terça-feira, 10 de maio de 2016
Dilma compôs seu réquiem em Belo Monte
Na quinta-feira, 5 de maio, Raimunda desligou a TV na casa da periferia de Altamira, no Pará. O noticiário local começava a transmitir a inauguração da usina hidrelétrica de Belo Monte por Dilma Rousseff (PT). Era um gesto pequeno, o de desligar o botão da TV. Era o esforço de Raimunda para proteger João da voz da presidente. Deitado na rede, sem movimento nas pernas, ele já não é capaz de proteger a si mesmo. Em Belo Monte, Dilma discursava, ovacionada por uma claque de movimentos sociais, denunciando o “golpe” para tirá-la do poder. Mas a palavra final sobre o legado da presidente não será do Congresso. O réquiem de Dilma Rousseff, no tempo da História, é o silêncio de João da Silva.
No aeroporto de Altamira, Liviane, uma das sete filhas de João e de Raimunda, erguia um cartaz: “De mulher para mulher. Dilma – você me deixou órfã de pai vivo”.
Dilma Rousseff não viu. Ela deu apenas uns poucos passos em terra. Em seguida pegou um helicóptero para o território seguro da hidrelétrica de Belo Monte. A presidente sobrevoou a cidade e o rio. Mas era no chão que o drama se desenrolava.
Se João tivesse escutado o discurso de Dilma, ele saberia qual foi a palavra escolhida pela presidente para definir Belo Monte:
– Essa usina é do tamanho desse povo. É grandiosa. É uma usina grandiosa. A melhor forma de descrever Belo Monte é essa palavra: grandiosa.
As palavras, João descobriu há pouco mais de um ano, podem matar. É por isso que ele não consegue escutar nem “Norte Energia”, a empresa concessionária que materializou a usina no amazônico Xingu. Nem “Belo Monte”. Nem “Dilma Rousseff”. E ninguém conhecerá sua opinião sobre o adjetivo escolhido pela presidente: “grandiosa”.
Quando sua filha escreve, no cartaz que Dilma não leu, que é órfã de pai vivo, ela conta de uma morte que começou em 23 de março de 2015. João era um dos milhares de atingidos por Belo Monte. Ele vivia com Raimunda numa ilha do Xingu, a Barriguda. Nas palavras da Norte Energia e do governo federal, ele era um dos milhares de “removidos”. Mas as palavras não são as mesmas para todos.
Para João, ele foi “expulso”. Naquela data, ele e Raimunda estavam no escritório da empresa esperando o veredicto. João, que trabalhava desde os oito anos de idade, e só na ilha encontrara um lugar sem fome, acreditava receber um valor que lhe permitisse recomeçar a vida, mais uma vez. Mas o preposto da empresa foi taxativo: 23 mil reais. João percebeu ali que, aos 63 anos, estava condenado à miséria. No momento da revelação, ele quis matar o dono das palavras que o esfaqueavam. Mas João da Silva não é homem que mata. Paralisou por inteiro. A fala, as pernas. E teve de ser carregado para fora do escritório. Foi naquele momento que João começou a morrer. Para Raimunda e as filhas, foi naquele momento que João começou a ser “assassinado”.
Mais tarde, quando recuperou as palavras e voltou a dar alguns passos, bem devagar, João disse:
– Se eu fizesse um dano com um grande, um grande lá de dentro, talvez melhorasse para os outros. Eu sacrificava a minha vida, mas a dos outros melhorava. (...) O país brasileiro não tem justiça.
Quando disse isso, João ainda podia escutar as palavras. Agora, já não pode. Em breve, saberemos por quê. Como as três palavras se tornaram proibidas para ele, João não pôde ouvir o que Dilma Rousseff afirmou em seguida:
– Sabemos que essa usina foi objeto de controvérsias. Muito mais pelo desconhecimento do que pelo fato de ela ser uma usina com problemas. As pessoas desconheciam o que era Belo Monte.
Se João não estivesse proibido de escutar, teria ouvido que pessoas como ele “desconhecem” Belo Monte. O que isso faria com João?
O que Dilma Rousseff define como “controvérsias” seriam as 25 ações movidas pelo Ministério Público Federal, uma delas acusando o Estado e a Norte Energia pelo etnocídio – morte cultural – de povos indígenas? Ou a controvérsia seria a mesada de 30 mil reais em mercadorias que as aldeias atingidas receberam por dois anos da empresa, como se o Brasil estivesse fixado no ano de 1500, ao trocar vida por espelhinhos? Ou o aumento de 127% da desnutrição infantil nas aldeias neste período? Ou os milhares de atingidos abandonados em total desamparo pelo seu governo, “negociando” diretamente com a Norte Energia, já que a Defensoria Pública da União só conseguiu alcançar Altamira quando a obra já estava perto da conclusão? Ou todos aqueles que assinaram com o dedo papéis que não eram capazes de ler, mas que os condenavam ao desterro?
Talvez não. É possível que “as controvérsias” citadas pela presidente sejam as delações premiadas de executivos de empreiteiras no curso da Operação Lava Jato. Como dirigentes da Andrade Gutierrez, que teriam afirmado a existência de propinas no valor de 150 milhões de reais vindas de Belo Monte para financiamento de campanhas do PT e do PMDB. Dilma Rousseff não especificou o que entendia por “controvérsias”.
É possível afirmar que a presidente desconhece João. Se o conhecesse, e ele ainda pudesse usar as palavras proibidas, Dilma Rousseff saberia que João da Silva conhece Belo Monte. E que sua mulher, Raimunda da Silva, conhece inclusive o perfume de Belo Monte. Para ela, Belo Monte tem cheiro de queimado. Em 31 de agosto de 2015, a Norte Energia botou fogo na casa deles. Quando Raimunda alcançou a ilha para retirar seus pertences, encontrou cinzas. Um técnico da Norte Energia já tinha dito que a casa dela não era uma casa, mas um “tapiri”. Raimunda sabe que as palavras violentam. E reagiu: “Na sua linguagem ela pode ser tudo isso aí, moço. Mas, na minha, é minha casa. E eu me sentia bem nela, viu?”.
Dilma Rousseff desconhece João da Silva, mas ele a conhece tanto que não pode escutar o seu nome, ou sua voz. Se pudesse, João ouviria mais uma parte do discurso da presidente.
– Quero dizer que esse empreendimento de Belo Monte me orgulha muito pelo que ele produziu de ganhos sociais e ambientais.
No momento em que Dilma discursava, quatro crianças indígenas já tinham morrido de gripe no período de dois dias, entre 29 e 30 de abril. É importante lembrar de seus nomes em tão curta vida: Kinai Parakanã, 1 ano; Irey Xikrin, sete meses; Kropiti Xikrin, 11 meses; Kokoprekti Xikrin, 1 mês e 22 dias. Em documento datado de 1 de maio, o Distrito Sanitário Especial Indígena de Altamira relata a gravidade do surto de síndrome gripal nas aldeias, com a ocorrência de diarreia, especialmente para as crianças de até cinco anos. Assim como a deficiência da estrutura para combater a ameaça à saúde indígena. Mostra também que o quadro se agravou após as comemorações relativas ao Dia do Índio, em Altamira, quando aldeias que ainda não haviam sido atingidas foram contaminadas após a volta dos indígenas da cidade. Naquela semana, a Norte Energia promoveu o I Festival de Cultura Indígena Asurini e Araweté, com a presença de dezenas de pessoas dessas etnias. O surto de gripe em curso foi ignorado nos festejos. As homenagens ameaçam virar morte.
Meias palavras não bastam
Se os sinais de que falta determinação a Temer para não iniciar sua trajetória por onde Dilma acabou a dela vinham pondo nuvens no horizonte, a manobra do STF contra Eduardo Cunha, como de hábito, empurrou para um pouco mais longe a margem do brejo da incerteza em que vamos atolados.
Cunha é o que o Brasil inteiro sabe que é. Mas só metade disso é mencionado em voz alta neste país onde coragem política e honestidade intelectual são mais escassos que água no deserto e, cada vez mais, a única diferença entre os culpados por mamar em privilégios que custam a miséria em que este país está e/ou roubar ostensivamente o dinheiro apartado “para mitigá-la” está em por ou não tudo isso também a serviço de uma conspiração contra a alternância no poder.
Chegou a incomodar muito um Brasil à beira do afogamento a perspectiva de Cunha se vir a tornar presidente na ausência do vice. Mas o caso ficou “resolvido” pela constatação de que, havendo lei que proíbe réus de ocupar a Presidência, o impedimento era ponto pacífico. A outra metade do que o Brasil inteiro sabe que Cunha é mas ninguém tem coragem de afirmar em voz alta, é “o bandido certo, no lugar certo, na hora certa”, ou seja, como o ex-deputado Roberto Jefferson notou com pleno conhecimento de causa no Roda Viva, só ele está à altura do jogo sujo do PT e seus “laranjas” do PSOL e do PC do B para fazer deste país uma imensa Venezuela. Não é por acaso que apesar da perseverança no crime Dilma e ele escapem sempre por entre os dedos tanto da lei penal quanto da política. É que jogam com as mesmas armas, a mesma ausência de limites e o mesmo tipo de vendilhão de “governabilidade”. Só que, pela primeira vez na história deste país, apareceu alguem que usa truques sujos com mais competência que o PT. PSDB e cia. são meninas de colégio de freira perto desse pessoal. A verdade cristalina que precisa ser afirmada claramente, portanto, é que tudo que hoje se sabe sobre Cunha só foi exposto porque ele estava ganhando a parada contra o PT e não porque tenha em sua ficha qualquer coisa que o deslustre mais que todos os petistas presos e por prender ou os renan calheiros da vida atras dos quais o PT se escuda.
Ao atropelar Teori Zavaski que guardava há quase seis meses queixa da PGR contra Cunha a espera de que findasse a contenda no Legislativo em que o Judiciário não devia e nem legalmente podia se meter na noite de quarta-feira, 4, Lewandowski forçou-o a atribuir à ação uma subita “urgência”. O resto “o tempo da política e da mídia” fizeram, como Lewandowski sinalizou ao nega-lo antes que se lhe perguntasse, gerando liminar vazada exclusivamente em adjetivos, sem base técnica que a sustente ou qualquer lei ou esboço de tratamento às consequências que vai produzir. E lá vai um Brasil requerendo reformas pesadas e urgentes de volta para os braços de uma Câmara com 29 “donos” soltos.
O STF que patrocinou a manobra, recorde-se, é o mesmo que, atirou o país às piranhas da “governabilidade” em 2006 quando derrubou a cláusula de barreira dos partidos em 5% dos votos nacionais e 2% em 9 estados arrancada a duras penas do Congresso. Aplicada teria tirado do páreo 22 dos 29 partidos então inscritos no TSE já no 2º governo Lula. Mas a viabilização da política não era o que o PT tinha em vista. Bem ao contrário. De lá para cá, ao atribuir parcelas do Fundo Partidário a cada deputado eleito, junto com o tempo de TV, o STF fixou um “valor nominal” para cada uma dessas “mercadorias”. Na expectativa de minar toda forma de resistência organizada ao seu projeto hegemômico, Lula e o PT, com os préstimos do STF, construíram, portanto, milímetro por milímetro o caos político que está a um passo de destruir o Brasil enquanto saqueavam o Estado para executá-lo.
Declarada a “inconstitucionalidade” de por ordem no bordel da política partidária arrematada pela recente decisão do mesmo STF de submeter os plenários da Câmara e do Senado às “lideranças” em detrimento das maiorias para por o impeachment de volta nas mãos de Leonardo Picciani, o Rei das Pedras da Cidade Olímpica, par perfeito de Renan Calheiros, o “goleiro” do impeachment plantado no Senado, das quais o voto do plenário o tinha tirado, o sucesso das operações comerciais do lulopetismo com vistas ao poder eterno passou a depender, como notou o ministro Dias Toffolli, único a denunciar o penúltimo golpe do STF no sistema representativo brasileiro, de “dialogar” suficientemente com 15 indivíduos num colegiado de 28.
Não funcionou para barrar o impeachment por enquanto, mas essa história ainda não acabou…
O resultado geral é que tudo isso completou a obra de inviabilização do Brasil iniciada com a Constituição de 1988 que, ao consagrar o privilégio outorgado pela baixa política como “direito adquirido” criou a moeda básica com que mestre Lula tratou de comprar seu esquema absoluto de poder contratando a desarrumação absoluta das finanças públicas que a Lei de Responsabilidade Fiscal pisoteada por Dilma conseguiu deter por alguns anos.
O resultado é que não tem jeito simples de consertar o que fizeram com o Brasil. Vai doer. Vai demorar. E muito. A descrição didática de como chegamos a isso, bilhão por bilhão, ainda que evitando o tom revanchista, é parte indescartável do mapa da saída. O tamanho da crise e da dor do povo serão os únicos trunfos de Temer. É a ele e só a ele que um governo de salvação nacional tem de se dirigir com a verdade, nada mais que a verdade, e muito, muito didatismo, negociando ao vivo cada costura política do processo. Se convencer o povo da sinceridade de seu diagnóstico e de seus propósitos, mostrando onde foi parar e para onde deveria retornar o dinheiro desviado da sustentação da economia nacional para a sustentação de um esquema de poder, o Congresso virá atras e estará transferida a quem atrapalhar queira o risco de postar-se à frente das saídas que a multidão dos desesperados comprar como as possíveis.
Cunha é o que o Brasil inteiro sabe que é. Mas só metade disso é mencionado em voz alta neste país onde coragem política e honestidade intelectual são mais escassos que água no deserto e, cada vez mais, a única diferença entre os culpados por mamar em privilégios que custam a miséria em que este país está e/ou roubar ostensivamente o dinheiro apartado “para mitigá-la” está em por ou não tudo isso também a serviço de uma conspiração contra a alternância no poder.
Chegou a incomodar muito um Brasil à beira do afogamento a perspectiva de Cunha se vir a tornar presidente na ausência do vice. Mas o caso ficou “resolvido” pela constatação de que, havendo lei que proíbe réus de ocupar a Presidência, o impedimento era ponto pacífico. A outra metade do que o Brasil inteiro sabe que Cunha é mas ninguém tem coragem de afirmar em voz alta, é “o bandido certo, no lugar certo, na hora certa”, ou seja, como o ex-deputado Roberto Jefferson notou com pleno conhecimento de causa no Roda Viva, só ele está à altura do jogo sujo do PT e seus “laranjas” do PSOL e do PC do B para fazer deste país uma imensa Venezuela. Não é por acaso que apesar da perseverança no crime Dilma e ele escapem sempre por entre os dedos tanto da lei penal quanto da política. É que jogam com as mesmas armas, a mesma ausência de limites e o mesmo tipo de vendilhão de “governabilidade”. Só que, pela primeira vez na história deste país, apareceu alguem que usa truques sujos com mais competência que o PT. PSDB e cia. são meninas de colégio de freira perto desse pessoal. A verdade cristalina que precisa ser afirmada claramente, portanto, é que tudo que hoje se sabe sobre Cunha só foi exposto porque ele estava ganhando a parada contra o PT e não porque tenha em sua ficha qualquer coisa que o deslustre mais que todos os petistas presos e por prender ou os renan calheiros da vida atras dos quais o PT se escuda.
O STF que patrocinou a manobra, recorde-se, é o mesmo que, atirou o país às piranhas da “governabilidade” em 2006 quando derrubou a cláusula de barreira dos partidos em 5% dos votos nacionais e 2% em 9 estados arrancada a duras penas do Congresso. Aplicada teria tirado do páreo 22 dos 29 partidos então inscritos no TSE já no 2º governo Lula. Mas a viabilização da política não era o que o PT tinha em vista. Bem ao contrário. De lá para cá, ao atribuir parcelas do Fundo Partidário a cada deputado eleito, junto com o tempo de TV, o STF fixou um “valor nominal” para cada uma dessas “mercadorias”. Na expectativa de minar toda forma de resistência organizada ao seu projeto hegemômico, Lula e o PT, com os préstimos do STF, construíram, portanto, milímetro por milímetro o caos político que está a um passo de destruir o Brasil enquanto saqueavam o Estado para executá-lo.
Declarada a “inconstitucionalidade” de por ordem no bordel da política partidária arrematada pela recente decisão do mesmo STF de submeter os plenários da Câmara e do Senado às “lideranças” em detrimento das maiorias para por o impeachment de volta nas mãos de Leonardo Picciani, o Rei das Pedras da Cidade Olímpica, par perfeito de Renan Calheiros, o “goleiro” do impeachment plantado no Senado, das quais o voto do plenário o tinha tirado, o sucesso das operações comerciais do lulopetismo com vistas ao poder eterno passou a depender, como notou o ministro Dias Toffolli, único a denunciar o penúltimo golpe do STF no sistema representativo brasileiro, de “dialogar” suficientemente com 15 indivíduos num colegiado de 28.
Não funcionou para barrar o impeachment por enquanto, mas essa história ainda não acabou…
O resultado geral é que tudo isso completou a obra de inviabilização do Brasil iniciada com a Constituição de 1988 que, ao consagrar o privilégio outorgado pela baixa política como “direito adquirido” criou a moeda básica com que mestre Lula tratou de comprar seu esquema absoluto de poder contratando a desarrumação absoluta das finanças públicas que a Lei de Responsabilidade Fiscal pisoteada por Dilma conseguiu deter por alguns anos.
O resultado é que não tem jeito simples de consertar o que fizeram com o Brasil. Vai doer. Vai demorar. E muito. A descrição didática de como chegamos a isso, bilhão por bilhão, ainda que evitando o tom revanchista, é parte indescartável do mapa da saída. O tamanho da crise e da dor do povo serão os únicos trunfos de Temer. É a ele e só a ele que um governo de salvação nacional tem de se dirigir com a verdade, nada mais que a verdade, e muito, muito didatismo, negociando ao vivo cada costura política do processo. Se convencer o povo da sinceridade de seu diagnóstico e de seus propósitos, mostrando onde foi parar e para onde deveria retornar o dinheiro desviado da sustentação da economia nacional para a sustentação de um esquema de poder, o Congresso virá atras e estará transferida a quem atrapalhar queira o risco de postar-se à frente das saídas que a multidão dos desesperados comprar como as possíveis.
Eça e Machado nos previram
“O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Não há princípio que não seja desmentido nem instituição que não seja escarnecida. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos, abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta a cada dia. A agiotagem explora o juro. A ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. O número de escolas é dramático. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do país. Não é uma existência; é uma expiação. Diz-se por toda parte: ‘O país está perdido!’(...) Por isso, aqui começamos a apontar o que podemos chamar de ‘o progresso da decadência’.
Não fui eu quem escreveu isso. Foi José Maria da Eça de Queiroz, em 1871. Esta era a introdução de “As Farpas”, que lançou com Ramalho Ortigão, ainda em Coimbra. Tinha pouco mais de 20 anos quando começou a esculachar em panfletos a mediocridade portuguesa no século XIX, que nos legou esta herança lamentável aqui em casa. Nada mais parecido conosco. Tudo que explode hoje já despontava há cem anos aqui e em Portugal, do qual somos uma xerox administrativa.
Esses textos de Eça, reunidos sob o título de “Uma Campanha Alegre”, foram justamente os primeiros que me caíram na mão. Fiquei deslumbrado com a crítica social e de costumes. Não sabia que isso existia – eu era um menino. Creio que minha vida de jornalista de TV, rádio e jornal foi remotamente influenciada por ele. Eça me dava a alma viva do século XIX, atacando a estupidez endêmica, os sebastianistas de secretaria, os burocratas pulhas, os políticos demagogos, a burrice épica de um Pacheco ou do conde de Abranhos – que fartura! Era uma sociologia ficcional de nosso destino de fracassados. Até hoje, quando vejo a TV Câmara ou a TV Senado, aquelas ricas jazidas de imbecilidades, vendo as caras, frases e gravatas, eu ainda penso: “Será que esses caras aí nunca leram Eça de Queiroz?” Não. Nada. Eles navegam intocados em sua vaidade estúpida, em sua impávida escrotidão.
Eça seria um grande cronista do momento no Brasil. O mundo ficou claro, por meio das personagens de Eça. Ali estavam explicados os arrepios de horror diante do teatrinho pequeno-burguês do Brasil. Já imaginaram como Eça descreveria as dezenas de caras “lombrosianas” que sujaram nossas TVs na hora da votação? Machado de Assis também descreveu a mesquinhez de nossa vida política. Mas Machado era mais sutil na descrição de nossos malfeitos de época. Eça era propositadamente mais “grosso”, digamos.
Entre Machado de Assis e Eça de Queiroz, sempre preferi o português a nosso grande mulato. “Ah... porque o Machado é bem mais sutil!...”, diz-se, comparando-se, por exemplo, Capitu à Luísa do “Primo Basílio” (que o próprio Machado, ciumento, acusou de plágio da “Eugenie Grandet”). “Aaah!... porque o Machado tem mais níveis de significação, mais complexidade psicológica etc.”. É verdade. Hoje, eu também acho. O grande Machado atingiu subtons que Eça nem tentou, por escolha. Machado é mais inglês (Sterne, Dickens); Eça é saído das costelas de Balzac e Zola e funda uma literatura caricatural contra as perdidas ilusões ibéricas, com um riso deslavado, com uma proposital “falta de sutileza” que resulta depois finíssima. Eça cria um realismo quase carnavalizado, sem anseios de transcendência. Machado é mais “nauseado”. Deixa-se envolver por um pessimismo que o claro riso de Eça recusa. O “tipo” eciano não tem grande “complexidade”; mas isso talvez seja o que nossa mediocridade social merece. Ele não cria personagens com uma psicologia sofisticada. Para ele, somos mesmo “tipos”. Como em seu neto Nelson Rodrigues, há nele uma superficialidade “profunda”, muito atual neste tempo em que os valores idealizados caíram no chão. Eça é um escritor político.
Quando comecei a ler Eça, minha vida mudou. Era como se toda a névoa confusa da infância, minha família difícil de entender, vagas tias, rezas, tristes salas de jantar, secos padres jesuítas, tivesse subitamente se dissipado. O primo Basílio chegava com sua vaidade brutal e encarnava os cafajestes brasileiros, o padre Amaro me decifrava a tristeza sexual das clausuras do Colégio Jesuíta, o conselheiro Acácio era a burrice solene de professores e políticos, Damaso Salcêde espelhava centenas de mediocridades gorduchas, Gonçalo Ramirez era o frágil caráter de hesitantes como eu. E vinha Thomaz de Alencar com sua literatice melancólica, vinha o banqueiro Cohen, esperto e corno, flutuava no ar o cheiro enjoado da Titi Patrocínio da “Relíquia”, sem falar no supremo frisson do famoso “minette” do primo Basílio na “Bovary” Luísa. Já imaginaram que circo de caricaturas Eça faria do adunco focinho de Cunha, do Lobão de negros cabelos, do Delcídio de brancos cabelos, da “vaselínica” figura de Renan de novos cabelos, do incorrigível Collor, do jaquetão do Sarney, dos olhinhos do Cerveró e tantas outras carantonhas? Nossos olhos estão mais críticos.
Esse homem foi a maior paixão de minha vida. Com ele aprendi tudo: minha pobre escritura, o ritmo de seu texto, a importância do humor, do sarcasmo e muito sobre nossa ridícula loucura ibérica.
Eu amava-o tanto que – acreditem – me postava na porta do colégio na hora da saída para ver passar um homenzinho da vizinhança ali de Botafogo que era um sósia de Eça. Quem seria? Um bancário, um contador, quem? Tinha o rosto enfezado por um fígado ruim (como o Eça), que lhe franzia a boca num escárnio risonho. Tinha a mesma pastinha de cabelo sobre a testa curta, o olho rútilo, o mesmo bigode, o gogozinho de pássaro, os braços de cegonha, a palidez biliosa. Só lhe faltava o monóculo cravado no olho irônico. Vê-lo passar me encantava como diante de um ressuscitado. Em vez de correr atrás de meninas, eu fazia isso. Pode?
Esses textos de Eça, reunidos sob o título de “Uma Campanha Alegre”, foram justamente os primeiros que me caíram na mão. Fiquei deslumbrado com a crítica social e de costumes. Não sabia que isso existia – eu era um menino. Creio que minha vida de jornalista de TV, rádio e jornal foi remotamente influenciada por ele. Eça me dava a alma viva do século XIX, atacando a estupidez endêmica, os sebastianistas de secretaria, os burocratas pulhas, os políticos demagogos, a burrice épica de um Pacheco ou do conde de Abranhos – que fartura! Era uma sociologia ficcional de nosso destino de fracassados. Até hoje, quando vejo a TV Câmara ou a TV Senado, aquelas ricas jazidas de imbecilidades, vendo as caras, frases e gravatas, eu ainda penso: “Será que esses caras aí nunca leram Eça de Queiroz?” Não. Nada. Eles navegam intocados em sua vaidade estúpida, em sua impávida escrotidão.
Eça seria um grande cronista do momento no Brasil. O mundo ficou claro, por meio das personagens de Eça. Ali estavam explicados os arrepios de horror diante do teatrinho pequeno-burguês do Brasil. Já imaginaram como Eça descreveria as dezenas de caras “lombrosianas” que sujaram nossas TVs na hora da votação? Machado de Assis também descreveu a mesquinhez de nossa vida política. Mas Machado era mais sutil na descrição de nossos malfeitos de época. Eça era propositadamente mais “grosso”, digamos.
Entre Machado de Assis e Eça de Queiroz, sempre preferi o português a nosso grande mulato. “Ah... porque o Machado é bem mais sutil!...”, diz-se, comparando-se, por exemplo, Capitu à Luísa do “Primo Basílio” (que o próprio Machado, ciumento, acusou de plágio da “Eugenie Grandet”). “Aaah!... porque o Machado tem mais níveis de significação, mais complexidade psicológica etc.”. É verdade. Hoje, eu também acho. O grande Machado atingiu subtons que Eça nem tentou, por escolha. Machado é mais inglês (Sterne, Dickens); Eça é saído das costelas de Balzac e Zola e funda uma literatura caricatural contra as perdidas ilusões ibéricas, com um riso deslavado, com uma proposital “falta de sutileza” que resulta depois finíssima. Eça cria um realismo quase carnavalizado, sem anseios de transcendência. Machado é mais “nauseado”. Deixa-se envolver por um pessimismo que o claro riso de Eça recusa. O “tipo” eciano não tem grande “complexidade”; mas isso talvez seja o que nossa mediocridade social merece. Ele não cria personagens com uma psicologia sofisticada. Para ele, somos mesmo “tipos”. Como em seu neto Nelson Rodrigues, há nele uma superficialidade “profunda”, muito atual neste tempo em que os valores idealizados caíram no chão. Eça é um escritor político.
Quando comecei a ler Eça, minha vida mudou. Era como se toda a névoa confusa da infância, minha família difícil de entender, vagas tias, rezas, tristes salas de jantar, secos padres jesuítas, tivesse subitamente se dissipado. O primo Basílio chegava com sua vaidade brutal e encarnava os cafajestes brasileiros, o padre Amaro me decifrava a tristeza sexual das clausuras do Colégio Jesuíta, o conselheiro Acácio era a burrice solene de professores e políticos, Damaso Salcêde espelhava centenas de mediocridades gorduchas, Gonçalo Ramirez era o frágil caráter de hesitantes como eu. E vinha Thomaz de Alencar com sua literatice melancólica, vinha o banqueiro Cohen, esperto e corno, flutuava no ar o cheiro enjoado da Titi Patrocínio da “Relíquia”, sem falar no supremo frisson do famoso “minette” do primo Basílio na “Bovary” Luísa. Já imaginaram que circo de caricaturas Eça faria do adunco focinho de Cunha, do Lobão de negros cabelos, do Delcídio de brancos cabelos, da “vaselínica” figura de Renan de novos cabelos, do incorrigível Collor, do jaquetão do Sarney, dos olhinhos do Cerveró e tantas outras carantonhas? Nossos olhos estão mais críticos.
Esse homem foi a maior paixão de minha vida. Com ele aprendi tudo: minha pobre escritura, o ritmo de seu texto, a importância do humor, do sarcasmo e muito sobre nossa ridícula loucura ibérica.
Eu amava-o tanto que – acreditem – me postava na porta do colégio na hora da saída para ver passar um homenzinho da vizinhança ali de Botafogo que era um sósia de Eça. Quem seria? Um bancário, um contador, quem? Tinha o rosto enfezado por um fígado ruim (como o Eça), que lhe franzia a boca num escárnio risonho. Tinha a mesma pastinha de cabelo sobre a testa curta, o olho rútilo, o mesmo bigode, o gogozinho de pássaro, os braços de cegonha, a palidez biliosa. Só lhe faltava o monóculo cravado no olho irônico. Vê-lo passar me encantava como diante de um ressuscitado. Em vez de correr atrás de meninas, eu fazia isso. Pode?
Dois momentos constrangedores
O ministério inteiro dos notáveis estava perfilado na sala ao lado do gabinete presidencial quando o primeiro-secretário da Câmara atravessou, a pé, a Praça dos Três Poderes, para levar ao presidente Fernando Collor a comunicação de que estava afastado do poder por 180 dias. O chefe do governo, com dignidade, chamou o ministro da Justiça, Célio Borja, para testemunhar sua assinatura no comunicado. Dirigiu-se então para a rampa do palácio do Planalto, de onde acompanhado pela esposa embarcou num helicóptero da FAB para sua residência particular. Uma amarga solenidade, mas impecável e cheia de significado.
Na noite de amanhã ou quinta-feira, bem cedo, irá repetir-se o episódio? Vinte anos atrás as manifestações populares de apoio ao afastamento do presidente foram por ele enfrentadas com altivez, seguindo-se depois a posse de Itamar Franco, cujo curto pronunciamento foi marcado pela esperança de que os benefícios da civilização e da cultura viessem a se estender a todos os brasileiros.
O senador encarregado de participar a Dilma o seu afastamento temporário cumprirá a obrigação em escassos momentos, mas Madame, como receberá o comunicado? Imagina-se que cercada pelo seu gabinete pessoal, mas jamais com o ministério ao lado. A maioria dos ministros escafedeu-se, fugindo da solidariedade necessária. Muitos estarão presentes na posse imediata de Michel Temer, de olho na composição do novo ministério.
Como à ainda presidente se destinará o palácio da Alvorada para o interregno, a pequena distância com o palácio do Planalto não se cumprirá pelo ar. Pequena caravana de limusines cobrirá o percurso, isso se a comunicação não acontecer na própria residência oficial.
Dois momentos constrangedores, de significado comum, mas o de agora vazio de conteúdo. A História só se repete como farsa. Assim como se previa que Collor não voltaria após os 180 dias de suspensão, da mesma forma se imagina que Madame não retornará. As causas são as mesmas: arrogância no desempenho das funções, presunção, truculência e falta de cuidados para com o Congresso, além de acusações de irregularidades no exercício do poder.
A partir de quinta-feira, começam as diferenças. Michel Temer ainda oscila entre as decisões a tomar. Hesita quanto a formar um ministério de notáveis e um bando de urubus impostos pelos partidos sequiosos de usufruir o poder.
Na noite de amanhã ou quinta-feira, bem cedo, irá repetir-se o episódio? Vinte anos atrás as manifestações populares de apoio ao afastamento do presidente foram por ele enfrentadas com altivez, seguindo-se depois a posse de Itamar Franco, cujo curto pronunciamento foi marcado pela esperança de que os benefícios da civilização e da cultura viessem a se estender a todos os brasileiros.
O senador encarregado de participar a Dilma o seu afastamento temporário cumprirá a obrigação em escassos momentos, mas Madame, como receberá o comunicado? Imagina-se que cercada pelo seu gabinete pessoal, mas jamais com o ministério ao lado. A maioria dos ministros escafedeu-se, fugindo da solidariedade necessária. Muitos estarão presentes na posse imediata de Michel Temer, de olho na composição do novo ministério.
Como à ainda presidente se destinará o palácio da Alvorada para o interregno, a pequena distância com o palácio do Planalto não se cumprirá pelo ar. Pequena caravana de limusines cobrirá o percurso, isso se a comunicação não acontecer na própria residência oficial.
Dois momentos constrangedores, de significado comum, mas o de agora vazio de conteúdo. A História só se repete como farsa. Assim como se previa que Collor não voltaria após os 180 dias de suspensão, da mesma forma se imagina que Madame não retornará. As causas são as mesmas: arrogância no desempenho das funções, presunção, truculência e falta de cuidados para com o Congresso, além de acusações de irregularidades no exercício do poder.
A partir de quinta-feira, começam as diferenças. Michel Temer ainda oscila entre as decisões a tomar. Hesita quanto a formar um ministério de notáveis e um bando de urubus impostos pelos partidos sequiosos de usufruir o poder.
A República à mercê do jogo político
A democracia brasileira é conduzida ao bel-prazer daqueles que dão as cartas no jogo político, e se isso ainda não estava claro, ficou explícito após a decisão do presidente interino da Câmara dos Deputados de anular a votação do impeachment de Dilma Rousseff na casa.
O processo foi acolhido pela Câmara dos Deputados sob a regência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que declarou guerra ao governo quando passou a ser investigado pela Operação Lava Jato. Assim, Cunha fez o impeachment avançar de forma acelerada e inexorável, e quando o processo já não estava mais em suas mãos, foi afastado da presidência da Câmara e de seu mandato como deputado, por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de usar o cargo para impedir investigações contra ele.
E, apenas dois dias úteis após a saída de Cunha, seu substituto, o deputado Waldir Maranhão (PP-MA), vira o processo do avesso e anula a votação do dia 17 de abril. Seu principal argumento é que os partidos não poderiam ter interferido no voto dos parlamentares. Ele tem razões pessoais para se queixar dessa prática, pois sofreu retaliação de seu partido por ter votado contra o impeachment.
E todo esse tumulto não deve passar de um susto. Na prática, nada muda. O Senado já anunciou que vai manter o cronograma do impeachment, com votação prevista para esta quarta-feira (11/5). E mesmo que a votação na Câmara venha a ser anulada, uma segunda votação provavelmente teria o mesmo resultado, isto é, a decisão de Maranhão apenas protela o processo.
Tanto os argumentos para a abertura do processo de impeachment quanto para a anulação da votação são fracos e parecem apenas servir de pretexto para satisfazer interesses próprios. Independentemente de se concordar ou não com o processo de impeachment, o que assusta é os rumos da República estarem à mercê das vontades de políticos deste ou daquele grupo.
O que assusta é um processo tão importante como o afastamento de um presidente da República não transcorrer de forma objetiva, neutra e juridicamente fundamentada, mas estar sujeito aos ânimos de quem esteja sentado numa posição-chave, seja um aliado ou um opositor do governo.
E isso dá uma resposta clara àqueles que se perguntam se as instituições democráticas brasileiras são maduras. A resposta é não.
Francis França, editora-chefe da DW Brasil
O processo foi acolhido pela Câmara dos Deputados sob a regência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que declarou guerra ao governo quando passou a ser investigado pela Operação Lava Jato. Assim, Cunha fez o impeachment avançar de forma acelerada e inexorável, e quando o processo já não estava mais em suas mãos, foi afastado da presidência da Câmara e de seu mandato como deputado, por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de usar o cargo para impedir investigações contra ele.
E todo esse tumulto não deve passar de um susto. Na prática, nada muda. O Senado já anunciou que vai manter o cronograma do impeachment, com votação prevista para esta quarta-feira (11/5). E mesmo que a votação na Câmara venha a ser anulada, uma segunda votação provavelmente teria o mesmo resultado, isto é, a decisão de Maranhão apenas protela o processo.
Tanto os argumentos para a abertura do processo de impeachment quanto para a anulação da votação são fracos e parecem apenas servir de pretexto para satisfazer interesses próprios. Independentemente de se concordar ou não com o processo de impeachment, o que assusta é os rumos da República estarem à mercê das vontades de políticos deste ou daquele grupo.
O que assusta é um processo tão importante como o afastamento de um presidente da República não transcorrer de forma objetiva, neutra e juridicamente fundamentada, mas estar sujeito aos ânimos de quem esteja sentado numa posição-chave, seja um aliado ou um opositor do governo.
E isso dá uma resposta clara àqueles que se perguntam se as instituições democráticas brasileiras são maduras. A resposta é não.
Francis França, editora-chefe da DW Brasil
Waldir Maranhão é o haraquiri do modelo podre
A situação do Brasil não está para otimismo. Mesmo assim, uma das frases mais ouvidas do momento é a seguinte: “As instituições estão funcionando.” Será? Há um quê de delírio nessa afirmação. A presença do deputado Waldir Maranhão no comando da Câmara é a penúltima evidência da alucinação coletiva.
Alguém que, em meio à descoberta de que o petrolão é um mensalão hipertrofiado, diante da evidência de que o Estado é saqueado pelos esquemas que o controlam, seduzido pela tese de que o PMDB é o mal menor, informado de que a linha sucessória da Presidência da República está apinhada de malfeitores, desalentado pela constatação de que Waldir Maranhão é o melhor que a Câmara tem a oferecer depois que o STF afastou Eduardo Cunha, ainda consegue conviver com a ideia de que as instituições funcionam ou é um cínico ou é um cego.
O delírio é contagioso. Muito elogiado pela eloquência com que defende Dilma Rousseff no processo do impeachment, o advogado-geral José Eduardo Cardozo convenceu-se de que é uma espécie de Fred Astaire do Direito. Assim como o astro do cinema que dançava até com vassouras, Cardozo imaginou que poderia tirar para dançar Waldir Maranhão, uma espécie de cabide humano que reproduz as ideias que lhe penduram no cérebro baldio.
O resultado da contradança foi o despacho que o mandachuva interino da Câmara assinou para anular a votação em que 367 deputados aprovaram a continuidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff. O acinte durou menos de 24 horas. Anunciada pela manhã, a anulação foi ignorada por Renan Calheiros no meio da tarde e revogada no final da noite. Depois de expor o Brasil ao ridículo em âmbito planetário, o cabide se autodesmoralizou com dois documentos. Num, anulou a anulação do impeachment. Noutro, comunicou o rodopio a Renan (veja abaixo os documentos).
Waldir Maranhão deixou Cardozo sozinho no salão depois que seu partido, o PP, ameaçou expulsá-lo. Lambuzada no óleo queimado da Petrobras, a legenda está na bica de ser premiada no provável governo de Michel Temer com a presidência da Caixa Econômica e dois ministérios graúdos — Saúde e Agricultura. E não admite que um filiado com miolos de cabide coloque em risco os negócios.
A anulação do impeachment não foi o primeiro surto de Waldir Maranhão. Ele especializou-se em anular decisões do Conselho de Ética da Câmara, retardando a tramitação do pedido de cassação de Eduardo Cunha, perto de completar aniversário de seis meses. Cada vez que o personagem dá uma de cachorro louco há vergonha em pelo menos 428 consciências. Foi com essa quantidade de votos que o impensável elegeu-se vice-presidente da Câmara. Poucas vezes um desastre político teve tantos cúmplices disfarçados —83,4% dos 513 deputados com assento no plenário da Câmara precisam explicar por que votaram tão mal tão bem.
Ainda não surgiu melhor definição para democracia do que a tirada de Churchill: é o pior regime imaginável com exceção de todos os outros. Com o luxuoso auxílio do Planalto, o Congresso parece empenhado em dar razão a todos os que pregam as alternativas piores. A presença de Waldir Maranhão na direção da Câmara como alternativa a Eduardo Cunha não é obra do acaso. É como se o modelo político brasileiro, apodrecido, tentasse um haraquiri.
Alguém que, em meio à descoberta de que o petrolão é um mensalão hipertrofiado, diante da evidência de que o Estado é saqueado pelos esquemas que o controlam, seduzido pela tese de que o PMDB é o mal menor, informado de que a linha sucessória da Presidência da República está apinhada de malfeitores, desalentado pela constatação de que Waldir Maranhão é o melhor que a Câmara tem a oferecer depois que o STF afastou Eduardo Cunha, ainda consegue conviver com a ideia de que as instituições funcionam ou é um cínico ou é um cego.
O delírio é contagioso. Muito elogiado pela eloquência com que defende Dilma Rousseff no processo do impeachment, o advogado-geral José Eduardo Cardozo convenceu-se de que é uma espécie de Fred Astaire do Direito. Assim como o astro do cinema que dançava até com vassouras, Cardozo imaginou que poderia tirar para dançar Waldir Maranhão, uma espécie de cabide humano que reproduz as ideias que lhe penduram no cérebro baldio.
O resultado da contradança foi o despacho que o mandachuva interino da Câmara assinou para anular a votação em que 367 deputados aprovaram a continuidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff. O acinte durou menos de 24 horas. Anunciada pela manhã, a anulação foi ignorada por Renan Calheiros no meio da tarde e revogada no final da noite. Depois de expor o Brasil ao ridículo em âmbito planetário, o cabide se autodesmoralizou com dois documentos. Num, anulou a anulação do impeachment. Noutro, comunicou o rodopio a Renan (veja abaixo os documentos).
Waldir Maranhão deixou Cardozo sozinho no salão depois que seu partido, o PP, ameaçou expulsá-lo. Lambuzada no óleo queimado da Petrobras, a legenda está na bica de ser premiada no provável governo de Michel Temer com a presidência da Caixa Econômica e dois ministérios graúdos — Saúde e Agricultura. E não admite que um filiado com miolos de cabide coloque em risco os negócios.
A anulação do impeachment não foi o primeiro surto de Waldir Maranhão. Ele especializou-se em anular decisões do Conselho de Ética da Câmara, retardando a tramitação do pedido de cassação de Eduardo Cunha, perto de completar aniversário de seis meses. Cada vez que o personagem dá uma de cachorro louco há vergonha em pelo menos 428 consciências. Foi com essa quantidade de votos que o impensável elegeu-se vice-presidente da Câmara. Poucas vezes um desastre político teve tantos cúmplices disfarçados —83,4% dos 513 deputados com assento no plenário da Câmara precisam explicar por que votaram tão mal tão bem.
Ainda não surgiu melhor definição para democracia do que a tirada de Churchill: é o pior regime imaginável com exceção de todos os outros. Com o luxuoso auxílio do Planalto, o Congresso parece empenhado em dar razão a todos os que pregam as alternativas piores. A presença de Waldir Maranhão na direção da Câmara como alternativa a Eduardo Cunha não é obra do acaso. É como se o modelo político brasileiro, apodrecido, tentasse um haraquiri.
Dilma, golpista, faz do cargo privada
Palácio do Planalto não é casa da mãe Joana, auditório do PT ou salão de prostíbulo. A "ocupação" dessa segunda-feira com a camarilha petista, é mais uma esculhambação com o país orquestrada por Dilma Rousseff. Como fechou os olhos aos assaltos aos cofres públicos pelos companheiros petistas, a senhora honesta também não vê a invasão do palácio, propriedade do Brasil, não sua ou de organizações sociais. Até se regala em ter súditos tão fiéis a bom soldo para festejar esse poder de uma rainha louca.
Se não fosse estar sendo acusada das pedaladas fiscais, ainda à beira de deixar a presidência, Dilma comete um crime em flagrante delito ao permitir que hordas mercenárias tome de assalto o palácio.
A defesa do Planalto não é patriotada. Representa o poder máximo de um país. Invasões de palácios só se realizam em golpes. Em lugar nenhum do mundo, mesmo sob ditaduras, palácios presidenciais ou reais serão desrespeitados por bagunceiros, sob a cumplicidade de um chefe de Estado. Seja Barack Obama ou Kim-Jon Il, mesmo que entre suas paredes se trame miséira para o povo, o palácio do Poder representa o respeito que se dá à própria nação e ao representante que lá está.
O gesto de Dilma, ao reiteradamente permitir que o palácio seja palco de suas representações, configura o máximo desrespeito ao país. É o incentivo a que pilantras mascarados de democratas, sem nenhuma representação popular, instalem o caos a favor de uma petralhada corrupta, desonesta e medíocre.
Se tanto alardeia que o impeachment é golpe, deveria ser expulsa a pontapés do palácio só por promover as tais manifestações naquele prédio. E não seria pena máxima, porque não se faz de um prédio de todos um circo de uns poucos canalhas.
Dilma assina a biografia de seus últimos dias no governo como usurpadora e golpista. Está fazendo o diabo como prometeu na campanha para assegurar o continuísmo do desastre. E extrapola todo o respeito que a própria presidência tem que ter com o público. Faz do cargo uma privada para todos os seus desvarios. Merece o que está colhendo.
Se não fosse estar sendo acusada das pedaladas fiscais, ainda à beira de deixar a presidência, Dilma comete um crime em flagrante delito ao permitir que hordas mercenárias tome de assalto o palácio.
O gesto de Dilma, ao reiteradamente permitir que o palácio seja palco de suas representações, configura o máximo desrespeito ao país. É o incentivo a que pilantras mascarados de democratas, sem nenhuma representação popular, instalem o caos a favor de uma petralhada corrupta, desonesta e medíocre.
Se tanto alardeia que o impeachment é golpe, deveria ser expulsa a pontapés do palácio só por promover as tais manifestações naquele prédio. E não seria pena máxima, porque não se faz de um prédio de todos um circo de uns poucos canalhas.
Dilma assina a biografia de seus últimos dias no governo como usurpadora e golpista. Está fazendo o diabo como prometeu na campanha para assegurar o continuísmo do desastre. E extrapola todo o respeito que a própria presidência tem que ter com o público. Faz do cargo uma privada para todos os seus desvarios. Merece o que está colhendo.
Desespero ultrapassa limite
Se vende a imagem de que sairia “lutando” e “com dignidade”, conforme seus assessores espalharam à medida em que seu afastamento se tornou inexorável, Dilma Rousseff apelou a uma farsa perigosa em sua última tentativa de manter-se na cadeira.
Usar o inacreditável Waldir Maranhão como marionete de uma artimanha jurídica que parece ter curtíssima validade e alto poder de disrupção demonstra que o desespero da petista ultrapassou o limite do direito ao esperneio.
O dólar disparou e a Bolsa de Valores despencou, para ficar nos sinais mais evidentes e superficiais da confusão armada. Mas o que fica é algo pior para a imagem do país: o flerte com a baderna institucional.
Pelas informações iniciais da Mesa da Câmara, parece não haver como um recurso desses prosperar, por soberano o plenário.
Fora o óbvio: dizer que 367 deputados votaram contra Dilma com um cabresto imposto pela orientação partidária é despropositado. Há muito a criticar no comportamento dos parlamentares naquele dia 17 de abril, mas certamente ninguém votou com uma arma na cabeça.
Como agravante, Dilma se fez de desentendida em discurso no começo da tarde. Se há alguma tentativa de golpe no país, como choramingam os petistas, ele passa por esse tipo de ação contra a normalidade institucional.
Por estarmos numa República que insiste em sua vocação bananeira, tudo parece possível, e novamente o Supremo Tribunal Federal deverá ser instado a imiscuir-se em questões de outro Poder – desta vez por culpa de um terceiro, o Executivo.
Nessas horas ganha atualidade a famosa frase de um embaixador brasileiro em Paris que é atribuída incorretamente ao presidente francês Charles de Gaulle: o Brasil não é um país sério.
Igor Gielow
Fazendo sua parte
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