chegam a afirmar que "tem certeza de que 99,9% das queimadas são causados pela ação humana".
Embora a maioria dos percentuais citados não sejam tão confiáveis, é provável, sim, que boa parte das queimadas surja mesmo para limpeza dos terrenos agrícolas ou para renovação das pastagens. Há gente que seria paga para fazer o fogo abortar. Os políticos gostam desse argumento para culpar opositores, embora a expansão das queimadas tenha um pé nos financiamentos públicos do BNDES, do Banco do Brasil, e dos bancos privados, como incentivo a expansão da produção agropecuária na balança comercial, políticas mantidas pelos próprios governos de plantão.
Pesquisadores menos comprometidos com a produção agrícola admitem, com reserva, a hipótese mais centrada em observações empíricas, supostamente científicas, de que a secura do ar e da vegetação favorece a combustão vegetal na medida em que o sol incide diretamente sobre os cristais expostos na superfície do solo, especialmente no do cerrado.
Neste cenário de leviandades e de efetivo desconhecimento científico sobre a origem das queimadas, surgiu, de repente, um personagem novo, o PCC- Primeiro Comando da Capital, organização criminosa do Brasil, criada no submundo de São Paulo, e que se espalhou por todo o território brasileiro, alcançando até países próximos, como o Paraguai, a Bolívia, a Colômbia e a Venezuela. Possuiria 30 mil membros, sendo 8 mil apenas em São Paulo. Com ele, emergiu uma narrativa dando conta de que filiados da organização, financiados por produtores rurais, foram presos como incendiários. Seria um deboche ou um desafio ao jornalismo investigativo?
Os políticos, desconhecedores efetivos das razões das queimadas, não perdem a oportunidade para fazer delas uso retórico, sobretudo em tempos eleitorais. Para desviar a atenção da população instituíram até o "Dia do Fogo", como se com ele estaria resolvida a questão das queimadas. Em 2023 foi criado um tal de Cemaden - Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, para monitorar e emitir alertas sobre esses tipos de fatalidades, como se o IBAMA, o INPE e INPA já não fizesse isso há anos, sem encontrar, de fato, uma solução definitiva, nem usando helicópteros, aviões tanques, bombeiros e agentes florestais e um voluntariado.
Um dos dirigentes da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa), dos EUA, James Hansen, confirmava que havia “99% de chance de que o aquecimento do clima na Terra vinha da poluição produzida por atividades humanas, não apenas das queimadas da vegetação natural, mas também da utilização massiva de combustíveis fósseis: petróleo, carvão mineral, gás natural, urânio, xisto betuminoso base o modelo industrial que, no fundo, trafega longe desses discursos ambientais.
Não faltam estatísticas, nem institutos de pesquisas para carimbar às informações sobre as queimadas no Brasil. O tal de Cemade informou que, no mês de agosto, o número de incêndios florestais no País elevou-se de 110 para 3.300. Desde o início deste ano, o INPE sozinho teria detectado 50 mil focos desses incêndios por aqui. Pelo que vê, na chegada da primavera, o brasileiro vai estar desfrutando de uma visão laranja do sol, chuvas ácidas e ares poluídos. Ninguém tem a solução.
A geopolítica das mudanças climáticas
Em 1992 foi adotada no Rio de Janeiro a Convenção do Clima cujo objetivo é estabilizar a concentração de gases responsáveis pelo aquecimento global na atmosfera num nível que evite mudanças climáticas perigosas. Mais de cem chefes de Estado assinaram a convenção, numa época em que o fim da guerra fria e a globalização da economia mundial prenunciavam um período de paz e cooperação internacional.
Não há, contudo, penalidades previstas para o descumprimento de resoluções da Conferência das Partes (COP), que inclui mais de 190 países e onde as decisões precisam ser tomadas por unanimidade. A convenção é, portanto, como tratado internacional, considerada “fraca” na linguagem diplomática. Ela é no fundo uma convenção que reflete aspirações, mas não tem os instrumentos para atingi-las.
Isso foi conseguido no Protocolo de Kyoto, adotado com o objetivo principal de estabelecer metas concretas de redução das emissões dos gases causadores do aquecimento global. O principal deles é o CO2, resultante da combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), responsável por cerca de 80% de toda energia consumida no mundo.
O protocolo determinou que 40 países industrializados deveriam reduzir suas emissões totais de gases de efeito estufa em 5,2% abaixo das emissões de 1990 entre 2008 e 2012.
Os países em desenvolvimento (entre os quais o Brasil) ficaram isentos de reduções no período acima, o que levou o Senado dos Estados Unidos a adotar por unanimidade uma resolução vetando a ratificação do protocolo sem que as reduções nele incluídas se aplicassem também nos países em desenvolvimento.
Essa decisão do Senado americano lembra decisões do Senado romano em relação às suas províncias e, na prática, ignorava o fato de que o consumo de energia dos Estados Unidos per capita era quatro vezes maior do que o dos países em desenvolvimento. Para se desenvolver, eles necessitariam de combustíveis fósseis assim como ocorreu no passado para o desenvolvimento dos países industrializados.
Apenas os países europeus (cujas emissões representam apenas 7% das emissões mundiais) adotaram o protocolo e cotas mandatórias para redução de emissões, permitindo trocas de créditos entre os emissores. Isso levou à redução real das emissões, que caíram 30% abaixo do seu valor em 1992.
No mundo como um todo, as emissões aumentaram 44% no período 1992-2022.
Nos países em desenvolvimento (incluindo a China), que representavam em 2022 73% das emissões mundiais, elas aumentaram 78%.
É evidente, portanto, que a Convenção do Clima e o Protocolo de Kyoto adotado em 1997 não tiveram o sucesso esperado, apesar de a convenção prever que os países industrializados “promoveriam, facilitariam e financiariam aos países em desenvolvimento para permitir que implementassem os objetivos da convenção”.
Decorridos mais de 30 anos, as “mudanças climáticas” passaram a ocorrer com mais frequência e suas consequências são ilustradas de maneira dramática pelo que aconteceu recentemente no Rio Grande do Sul.
As principais razões para esse fracasso são a revolta populista e o fim da globalização, que estão ganhando espaço no mundo. Medidas efetivas para reduzir mudanças climáticas são um alvo perfeito para a retórica populista e teorias conspiratórias. Políticas públicas destinadas a reduzir emissões de carbono são de longo prazo e se baseiam em conhecimentos técnicos (que só as elites possuem), aumentam custos para a população e exigem cooperação internacional. Além disso eleições a cada quatro anos tornam a adoção de medidas de longo prazo muito difícil, sobretudo em países em desenvolvimento, onde garantir outras necessidades mais imediatas é – ou parece ser – mais urgente.
A ascensão da ultradireita na Europa e o nacionalismo de dirigentes políticos como Donald Trump, nos Estados Unidos, que questionam até a evidência científica de que a ação do homem é responsável pelo aquecimento global, foram as consequências disso.
O Acordo de Paris, em 2015, em que cada nação fixa suas próprias reduções, tentou reativar as ações para reduzir as emissões, mas numa época em que as ações multilaterais estavam em declínio.
Mesmo os Estados Unidos, que em 2022 representavam 11% das emissões, só conseguiram reduzi-las em apenas 3% no período 1992-2022 graças à enorme capacidade tecnológica do país, mas isso ocorreu em razão de medidas tomadas pelos governos locais, sem grande apoio do governo federal.
Com o presidente Joe Biden a situação melhorou, com um programa de cerca de R$ 400 bilhões a US$ 600 bilhões em investimentos diretos (em dez anos) e em subsídios em novas tecnologias às empresas americanas.
A “globalização” do programa do presidente Biden, permitindo o uso dos seus recursos em países em desenvolvimento, seria um grande passo à frente e significaria, na prática, um novo Plano Marshall para a redução das emissões nos países em desenvolvimento, sem os quais a redução global das emissões é inviável.
José Goldemberg
Não há, contudo, penalidades previstas para o descumprimento de resoluções da Conferência das Partes (COP), que inclui mais de 190 países e onde as decisões precisam ser tomadas por unanimidade. A convenção é, portanto, como tratado internacional, considerada “fraca” na linguagem diplomática. Ela é no fundo uma convenção que reflete aspirações, mas não tem os instrumentos para atingi-las.
Isso foi conseguido no Protocolo de Kyoto, adotado com o objetivo principal de estabelecer metas concretas de redução das emissões dos gases causadores do aquecimento global. O principal deles é o CO2, resultante da combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), responsável por cerca de 80% de toda energia consumida no mundo.
O protocolo determinou que 40 países industrializados deveriam reduzir suas emissões totais de gases de efeito estufa em 5,2% abaixo das emissões de 1990 entre 2008 e 2012.
Os países em desenvolvimento (entre os quais o Brasil) ficaram isentos de reduções no período acima, o que levou o Senado dos Estados Unidos a adotar por unanimidade uma resolução vetando a ratificação do protocolo sem que as reduções nele incluídas se aplicassem também nos países em desenvolvimento.
Essa decisão do Senado americano lembra decisões do Senado romano em relação às suas províncias e, na prática, ignorava o fato de que o consumo de energia dos Estados Unidos per capita era quatro vezes maior do que o dos países em desenvolvimento. Para se desenvolver, eles necessitariam de combustíveis fósseis assim como ocorreu no passado para o desenvolvimento dos países industrializados.
Apenas os países europeus (cujas emissões representam apenas 7% das emissões mundiais) adotaram o protocolo e cotas mandatórias para redução de emissões, permitindo trocas de créditos entre os emissores. Isso levou à redução real das emissões, que caíram 30% abaixo do seu valor em 1992.
No mundo como um todo, as emissões aumentaram 44% no período 1992-2022.
Nos países em desenvolvimento (incluindo a China), que representavam em 2022 73% das emissões mundiais, elas aumentaram 78%.
É evidente, portanto, que a Convenção do Clima e o Protocolo de Kyoto adotado em 1997 não tiveram o sucesso esperado, apesar de a convenção prever que os países industrializados “promoveriam, facilitariam e financiariam aos países em desenvolvimento para permitir que implementassem os objetivos da convenção”.
Decorridos mais de 30 anos, as “mudanças climáticas” passaram a ocorrer com mais frequência e suas consequências são ilustradas de maneira dramática pelo que aconteceu recentemente no Rio Grande do Sul.
As principais razões para esse fracasso são a revolta populista e o fim da globalização, que estão ganhando espaço no mundo. Medidas efetivas para reduzir mudanças climáticas são um alvo perfeito para a retórica populista e teorias conspiratórias. Políticas públicas destinadas a reduzir emissões de carbono são de longo prazo e se baseiam em conhecimentos técnicos (que só as elites possuem), aumentam custos para a população e exigem cooperação internacional. Além disso eleições a cada quatro anos tornam a adoção de medidas de longo prazo muito difícil, sobretudo em países em desenvolvimento, onde garantir outras necessidades mais imediatas é – ou parece ser – mais urgente.
A ascensão da ultradireita na Europa e o nacionalismo de dirigentes políticos como Donald Trump, nos Estados Unidos, que questionam até a evidência científica de que a ação do homem é responsável pelo aquecimento global, foram as consequências disso.
O Acordo de Paris, em 2015, em que cada nação fixa suas próprias reduções, tentou reativar as ações para reduzir as emissões, mas numa época em que as ações multilaterais estavam em declínio.
Mesmo os Estados Unidos, que em 2022 representavam 11% das emissões, só conseguiram reduzi-las em apenas 3% no período 1992-2022 graças à enorme capacidade tecnológica do país, mas isso ocorreu em razão de medidas tomadas pelos governos locais, sem grande apoio do governo federal.
Com o presidente Joe Biden a situação melhorou, com um programa de cerca de R$ 400 bilhões a US$ 600 bilhões em investimentos diretos (em dez anos) e em subsídios em novas tecnologias às empresas americanas.
A “globalização” do programa do presidente Biden, permitindo o uso dos seus recursos em países em desenvolvimento, seria um grande passo à frente e significaria, na prática, um novo Plano Marshall para a redução das emissões nos países em desenvolvimento, sem os quais a redução global das emissões é inviável.
José Goldemberg
Pequeno manual de combate a incêndios
O fogo é um tema recorrente na literatura universal. No Brasil, devorou O ateneu (1888), de Raul Pompéia, e pôs fim a'O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, obras seminais da nossa literatura. Nos dois casos, representavam o fim de uma era, com apagamento do passado. Na vida real, foi o que aconteceu literalmente no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2 de setembro de 2018, e na Cinemateca Nacional, em São Paulo, no dia 29 de julho de 2021. E pode estar acontecendo agora com nossos principais biomas.
Fundado em 1818, por dom João VI, o Museu Nacional possuía o mais importante acervo de história natural da América Latina, com 20 milhões de itens, entre os quais, coleções de fósseis de dinossauros do mundo, múmias andinas e egípcias, e 537 mil livros da Coleção Francisco Keller. No galpão da Cinemateca Nacional, arderam quatro toneladas de documentos sobre cinema no Brasil, além de películas e arquivos.
Desde o Brasil Colonial, o fogo é usado para expulsar indígenas de suas terras e, agora, incendiar favelas, como se fazia com os antigos quilombos. Históricos casarões e sobrados, tombados, pegam fogo para possibilitar a construção de prédios horrorosos. O fogo nas florestas, para eliminar flora e fauna e ampliar as fronteiras agrícolas, também é coisa antiga. Entretanto, agora saiu completamente do controle.
Incêndio não é sinônimo de fogo, cujo domínio foi fundamental no processo civilizatório. O que difere as chamas do fogão ou da churrasqueira é o controle sobre elas. Desde Arquimedes, o fogo é objeto de estudos, porém, foi o francês Antoine Lawrence Lavoisier, aquele mesmo da Teoria dos Vasos Comunicantes, no século XVIII, que descobriu as bases científicas do fogo.
A principal experiência que lançou os fundamentos da ciência do fogo consistiu em colocar uma certa quantidade de mercúrio (Hg — o único metal que normalmente já é líquido) dentro de um recipiente fechado, aquecendo-o. Quando a temperatura chegou a 300°C, ao observar o interior do frasco, Lavoisier encontrou um pó vermelho que pesava mais do que o líquido original.
O cientista notou, ainda, que a quantidade de ar no recipiente havia diminuído em 20%, e que o ar restante possuía o poder de apagar qualquer chama e matar. Lavoisier concluiu que o mercúrio, ao se aquecer, "absorveu" a parte do ar que nos permite respirar (essa mesma parte que faz um combustível queimar: o oxigênio). Os 80% restantes eram nitrogênio (gás que não queima) e o pó vermelho era o óxido de mercúrio.
Da breve explicação, vê-se que para iniciar a combustão, são necessários o combustível, o oxigênio e a energia (a temperatura de ignição). Mas isso existe em toda parte. O que faz a diferença é a proporção entre esses componentes do chamado "triângulo do fogo".
Os incêndios que estamos acompanhando são eventos naturais e/ou provocados por ação humana. No Cerrado brasileiro, a partir de análises do carvão armazenado em solos profundos, há incêndios se repetindo há mais de 30 mil anos. Nas estações secas, a ignição ocorre naturalmente por uma descarga elétrica. Mas não é o caso nesta estiagem.
Temperatura acima de 30 graus, num momento em que a umidade seja menor do que 30% e vento acima de 30 km/h, são o ambiente ideal para um incêndio. Basta alcançar a ignição, por meio de uma bituca de cigarro jogada na estrada ou um palito de fósforo aceso. Há mais dois fatores: indivíduos incendiários, que tem atração pelo fogo, os piromaníacos; e o criminoso que ateia fogo por vingança ou algum interesse econômico, seja limpar o terreno para fazer um grande empreendimento imobiliário ou formar uma pastagem.
Uma vez iniciado, o fogo se espalha muito rápido e é extremamente difícil de controlar, por causa do vento, do calor e da baixa umidade. Ocupantes do Cerrado desenvolveram técnicas de queima controlada, atuando para diminuir a biomassa e, com isso, evitar os grandes incêndios. Mesmo esses "aceiros", quando saem do controle, podem provocar grandes incêndios, com perda de plantas, animais e danos até aos microrganismos do solo, sem contar na morte de pessoas, inclusive bombeiros.
No Pantanal e na Amazônia, o problema se tornou mais grave, porque o desmatamento faz com que a proteção natural da própria floresta, principalmente sua umidade, perca a capacidade de conter a propagação das chamas, principalmente se a seca for muito forte, como agora. Se pegar fogo em árvores que têm resinas, pode queimar por muito tempo e impedir ações efetivas para deter o incêndio.
Conforme as plantas vão queimando, primeiro saem os materiais voláteis, com substâncias prejudiciais à saúde, inclusive cancerígenas. Se não chover, todo esse material fica suspenso e forma "nuvens de fumaça", que estamos vendo em vários lugares do Brasil. Sofrem os nossos pulmões, os animais e até as plantas. Se a situação piorar muito, teremos uma situação realmente caótica.
Apesar dos frequentes alertas, as autoridades subestimaram os efeitos catastróficos do que temos presenciado. E, agora, correm atrás do prejuízo, inclusive o governo Lula, apesar das advertências da ministra do meio Ambiente, Marina Silva.
Como disse o poeta pernambucano Luís Turiba, em 1989: "Ou a gente se Raoni, ou a gente se Sting".
Fundado em 1818, por dom João VI, o Museu Nacional possuía o mais importante acervo de história natural da América Latina, com 20 milhões de itens, entre os quais, coleções de fósseis de dinossauros do mundo, múmias andinas e egípcias, e 537 mil livros da Coleção Francisco Keller. No galpão da Cinemateca Nacional, arderam quatro toneladas de documentos sobre cinema no Brasil, além de películas e arquivos.
Desde o Brasil Colonial, o fogo é usado para expulsar indígenas de suas terras e, agora, incendiar favelas, como se fazia com os antigos quilombos. Históricos casarões e sobrados, tombados, pegam fogo para possibilitar a construção de prédios horrorosos. O fogo nas florestas, para eliminar flora e fauna e ampliar as fronteiras agrícolas, também é coisa antiga. Entretanto, agora saiu completamente do controle.
Incêndio não é sinônimo de fogo, cujo domínio foi fundamental no processo civilizatório. O que difere as chamas do fogão ou da churrasqueira é o controle sobre elas. Desde Arquimedes, o fogo é objeto de estudos, porém, foi o francês Antoine Lawrence Lavoisier, aquele mesmo da Teoria dos Vasos Comunicantes, no século XVIII, que descobriu as bases científicas do fogo.
A principal experiência que lançou os fundamentos da ciência do fogo consistiu em colocar uma certa quantidade de mercúrio (Hg — o único metal que normalmente já é líquido) dentro de um recipiente fechado, aquecendo-o. Quando a temperatura chegou a 300°C, ao observar o interior do frasco, Lavoisier encontrou um pó vermelho que pesava mais do que o líquido original.
O cientista notou, ainda, que a quantidade de ar no recipiente havia diminuído em 20%, e que o ar restante possuía o poder de apagar qualquer chama e matar. Lavoisier concluiu que o mercúrio, ao se aquecer, "absorveu" a parte do ar que nos permite respirar (essa mesma parte que faz um combustível queimar: o oxigênio). Os 80% restantes eram nitrogênio (gás que não queima) e o pó vermelho era o óxido de mercúrio.
Da breve explicação, vê-se que para iniciar a combustão, são necessários o combustível, o oxigênio e a energia (a temperatura de ignição). Mas isso existe em toda parte. O que faz a diferença é a proporção entre esses componentes do chamado "triângulo do fogo".
Os incêndios que estamos acompanhando são eventos naturais e/ou provocados por ação humana. No Cerrado brasileiro, a partir de análises do carvão armazenado em solos profundos, há incêndios se repetindo há mais de 30 mil anos. Nas estações secas, a ignição ocorre naturalmente por uma descarga elétrica. Mas não é o caso nesta estiagem.
Temperatura acima de 30 graus, num momento em que a umidade seja menor do que 30% e vento acima de 30 km/h, são o ambiente ideal para um incêndio. Basta alcançar a ignição, por meio de uma bituca de cigarro jogada na estrada ou um palito de fósforo aceso. Há mais dois fatores: indivíduos incendiários, que tem atração pelo fogo, os piromaníacos; e o criminoso que ateia fogo por vingança ou algum interesse econômico, seja limpar o terreno para fazer um grande empreendimento imobiliário ou formar uma pastagem.
Uma vez iniciado, o fogo se espalha muito rápido e é extremamente difícil de controlar, por causa do vento, do calor e da baixa umidade. Ocupantes do Cerrado desenvolveram técnicas de queima controlada, atuando para diminuir a biomassa e, com isso, evitar os grandes incêndios. Mesmo esses "aceiros", quando saem do controle, podem provocar grandes incêndios, com perda de plantas, animais e danos até aos microrganismos do solo, sem contar na morte de pessoas, inclusive bombeiros.
No Pantanal e na Amazônia, o problema se tornou mais grave, porque o desmatamento faz com que a proteção natural da própria floresta, principalmente sua umidade, perca a capacidade de conter a propagação das chamas, principalmente se a seca for muito forte, como agora. Se pegar fogo em árvores que têm resinas, pode queimar por muito tempo e impedir ações efetivas para deter o incêndio.
Conforme as plantas vão queimando, primeiro saem os materiais voláteis, com substâncias prejudiciais à saúde, inclusive cancerígenas. Se não chover, todo esse material fica suspenso e forma "nuvens de fumaça", que estamos vendo em vários lugares do Brasil. Sofrem os nossos pulmões, os animais e até as plantas. Se a situação piorar muito, teremos uma situação realmente caótica.
Apesar dos frequentes alertas, as autoridades subestimaram os efeitos catastróficos do que temos presenciado. E, agora, correm atrás do prejuízo, inclusive o governo Lula, apesar das advertências da ministra do meio Ambiente, Marina Silva.
Como disse o poeta pernambucano Luís Turiba, em 1989: "Ou a gente se Raoni, ou a gente se Sting".
As cadeiradas invisíveis
O Brasil se surpreendeu com a cadeirada visível que o candidato Datena aplicou em um seu opositor, mas não se surpreende com as cadeiradas invisíveis que há décadas o povo brasileiro recebe de políticos vazios de propostas, sem compromissos nacionais e com excesso de demagogia e irresponsabilidade.
A cadeirada visível foi sobre a cabeça do outro candidato e quebrou-lhe uma costela; as invisíveis são dentro da cabeça do eleitor e quebra sua esperança em um Brasil melhor, uma cidade mais eficiente, pacífica, com convivialidade.
Pena que um candidato descontrolado aplique uma cadeirada visível em seu opositor, pior quando os candidatos executam friamente cadeiradas invisíveis contra os cérebros e esperanças dos eleitores.
A observação dos horários eleitorais, sobretudo dos discursos e debates ao longo da atividade política, no Parlamento, nas entrevistas tem correspondido a uma agressão mental e emocional, por ação ou omissão” sobre o eleitor.
Em 2025, o país completa quarenta anos de democracia sem que os políticos e candidatos ofereçam propostas para completar o processo iniciado em 1985, e pagar as dívidas ainda em aberto.
Não discutem a persistência da pobreza, manutenção da concentração de renda, péssima qualidade e abissal desigualdade da educação, a armadilha que não permite aumentar a produtividade e a renda média, a podridão da corrupção e a ferrugem da burocracia, a instabilidade jurídica e fiscal, a violência generalizada….
Este debate desapareceu dos discursos políticos, como uma violência intelectual e moral, uma pancada, uma cadeirada dentro do cérebro dos eleitores matando suas crenças nas lideranças e suas esperanças no futuro.
Cristovam Buarque
A cadeirada visível foi sobre a cabeça do outro candidato e quebrou-lhe uma costela; as invisíveis são dentro da cabeça do eleitor e quebra sua esperança em um Brasil melhor, uma cidade mais eficiente, pacífica, com convivialidade.
Pena que um candidato descontrolado aplique uma cadeirada visível em seu opositor, pior quando os candidatos executam friamente cadeiradas invisíveis contra os cérebros e esperanças dos eleitores.
A observação dos horários eleitorais, sobretudo dos discursos e debates ao longo da atividade política, no Parlamento, nas entrevistas tem correspondido a uma agressão mental e emocional, por ação ou omissão” sobre o eleitor.
Em 2025, o país completa quarenta anos de democracia sem que os políticos e candidatos ofereçam propostas para completar o processo iniciado em 1985, e pagar as dívidas ainda em aberto.
Não discutem a persistência da pobreza, manutenção da concentração de renda, péssima qualidade e abissal desigualdade da educação, a armadilha que não permite aumentar a produtividade e a renda média, a podridão da corrupção e a ferrugem da burocracia, a instabilidade jurídica e fiscal, a violência generalizada….
Este debate desapareceu dos discursos políticos, como uma violência intelectual e moral, uma pancada, uma cadeirada dentro do cérebro dos eleitores matando suas crenças nas lideranças e suas esperanças no futuro.
Cristovam Buarque
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