quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Pensamento do Dia

 


Ruas foram espuma, projeto de golpe continua, elite ainda é conivente com Bolsonaro

No 7 de Setembro, Jair Bolsonaro cometeu mais alguns crimes de responsabilidade, motivo de processo de impeachment, entre outros que podem se tornar objeto de inquérito e condenação no STF. Na noite desta terça-feira (7) lúgubre, uns senadores haviam decido ir ao Supremo pedir a investigação por meio de uma “notícia-crime”. Os ministros, por sua vez, por ora ainda discutiam a elaboração de uma “mensagem dura” (hum...), apesar de Bolsonaro ter chamado alguns deles de “canalhas” e de dizer, aliás outra vez, que pode ou não obedecer a decisões do tribunal maior.

Vai ter consequência? Uns governadores, uns gatos pingados do PSDB e um ou outro partido centróide passaram a sussurrar a palavra “impeachment”. Um tucano manco, aliás meio bolsonarista, umas andorinhas depenadas e um monte de galinhas gordas de emendas não fazem um verão neste tenebroso inverno de Bolsonaro. As elites precisam tomar vergonha na cara (...), pois o tirano não vai parar a não ser que seja confrontado objetivamente. Se não o fazem, estão a dizer, na prática, que essa alternativa ou qualquer outra são piores do que Bolsonaro. Em geral, o mundo político se ocupa apenas e mal e mal de eleição, sem que ao menos exista oposição organizada, menos ainda da “terceira via”.

Que mais aconteceu em mais um dia de golpeamento da República e do projeto dos Bolsonaro de fugir da polícia? A espuma das ruas.


Sim, Bolsonaro até que juntou muita gente em São Paulo, cerca de 125 mil pessoas na Paulista, na conta razoável da Polícia Militar (este jornalista esteve lá), o equivalente a 1% da população da cidade. Sim, poderia ter acontecido algo de muito mais grave, mortes, depredação das sedes dos Poderes etc. No essencial, foi o de sempre.

Grosso modo, nas ruas houve a espuma de aglomerações covidárias em São Paulo e uns arreganhos de falangistas mais organizados em Brasília, financiados pelo agro ogro e por outros empresários bolsonaristas. No entanto, o Domingo no Parque autoritário paulista foi uma reunião meio cansada e não muito sensacional de gente convertida, não de batalhões fascistas prontos para a marcha (ainda reclusos em certos quartéis, clubes de tiro e milícias).

Bolsonaro falou para o “público interno” e não tratou de assunto real do país, nem para fazer demagogia: fome, inflação, falta d’água e luz, de emprego. Em Brasília, disse ao público que chamaria o “Conselho da República”, a quem mostraria fotos da sua força nas ruas. Era uma bravata para a galera e uma ameaça avacalhada e inviável de decretar um estado de sítio ou algo assim.

A espuma fez borbulha em mais um dia de trabalho do bolsonarismo: a normalização do golpe e a tentativa de espalhar medo, de intimidação física, um tanto frustrada. O problema está aí: Bolsonaro continua a tocar o seu projeto sem que seja impedido de maneira decisiva, um sucesso relativo. Normalizou a discussão de golpe. Sujeitou o país à tutela militar: gente da política e dos Poderes vai até os quarteis perguntar se vai haver golpe.

Na prática, conseguiu fazer com que a maior parte da elite política e econômica aceitasse seu programa de destruição do “sistema”, elite que apenas se moveu diante da ameaça explícita e reiterada do golpe de Estado. Até agora, a degradação selvagem do país havia sido tolerada: saúde, educação, desumanidade, preconceito, cafajestagem, “rachadinha”, administração comezinha do governo, desprezo internacional, em parte e por alguns justificada pelos 30 dinheiros de meia dúzia de “reformas”, muitas delas porcas.

É preciso agir contra os ataques de Bolsonaro

O tão temido 7 de Setembro de Bolsonaro não produziu mais do que discursos delirantes e incidentes isolados, como era mais ou menos esperado. O problema é que a coisa não acabou. O capitão reformado segue à frente do Executivo e continuará a investir contra os outros Poderes. Nesse contexto, o Dia da Pátria foi uma escalada, precipitada pelo desespero de quem vê suas chances de reeleição minguarem, mas ainda assim uma escalada. Devemos esperar mais ataques à democracia.


Num país mais decente, Bolsonaro já teria sofrido impeachment há tempos. Ao nem sequer abrir um processo para avaliar se o presidente comete crimes de responsabilidade, a Câmara dos Deputados normaliza suas atitudes antidemocráticas. Felizmente, a resistência ao golpismo presidencial não está limitada ao Parlamento. A cúpula do Judiciário, alvo dos principais ataques de Bolsonaro, sentiu na pele a pressão e resolveu reagir.

A capacidade de resposta do STF e das cortes superiores, porém, é limitada, porque a Constituição blinda o presidente contra ações penais. Elas só podem ser iniciadas com o aval do procurador-geral da República e de 2/3 dos deputados. Mas é possível tentar frear o presidente por outras vias. O TSE já tem os elementos para considerá-lo inelegível em 2022. Também é possível encarcerar os aliados mais exaltados do capitão reformado e até algum dos filhos. No limite, o STF poderia determinar medidas cautelares contra um presidente que comete crimes inafiançáveis e imprescritíveis descritos na Constituição.

Esses são remédios de emergência que talvez se façam necessários. A resposta correta, contudo, como venho insistindo aqui há mais de um ano, teria sido o impeachment. Um observador benigno pode até achar que a população foi enganada pela campanha mentirosa de Bolsonaro quando o elegeu. Mas não há desculpa para a sociedade que tolera ver ataques constantes à democracia sem tomar uma atitude.

Fracasso mortal

A inelegibilidade de Jair Bolsonaro já está garantida. Agora é preciso arrancá-lo na marra do Palácio do Planalto, antes que ele produza danos ainda maiores, dos quais jamais poderemos nos recuperar

Caricatura do ditador

Formou-se uma multidão surpreendente para dois comícios de atração única. Eventos irregulares da campanha eleitoral permanente de um presidente decidido a manter-se no poder a qualquer custo. Bandeiras e faixas produzidas na mesma fábrica de fantasias e ilegalidades. Encontros sem espontaneidade, que passaram por uma linha de montagem cara, industrial, e de cobertura nacional.

Deu tudo certo. Com seus 58 milhões de votos de 2018 hoje reduzidos, pela rejeição, a menos de 32 milhões, ele não pode se queixar do resultado. Não há certeza, porém, que tenha sido uma renovação de confiança ou voto na reeleição.

Bolsonaro não faria essa mobilização à toa e não se deve, portanto, descartar nenhuma intenção mais ambiciosa a partir de agora.

O presidente atribuiu um protagonismo inédito ao ministro Alexandre de Moraes (STF), tentando jogar contra ele até os que, em meio às multidões, não sabiam de quem se tratava. Foi pensando em Moraes que Bolsonaro disse a frase-chave do seu discurso ao garantir que não será preso. O ministro é o condutor dos inquéritos das notícias falsas e dos atos antidemocráticos, crimes em que estão investigados seus filhos e presos amigos, cúmplices e membros do famigerado gabinete do ódio, além de empresários financiadores do esquema. O mesmo Moraes será presidente do Tribunal Superior Eleitoral quando estiver em votação a inelegibilidade. Uma das duas alternativas de desfecho legal do seu drama. A outra é o impeachment.


Diante das multidões, Bolsonaro nunca pareceu tão isolado do Brasil e do mundo. Em confronto com a maioria dos brasileiros favorável à democracia, às suas instituições e ao próprio estado de direito. Como demonstram os manifestos que estão pipocando País afora.

Os bolsoblocks, que já andavam desaparecidos, não são tantos como se esperava. Deu para perceber que, entre seus eleitores, há cidadãos normais: vacinados, racionais, que acreditam ser a Terra redonda e respeitam a ciência. Não são, como Bolsonaro, caricaturas. Existem, aceitam passagens e hospedagens para uma viagem recreativa no feriado e topam animados o papel de figurantes que representaram.

À distância, parece incapaz de ter a inteligência tática que demonstra. Acredita-se que haja alguém a guiá-lo na concepção e execução das suas insanas ações presidenciais. Será alguma liderança da direita internacional? Isto explicaria o grande número de faixas escritas em inglês para dar satisfações a alguém no exterior.

Seja o que for, Bolsonaro seguirá honrando o método que explora, no seu repertório político, três elementos: a covardia, a boa-fé do povo e a violência.

A covardia é um dos elementos típicos de seu discurso. Ele nunca assume a autoria de nada, diz sempre que age por delegação quando foi ele quem determinou tudo: o que dizer, o que pedir. É dele a voz do comando e da ordem de execução. Assim conduz tanto a milícia digital como a claque matinal diária do cercadinho da porta do Alvorada.

Outro elemento de tal método são as falsas informações que acabam ganhando credibilidade popular. A falsidade é instrumento poderoso de ação política e arma eleitoral deste grupo. Bolsonaro decidiu, inclusive, legalizá-la, por medida provisória inconstitucional, assinada anteontem, tornando-a livre de punição. É esta a liberdade de expressão por ele reclamada nos comícios. Assim, salva a própria pele e a dos propagadores de infâmias e mentiras à sua volta. Muitos brasileiros acreditam que podem virar jacaré, assim como acreditam na fraude eleitoral da urna eletrônica.

O terceiro elemento do método é a violência. Bolsonaro não tem recuo possível, seguirá neste rumo até a imprevisível cena final. Que não será pacífica. Na intenção firme de instalar-se como ditador, fez das manifestações do 7 de Setembro uma evidência do golpe que colocou em andamento.

Brasil da barbárie

 


Triste fim do patriotismo

Se tivesse escapado a seu triste fim, Policarpo Quaresma jamais abandonaria sua casa em São Januário para engrossar o "protesto" no Sete de Setembro. Logo nas primeiras páginas da obra-prima de Lima Barreto, o personagem é apresentado como patriota. Um patriota bem diferente dos que avacalham os Poderes para salvar a pele golpista de Bolsonaro.

Nem de longe passava pela cabeça do major Quaresma promover uma guerra de fuzis em nome de Deus e da família contra comunistas imaginários. Seus delírios de Quixote suburbano eram mais modestos e não vinham embalados na camisa amarela com escudo da CBF. Aliás, se pensasse como seu criador, ele deveria odiar futebol, o "jogo do pontapé" trazido por estrangeiros.


Policarpo Quaresma idealizava um Brasil melhor e mais justo. Uma República que adotasse como língua oficial o tupi-guarani —sem imaginar que no futuro os índios seriam demonizados como arqui-inimigos do agronegócio— e um governo capaz de pelo menos eliminar a praga das saúvas. As formigas cabeçudas haviam dizimado seu experimento de agricultura doméstica, com o qual sonhava matar a fome do povo, a mesma fome que hoje atinge quase 20 milhões de brasileiros.

Veio a Revolta da Armada e o humilde major encheu-se de brios e esperanças nacionalistas. Enviou o célebre telegrama a Floriano Peixoto: "Sigo já!". No entanto, ao conhecer o Marechal de Ferro identificou nele "um ar de malfeitor", um político sem interesse verdadeiro pelo país.

Antes de ser morto por soldados de Floriano, Policarpo Quaresma questionou a causa à qual se dedicara: "Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la no intuito de contribuir para sua felicidade e prosperidade (...) Desde os 18 anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades".

Bolsonaro só quer tumultuar. Será que vai conseguir?

Então foi assim o 7 de Setembro, dia em que o Brasil celebra sua independência. Desta vez, com atos grandes pró-governo e muito barulho. E então? Para começar: que bom que tudo ocorreu de forma pacífica. Tenho amigas e amigos que temiam um golpe violento, a tomada do poder à força por Bolsonaro. Respondi a eles, tirando sarro, claro, que ele já está no poder, mas mesmo assim não sabe o que fazer com todo esse poder. Para que, então, um golpe?

Jair Messias Bolsonaro é nada mais que um provocateur. Seu repertório é bem limitado, se restringe a xingar e ameaçar, a bravatas e palavrões. Foi isso que ele fez durante os trinta anos como deputado, nada mais. Nenhuma lei de alguma utilidade ele propôs, e não temos notícias de algum projeto social de sua autoria. Não conseguiu formar um partido, e muito menos permanecer por muito tempo em alguma sigla. Ele não é político, e não sabe fazer política. E nem sabe o que quer politicamente.


O que ele quer – e sabe fazer com maestria – é irritar os outros. Eis a origem do "mito": o cara que responde na lata, sem medo. Ele é bom na hora do deboche e de ofender, de responder sem papas na língua. Já tinha chamado o ministro do STF Luís Roberto Barroso de "imbecil" e "idiota". Agora foi a vez de Alexandre de Moraes ser chamado de "canalha". Que perda de tempo e falta de educação.

Para que tudo isso? Às vezes penso que Bolsonaro quer provocar consequências severas para si, para poder se fazer de vítima. Isso, sim, é outra coisa que ele domina com maestria. Aliás, faz parte do repertório do populista: denunciar forças inimigas que o inibiam de realizar suas políticas fantásticas. Então, ser barrado pelo STF de ser candidato em 2022 seria um presente para ele. Poder posar de vítima sem apanhar nas urnas.

Mas não acredito que o STF caia nessa armadilha. Não vão dar a Bolsonaro o presente de poder posar de vítima. Vão apenas emitir notas de repúdio às falas golpistas do presidente. Como sempre fazem. Depois, vão fingir uma normalidade nas relações entre os Poderes. E esperar o mandato de Bolsonaro acabar.

A pergunta mais interessante é: como o Congresso vai reagir a tudo isso? Pois apesar de todo esse barulho, a aprovação do presidente está em baixa. E deve afundar ainda mais, com a economia "andando de lado", a inflação acelerando e a seca se agravando. O Brasil real tem outros problemas além de Sérgio Reis ou do voto impresso. Será que o Centrão quer afundar abraçado a Bolsonaro?

Tudo indica que Bolsonaro continua sendo um "pato manco" nestes últimos 15 meses de seu governo. Não tem ambição de nada além de liberar armas e obstruir a fiscalização na Amazônia, para agradar o núcleo mais duro dos seus seguidores. Mas não tem e nunca teve uma verdadeira ambição de fazer política de verdade. Apenas tumultuar e irritar os outros. Muito pouco para um país com 210 milhões de pessoas e muitos problemas urgentes.
Thomas Milz

Bolsonaro transforma 7 de Setembro em dia nacional do golpismo

Depois de se apropriar dos símbolos nacionais, Jair Bolsonaro conseguiu sequestrar o Dia da Independência. O capitão transformou o 7 de Setembro numa data nacional do golpismo. Coloriu as ruas de verde e amarelo para incitar a desordem e ameaçar a democracia.

Apesar do isolamento político, o presidente mostrou que ainda é capaz de mobilizar uma minoria barulhenta. Gente disposta a se embrulhar na bandeira do Brasil para defender medidas de exceção, como a prisão de opositores e o fechamento do Supremo.


Na mira de quatro inquéritos, Bolsonaro voltou a cometer crimes de responsabilidade em praça pública. Em Brasília, afirmou que o tribunal tem duas alternativas: “entrar nos eixos” ou “sofrer aquilo que nós não queremos”. Em São Paulo, chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha” e disse que não cumprirá suas decisões.

Em outra cena de golpismo explícito, ele repetiu que não aceitará o resultado das urnas sem o voto impresso. “Eu não posso participar de uma farsa, como essa patrocinada ainda pelo presidente do TSE”, afirmou, em novo ataque ao ministro Luís Roberto Barroso.


Os bolsonaristas não cumpriram a promessa de depredar a sede do Supremo, mas vulgarizaram o clima de afronta ao tribunal. O capitão aposta nesse ambiente para manter a carta do golpe sobre a mesa. Se não houver reação à altura, ele continuará a avançar.

No palanque montado na Esplanada, o presidente ainda anunciou a convocação do Conselho da República, que se reúne para discutir a adoção de medidas excepcionais como a decretação de estado de sítio. O factoide durou poucas horas, mas serviu para eletrizar a militância governista.

Os patriotas de Bolsonaro não querem soluções para os problemas reais do país, como a inflação, o desemprego e a fome. O que continua a hipnotizá-los é a pregação messiânica contra o “sistema”, o comunismo e outros inimigos imaginários.

O discurso contra a corrupção, que embalou a campanha de 2018, já ficou definitivamente para trás. Isso explica a presença de um sorridente Fernando Collor no hasteamento da bandeira no Alvorada. E a tietagem ao ex-presidiário Fabrício Queiroz na marcha golpista de Copacabana.
Bernardo Mello Franco