quarta-feira, 22 de março de 2017

Expediente de ocasião

Em meio à renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, o jeitinho brasileiro levou nossas elites a adotar o sistema parlamentarista para contornar o conflito entre os militares, que não queriam a posse do vice João Goulart, e as forças perfiladas no respeito à legalidade e à Constituição.

Parecia uma obra de engenharia política. Evitava a iminência de uma guerra civil, com o risco da fratura das Forças Armadas, e observava a cadeia sucessória em sintonia com os preceitos legais.

Adotada de afogadilho como “solução” para uma questão meramente conjuntural, a instituição do parlamentarismo só empurrou a crise com a barriga.

Ela voltaria com força e, em janeiro de 1963, os brasileiros decidiram-se pelo retorno ao presidencialismo. O desfecho desse episódio, todos nós sabemos; a ruptura democrática de 1964 e 21 anos de ditadura no Brasil.

Lição da história: expedientes de ocasião não são solução, são parte do problema. Só turbinam as crises.

O exemplo histórico se faz oportuno diante das articulações do mundo político para aprovar, à toque de caixa, uma “reforma política” com dois jabutis rejeitados amplamente no Congresso em outras oportunidades: o voto em lista e o financiamento de campanha.

Jabutis, não porque esses dois temas não possam constar de uma reforma consistente que aproxime o eleitorado de seus representantes e contribua para a oxigenação nacional. Voto em lista e financiamento público de campanha existem em países de modelo bem mais saudável do que o nosso.

A discussão não é filosófica. Se fosse séria, a reforma arquitetada por parlamentares e políticos contemplaria também a adoção de um sistema de eleição proporcional baseada no voto distrital puro ou misto, e a imposição de cláusula de barreira capaz de debelar o caleidoscópio partidário, hoje composto por 35 legendas.

Abriria, ainda, caminhos para o Brasil marchar para o parlamentarismo - regime, sem dúvida, mais avançado e mais resiliente às crises.

Não são essas as preocupações dos partidos e dos parlamentares. Estão focados apenas em como vão sobreviver à bomba atômica da lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A luz vermelha acendeu no julgamento do senador Valdir Raupp, com a decisão da Segunda Turma do STF de considerar como crime contribuições em Caixa 1 quando o recurso representar propina por vantagens indevidas.

Sobreviver significa se reeleger para continuar usufruindo do foro privilegiado. Daí a engenhosidade: a carta na manga é o anonimato da lista fechada, onde os investigados da Lava Jato pretendem se esconder dos eleitores para conseguirem ser reeleitos.

O casuísmo do casuísmo. Na lista fechada teriam prioridade parlamentares com mandato. E como foram aferrolhadas as torneiras da contribuição empresarial, querem apelar para o meu, o seu, o nosso dinheiro - para usar palavras de parlamentares que há dois anos eram contrários ao financiamento público.

A lista fechada pressupõe a existência de partidos ideologicamente definidos e com visão programática.

Não é o caso do Brasil, com seus 35 partidos, uma geleia ideológica. Mesmo as principais siglas com um mínimo de definição – o PT e o PSDB – estão distantes de suas origens e se nivelaram por baixo.

É hora de voltar ao exemplo de 1961, quando uma ideia nobre, o parlamentarismo, foi vilipendiada e só ampliou a crise. Nas circunstâncias de hoje, a adoção do voto em lista e do financiamento público vai agravar a crise de representação, tornando abismal o fosso entre os eleitores e seus representantes.

Recentemente o Brasil recebeu uma lição de solidariedade dos nossos irmãos colombianos, na tragédia da Chapecoense. Pois bem, nossos políticos poderiam se espelhar no presidente da Colômbia, Manoel de Lo Santos.

Envolvido em denúncias de que suas duas campanhas receberam recursos ilegais da Odebrecht, De Lo Santos teve a coragem de assumir responsabilidades e pedir desculpas aos colombianos por “esse ato vergonhoso”.

Dá para esperar o mesmo de quem está preocupado somente em salvar a própria pele?

Reforma da Previdência subiu no telhado

Não foi por falta de aviso.

Na tarde da última quarta-feira dia 8, o deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), primeiro vice-presidente da Câmara, atravessou os poucos metros que separam o prédio do Congresso do Palácio do Planalto para atender ao convite do presidente Michel Temer de se reunir com ele.

Os dois são amigos fraternos de longos anos. Mas Temer estava agastado com Ramalho porque ele passara a cobrar com insistência uma vaga no ministério para o PMDB mineiro que não tem nenhuma. A conversa entre os dois foi azeda. A certa altura dela, travou-se o seguinte diálogo:

- Presidente, o senhor vive cercado de puxas sacos. Eles só lhe dizem o que o senhor quer ouvir. E por isso não dizem a verdade.

- Qual é a verdade, Fabinho?

- A verdade é que a reforma da Previdência, por exemplo, não passa. De jeito nenhum. O senhor pode criar 360 ministérios, dar um para cada deputado, e nem assim a reforma passará.

- Fabinho, você quer me derrotar.

- Não quero não, presidente. Sempre fomos amigos. Mas o senhor está distante da planície.

Temer não respondeu. Ramalho emendou:

- O senhor é político. Sabe que a um político se pode pedir tudo, menos que se suicide. A um ano e pouco da próxima eleição, a reforma da previdência não passa porque ninguém quer se arriscar a perder o mandato.

- Se a reforma não passar, o país quebra – reagiu Temer.

- Então diga isso na televisão, mas antes desista da reforma do jeito que ela está no Congresso. Essa não passará. Mande outra – insistiu Ramalho.


Por isso ou por aquilo, Temer, ontem à noite, anunciou que servidores públicos estaduais e municipais ficarão de fora da proposta de reforma da Previdência. São eles que mais pressionam os deputados contra a reforma.

Os servidores federais e os trabalhadores de empresas privadas continuarão incluídos na proposta de reforma. Os militares, policiais civis e bombeiros já haviam ficado de fora.

Temer pretendia ver a reforma aprovada na Câmara até o fim do próximo mês. E no Senado em maio. Dificilmente será assim. Para ganhar tempo e tentar vencer a resistência de sua própria base de apoio, Temer concordou com a ideia de se votar primeiro a reforma trabalhista.

Se precisar ainda de mais tempo, votará em seguida um arremedo de reforma tributária. Nada de muito ambicioso. Nada que ele próprio chame pelo nome de reforma. E só então chegará a vez da reforma da Previdência.

Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula quiseram aprová-la. O primeiro não conseguiu. O segundo fez uma minirreforma. Talvez Temer seja obrigado a se contentar com uma minirreforma.

Isso sempre foi assim mesmo. E daí?

Na sexta-feira, o Brasil recebeu a chocante notícia de que muitos frigoríficos nacionais – entre os quais, os maiores – protagonizavam um escândalo que atingia ao mesmo tempo o bolso e o estômago dos brasileiros: a maquiagem de carne podre com ácido ascórbico e a mistura de papelão e outros ingredientes indesejados nos embutidos nossos de cada dia. O País é o maior exportador mundial de carne. Et pour cause, a venda de alimentos contaminados com o beneplácito da fiscalização federal, além de nociva à saúde do consumidor interno, prejudica as receitas de exportação num momento de penúria causada pela maior crise econômica da História.


Numa reação inédita, o presidente Michel Temer, que até hoje não se dignou a visitar os presídios conflagrados no início do ano em Manaus, Boa Vista e Nísia Floresta, na Grande Natal, chefiou uma série de reuniões para anunciar medidas como compor uma força-tarefa para reforçar a fiscalização da pecuária. Além disso, o episódio provocou uma reação indignada do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que, em defesa de seus parceiros da agroindústria, condenou a investigação policial. Numa entrevista em que esquartejou a pobre língua portuguesa com uma sequência atroz de barbarismos inaceitáveis num aluno de grupo escolar, reclamou da ausência dos investigados na avaliação técnica da investigação. E classificou de “idiotice” insana a interpretação do uso de papelão na carne, atribuindo-o à embalagem e esquecendo-se de informar desde quando frigoríficos exportadores embalam carne com o dito material.

O presidente Michel Temer defendeu a Polícia Federal (PF), que, num desvario dos desesperados ante os efeitos maléficos da divulgação da investigação, foi comparada aos responsáveis por um dos maiores erros policiais, com cumplicidade dos meios de comunicação, da História: o caso da Escola Base, em São Paulo. Nenhum dos acusadores, contudo, se lembrou de apontar uma causa lógica para tamanha irresponsabilidade da PF.

Nervoso e confuso, Temer adotou a desculpa usada pelos pecuaristas, que também participaram da reunião dele com a imprensa e 40 diplomatas das embaixadas de 27 países compradores: das 4.837 unidades sujeitas à inspeção federal, apenas 21 foram acusadas de irregularidades. “E dessas 21, seis exportaram nos últimos 60 dias.” Para provar sua convicção, o presidente convidou os presentes no encontro para comer carne de boi, postando em seu Twitter: “Todas as carnes servidas ao presidente Temer e embaixadores na churrascaria Steak Bull eram de origem brasileira”. Mas a Coluna do Estadão foi informada pelo gerente, Rodrigo Carvalho, que tinham corte europeu, uruguaio e australiano. Um papelão!

Vexames do tipo poderiam ser evitados se o governo tratasse o escândalo com a transparência sugerida pelo ministro Maggi, “rei da soja”, citado nas delações premiadas da Odebrecht e tido como responsável por metade da devastação ambiental brasileira entre 2003 e 2004, segundo o Greenpeace. Não será com truques de malandro campainha (que se anuncia antes de assaltar) que os governantes e pecuaristas brasileiros manterão seus mercados, invejados por outros grandes e poderosos produtores de carne. De Genebra, Jamil Chade relatou que, se o Brasil não retirar essas companhias da lista de exportação, a União Europeia vai bloquear a entrada dos produtos. E China, Hong Kong e Chile informaram oficialmente ao Ministério da Agricultura a suspensão de importação de nossa carne.

Não é desprezível a afirmação do delegado Maurício Moscardi Filho de que a propina que a PF diz ter sido paga a fiscais irrigava contas do PMDB e do PP. Esses partidos – antes aliados de Dilma e agora, de Temer – ocupam a pasta há 18 anos. Maggi trocou o PR pelo PP para assumi-la na atual gestão. E esse não é o primeiro dano provocado pelo loteamento do governo federal.

Não faltará quem lembre que se compram fiscais nestes trágicos trópicos desde o desembarque de Cabral em Porto Seguro. Já há também quem lembre que corrupção na política não é uma exclusividade brasileira, uma jabuticaba, como se usa correntemente. Pois sim! E não disse Otto Eduard Leopold von Bismarck-Schönhausen, duque de Lauenburg, unificador da Alemanha sob o punho da Prússia, morto antes da chegada do século 20, que “os cidadãos não dormiriam tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”? Pois então...

A sábia sentença vale como nunca no Brasil destes nossos idos de março, nos quais não faltam também trágicos avisos, como o que o general romano Júlio César ouviu, nas ruas de sua Roma, de um vidente anônimo sobre os punhais que o esperavam na escadaria do Senado. A não ser que a PF tenha cometido barbaridade similar à da Escola Base, em que um casal de educadores perdeu tudo pela acusação cruel de uma criança que viralizou na imprensa, a onda de lodo que se abateu sobre toda a República não terá poupado a galinha de ovos de ouro da economia nacional: nossa produtiva, próspera e moderna agroindústria. Se a polícia exagerou, o caso merece punição pesada.

Mas se a polícia contou, como parece lógico, a verdade, não dá para cair na lorota do empreiteiro Emílio Odebrecht, que desonrou a memória do pai, Norberto, que construiu e deu nome à maior empreiteira do Brasil, pretendendo conquistar o perdão para o filho, Marcelo, e seus comparsas. E, para tanto, adotou o mantra sórdido de Tavares, o canalha cínico encarnado por Chico Anysio: “Eu sou, mas quem não é?”. Ou seja, “não foi?”.

A Operação Carne Fraca, que deveria chamar-se Carne Podre ou Carniça, precisa abrir a caixa-preta onde se guardam mistérios como o milagre da multiplicação das picanhas, em que uma família de pequenos açougueiros de Anápolis hoje controla a empresa campeã na produção de proteína animal neste mundão todo.

A carne podre do Congresso

Existe hoje no Congresso brasileiro muita pressa em aprovar reformas da lei eleitoral que são uma armadilha para os eleitores. Entre elas, a mudança para voto em lista fechada, como Talita Bedinelli já informou amplamente neste jornal. Essa proposta tem sido chamada de “carne podre” nas redes sociais, pois esconde a artimanha de tentar reeleger políticos corruptos e salvá-los dos pecados. Os congressistas parecem hoje, de fato, mais preocupados em salvar a própria pele que em resolver os problemas que afligem milhões de trabalhadores. Até quando?

Cármen Lúcia, presidenta do Supremo Tribunal Federal, alertou com ênfase, dias atrás, sobre a necessidade de uma reforma política e eleitoral que não seja costurada nas sombras no Congresso, e sim objeto de referendo. É verdade que, em muitos países do mundo, os cidadãos votam nas listas de candidatos apresentadas pelos partidos. Mas são países em que as legendas podem ser contadas nos dedos – e onde cada uma delas apresenta uma ideologia bem diferenciada.


No Brasil, a introdução da lista fechada é uma armadilha ante a intensa rejeição que atinge os partidos. São mais de 30 no total, e é impossível conhecer sua posição ideológica. Até porque a maioria nem a possui. São, mais propriamente, satélites e pontos de apoio dos grandes partidos. Reduzi-los a não mais de meia dúzia já seria uma grande reforma. Além disso, num momento em que deputados, senadores e governadores aparecem envolvidos em processos de corrupção, a lista fechada na véspera das eleições de 2018 seria, para muitos deles, uma panaceia para poderem ser reeleitos e conservar o foro privilegiado. Basta as legendas colocarem os corruptos no topo da lista para que eles tenham maiores chances de conservar os cargos.

O voto em lista fechada serve para fortalecer os partidos nos países em que os votantes se interessam mais pelo sucesso da formação na qual militam ou por seu programa de governo, sem prestar tanta atenção nos candidatos concretos. Algo parecido com o que acontece com os times de futebol. Um torcedor doente do Flamengo ou do Barcelona não deixaria de apoiar a equipe do coração por causa da escalação de determinado jogador. O que o torcedor quer é que o seu time ganhe. No Brasil, ocorre o contrário com os partidos políticos. A sociedade não está interessada em que saiam fortalecidos, pois já não acredita neles. Por isso, é mais fácil o cidadão votar num candidato que confia do que num partido. E mais: os brasileiros votam num candidato sem nem saber a qual partido pertence. Tanto assim que muitos políticos já passaram por até sete formações diferentes.

Se a manifestação convocada para o próximo domingo procura motivos que a justifiquem, a rejeição à lista fechada e a exigência de uma consulta popular sobre a reforma política, juntamente com a revisão do foro privilegiado, seriam mais do que suficientes. Sem falar que, nesse caso, poderiam se unir na mesma demanda – da esquerda e da direita. Se o Congresso, ao contrário, conseguir aprovar leis para a sua própria sobrevivência, será o maior gol marcado contra os brasileiros que ainda acreditam numa democracia cada dia mais ameaçada. Os legisladores ainda têm tempo para decidir com coragem a favor do Brasil que os elegeu. Ou de se expor ao escárnio de uma opinião pública cada vez mais divorciada da política.

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Dia Mundial da Água

Não é só com carne: leite com ureia e óleo em vez de azeite

Adulterar um produto para obter ganhos comerciais não é particularidade da indústria da carne no Brasil, como foi exposto pela operação Carne Fraca, da Polícia Federal. Estudos e ações pontuais mostram que o crime é praticado para maquiar outros alimentos que chegam à mesa dos brasileiros.

Quase ao mesmo tempo em que policiais federais levavam mais de 30 pessoas à prisão por receber propinas ou adicionar substâncias maléficas à carne, uma ação no Rio Grande do Sul que não teve a mesma repercussão tratava de um caso semelhante. Conheça esse e outros problemas com produtos básicos do dia a dia.

Na última semana, uma operação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) com outras entidades cumpriu cinco mandados de prisão e quatro de busca e apreensão contra produtores de laticínios que adulteravam lotes já impróprios para o consumo.

Segundo as investigações, empresas locais vinham adicionando substâncias para diminuir a acidez e eliminar micro-organismos de laticínios vencidos. E, no creme de leite, acrescentavam água para amolecer o produto envelhecido e ressecado.

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Foi a 12ª fase das operações "Leite Compen$ado", que começaram em 2013. E hoje a operação integra um programa maior de segurança alimentar criado pela Promotoria gaúcha, tamanho era o número de denúncias e processos judiciais de irregularidades com alimentos.

Ao todo, 167 pessoas - na maioria produtores e distribuidores do Rio Grande do Sul - foram denunciadas e respondem a processos criminais em razão das ações do Ministério Público. Dessas, 16 foram condenadas por adulteração do leite e organização criminosa.

Indústrias e transportadoras já assinaram nove Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MP, que, além de compromissos firmados, abrangem indenizações que somam mais de R$ 10 milhões.

Desde então, diferentes substâncias já foram encontradas nos laticínios; entre elas, ureia e formol. Um comunicado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgado durante operações passadas alertou sobre o potencial cancerígeno do formol; já a ureia, em doses razoáveis, tem baixa toxicidade.

"A maioria das adulterações ocorre para aumentar a longevidade dos produtos", explica Caroline Vaz, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Consumidor do MP-RS.

Mesmo após cinco anos de operações, Vaz diz que as denúncias continuam: "Quando descobrimos e coibimos um novo golpe, os grupos inventam uma nova técnica para adulterar os produtos".

Ela alerta para os problemas de fiscalização: há situações criminosas - como a revelada na operação da PF -, mas também defasagem por falta de fiscais.
Azeite que é óleo

Azeites que não são extravirgem ou que nem sequer podem ser classificados como azeite (e, sim, óleo), já foram denunciados pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), que testa produtos desde 2002.

Resultados recém-divulgados mostram que de 24 marcas testadas, sete ditas extravirgem na verdade são misturas de óleos refinados, segundo a pesquisa. São elas: Tradição, Figueira da Foz, Torre de Quintela, Pramesa, Lisboa, além de duas que conseguiram na Justiça não ter seus nomes divulgados. Já outra marca (Beirão) não continha azeite extravirgem, como descrito na embalagem.

"Consumidores estão pagando mais por um produto que não tem a qualidade que se anuncia", critica Sonia Amaro, advogada e representante da Proteste.

Enquanto o azeite extravirgem é benéfico para a saúde, aumentando o colesterol bom (HDL), o óleo é prejudicial, pois eleva, por exemplo, o mau colesterol (LDL).

Até o momento, a Natural Alimentos, responsável pela importação e envasamento da marca Lisboa, afirmou que não foi notificada pela Proteste e que a partir desse ano apenas comercializará azeites extravirgem importados aprovados por órgãos controladores nos países de origem.

Já a empresa Olivenza, da marca Torre de Quintela, disse que desconsidera a análise da Proteste, pois fez testes próprios da qualidade do produto. Os documentos foram encaminhados à reportagem e serão repassados à Proteste.

Ladroagem no São Francisco confirma: é Lula o pai de tudo

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No dia 10 de março, o presidente Michel Temer inaugurou o eixo leste da transposição das águas do Rio São Francisco. Enciumado, Lula baixou por lá neste domingo para reivindicar a paternidade da obra. Na discurseira que abrilhantou mais um comício ilegal, garantiu que é o pai da transposição. A mãe é Dilma Rousseff, esclareceu.

Nem precisa perder tempo com exame de DNA. Pelo menos cinco marcas de nascença confirmam aos berros que o filhote é a cara de Lula:

1. CRONOGRAMA VIGARISTA
Em 2007, quando as obras começaram, o então presidente jurou que seriam concluídas em 2010. Na conta de quem deve ser debitado o atraso de sete anos?

2. ORÇAMENTO FALSIFICADO
O custo original do projeto foi orçado em R$ 8,5 bilhões (em dinheiro de hoje). A gastança subiu para R$ 9,6 bilhões. Ninguém explicou até agora a diferença multimilionária.

3. SUPERFATURAMENTO
Apenas em licitações, o Tribunal de Contas da União já identificou um sobrepreço que vai chegando a R$ 720 milhões. Quem embolsou a fortuna?

4. INDENIZAÇÕES ILEGAIS
Só em desapropriações, o TCU calculou em 2012 que as indenizações totalizavam R$ 69 milhões, quantia que ultrapassa amplamente limites fixados como referência pelo Incra.

5. DESVIO DE VERBAS
As obras envolveram 90 empreiteiras. Ninguém sabe dizer por que foram tantas. A Delta, a OAS e a Galvão Engenharia lideraram um grupo de empresas (todas atoladas no Petrolão) que engoliu mais de R$ 200 milhões em dois lotes das obras do eixo leste.

No palavrório de domingo, o candidato a Dom Pedro III repetiu que Michel Temer não tem nada a ver com a obra que inaugurou. Cabe a Lula, portanto, esclarecer os casos de polícia em que se meteu às margens do São Francisco. O pai da transposição é também o parteiro da ladroagem fluvial.

Veja o filme, leia o livro, alcance a vida

Somos todos refugiados, refugiados da falta dos nossos direitos
Na reunião da ocupação do Hotel Cambridge, no centro de São Paulo, os moradores tinham acabado de saber que a juíza concedera a reintegração de posse do prédio. A fala acima é de um brasileiro. Ela revela a tensão sobre quem teria mais direitos entre aqueles que ali estão, e que ali estão porque seus direitos têm sido sistematicamente violados. Um congolês levanta-se e dá uma resposta imediata:

Cena do filme "Era o Hotel Cambridge"
– Se você não sabe, o Brasil lá na ONU faz bonito na política internacional, aí concede refúgio pra nós. Quando nós entramos aqui, é cada um se vira. Nós somos problemas do Brasil, sim, porque Brasil concedeu refúgio.

Outro se levanta:

– Eu sou refugiado palestino. Vocês são refugiados brasileiros no Brasil.

Carmen da Silva Ferreira, a líder da Frente de Luta por Moradia (FLM) e coordenadora da ocupação do Hotel Cambridge, faz a síntese:

– Brasileiro, estrangeiro... somos todos refugiados, refugiados da falta dos nossos direitos.

Esta é uma cena do filme Era o Hotel Cambridge (Aurora Filmes), que acaba de estrear nos cinemas brasileiros e tem sido recebido com respeitosa atenção nos países por onde tem andado. Não é apenas um filme, é também um livro. E não é apenas um filme e um livro, mas um acontecimento. Às vezes uma obra cultural é tão original que provoca um impacto na nossa forma de perceber o Brasil, a cidade, nós mesmos. Era o Hotel Cambridge – o filme assinado por Eliane Caffé, o livro assinado por Carla Caffé – é um destes cortes no tecido do tempo.

O Hotel Cambridge, personagem central do filme, foi na vida real de São Paulo um hotel de luxo construído no final anos 50 com evocações hollywoodianas. Com o crescimento da cidade e o abandono da região central pelos mais ricos, ele testemunhou sua própria decadência. Em 2004, cerrou suas portas e tornou-se mais um esqueleto do centro, um morto insepulto, abandonado ao vazio. Em 2012, foi ocupado pelo movimento dos sem-teto, uma das forças de maior potência da maior cidade do Brasil.

O hotel foi ocupado por cerca de 140 famílias, mais de 240 crianças. A quantidade de meninos e meninas fica explícita em cuidados como um surpreendente e bem organizado estacionamento de carrinhos de bebê. Na dinâmica da especulação imobiliária, que se impõe como uma lógica questionada por poucos, o fato de o Cambridge ter ficado abandonado por oito anos, juntando lixo e empoçando água, tornando-se um criadouro de mosquitos numa época de dengue, zika e chikungunya, não parece ser um problema para a população.

Já quando o velho hotel foi ocupado para a moradia de quem não tem, os ocupantes são tachados de “invasores” – e a urgência de sua denúncia é apagada pelo processo perverso da criminalização. O grupo de homens e mulheres que ocupou o prédio trabalhou dois meses para tirar de dentro do hotel abandonado mais de 200 caçambas de lixo. “Não aguento mais ser faxineira do Estado”, comenta uma personagem durante a ocupação de outro prédio, às voltas com um duríssimo mutirão de limpeza em que se corre risco de contaminação e acidentes.

O curioso do olhar cristalizado sobre as ocupações dos prédios abandonados há anos, às vezes décadas, é que nele os “vândalos” não são os proprietários e especuladores que abandonam edificações numa região crucial para a cidade e para a cidadania, mas aqueles que querem e precisam resgatar o teto para a vida. Esta inversão ergue uma barreira que torna os integrantes dos movimentos de luta por moradia invisíveis apesar de estarem bem ali, na frente de todos. Quando um juiz decide pela reintegração de posse a partir do interior dos muros do seu gabinete, as bombas de gás da Polícia Militar encobrem ainda mais a realidade com fumaça tóxica, invisibilizando agora pela força.

Gente fora do mapa

Índia.:
Índia

Com medo do eleitor

Falando francamente, o motor principal da reforma política em discussão no Congresso Nacional é o medo de perder as eleições. Essa é a motivação principal dos políticos que protagonizam o debate, não é um sistema eleitoral que garanta uma representação política mais autêntica e democrática, comprometida com o eleitor. Pelo contrário, é a busca de mecanismos de autopreservação de uma elite política que fracassou. Os donos do poder no Congresso são parceiros da crise ética que o país atravessa. Uns mais, outros menos, é verdade, mas o desgaste dos grandes partidos e dos seus líderes é uma demonstração de fracasso coletivo.

A melhor estratégia para enfrentar esse debate, em circunstâncias normais, seria aprovar as reformas de Estado, que o país exige, e retirá-lo da crise. Mas há um fator imponderável no processo, a Operação Lava-Jato, que está jogando as reputações das principais lideranças do país na lama por causa do caixa dois eleitoral. E há também a marcha inexorável do tempo em relação ao pleito de 2018, que está logo ali, como sabem os que terão que renovar os mandatos. Mesmo que o Congresso faça tudo certo, o tempo é curto para capitalizar seus efeitos na sociedade. O tsunami das eleições municipais de 2016 está na memória de todos e pode se repetir no próximo ano. É isso que assombra os políticos.

Qualquer advogado da Lava-Jato sabe que dificilmente os políticos com direito a foro privilegiado serão julgados pelo Supremo Tribunal federal (STF) antes das eleições. De um lado, isso significa que poderão concorrer em 2018; de outro, que terão enorme dificuldades para se eleger com o voto for uninominal. Estão vivendo, agora, o drama dos políticos envolvidos no “mensalão” que não conseguiram se reeleger em 2010. O melhor exemplo talvez seja o ex-deputado José Genoíno, um ícone petista, que foi engolido pelos próprios companheiros de chapa; a mesma situação se deu com o ex-deputado Cândido Vaccarezza, em 2014, que também não se reelegeu, “queimado” pela Lava-Jato, embora depois tenha sido excluído do processo do ex-deputado André Vargas pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba.

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O esforço para salvar a elite política do país, porém, tem uma mãozinha do Judiciário e outra do Executivo. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, protagoniza o engajamento da alta magistratura no debate sobre a reforma política. O presidente Michel Temer, que no passado defendeu a adoção do “distritão”, também está engajado na operação, embora com mais discrição. Até a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármem Lúcia, já se pronunciou sobre a reforma: defendeu um plebiscito para aprová-la, como se o Congresso não tivesse legitimidade constitucional. Plebiscito também pode dar errado, como na Itália, onde o povo votou contra a reforma do sistema eleitoral.

Até agora a voz mais sensata sobre o que está acontecendo é a do cientista político Jairo Nicolau, estudioso do assunto: “Para colocar qualquer coisa no lugar do atual sistema se exige reflexão mais profunda. Não vai ser agora o melhor momento, num ambiente desse em que o Congresso perdeu tanta legitimidade e abriga um monte de investigados. Melhor que seja feita na próxima legislatura, que provavelmente terá muita renovação”. Segundo ele, falta uma “ideia-força que galvanize o debate, como já foi a lista fechada, em 2007, e o distritão, em 2015”. Para Nicolau, “a ideia-força é apenas como financiar o sistema depois que ele desabou”.

Tem toda razão. A crise de financiamento dos partidos vem de longe, mas chegou ao colapso. A delação premiada da Odebrecht, que jogou na vala comum da Lava-Jato todos os políticos que receberam dinheiro do caixa dois da empresa, não importando se estavam envolvidos nas maracutaias da empreiteira diretamente ou receberam o dinheiro “lavado” como doação legal sem saber a origem. Um caso mais emblemático é o do ex-deputado Mílton Temer (PSOL), candidato ao Senado em 2010, citado na lista da Odebrecht porque recebeu uma doação eleitoral de um velho colega da Escola Naval, dono de uma distribuidora de bebidas, que estava no esquema de lavagem da empreiteira. Ele fazia feroz oposição ao governo Lula e nada sabia sobre a origem do dinheiro.

As eleições municipais poderiam ter resolvido em grande parte o problema do financiamento eleitoral se o voto distrital ou distrital misto tivesse sido adotado, barateando o custo das eleições, o que poderia ser feito por legislação ordinária (o pleito municipal não é regulamentado pela Constituição), mas a maioria não quis arriscar. A simplificação das eleições municipais por si só reduziria o custo das demais, pois limitaria drasticamente o número de candidatos e, por isso mesmo, de futuros cabos eleitorais profissionais.

O fundo partidário foi triplicado para R$ 800 milhões em 2015, porém as campanhas eleitorais de 2014 custaram cerca de R$ 5 bilhões. Estima-se que o pleito de 2018, pelas regras atuais, exigiria a criação de um superfundo eleitoral da ordem de R$ 4 bilhões. Esse seria o preço do atual sistema partidário, mas acontece que o problema não é somente esse. Os políticos citados na Lava-Jato controlam os partidos, mas não controlam o eleitor. Querem se blindar com o voto em lista fechada, mas isso pode ser um tiro pela culatra.

Cretinice ambulante

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Pobre não é problema, é solução
Luiz Inácio Lula da Silva

Viagem de jato de Lula à Paraíba custa R$ 100 mil

Para não enfrentar dissabores em voos de carreira, os ex-presidentes Lula e Dilma usaram um jato para levá-los de São Paulo a Campina Grande (PB), no fim de semana, para a patética “reinauguração” de parte das obras de transposição do rio São Francisco. O jato um Legacy 600, prefixo PR-AVX, com capacidade para 16 pessoas, entre passageiros e tripulação, pertenceu a um amigo do peito da dupla: Eike Batista, hoje no xilindró. A informação é do colunista Cláudio Humberto, do Diário do Poder.

Avião chama a atenção pelo luxo e tem até bar
Empresa de fretamento de aeronaves, consultada pela coluna, garante: o jato que levou Lula à Paraíba não custa menos de US$ 31 mil (R$ 100 mil), no mercado.

Procurados, nem o PT e muito menos Instituto Lula assumiram o pagamento pelo jato que levou Lula e Dilma por R$100 mil.

Se pagasse passagem para viajar de São Paulo ao belo Estado da Paraíba, Lula gastaria R$ 1,4 mil. Mas jatos de luxo têm seus encantos.

Em declínio, Eike Batista colocou seu avião à venda em 2013. Hoje o palácio voador está com a CB Air, do grupo Klein, das Casas Bahia.

Briga de foice em quarto escuro

É bobagem chamar de apenas insignificante o último episódio no capítulo da carne podre desvendado pela Polícia Federal. Perdeu o presidente Michel Temer mais uma oportunidade de ficar calado. Ainda mais porque nas investigações começa a aparecer a presença de políticos governistas pela nomeação de altos funcionários do ministério da Agricultura indicados por deputados e senadores que o dinheiro sujo dos frigoríficos costuma irrigar.

A Polícia Federal reagiu, ontem, contra a tentativa do Executivo de minimizar a nova denúncia de roubalheira no setor de exportação de carnes. E outros. Quatro senadores estão sob vigilância por envolvimento em negócios ilícitos variados, como a prestação de serviços de segurança, limpeza e sucedâneos a órgãos públicos.

Indaga-se da hipótese de continuar o entrevero entre a denúncia e sua camuflagem, cuja conclusão será a desmoralização das instituições.

O Supremo Tribunal Federal autorizou a investigação sobre pessoas ligadas aos senadores Eunício Oliveira, Renan Calheiros, Valdir Raupp e Humberto Costa. Com a retaguarda garantida, logo surgirão através da Polícia Federal evidências da participação parlamentar em muitas atividades fajutas, por meio de seus prepostos ou diretamente.

Aguarda-se a reação do Congresso na defesa de seus integrantes, culpados ou inocentes, mas a verdade é que a Polícia Federal não se intimidou e prepara-se para seguir adiante.

Em suma, dentro do próprio governo a briga é de foice em quarto escuro.

Paisagem brasileira

Paisagem, da rua do Porto, Piracicaba (1974), Álvaro Sega

A carne continuará fraca

Não é só a carne que está podre. A nova ofensiva da PF expôs o grau de decomposição avançada das relações entre o dinheiro, a política e os órgãos que deveriam proteger o consumidor no Brasil. A operação Carne Fraca flagrou práticas de embrulhar o estômago: reembalagem de comida estragada, uso de substâncias cancerígenas para maquiar produtos vencidos, mistura de papelão nas salsichas.

Tudo era permitido graças à promiscuidade entre frigoríficos e funcionários do Ministério da Agricultura. A bancada ruralista é quem dá as ordens na pasta. Deputados nomeiam e demitem fiscais, travam ações sanitárias e fazem pressão para afrouxar o controle das mercadorias.

 Um dos grampos fisgou a intimidade entre o novo ministro da Justiça, Osmar Serraglio, e o fiscal apontado como “líder da organização criminosa”. Na ligação, o peemedebista chama o funcionário suspeito de corrupção de “grande chefe”.

Há poucos meses, ele prestava a mesma reverência a Eduardo Cunha. Chegou a defender que o amigo fosse anistiado pelas acusações que o levaram à cadeia em Curitiba.

Se a fiscalização é fraca, a ligação entre frigoríficos e política é fortíssima. Em 2014, o setor despejou quase R$ 400 milhões em campanhas. O grosso do dinheiro foi fatiado como um bife entre PT, PMDB e PSDB.
 A investigada JBS, que controla as marcas Friboi e Seara, aparece como a maior financiadora de Serraglio. A empresa também abriu os cofres para os comitês de Dilma Rousseff e Aécio Neves. O recado era claro: queria continuar bem com o governo, seja quem fosse o presidente eleito.

O escândalo deve produzir mais um forte abalo na economia. Os frigoríficos empregam milhares e o Brasil se tornou o maior exportador do mundo no setor. Nada disso, é claro, pode servir como desculpa para salvar corruptos. Além de punir os culpados, é preciso reforçar os controles para que o caso não se repita. Afinal, a carne continuará fraca.

Tirando da reta

Estão criminalizando a política pelos fatos criminais praticados por políticos. A política não é isso, não é nada disso. Estão roubando para o próprio bolso para construir fortunas enormes botando a culpa no processo eleitoral.
 
Os empresários que são cúmplices dos políticos, que estão presos, as empresas que estão fechadas, os empregos estão perdidos. E os políticos saem ricos
Miro Teixeira, deputado federal (REDE)

É a corrupção, estúpido!

Em vez de partir para o confronto com a Polícia Federal, a qual acusa de ter agido de forma desastrosa na Operação Carne Fraca, o governo deveria se concentrar em suas ações para dar maior transparência ao setor de frigoríficos, que está sob suspeita de vender carne podre no país e no exterior. Por mais que tenha havido excessos na ação policial, está claro que há muita coisa errada, sobretudo no Ministério da Agricultura, que vem sendo usado por consecutivas administrações como moeda de troca nas negociações com partidos políticos. O loteamento de cargos estratégicos da pasta facilita a ação de empresas que têm por hábito atuar às margens da lei. A corrupção corre solta.

O envolvimento de 33 fiscais nas fraudes que permitiram que carne estragada fosse consumida, inclusive em merendas escolares, é só mais um capítulo no histórico de irregularidades do Ministério da Agricultura. Uma leva de ministros já caiu depois de eles serem pegos em negócios nada republicanos. Mas é nas superintendências regionais, rateadas entre os partidos, onde a farra da corrupção está entranhada. Os indicados políticos transformaram os órgãos em balcão de negócios. Muitas das gravações feitas pela PF dentro da Operação Carne Fraca, que estão sob sigilo de Justiça, comprovam bem os crimes cometidos contra a população, que vem sendo ludibriada não apenas na hora de comprar carnes.

Se realmente estiver disposto a fazer um bem para o país, o governo deveria usar o episódio dos fiscais corruptos do Ministério da Agricultura — os superintendentes de Goiás e do Paraná já foram afastados — para limpar órgãos estratégicos das indicações políticas. As agências reguladoras, por exemplo, que deveriam fiscalizar a prestação de serviços fundamentais, como energia elétrica, medicamentos, telefonia e planos de saúde, estão mais preocupadas em atender os pleitos das empresas do que em fazer valer os direitos dos consumidores. Nenhum dos favores que as agências prestam a seus regulados sai de graça. Muito pelo contrário. Infelizmente, corrupção e política andam juntas.

O governo diz que o estrago provocado pela Polícia Federal sairá caro para o país, sobretudo por causa da redução das exportações diante dos embargos impostos à carne brasileira por países como China, Chile e Coreia do Sul. Nada disso, porém, estaria acontecendo se os frigoríficos — entre ele, os gigantes JBS, dono das marcas Friboi e Seara, e BRF Foods, proprietário da Sadia e da Perdigão — não tivessem transgredido as regras. Ao se aproveitarem do balcão de negócios aberto pelos políticos que tomaram de assalto o Ministério da Agricultura, as empresas sabiam dos riscos que estavam correndo. Mesmo assim, pagaram para ver. Só que, em algum momento, a bandalheira seria descoberta. E foi.

De nada adianta o governo e os frigoríficos dizerem que, se houve desvios, eles foram localizados e se concentraram em um número muito pequeno de unidades produtoras. O correto, principalmente, em se tratando de saúde pública, é que nada de irregular fosse cometido. Para o embaixador Rubens Barbosa, independentemente do tamanho dos problemas, se realmente quiser estancar a sangria provocada pela Operação Carne Fraca, o governo precisa agir muito rápido para dirimir todas as dúvidas e dar transparência a tudo o que está sendo feito para garantir maior segurança aos consumidores, tanto os do mercado interno quanto os do exterior. “É preciso atuar imediatamente”, avisa.

O fato de o governo ter proibido os 21 frigoríficos suspeitos de irregularidade de exportarem seus produtos até que tudo seja esclarecido já foi um passo importante, acredita o embaixador. Ele ressalta que a qualidade da carne brasileira é reconhecida em todas as partes do mundo. Não à toa, o Brasil é o maior exportador do produto. Agora, diante de tantas suspeitas, é preciso entregar a melhor informação aos consumidores. Mostrar, de forma crível, que não há riscos à saúde, que o processo de produção de carnes e de embutidos segue as normas mais rígidas possíveis.

Especialista no mercado agrícola, o economista Carlos Thadeu Filho, sócio da consultoria MacroAgro, recomenda ao governo que aperte a fiscalização em todo o mercado de carnes. Há informações de que pelo menos 40% dos produtos consumidos no país não passam por qualquer tipo de controle. As carnes sem registro são consumidas, especialmente, no interior do país. No entender dele, o aperto sobre os grandes frigoríficos pegos pela Operação Carne Fraca é importante, mas é preciso estender a ação governamental à maior parcela possível do mercado, pois há muita coisa sendo vendida sem garantia de qualidade.

Pelos cálculos de Thadeu, é possível que, por causa da suspensão temporária de exportações de carnes para alguns países, os preços desses produtos caiam nas próximas semanas. Será, porém, um processo lento, que tenderá a se refletir na inflação dos próximos três meses. Por isso, ele está revendo, para baixo, as projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para março, ele estima uma taxa entre 0,20% e 0,25%. “Se realmente os preços da carne caírem, como espero, é possível que o IPCA encerre o ano em 3,5%”, afirma.

A demanda por carne, destaca Thadeu, já estava fraca antes do estouro da Operação Carne Fraca, devido ao encolhimento da renda das famílias. Com as restrições às exportações, a oferta interna aumentará. Num quadro de menos consumo e mais oferta, a tendência é de os preços baixarem. “Pelo menos para o Banco Central, a ação da Polícia Federal será positiva”, destaca. Inflação mais baixa permite que as taxas de juros sejam cortadas mais rapidamente.

Vicente Nunes 

Á margem do milagre do São Francisco

A menos de um quilômetro do canal que traz as águas do rio São Francisco para a Paraíba, muitas torneiras estão secas. No bairro onde Gabriel mora, na cidade de Monteiro, por onde a obra da transposição entra no estado, a vizinhança paga a conta enviada pela companhia de saneamento, mas água só tem quem contrata o caminhão-pipa.

Monteiro ganhou os holofotes quando recebeu autoridades para inaugurar a "chegada das águas do Velho Chico nas torneiras paraibanas", como dizia o slogan. Mas a prefeita Anna Lorena ainda não vê motivo para festa.

"Não é justo assistirmos à passagem das águas e os moradores não receberem esse benefício em suas casas", diz.

Na zona rural de Monteiro a situação é de calamidade. Moradores de mais de 100 comunidades dependem de caminhões-pipa para sobreviver. Até os assentados na Vila Produtiva Rural, construída pelo Ministério de Integração para abrigar famílias que moravam na zona da obra, reclamam.

A fonte da cidade é o reservatório de Poções, que passou a receber água do São Francisco há mais de uma semana. "Se já temos água no açude Poções, não justifica mais a falta dela nas torneiras", reclama a prefeita.

Questionado pela DW Brasil, Helder Barbalho, ministro de Integração, informou que a responsabilidade do abastecimento domiciliar é do estado. A Cagepa, Companhia de Água e Esgoto da Paraíba, afirmou que Monteiro e outras 11 cidades da região devem sair do racionamento em abril, quando a instalação de um sistema de captação específico for concluída.

O caminho artificial para desviar parte do volume do rio São Francisco foi proposto pela primeira vez há mais 100 anos. O formato atual, chamado de Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional (Pisf), foi apresentado em 2004 e começou a ser executado há dez anos pelo Exército.

A obra, no total orçada em 9,6 bilhões de reais, prevê o transporte da água por dois eixos principais, sob a justificativa de garantir segurança hídrica às populações mais pobres do semiárido do Nordeste.

O Eixo Leste, o primeiro a ficar pronto, tem 220 km de extensão. Ele começa em Floresta, Pernambuco, segue até Monteiro para, então, ser interligado à calha do rio Paraíba. De lá, as águas seguem o leito natural do rio até o reservatório de Epitácio Pessoa, que abastece Campina Grande.

O Eixo Norte, com 402 km de canais, passa por Pernambuco, Ceará, Paraíba até chegar em Rio Grande do Norte. Problemas com construtoras atrasaram sua conclusão, que agora está prevista para o final de 2017, segundo o ministro Helder Barbalho.

Desde as discussões iniciais, o projeto causou polêmica e dividiu até a Igreja Católica – enquanto um bispo na Bahia fez greve de fome contra a transposição, o arcebispo da Paraíba divulgava manifesto a favor.

"A parte política dominou o debate, já a técnica sempre esteve em segundo plano. Mas agora não pode mais continuar assim, senão a obra vai virar um elefante branco", alerta Janiro Rego, professor da Universidade Federal de Campina Grande, que acompanha o processo.