sexta-feira, 29 de abril de 2022
O que farão as Forças Armadas?
Em duas oportunidades o presidente, de viva voz, instou as Forças Armadas a continuar a questionar a transparência da votação eletrônica, sempre “embasando” seu clamor em informações falsas.
Numa solenidade por si só já eivada de caráter golpista, em que Bolsonaro e apoiadores fizeram uma espécie de desagravo a Daniel Silveira, o presidente colocou explicitamente em dúvida a realização das eleições caso fatos “anormais” ocorram. Os únicos fatos anormais que ameaçam a realização do pleito são as investidas sistemáticas do presidente da República contra a Justiça Eleitoral.
Ele chegou ao disparate de dizer que a sala-cofre do Tribunal Superior Eleitoral, malandramente chamada por ele de “secreta”, para dar a ela ares de conspiração, seria um local onde algumas pessoas decidem quem vencerá a eleição!
Não há mais um limite sequer entre o que sai da boca do presidente e o que dá na sua telha. Fatos, liturgia do cargo, responsabilidade com o país e a institucionalidade foram mandados às favas. Bolsonaro já nem finge que governa. Respira, almoça, janta e dorme agindo para tumultuar o ambiente político e institucional do Brasil e para a tentativa de se reeleger.
Na live desta quinta-feira, ele fez uma espécie de pot-pourri de todas as suas aleivosias: defendeu que histórico de atleta previne Covid-19, lançou dúvidas sobre a eficácia das vacinas sem nenhuma evidência e louvou sua proximidade com Vladimir Putin, dois meses depois da guerra sangrenta que ele empreende na Ucrânia.
Mas é sempre à contestação ao Judiciário, e à Justiça Eleitoral especialmente, que ele dedica mais tempo. Bolsonaro foi além do discurso da véspera e disse que as Forças Armadas “devem continuar trabalhando para convencer o TSE” a aceitar supostas modificações técnicas sugeridas por elas e a fazer uma apuração paralela dos votos.
Não existem sugestões feitas pelos militares que tenham sido tecnicamente validadas. Nos últimos meses, o TSE ampliou muito as formas de auditar as urnas eletrônicas. Informações foram prestadas aos militares e aos partidos políticos, especialistas foram chamados a analisar por dentro os mecanismos de votação. Não há nenhuma previsão constitucional, lei ou norma que preveja que as Forças Armadas devam ter qualquer papel na contagem de votos e na proclamação do resultado das eleições no Brasil.
O que Bolsonaro será capaz de fazer para forçar a barra nessa evidente, cristalina orientação dos militares para tensionar o ambiente eleitoral no país?
O ministro Luiz Ramos já havia dado a letra do samba de que eles avançariam na tentativa de envolver as Forças Armadas no processo eleitoral quando disse, em resposta a Barroso, que as eleições são tema concernente à soberania nacional. Ora, e em que a realização de eleições seguras e limpas, realizadas por urnas eletrônicas desde 1996, põe em risco a soberania nacional? Trata-se de mais um ingrediente perigoso, deletério para incendiar um debate que, por obra e graça do chefe do Executivo, já está por demais envenenado.
Tudo isso é de uma gravidade absoluta. O fantasma da leitura golpista do Artigo 142 da Constituição como pretexto a uma “solução militar” para a desvantagem de Bolsonaro nas pesquisas já está em curso. Ou as Forças Armadas se arvoram de sua missão constitucional — e se dissociam de forma clara e inequívoca dessa escalada de enfraquecimento da democracia — ou tratarão de, também elas, demonstrar que Barroso estava mais do que certo.
Haverá retorno?
O que está em jogo no Brasil, no momento, não é impedir que a democracia seja fraturada. Ela já está fraturada. É se haverá condição de retornar à trilha democrática, de recompor o que foi destruído, de reconstitucionalizar o paísLuis Felipe Miguel, autor de "Democracia na periferia capitalista" e professor do Instituto de Ciência Política da UnB
Nunca na história recente do país um presidente trabalhou tão pouco
É o que revela o estudo “Deixa o Homem Trabalhar?”, de Dalson Figueiredo, coordenador científico do Programa de Mestrado Profissional em Políticas Públicas da Universidade Federal de Pernambuco, Lucas Silva e Juliano Domingues. Figueiredo faz pós-doutorado na Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Figueiredo apressa-se a justificar o estudo: “A nossa grande motivação é tornar esse dado público, não criticar o presidente, falando que ele trabalha mais ou menos. Criamos uma equipe multidisciplinar e levantamos os dados. A motivação é metodológica”, disse ele à revista Veja. Feita a ressalva…
Entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2022, Bolsonaro trabalhou, em média, 4,8 horas por dia. A quantidade média de sua carga de trabalho diminuiu nos últimos três anos e dois meses, passando de 5,6 horas em 2019 para só 3,6 horas este ano, levando em conta a sua agenda oficial divulgada diariamente pelo governo.
Bolsonaro trabalha, em média, 18 horas semanais a menos que um trabalhador regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e 14 horas semanais a menos que um servidor público federal da administração direta. Se lhe parece pouco, saiba: a média de 4,8 horas só foi alcançada contabilizando-se o tempo de suas viagens.
Em 2019, por exemplo, há registros de dias em que Bolsonaro trabalhou 12 horas. Segundo o estudo, todos os registros com carga horária superior a cinco horas tratam-se, na verdade, de períodos em que ele estava em trânsito. Como em 18 de novembro de 2021, quando ele voou de Doha, no Catar, para Brasília.
No dia 12 de novembro de 2021, ele partiu de Brasília para Lisboa somando 11,8 horas de trabalho. Se aplicado o mesmo critério, o tempo gasto por Bolsonaro com motociatas pelo país, ou comendo farofa nas ruas de Brasília, ou passeando de jet-ski no Guarujá seria considerado jornada de trabalho. (Isso sou eu que digo.)
O próprio Bolsonaro já admitiu que trabalha pouco. Na tarde da quinta-feira 9 de julho de 2021, mês em que o Brasil ultrapassou as 500 mil mortes pela Covid-19, ele disse aos seus devotos reunidos no cercadinho dos jardins do Palácio da Alvorada que sua agenda andava “meio folgada”. Conversou 50 minutos com eles.
O golpe, de novo
Barroso entrou nessa por acidente. A fala em si do ministro do Supremo Tribunal Federal em um evento acadêmico no exterior foi muito criticada, mas está longe de ser caluniosa às Forças Armadas como o general indicou. Foi, isso sim, um ataque, quase uma denúncia ao presidente Jair Bolsonaro, ainda que sem jamais mencioná-lo. O ministro fez uma indagação retórica, ao se referir ao voto eletrônico: “As Forças Armadas estão sendo orientadas para atacar o processo e tentar desacreditá-lo?” Mais adiante, ressalvou: “Nestes 33 anos de democracia, se teve uma instituição de onde não veio notícia ruim, e que teve um comportamento exemplar, foram as Forças Armadas.”
A resposta em tom muito acima do normal do general Paulo Sérgio sugere que se procurou criar um cavalo de batalha, para se ficar em jargão militar. Um tumulto por pouca coisa. Roteiro semelhante aconteceu em 1968, quando um discurso provocativo banal do deputado Márcio Moreira Alves desencadeou uma crise entre a cúpula do regime militar e o Congresso que desembocaria na decretação do AI-5.
O indulto a Daniel Silveira simbolizou o fim da trégua entre Bolsonaro e o Judiciário. Afinal, o deputado foi condenado pelo Supremo por incitar agressão a membros do STF. Ao indultar, Bolsonaro endossou este comportamento.
Quis o destino que as eleições de outubro venham a ser presididas pelo ministro Alexandre Moraes, no TSE, e o Supremo fique nas mãos de Rosa Weber. Eles assumirão estes postos a poucas semanas do pleito. Moraes está em pleno contencioso com Bolsonaro e Rosa Weber é famosa por seguir o figurino clássico da magistratura: inabordável, avessa a contatos políticos mesmo com seus colegas de corte, voltada para a doutrina.
A presença de Moraes à frente do TSE pode estimular os apóstolos do golpe a reforçar narrativas de que a Justiça Eleitoral no Brasil se partidarizou. O fato disso não ser verdade é irrelevante para quem procura pretextos para deslegitimar o processo e abrir caminho para um golpe. O temperamento distante de Rosa Weber pode ser um complicador para que ela exerça liderança sobre seus pares e capacidade de negociação e persuasão junto a outras forças.
A blindagem do sistema contra um golpe envolveria tirar as Forças Armadas do isolamento que vivem. Hoje os generais, brigadeiros e almirantes basicamente só estão conversando entre si e com o presidente Jair Bolsonaro. Não há pontes estabelecidas, canais de comunicação azeitados, entre o Judiciário e o meio militar, ou entre o Congresso e o meio militar, e muito menos entre a oposição e os quartéis.
Entre 1983 e 1984, no fim do governo Figueiredo, uma reação no meio militar contra o fim do regime autoritário e a ascensão de Tancredo Neves chegou a se armar. Esta inquietação foi neutralizada porque havia pontes entre os militares e outros atores políticos, conforme relatos inclusive da imprensa da época. O então governador paranaense José Richa era bem relacionado com o comandante do 3º Exército e o próprio Tancredo conseguiu estabelecer diálogo com o ex-presidente Ernesto Geisel e com o ministro do Exército, general Walter Pires.
Desta vez, comenta esta fonte, não tem ninguém conversando com ninguém. O líder nas pesquisas de intenção de voto, Luiz Inácio Lula da Silva, acaba de ser enquadrado pelo PT e perder o comando da comunicação de sua própria campanha, com a provável substituição de Franklin Martins, um nome seu, por um burocrata da máquina partidária.
Lula ainda se enreda dentro da sua própria base e com a negociação entre correligionários e aliados. Não está falando com os que não estarão com ele durante a campanha, mas que poderão garantir a sua governabilidade, caso venha a ser eleito. Ele não tem interlocutor junto às Forças Armadas e, se assim continuar, não terá como desarmar uma contestação militar de um eventual triunfo eleitoral seu. Não está se preparando como Tancredo se preparou. Aparentemente, acha que as circunstâncias institucionais de 2022 serão iguais às de 2002, data de sua chegada ao poder. Não serão. O jogo mudou.
Mas a falta de diálogo, segundo este observador, vai além. As principais lideranças do Congresso deixaram que o corporativismo falasse mais alto ao endossarem o indulto ao parlamentar. A principal iniciativa institucional do presidente da Câmara dos Deputados nas últimas semanas pode ser classificada como no mínimo estranha, de tal modo inoportuna: a instalação de uma comissão para estudar a implantação do semipresidencialismo a partir de 2030. É de se pensar como será a discussão deste assunto em novembro, com a confusão se desenhando no horizonte.
Em favor de Lira e Pacheco, um sinal de alerta foi o fato de ambos terem se manifestado ontem em redes sociais para defender o sistema eleitoral.
Sobre o ensaio de golpe que se desenha no horizonte brasileiro segundo as leituras mais pessimistas: a se confirmar a distopia, seria um autogolpe, com aval das Forças Armadas, para anular um resultado eleitoral adverso. Uma quebra da institucionalidade neste formato contaria com um fortíssimo fator de desestímulo para aqueles que cogitam tentá-la. Trata-se da taxa de insucesso, que é alta.
De Donald Trump (Estados Unidos) a Laurent Gbagbo (Costa do Marfim), passando por Slobodan Milosevic (Iugoslávia), Evo Morales (Bolívia) e Alberto Fujimori (Peru), o resultado foi quase sempre o mesmo. Presidentes que promoveram fraude eleitoral, ou contestaram eleições legítimas em que saíram derrotados não conseguiram continuar no poder. Os casos de democracias que se converteram em autocracias são de presidentes que contavam com força popular: Putin, Erdogan, Narendra Modi, Órban, ou o salvadorenho Nayib Bukele. Nestes casos, a taxa de sucesso do golpismo é alta. E a necessidade de diálogo para o estabelecimento da resistência é muito maior.
Bolsonaro e generais se unem em cerco ao STF
O decreto cumpriu duas funções: afrontar a Corte e inflamar a militância de ultradireita contra seus juízes. A estratégia de arrastar o Supremo para o ringue já é conhecida. O deputado marombado foi apenas o pretexto da vez.
No domingo, o ministro da Defesa moveu outra peça para cercar o tribunal. Em nota ríspida, o general Paulo Sérgio Nogueira chamou o ministro Luís Roberto Barroso de “irresponsável” e o acusou de cometer “ofensa grave” contra as Forças Armadas. O general distorceu uma palestra em que o juiz elogiou os militares, mas lamentou a tentativa de usá-los para desacreditar o processo eleitoral.
A fala de Barroso pode ter sido desnecessária, mas não foi nova. Em fevereiro, ele já havia se penitenciado pela má ideia de convidar militares para um certo comitê de transparência do TSE. “Estou presumindo que as Forças Armadas estão aqui para ajudar a democracia brasileira. E não para municiar um presidente que quer atacá-la”, afirmou, na época.
O ministro da Defesa também não inovou. Há nove meses, o general que ocupava sua cadeira se disse ofendido quando o senador Omar Aziz lamentou o envolvimento de “alguns” oficiais em negociatas no Ministério da Saúde. A CPI da Covid investigava seis militares suspeitos de fazer rolo na compra de vacinas. Em tom de ameaça, o então ministro Braga Netto acusou o senador de “desrespeitar” as Forças Armadas “de forma vil e leviana”.
O capitão e seus generais se movimentam em bloco. A nota de domingo foi endossada por mais três estrelados com assento no Planalto: o vice-presidente Hamilton Mourão e os ministros Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno. Esses generais já foram apresentados como forças moderadoras no governo. No mundo real, sempre atuaram como agentes da radicalização.
Em áudio vazado em dezembro, Heleno despejou fúria sobre o Supremo e disse tomar “dois Lexotans na veia”, todos os dias, para não encorajar Bolsonaro a tomar uma “atitude mais drástica” contra o tribunal. Talvez seja o caso de prescrever o remédio a seus colegas.
A paz como fundamento da democracia e da sustentabilidade
Como estamos pensando e nos posicionando frente a esta complexa realidade?
O conflito militar envolvendo a Ucrânia e a Rússia é uma das pontas do iceberg que expressa as contradições do mundo em que vivemos, onde a cultura da guerra fria ainda sobrevive através principalmente dos EUA e dos seus aliados da OTAN, frente a uma realidade mundial multipolar que apresenta a China, a Rússia, o Japão e a própria União Europeia como atores relevantes do atual cenário internacional.
Desde fevereiro, o conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia ocupa papel de destaque no noticiário internacional. Envolve diretamente os EUA, a OTAN, a União Europeia e, indiretamente, a China. São disputas geopolíticas, como aconteceu e acontece hoje em diversas regiões do planeta, inclusive durante o século XX no desencadeamento das duas guerras mundiais e no período da guerra fria.
Hoje, por exemplo, qual seria a razão de existir da própria OTAN? Como sabemos, ela foi criada depois da segunda guerra mundial para impedir a expansão da ex-União Soviética, que não mais existe desde 1991. Como estão e vão se desenvolver as relações entre os EUA e a China e o papel da União Europeia e da Rússia neste contexto?
São questões a serem colocadas para um melhor entendimento do atual cenário internacional e o papel dos distintos atores envolvidos.
Portanto, a guerra na Ucrânia coloca em cheque o anacronismo das organizações multilaterais, a exemplo da ONU que ainda funciona com a lógica dos vencedores da segunda guerra mundial, com o poder de veto da Rússia (substituindo a URSS), EUA, China, Inglaterra e França.
Segundo a ONU, existem atualmente no mundo 30 regiões em conflito, a maioria armados. Os conflitos envolvem disputas territoriais, diferenças étnicas, religiosas e recursos naturais, inclusive a água. Existem zonas de tensão geopolítica, a exemplo da Coreia do Norte, do Irã e da Palestina. Ainda movimentos separatistas que criam instabilidades políticas e econômicas regionais, como na Irlanda do Norte, no Pais Basco e na Catalunha (Espanha), no Quebec (Canadá) e na Colômbia, entre outros.
Em tempo real, de maneira dramática e espetacular, o mundo acompanha a tragédia da Ucrânia. Enquanto pouco é noticiado em relação aos conflitos regionais que acontecem na América, na África, na Ásia e na própria Europa, há décadas.
Assim, estão em disputa os modelos de hegemonia a nível internacional: a unipolaridade dos EUA consagrada após o esgotamento do modelo soviético em 1991 ou a perspectiva de um mundo multipolar – processo em andamento, um mundo onde a União Europeia, o Japão, os BRICKS, aqui incluídos a China e a própria Rússia entre outros países, teriam uma participação mais efetiva na ONU e nos Organismos Multilaterais, construindo uma nova ordem mundial, mais ampla e aberta à cooperação internacional.
Sob qual perspectiva nos colocamos? O que temos a dizer como sociedade brasileira e mundial no processo de construção de uma cultura de Paz como caminho da sustentabilidade do planeta e da própria humanidade?
Os desafios atuais e o futuro
Neste contexto mundial é que devemos avaliar as guerras e os conflitos regionais ora em curso e os impactos das declarações e ações das principais lideranças dos EUA e da Europa, destacando ainda a China, a Rússia e os países diretamente envolvidos nas guerras e conflitos regionais.
A lógica da guerra, de resolver os conflitos entre os países, manu militare, não interessa à maioria da humanidade. Interessa aos complexos industrial e militar historicamente construídos, consolidados nos tempos da guerra fria e que sobrevivem até à atualidade, trazendo aos senhores da guerra lucros fantásticos no processo de destruição e reconstrução dos territórios atingidos pelos conflitos, matando, na maioria das vezes, as crianças, a juventude e a população civil em geral, além de destruição da própria natureza, da arquitetura e da cultura milenar da humanidade.
O imperativo que se coloca é a luta em defesa e ampliação da democracia como caminho para a construção de novas relações centradas na vida e na preservação da natureza, colocando a cultura e a educação para a Paz como fundamentos de novas relações nacionais, continentais e internacionais.
A pactuação desta construção, através do diálogo e da cooperação permanentes, são desafios colocados às dificuldades que estamos vivendo no Brasil e em toda a humanidade, ainda em pandemia. A pandemia e, particularmente, os conflitos regionais e os impactos das mudanças climáticas desnudam as fragilidades dos sistemas políticos, econômicos e sociais em que vivemos, desafiando a humanidade na perspectiva de construção de novas relações entre sí e com a própria natureza.
A sociedade desnudada pela pandemia nos agride no Brasil e em qualquer lugar do Planeta: nas ruas e nas redes, é visível a tragédia social de milhões de pessoas, à margem das conquistas sociais elementares: educação, trabalho, alimentação, moradia, saúde-saneamento básico, mobilidade e uma renda básica, assegurados na Declaração Universal e nas Constituições Nacionais, inclusive na atual Constituição brasileira.
A tecelagem de uma alternativa democrática às crises política, econômica, social, sanitária e ambiental em que vivemos nos desafia a construir de maneira inadiável a unidade das forças democráticas, dialogando com o mundo do trabalho e da cultura para a mobilização de uma frente democrática que garanta o Estado de Direito e o exercício da Cidadania garantindo a melhoria de vida da população brasileira e da planetária. Há espaços, no Brasil e no mundo, para a construção de novas relações políticas, econômicas e sociais, direcionando os investimentos hoje utilizados para a guerra a favor da cultura, da educação e da ciência & tecnologia, no enfrentamento dos reais problemas econômicos, sociais e ambientais da humanidade.
As sustentabilidades política, econômica, social e ambiental planetária estão em pauta. Estamos desafiados à construção de sociedades democráticas no caminho de uma cultura de paz para o Brasil e para toda a humanidade.
Portanto, a luta pela Paz é a luta pela Sustentabilidade do Planeta, é a luta pela Vida de cada um de nós. A política, a diplomacia e a cidadania mundial devem juntas agir no sentido de resolução dos conflitos militares, dos refugiados ou de qualquer outro tipo. A ONU deve ser o espaço privilegiado no caminho de resolução dos conflitos militares entre a Rússia e a Ucrânia, de todos os outros conflitos militares ou de qualquer natureza em curso no planeta. Cada ser humano é importante, independente da sua nacionalidade, da sua pele, opção sexual ou religião.
Assim, como nunca, devemos trabalhar e lutar por uma cultura de Paz. Afirmar e reafirmar os valores que nos fazem humanidade: a cooperação, a solidariedade, a luta pela igualdade, liberdade e fraternidade, valorizando , defendendo e consolidando a democracia como caminho e instrumento fundamental deste processo.
Os caminhos e as alternativas estão colocadas: as opções entre a democracia e a barbárie continuam postas. É um processo permanente, em construção. A questão democrática, a sustentabilidade e a cultura da paz se colocam como valores para a sociedade contemporânea nas suas relações entre si e com a própria natureza, no caminho de sermos uma melhor humanidade.
Estamos desafiados!
Em Portugal, a coragem da serenidade
É o feriado mais importante de Portugal, a data mais querida de sua História, que celebra uma revolução sem uma gota de sangue, marcada pela coragem, serenidade e autoridade moral do capitão Salgueiro Maia, adorado pela tropa, e uma nova geração de capitães cansados de matar pretos e morrer nas inúteis e injustas guerras coloniais na África, que planejam depor uma ditadura que calava, torturava e matava opositores. Salgueiro liderou uma coluna de blindados de Santarém a Lisboa e enfrentou, literalmente, de peito aberto os tanques do governo e um general boçal e violento.
Foi como uma cena de duelo de faroeste. Numa rua de Lisboa, uma pequena coluna de blindados e soldados rebeldes fica cara a cara com os tanques do governo, separados por 50 passos e um tempo tecido a tensão e medo. Salgueiro desce do blindado, põe seu fuzil no chão, e com um lenço branco na mão caminha lentamente em direção ao general que grita ameaças e palavrões, dá ordens de prisão e tiros para o alto.
Com serenidade, Salgueiro tenta dialogar para um final pacífico de uma guerra que a ditadura já perdeu, pela adesão maciça de outros capitães e suas tropas, e, à medida que as noticias se espalham, pela população que desobedece às ordens de ficar em casa e vai para as ruas.
O general ordena abrir fogo contra Salgueiro, mas ninguém obedece, seus soldados abandonam os tanques e percorrem a rua para se unir aos rebeldes, deixando-o sozinho à frente dos tanques vazios e do ridículo.
O povo vai para as ruas aplaudir e agradecer os capitães e soldados libertadores com beijos e flores. Cravos vermelhos no cano de fuzis, na boca de canhões e no peito de soldados se tornaram o eterno símbolo de uma revolução sem tiros e sem sangue.
A velha, viciada e violenta elite militar salazarista fica isolada nos palácios com os bispos e arcebispos da Igreja Católica, os banqueiros e os políticos governistas, enquanto os rebeldes tomam os quartéis e as ruas. As tropas de Salgueiro cercam o palácio do governo e ele vai, com respeito e serenidade, dar o ultimato ao presidente Marcelo Caetano.
Tiros, mortos e feridos, só quando agentes da PIDE, a abjeta polícia secreta, entrincheirados em sua sede, abriram fogo contra a multidão que os cercava. Pouco depois, as tropas dos capitães arrombavam os portões do prédio mais odiado de Portugal e os espiões, torturadores e assassinos fugiam por saídas secretas e eram caçados como ratos nas ruas de Lisboa.
O momento mais emocionante é a invasão do presídio e a libertação dos presos políticos que correm para os braços de suas famílias.
Foi a vitória da coragem e da serenidade contra a violência e o ódio.