terça-feira, 3 de novembro de 2020

Urnas dos EUA moldarão Presidência de Bolsonaro, seja qual for o resultado

"Respeitaremos o resultado das urnas. Mas acredito piamente na reeleição de Donald Trump." A frase é de Jair Bolsonaro. Foi pronunciada nos jardins da Casa Branca, em março de 2019, na primeira visita do presidente brasileiro a Washington. Postado ao lado do visitante, numa entrevista conjunta, Trump interveio com um sorriso maroto nos lábios: "Muito obrigado, eu concordo."... - Veja mais em

Um ano e sete meses depois, às voltas com o risco de ser derrotado pelo rival Joe Biden, Trump ameaça questionar na Justiça o resultado das urnas. Mas Bolsonaro não se deu por achado. Na noite de segunda-feira, véspera do dia da eleição, ele continuava se comportando não como presidente do Brasil, mas como um apostador..

"Não tentei contato com o candidato Biden, tampouco pedi ao nosso embaixador para fazê-lo", escreveu Bolsonaro no Twitter. "Quanto às eleições, todos sabem do respeito que tenho pelos Estados Unidos, bem como do bom relacionamento com o presidente Trump." É como se o tuiteiro do Planalto dobrasse a aposta. Não é que Bolsonaro não tenha um Plano B. A questão é que ele considera desnecessário elaborar um plano de contingência.



Bolsonaro vive a ilusão de ter estabelecido um sólido relacionamento entre Brasil e Estados Unidos. Engano. Na verdade, ele firmou uma aliança pessoal com Trump, não uma parceria institucional com a maior potência do planeta. Brasília foi convertida numa espécie de Washington hipertrofiada. O resultado da disputa eleitoral americana, seja qual for, vai moldar os dois anos finais da Presidência de Bolsonaro..

Salvando-se Trump, Bolsonaro estufará o peito como uma segunda barriga e dará mão forte à ala apocalíptica do seu governo, personificada no chanceler Ernesto Araújo e no ministro das queimadas Ricardo Salles. Prevalecendo Biden, Bolsonaro terá de optar por um de dois caminhos: ou ignora a novidade, tentando se firmar como novo herói da resistência dos líderes populistas de direita que vicejam no mundo, ou troca a ideologia pelo pragmatismo, aproximando sua pauta conservadora da agenda de Biden.

Isso incluiria combater o aquecimento global, valorizar instituições como ONU e OMS, contemporizar com a ideologia de gênero e defender nos foros internacionais os direitos da comunidade LGBT. Ou seja: para manter de pé os seus planos de aprofundar a cooperação militar e firmar um amplo acordo comercial com os Estados Unidos, Bolsonaro teria de rever seus valores mais tradicionais.

Quando Joe Biden mencionou num debate a ideia de criar um fundo internacional de US$ 20 bilhões para ajudar o Brasil a preservar a floresta amazônica, sob pena de sofrer sanções comerciais, Bolsonaro fez pose de ofendido: "O Brasil mudou e não aceita subornos." Se perder a aposta que fez em Trump, o presidente brasileiro talvez prefira ladrilhar seu próprio caminho para o inferno a ter que dar o braço a torcer. O problema é que Bolsonaro não descerá às profundezas sozinho. Levará o Brasil junto.

No momento, a antidiplomacia brasileira coleciona desafetos na América Latina; já se indispôs com países europeus do porte de Alemanha, França e Noruega; e trata a China aos pontapés. Nesse ritmo, se perder a escora representada por Trump, o Brasil vai acabar realizando o sonho idealizado pelo chanceler Ernesto Araújo de se consolidar como um "pária" mundial. Bolsonaro olha para as urnas da Flórida e da Pensilvânia como se enxergasse nelas uma prévia de 2022.

Água dura em pedra mole

Não dará em coisa alguma (agora). Mas importa examinar o padrão; sobretudo se o leitor estiver entre os que acreditam que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Não sendo irrelevante considerar que a pedra talvez não seja tão dura; e que a água tenda a endurecer depois, por exemplo, de uma reeleição.

O padrão: todo governo de natureza autoritária, tanto mais se com dificuldades (por razão de incompetência) em tocar agenda, solta balões de ensaio para testar campo a uma nova Constituição. Tem sido assim no Brasil. Um país de cultura constitucional inexistente, vazio propício a que governantes populistas, com compreensão utilitária da República, especulem frequentemente sobre um processo constituinte que resultasse em conjunto de leis a lhes facilitar a vida.

O faro oportunista-personalista de que a ocasião possa fazer Constituição deriva da deturpação antiliberal segundo a qual Constituição seria estorvo. O espírito do tempo é autoritário, empecilho também sendo a democracia representativa. A mentalidade, patrimonialista, donde a busca por legislação desamarrada da impessoalidade republicana.

Jair Bolsonaro é um autocrata em busca de brechas. O populismo de oportunidades aí só está, em fase influente, porque houve Fabrício Queiroz e Alexandre de Moraes (com seu inquérito inconstitucional) para desacelerar o motor golpista. (Que voltará a girar.) Só por isso Ricardo Barros, o proponente de turno da Constituinte, é líder do governo na Câmara. Ele é a busca por brechas ora possível ao presidente — e, diante da baixa adesão à sua ideia de nova Constituição, sempre poderá recorrer ao “falava por mim quando a apresentei”.



Não faltam governistas, da cepa dos sectários, que tenham manifestado apetite por uma Constituição para chamar de sua. Alguns mesmo se oferecendo, desde o alto de seu patriotismo, para escrevê-la. Convém avaliar o que significará um governo que reúna tantos desses, obra certamente não do acaso. Barros não está entre eles. Não é um golpista, parece-me. Sua campanha, no entanto, serve ao golpismo. Os práticos não raro servem ao golpismo.

O deputado tem um trabalho a cumprir e motivos para estar frustrado. As coisas não andam. A culpa, porém, não é da Constituição. Não é a Carta o problema, embora problemas, muitos, tenha; problema maior sendo o desrespeito ao que em suas páginas vai escrito — exemplo degenerado e degenerador oferecido, antes de tudo, pelo próprio Supremo, agora sob a gestão criativa de Luiz Fux, e que se expressa, para ficarmos apenas no presente, na forma sem vergonha como o presidente do Senado urde um golpe constitucional que lhe permitiria concorrer à reeleição.

Escrevi que a Constituição tem problemas. Inúmeros. Não faltam, entretanto, mecanismos para que seja reformada. O valor que se dá ao texto constitucional assentado pelo tempo, assentando também um imaginário constitucional entre nós, não decorre de sua intocabilidade, mas da atividade do legislador que o aprimora. Não quero dizer a Barros que vá trabalhar; mas, afinal, é isso. Sua gastura é produto de falso problema. Um problema real: o governo para o qual articula é ruim de serviço. Ele sonha com uma Constituição em que o senso de dever tenha peso; e é evidente que esse desejo se opõe ao que imagina ser excesso de direitos da Carta atual. É um clichê frequente e preguiçoso. A recente reforma da Previdência mexeu em direitos. Nada impede que se toque em direitos constitucionalmente previstos. Para tanto, será necessário fazer política, debater, negociar — convencer. Ponto a ponto.

Não são poucos, contudo, os que, no ímpeto por (escrever) Constituição que os vista como reis para o poder, dão também vazão ao desprezo pelo exercício político. Não é o caso de Barros, homem da costura. Mas é preciso ser politicamente obtuso, insensível mesmo socialmente, para supor que um tal processo constituinte, disparado em meio a uma pandemia ou sob o duradouro eco dela, pudesse vir e prosperar com o norte da supressão de direitos à baciada. O que vai formalmente deflagrado no Chile, e que serviu de gás para o balão de ensaio do deputado, avança no sentido oposto.

A população chilena quer se livrar do entulho pinochetista para ter uma Constituição que lhe assegure mais direitos — uma Constituição, pois, parecida com a brasileira. Pode não dar certo; é até provável que não dê, considerados os calores do ressentimento que animam o pleito. Mas a reivindicação é legítima. Por uma Constituição, de partida, erguida para e pela democracia; como a nossa, produto da redemocratização — incontornavelmente com respostas (algumas talvez já anacrônicas) aos traumas dos anos de ditadura.

Melhor deixá-la imperfeita, com as marcas de suas circunstâncias — como está. Constituição não dá em árvore. Tampouco é obra do Espírito Santo. São as pessoas que a fazem. Gente de Ricardo Barros para baixo. Se a Carta que temos tem defeitos, e tem, imagine uma de ocasião feita por essa galera. Hein? Melhor deixar quieto.

Pensamento do Dia

 


A utopia bolsonarista

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem na ponta da língua a explicação para o fato, de resto notório, de que o governo que prometeu R$ 1 trilhão em privatizações ainda não conseguiu se desfazer de nenhuma estatal, seja grande ou pequena: “Há acordos políticos que dificultam, há uma mentalidade cultural equivocada. Somos prisioneiros cognitivos de uma visão de mundo que está, hoje, obsoleta”.

No mesmo evento em que o ministro Paulo Guedes fez suas inusitadas considerações sociológicas, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros, defendeu que o País seguisse o exemplo do Chile e convocasse um plebiscito para elaborar uma nova Constituição. O argumento, disse o parlamentar governista, é que a atual Constituição deixou o Brasil “ingovernável”.



As duas manifestações resumem a pobreza do debate público sob o governo de Jair Bolsonaro. Por meio delas, ficamos sabendo que os problemas enfrentados pelo governo jamais são resultado de suas escolhas, e sim fruto de arranjos políticos de gente com mentalidade atrasada e de uma Constituição disfuncional.

E isso tudo num evento intitulado Um Dia pela Democracia, promovido pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Ora, se é de democracia que se trata, e é, não cabe ao governo, por mais iluminado que se considere, imaginar que os grandes impasses nacionais só serão resolvidos caso haja uma nova Constituição ou, quem sabe, um novo povo, menos “atrasado”.

Convém lembrar que foi sob esta Constituição que, num passado não muito distante, foram aprovadas medidas cruciais para o País, como o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o teto de gastos e um robusto programa de privatizações. Ou seja, o problema não é bem a Constituição, muito menos o povo.

Na utopia bolsonarista, contudo, não há lugar para o povo. Ou melhor, há, mas na condição de subalterno aos devaneios de poder do sr. Bolsonaro – e quem recusa esse papel é tratado como inimigo. Assim, o debate público, cerne da democracia, é reduzido a uma briga de rua.

Quando o presidente Bolsonaro converte a discussão sobre a pandemia de covid-19 em instrumento para atacar adversários, por exemplo, contamina a atmosfera política de tal maneira que todas as medidas tomadas por autoridades se tornam automaticamente suspeitas de embutir motivação eleitoreira – e, de quebra, se prestam a justificar a inépcia do governo na gestão da crise.

Um ambiente assim é propício ao florescimento do extremismo, e aí o presidente Bolsonaro joga em casa. Incapaz de formular um projeto claro de governo, seja por incompetência, seja porque nunca pensou nisso, o presidente sabe que sua sobrevivência política depende da desmoralização da democracia.

Não é por outro motivo que Bolsonaro, ora disfarçado de “moderado”, ataca dia e noite a imprensa, desdenha do Congresso, desrespeita o Judiciário e hostiliza qualquer forma de oposição, mesmo que isso custe vidas, como acontece neste momento em razão da pandemia. Ao fazê-lo, o presidente sinaliza que a democracia é, para ele, coisa de gente frouxa – bom mesmo é o regime no qual prevalece o grito.

Esse espírito ameaça inviabilizar a construção de políticas públicas, pois intoxica as discussões sobre os problemas nacionais. Felizmente, contudo, a democracia tem seus mecanismos de defesa. Contra a utopia doentia do bolsonarismo, as forças vivas da sociedade podem – e devem – estimular o debate político na busca de soluções para os grandes problemas nacionais. Há hoje diversos grupos suprapartidários dedicados a formular propostas de reformas e há também a possibilidade de apresentação de projetos de iniciativa popular – quatro deles já se converteram em lei.

Ou seja, o povo deve continuar a ser protagonista de seu destino, por meio da política tradicional e das novas formas de organização proporcionadas pela comunicação em rede. Se assim for, governos com vocação autoritária, que só enxergam o povo como força subsidiária de seus projetos liberticidas, podem até fazer barulho, mas não prosperarão.

Siameses


Estamos sendo governados por um criminoso. Temos um criminoso na presidência atualmente, um mentiroso e um ser humano abominável
Paul Auster

Trump deles e o nosso

Em julho de 2019, Donald Trump definiu o presidente Jair Bolsonaro, logo ele, como um “grande cavalheiro”. “Dizem que ele é o Trump do Brasil. Eu gosto disso. É um elogio!”, acrescentou.

O republicano poderia ter economizado a última parte. Vaidoso e egocêntrico, ele batizou torres comerciais, condomínios, hotéis, resorts e campos de golfe com o próprio nome. Seria estranho se não gostasse de alguém tão empenhado em imitá-lo.


Desde a campanha, Bolsonaro faz de tudo para ser comparado a Trump. Ele já copiou os tuítes destrambelhados, as teorias conspiratórias, as provocações à China e os ataques à imprensa. Só faltou besuntar o rosto com aquela pasta laranja.

Truques lançados lá foram repetidos à exaustão por aqui. Um dos mais manjados foi tachar de fake news qualquer notícia incômoda para o governo. Outro foi ressuscitar o fantasma do comunismo, como se o Muro de Berlim ainda estivesse de pé.

Na pandemia, Bolsonaro replicou o discurso de Trump contra o distanciamento social, o uso de máscaras e as recomendações da OMS. Os dois presidentes fizeram pouco da doença até se contaminarem. A diferença é que o americano abandonou a propaganda da cloroquina quando foi parar no hospital.

Hoje os americanos vão às urnas na eleição mais tensa da história recente. Em desvantagem nas pesquisas, Trump ameaça não aceitar uma possível vitória do rival Joe Biden. Com medo de quebra-quebra, lojistas de Washington, Nova York e Los Angeles espalharam tapumes pelas vitrines.

O republicano já deixou claro que recorrerá aos tribunais em caso de derrota. O plano seria invalidar votos de regiões dominadas pelos democratas. Isso lançaria a maior potência do mundo num cenário de convulsão social e descrédito da democracia.

A contestação dos resultados nos EUA seria um mau sinal para o Brasil. Se o Trump deles apelar ao tapetão, o nosso não hesitará em imitá-lo em 2022. Ele já começou a criar o clima para isso ao disseminar informações falsas contra a urna eletrônica.

A Europa olha para o Brasil e diz: eu sou você amanhã

No momento que eu começava a escrever esta coluna, o primeiro-ministro do Reino Unido concedia uma entrevista coletiva para anunciar a decretação de um lockdown nacional, segundo ele, como último recurso para tentar deter o progresso da segunda onda de covid-19 que tomou de assalto o país e todo continente europeu. O anúncio, feito com duas semanas de atraso em relação ao alerta original emitido pelo comitê científico do país —conhecido pela sigla SAGE—, marcou uma mudança de 180 graus na posição oficial do governo conservador britânico, que desde o início da pandemia vem sofrendo toda sorte de críticas da mídia local, da comunidade científica e da população pelas falhas monumentais no manejo da crise sanitária no país.

Ao anunciar a reversão da sua posição original contrária à medida, Boris Johnson informou aos britânicos que não havia outra alternativa neste momento a não ser a reinstituição do mesmo tipo de isolamento social rígido, já usado pelo Reino Unido em março passado, para que o país evitasse que a segunda onda da pandemia fosse ainda pior que a primeira. Algumas horas depois desse pronunciamento, os detalhes mais lúgubres, apresentados pelos cientistas do SAGE ao até então relutante primeiro-ministro do que poderia acontecer caso Johnson não realizasse este cavalo de pau político e mudasse de rumo radicalmente, começaram a vazar na imprensa britânica. Na sua edição de domingo, o jornal britânico The Guardian reportou que ao tomar conta que, se um novo lockdown não fosse instituído imediatamente, o país provavelmente teria que converter arenas de patinação no gelo em morgues de emergência para conseguir dar conta do número massivo de fatalidades, além de utilizar o uso de guardas armados nas portas de hospitais públicos que, totalmente sobrecarregados com pacientes e carências de toda sorte, teriam que rejeitar a admissão de novos pacientes à força. Confrontado com este cenário apocalíptico, Johnson finalmente capitulou e se rendeu às recomendações do seu comitê científico e anunciou um lockdown nacional.

Quase que em paralelo, do outro lado do Oceano Atlântico, o cientista mais renomado da força tarefa científica da Casa Branca, o doutor Anthony Fauci, diretor-geral, há 36 anos, do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas e Alergia do governo dos Estados Unidos, e que algumas semanas atrás havia previsto que os EUA atingiriam a marca de 100.000 novos casos diários de covid-19 ainda em outubro, emitiu o seu próprio alerta, numa entrevista ao jornal Washington Post. Segundo ele, os EUA vão sofrer profundamente durante os meses de outono e de inverno com a covid-19 e, muito provavelmente, devido a um aumento considerável de casos, hospitalizações e mortes por todo país.



Exatamente duas semanas atrás, eu usei as minhas redes sociais para alertar sobre a possibilidade de que, tanto a segunda onda europeia, como o novo crescimento descontrolado dos casos nos EUA, poderiam contribuir para o surgimento de uma segunda onda de covid-19 no Brasil nos próximos meses. Somadas as aglomerações produzidas pelo relaxamento das medidas de isolamento social em todo país, bem como pela campanha eleitoral e os dois turnos das eleições e as festas de final de ano, uma segunda onda de casos de covid-19 poderia atingir em cheio o Brasil a partir dos seus aeroportos internacionais, nos primeiros meses de 2021. Alguns dias depois, o Boletim 12 do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus (C4) do Consórcio Nordeste colocou com destaque a sua preocupação com a possibilidade de uma segunda onda de covid-19 no Brasil, identificando os aeroportos internacionais brasileiros como uma enorme vulnerabilidade do país. Este alerta se justifica plenamente uma vez que o espaço aéreo brasileiro internacional permanece aberto neste momento e nenhum protocolo de segurança padronizado tem sido aplicado aos viajantes que chegam ao Brasil, advindos da Europa e dos EUA.

Como é de conhecimento notório que a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil no final de fevereiro passado a partir dos nossos aeroportos internacionais, que permaneceram abertos por mais 30 dias, até o final de março, num dos erros mais crassos do manejo da crise perpetrado pelo Governo Federal, o alarme com grande antecedência feito pelo C4 aos governantes do Nordeste brasileiro é necessário para que não só nesta região, mas em todo o país, as autoridades federais tomem as devidas precauções. Estas deveriam incluir não só exigência de comprovante de teste negativo para covid-19, realizado recentemente pelo viajante que chega ao Brasil, como oferta de testagem nos aeroportos e exigência de quarentena de pelo menos 14 dias aos que não pudessem comprovar não estarem infectados com o SARS-CoV-2. No limite, o Brasil já deveria começar a preparar um plano de contingência que incluísse o fechamento do espaço aéreo internacional, caso viajantes infectados provenientes da Europa e EUA fossem identificados nos nossos aeroportos.

Tomados de surpresa com este alarme, alguns gestores responderam ao alerta do Boletim 12 do C4 indicando que os dados atuais não sugerem qualquer risco de uma segunda onda. Todavia, em menos de uma semana este argumento foi por terra abaixo, como mostrou a reportagem de Beatriz Jucá no EL PAÍS. Usando os dados de internação hospitalar por síndrome respiratória aguda grave (a vasta maioria das quais representando casos de covid-19), produzidos pelo grupo de pesquisadores do Infogripe da Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, o artigo relatou que sete capitais brasileiras (Aracaju, Florianópolis, Fortaleza, João Pessoa, Macapá, Maceió e Salvador) já exibem claros sinais de crescimento no número de pessoas infectadas nas últimas semanas. Somam-se a estas três outras, Belém, São Luís e São Paulo, que exibiram sinais moderados de crescimento. Apesar destes números não caracterizarem ainda uma segunda onda da pandemia, todos os sinais de problemas futuros estão se materializando no horizonte brasileiro.

Resta saber se, desta vez, o Governo Federal vai se mexer no tempo certo para reabastecer o país com tudo que faltou na primeira onda da pandemia, desde testagem em massa, equipamentos de proteção, máscaras, medicamentos básicos, até a definição de uma mensagem coerente, unificada e transparente para todo o país, ou, ao invés, repetir os mesmos erros primários que nos levaram à maior tragédia humana da história do país, representada por mais de 160.000 mortes em pouco mais de oito meses de pandemia.

No Grupo Escolar Napoleão de Carvalho Freire, onde eu estudei, se dizia que errar uma vez é possível, mas persistir no erro é pura burrice. Infelizmente, eu temo já saber de antemão qual será a atitude do Governo brasileiro em mais esta encruzilhada da pandemia de covid-19. E, neste caso, burrice é o termo mais leve que vem à minha mente para caracterizar uma eventual repetição, em 2021, da tragédia já vivida pelo país em 2020, mesmo depois de o alerta ter sido feito com grande antecedência por um comitê científico de porte como é o C4. Os governantes brasileiros só precisam atentar nas próximas semanas e meses o que vai acontecer no Reino Unido, e com a carreira de Boris Johnson, para terem uma clara medida do enorme preço humano e político que se paga ao se ignorar, uma vez mais, os alertas da ciência nestes trágicos e incertos tempos de pandemia.

Quem avisa, amigo é.