domingo, 23 de julho de 2017

O carroceiro de Pinheiros

Nada fora planejado, nem o assassinato do carroceiro morto num final de tarde da semana anterior numa rua de Pinheiros, populoso bairro de classe média de São Paulo, com dois tiros no peito disparados por um soldado da PM de 24 anos.

Considerando-se a normalidade insana com que a violência se incorporou à paisagem nacional — só no Rio, 632 pessoas já foram atingidas por balas perdidas este ano, 67 delas morreram, e 90 policiais foram executados no mesmo período —, a morte de um catador de lixo poderia ter sido recebida pelos moradores do bairro como mais um indigesto transtorno urbano no pedaço.

Deu-se o contrário. Diante do ocorrido, vários bípedes que tocavam suas vidas sem maior militância anterior assumiram-se como seres humanos, reconheceram-se como parte de um mesmo problema, e se puseram a agir como cidadãos dispostos a não mais integrar o quadro de decomposição social do país. Decidiram que, no Brasil de hoje, a vida ou morte de um carroceiro vale tanto quanto a de qualquer um de nós — pouco. E que isso tem de deixar de ser aceitável.

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Testemunhas que haviam presenciado o assassinato e vizinhos habituados ao por vezes irascível personagem da rua saíram do casulo ao ouvirem a frase “tem que matar mesmo!”, dita por uma moradora. Criaram uma campanha de início tímida, amadora, sem recursos e improvisada, mas que tinha um eixo fundamental:

TEM QUE VIVER!, eco intuitivo, talvez, talvez do grito lançado pelos jovens americanos diante da violência policial, e que se transformou no movimento Black Lives Matter.

O carroceiro Ricardo, decidiram os envolvidos na campanha, não haveria de simplesmente sumir na “Cidade Linda” idealizada pelo prefeito João Doria.

Através de panfletos caseiros e cartazes distribuídos de mão em mão, além de convocações divulgadas por redes sociais, familiares, moradores, comerciantes e taxistas da região, foi programada uma missa de sétimo dia para a quarta-feira desta semana. Era o dia mais frio do ano, num dos locais mais icônicos da cidade: na Catedral da Sé.

Ao meio-dia, com o termômetro marcando 9 graus, uma plêiade que misturou coletivos de carroceiros, movimentos negros da periferia, moradores de rua, veteranos grisalhos de outras batalhas, foi subindo os degraus que levam à catedral para a missa celebrada pelo bispo auxiliar de São Paulo, dom Devair.

Ao pé da escadaria, uma carroça pintada de branco com a data de nascimento e morte, e o nome completo do catador de Pinheiros — Ricardo Silva Nascimento — dava vida ao morto.

No interior da igreja lotada, uma única participante deslocada portava na lapela o bóton “Fora Temer”. Ela talvez não tenha percebido que as pessoas ali reunidas não estavam em campanha política nem partidária, que, com ou sem Temer, a matança da vida brasileira é contínua, e que o retrato de um país se mede pela forma como a sociedade trata os mais descartáveis.

Ao final da celebração, ninguém ousou escapulir do frio da escadaria, pois o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, sempre a voz mais ouvida e atuante em defesa da cidadania periférica, falou a céu aberto contra a violência policial e a invisibilidade dos que o poder público não quer ver.

Quarenta e dois anos atrás, no histórico culto ecumênico celebrado no mesmo local em memória do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nos porões da ditadura, havia medo. Mas havia também a esperança de que o regime militar e sua violência seriam derrotados algum dia.

Desta vez, não houve medo. Houve desalento. Na democracia brasileira conquistada, carroceiros e cidadãos comuns continuam valendo tão pouco quanto antes e durante a ditadura.

E assim será até a faísca de Pinheiros se espalhar pela sociedade. Sem bótons ou bandeiras — apenas pela decência da vida.

Dorrit Harazim

Gente fora do mapa

Post Modern Norman Rockwell
RasMarley

O Brasil tem jeito?

Num texto publicado neste espaço no dia 13/7, intitulado O puma, os piratas e outros bichos, o senador José Serra (PSDB-SP) fez uma instigante análise da pulverização partidária brasileira. Misericordioso, Serra fez o possível para não melindrar seus leitores; consciente de que se trata de uma realidade trágica, optou por pintá-la no tom pastel das boas comédias.

Meticuloso, não se esqueceu de ressaltar paralelo entre o famigerado imposto sindical, a água turva na qual o peleguismo se alimenta desde a ditadura Vargas, com o atual Fundo Partidário, sem o qual a exponencial fissão partidária que conspurca nossa vida política já teria sido interrompida há muito tempo. A esse respeito, Serra escreveu: “A criação em série de partidos, no Brasil, não visa a preencher novos espaços doutrinários, trata-se de abocanhar recursos do Fundo Partidário, subvencionado pelo Orçamento federal, e, sobretudo, tirar proveito do tempo gratuito de TV”.

A fim de estancar tal processo, José Serra propõe o fim das coligações partidárias em eleições legislativas, a cláusula de barreira e a implantação do voto distrital misto. O ilustre senador paulista mostra-se otimista quanto à possibilidade de, em médio prazo, o Congresso Nacional aprovar essas três medidas.

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Tal proposta me parece tímida (realista, caso se prefira); é melhor que nada, mas é pouco. Isoladamente ou em conjunto, as três medidas citadas podem de fato reverter o processo de fragmentação, mas por si só isso não significa que as mazelas de nosso sistema político serão decisivamente extirpadas. Consideremos, por exemplo, a cláusula de barreira - um porcentual mínimo da votação nacional para um partido se fazer representar na Câmara dos Deputados. Com sua notória timidez, os parlamentares geralmente propõem barreiras de dois ou três por cento. Suponhamos que se aprovasse uma barreira de cinco ou dez por cento. Aí, sim, teríamos poucos partidos. Mas quem garante que seus integrantes teriam outra mentalidade e um entendimento mais responsável da atividade parlamentar - outra concepção de política, enfim?

Antes de avançar nesta linha de argumentação, creio ser imprescindível pôr em relevo alguns aspectos da presente conjuntura brasileira. Somos um país aprisionado na armadilha da renda média - ou seja, incapaz de crescer. Nossa renda anual por habitante sofreu um baque de dez por cento por obra e graça da recessão de três anos engendrada pelos governos Lula e Dilma. Em tal cenário, o conflito redistributivo - “farinha pouca, meu pirão primeiro” -, desde sempre agudo em razão da espinha dorsal corporativista sobre a qual se sustentam a nossa sociedade e o próprio aparelho do Estado, atingiu alturas nunca vistas. Certos Estados - com destaque para o Rio de Janeiro - estão quebrados e à beira da desordem. Mais educação, saneamento, etc.

Volto à mentalidade dos partidos que provavelmente sobreviverão à cláusula de barreira.

O PT, que tantas esperanças despertou quando de sua fundação, já lá se vão 37 anos, evoluiu do assembleísmo e de certo socialismo de sacristia para o populismo lulista. Enganou-se redondamente quem pensou que a brava agremiação havia atingido o fundo do poço. Dias atrás, suas senadoras encenaram uma festa de Babete na Mesa do Senado, cena que percorreu o mundo e deu ensejo a sonoras gargalhadas. Mas o pior estava por vir: em viagem à Nicarágua, sua presidente, a senadora Gleisi Hoffmann, teceu rasgados elogios ao que a América Latina produziu de pior nas últimas décadas, a começar, naturalmente, por Nicolás Maduro, o presidente venezuelano, que não sossegará enquanto não levar seu país à guerra civil.

O que o PT chama de política econômica, como bem sabemos, é a ideia de que o Estado pode produzir riqueza, ou pelo menos dar uma mãozinha a empresários campeões - alguns dos quais têm atualmente um apetrecho eletrônico amarrado aos pés.

Que dizer do PMDB? Que ideias tem ele a oferecer ao País? Seus próceres sabem que, cedo ou tarde, o Brasil terá de pegar no tranco - mediante reformas estruturais profundas e um ambiente econômico propício a grandes investimentos, e nesse aspecto, justiça seja feita, o governo de Michel Temer vinha saindo melhor que a encomenda. Mas o partido é uma federação de grupos estaduais dotados de agudo faro pecuniário; por favor, não me falem em capitanias hereditárias, pois me refiro a formas modernas de aglutinação política, não raro azeitadas por hábeis incursões no domínio do ilícito.

O caso do PSDB poderia ser menos grave, mas não o é, por uma razão facilmente perceptível. Não, não me refiro à eterna rivalidade entre seus caciques, muito menos ao seu temperamento hamletiano, também conhecido como “murismo”. Um partido ter vários líderes é um sinal de modernidade, muito melhor que não ter nenhum (como o PMDB), ou ter um só, dedicado em tempo integral a impedir o surgimento de uma nova geração (como Lula e “seu” PT). O problema do PSDB é sua eterna crise de identidade.

Os tucanos parecem nutrir em segredo uma vontade de ser como o PT. Querem ser “sociais”. Apoiam o princípio do mérito, compreendem a necessidade de uma política fiscal séria, abominam a herança populista da América Latina, mas fogem do adjetivo liberal como o diabo foge da cruz. Gaguejam toda vez que falam em economia de mercado e temem sufragar com clareza os valores da classe média. Tanto isso é verdade que nunca assumiram de peito aberto o legado do governo Fernando Henrique.

Com as três principais entidades partidárias incapazes de se transformar, não há dúvida, o Brasil não periga dar certo.

Rio de Janeiro, Brasil

Quase todo dia somos obrigados a demonstrar em nossa vida digital que não somos um robô. Michel Temer, ao lado de Rodrigo Maia, anunciou um grande plano de segurança para o Rio. E até o meio da semana não tinha feito nada. Para milhões que não os conhecem pessoalmente agora precisam provar que não são robôs, que não passavam apenas de uma combinação de vozes gravadas e milhares de pixels. A situação tornou-se insustentável.

O próprio Maia, presidente da Câmara, reconheceu que o governo do Rio perdeu o controle. Temer e Maia estavam discutindo no princípio da semana quem ficaria com um grupo de deputados do PSB. Em suma, estavam absortos na luta pelo poder. Os tiroteios são diários, escolas são atacadas, crianças, alvejadas ou atropeladas no ventre da mãe, os policiais morrendo mais do que em qualquer época de nossa história recente.


Há outro problema: o crescimento do roubo de cargas. As estradas estão perigosas para quem chega ao Rio. O perigo assombra os motoristas de caminhão. As consequências já estão anunciadas: seguradoras não aceitam mais cobrir cargas que têm o Rio como destino, e as empresas podem parar de abastecer a cidade. Um colapso no abastecimento nos jogaria na Venezuela e seríamos forçados a emigrar para Roraima em busca de supermercados.

Se Temer não é um robô creio que já se fez uma pergunta elementar: por que um país que teve a capacidade de desmontar um gigantesco esquema de corrupção não consegue desarticular as quadrilhas de assaltantes que operam nas estradas do Rio?

Talvez não tenha percebido, como se percebe daqui, que o governo está no chão. Num spa de Penedo, mas de qualquer forma no chão. O ideal seria resolvermos nossos próprios problemas. Mas estamos numa federação, e o país, nesse caso, precisa intervir. A única saída que me parece trazer alguma possibilidade não só de evitar o pior como de recolocar o Rio nos trilhos é uma intervenção federal.

O universo político imerso na luta pela sobrevivência, diante da Lava Jato, não consegue incluir esse tema na agenda nacional. Pode haver até a necessidade de convencer outros estados da federação. Há custos que, na verdade, podem se transformar em investimentos.

Guardadas as proporções, a inclusão do lado oriental custou muito à Alemanha. Mas o país continua crescendo. Sinal de que os gastos, na verdade, foram investimentos. Acho o exemplo precário. No entanto, o raciocínio, em termos abstratos, é válido. Temer não é Helmut Kohl, as economias tinham dimensões e produtividades diferentes.

Em compensação o Rio daria, proporcionalmente, muito mais do que a Alemanha comunista. Retomar a segurança pública reanimaria sua grande fonte de renda, o turismo. E numa posição estratégica como porta de entrada do turismo internacional.

A produção do conhecimento, apesar dos embates que a crise lhe impôs, como declínio da pesquisa, fuga de cérebros, ainda é um recurso também estratégico para a economia nacional. No momento em que esses temas são secundários no universo político, a esperança é a de que as Forças Armadas também não deem as costas para ele, sob o argumento de que sua tarefa é defender o país de inimigos externos.

Mas o povo do Rio está desamparado. É preciso que os agressores vistam um uniforme estrangeiro para que se saia, provisoriamente, em sua defesa? Não se trata aqui apenas de fazer o papel da polícia, mas sim de evitar que ela seja dizimada. Vivemos uma situação grave a que os próprios estudiosos de guerra deveriam dar alguma atenção. O projeto das UPPs, que reuniu recursos do estado e de empresas, foi uma opção com resultados muito rápidos, portanto muito mais gratificantes de um ponto de vista político e eficazes para garantir Copa e Olimpíada. Ele ignorou as leis da guerra de guerrilha que se aplicam a uma realidade assimétrica independente de ideologias. Seria preciso o Exército chinês, com seus milhões de soldados, para instalar UPPs operantes em cerca de mil comunidades do Rio.

A lei da guerrilha acabou se impondo no comportamento do mundo do crime: quando o inimigo se concentra, você se dispersa; quando o inimigo se dispersa, você se concentra. A dispersão para comunidades sem UPPs, para a Baixada, para cidades médias foi uma realidade. Campos tornou-se a mais violenta do estado.

Agora, com a crise nacional, prisão de políticos do Rio que se mostraram assaltantes em escala monumental, vivemos o que o inesquecível Marinho Celestino chamava de a volta do retorno. Numericamente, nossas perdas se igualam ou superam as provocadas pelo terrorismo. Sem governantes aptos, a própria sociedade terá de demonstrar que não é um robô. Num outro país, os líderes políticos teriam visitado as mães atingidas, prestariam homenagem aos policiais mortos. Existe ainda, ao lado da alienação dos políticos, um caldo de cultura que estigmatiza a polícia e romantiza o crime.

Simpathy for the devil
, como no título da canção.

Fernando Gabeira

As vantagens de ser invisível

O título desta coluna é também o de um best-seller norte-americano para o público jovem, que virou um filme muito bom. Narra as agruras de um menino de 17 anos para sobreviver sem ser incomodado no ambiente hostil do ensino médio. O desejo de não ser visto para não ser incomodado e assim ir passando os dias parece ser o que resta a Michel Temer no que lhe resta de seu mandato-tampão.

Um dos principais discursos com os quais Temer se apresentou ao mercado, à sociedade e ao Congresso como alternativa para substituir Dilma Rousseff foi o da austeridade fiscal, que permitiria ao País superar a crise econômica prolongada em que o PT o enfiou com a malfadada nova matriz econômica e retomar alguma previsibilidade.

A tal Ponte para o Futuro pregava esses princípios. A composição da equipe econômica teve esse viés. A apresentação das reformas logo de cara era coerente com esse propósito, a definição de um teto de gastos públicos foi uma sinalização de que isso ocorreria.

E um dos compromissos da nova receita e da tal ponte era: promoveremos esse reequilíbrio fiscal sem recorrer à saída do aumento da carga tributária. O documento do PMDB gasta parágrafos e mais parágrafos para condenar esse recurso, e Temer garganteou em vários discursos logo que assumiu a faixa e a cadeira que tinha tirado do horizonte a volta da CPMF.


Charge do dia 23/07/2017

Esse discurso ruiu na última semana com a decisão de elevar a alíquota de PIS/Cofins dos combustíveis para fechar o rombo na meta fiscal do ano, que, por sua vez, já é de um mega rombo de R$ 139 bilhões. Muita gente acha que será necessário tapar mais buracos no caixa. Ou ceder a mais um dilmismo e descumprir a meta pura e simplesmente.

O fracasso também no propósito de não elevar a carga tributária se soma à dificuldade até aqui em aprovar a reforma da Previdência, que seria essencial principalmente após a fixação de um teto que agora ameaça sufocar o Orçamento do ano que vem, ao insucesso de promover a queda do desemprego e aos passos de tartaruga na recuperação da economia.

Outras medidas para consertar as bobagens de Dilma, como a que acaba com a indiscriminada e ineficaz desoneração da folha de pagamentos, patinam no Congresso pelo simples fato de que o governo desistiu de qualquer pauta que não seja a salvação do pescoço do presidente, denunciado por corrupção passiva.

Assim Temer, já havia igualado Dilma em impopularidade e escândalos, agora mostra dificuldade até em se diferenciar dela na condução da economia. O que lhe restará de legado? Pelo que será lembrado? Difícil responder.

Em minha primeira coluna neste jornal dizia que Temer tinha as opções de aproximar sua Presidência de Itamar Franco, que fez o Plano Real e conseguiu eleger o sucessor, ou de José Sarney, que deixou de herança a inflação galopante e rejeição nas alturas e não influiu na própria sucessão.

Mas Temer inovou. Acrescentou uma inédita denúncia por um crime cometido no exercício do mandato, algo que nem Sarney ostenta no currículo. Daí porque a comparação deixou de fazer sentido.

Se conseguir concluir seu mandato, a única agenda que lhe resta nesse um ano e pouco que tem pela frente, terá sido à base dos piores vícios do correligionário Sarney: fisiologismo na veia. E não por gozar de apoio popular ou da confiança do empresariado em sua capacidade de tirar o País da crise.

E uma vez salvo pela Câmara, Temer será um presidente fantasma, um ectoplasma vagando pelo Planalto, desejando ser invisível para o Ministério Público e para a população que o rejeita, e marcando os dias da folhinha com a ansiedade de alguém que sabe que não deixará saudades quando passar a faixa nem merecerá nos e-books de história mais que um capítulo breve.

Imagem do Dia

ideiasgreen:    Ponte de bambu no Japão.  via traveltonature
Indonésia

A franquia Brasil

É realmente impressionante a habilidade do presidente Temer de se esquivar dos ataques dirigidos contra ele.
Fosse o PT um partido sério, não essa bandinha de bate-bumbos para Lula dançar, estaria todo de bloquinho nas mãos, como residentes em um hospital, anotando as aulas do Dr. Temer sobre como se fazia política no século passado.
Neste século, infelizmente, não se criou nenhum método novo.
A tentativa do PT de inovar retirando dinheiro de estatais e transferindo diretamente aos congressistas se provou completamente ineficiente.
Muito fácil de ser descoberta, além de criar ciumeira e o escambau.
Amadores.
O Mensalão, o Petrolão, o Empreiterão, a JBSona provaram que a falta de método é o problema real do PT e por isso seu projeto de se perenizar no governo não deu certo como deu para o PMDB.
Zé Dirceu que o diga.
Ou Aécio, que esqueceu a habilidade do PSDB e destrambelhadamente saiu pedindo empréstimo.
Deselegante.
Muito mais chique é se encontrar com empresários, deputados e senadores na calada da noite.
Fazer conchavos secretos, que você e eu não seríamos capazes de entender nem se escutássemos numa gravação.
Politicamente correto é trocar apoio por cargos.
E não por dinheiro vivo.
Com Temer, voltamos confortavelmente à velha política.
A política em que as empresas públicas são uma espécie de franchising.
Funciona assim:
O governo do PT entuchou um monte de apadrinhados nas empresas públicas.
Aí, de acordo com a necessidade, foi abrindo as torneirinhas de dinheiro e distribuindo o dito cujo para conseguir o que queria.
Percebe que coisa cafona?
Coisa de novo rico.
Na velha política quatrocentona é diferente.
Você entrega as estatais para serem exploradas pelos partidos.
Como quem não quer nada.
Uma franquia mesmo.
Empresas públicas, que já provaram ser minas de ouro para quem quer surrupiar dinheiro público, precisam ser cuidadas com carinho.
Você dá essa lojinha para o sujeito e explica como fazer para ganhar dinheiro.
Pode indicar parente, pode disfarçar despesa como investimento, pode até mexer no balanço.
Mas com calma, sem muita sede ao pote, para não chamar a atenção.
Se for descoberto, o partido sabe que ninguém vai protegê-lo.
Feito o acordo, o agraciado rapidamente aprende que não se trata de um caixa eletrônico, como nos anos do PT.
Na velha política, tudo funciona mais como um investimento de médio prazo.
Os políticos da velha guarda não dão o peixe. Eles ensinam a pescar.
Quando a relação está madura, é só pedir em troca o que se deseja.
Quem sabe uma aprovação? Um acordo? Um adiamento?
Um quórum aqui, um veredito ali.
Percebe? Sem a grosseira troca de dinheiro.
E só há vantagens, pois é um esquema muito mais difícil de ser investigado.
Outra vantagem é que essa rede de franquias pode ser construída até quando não se tem os cargos principais do Executivo.
Basta estar próximo do poder.
Trocar um ou outro favor por uma estatal e pronto.
O PMDB, por exemplo, está nessa posição há mais de 30 anos, imagine.
A lição é essa. Calma e perseverança.
Diferente de um PT que foi com tanta sede ao pote que deu no que deu.
Perdeu a franquia.

Como o ife do seu prato explica o desmatamento na Amazônia

Os satélites são cronistas mecânicos do processo de desmatamento da floresta Amazônica. Ao vasculhar e documentar através dos anos a degradação e os vazios criados pelo corte raso da mata, firmam um veredito: dois terços da área desmatada virou pasto. No chão, a contagem do gado mostra que a Amazônia é território mais de boi do que de gente. Em 2016, a quantidade de gado na região chegou a 85 milhões de cabeças, em comparação a uma população humana de 25 milhões de habitantes -- mais de três bois por pessoa. No município de São Félix do Xingu, que contém o maior rebanho do país, essa proporção chega a 18 para 1.

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Os números amazônicos costumam ser imensos. A Amazônia Legal abrange 61% do território do Brasil e contém 40% do rebanho nacional. O gado é mantido em cerca de 400.000 fazendas espalhadas pela região, com tamanhos que variam de alguns poucos até dezenas de milhares de hectares. Então, quando a ONG Imazon terminou um novo e detalhado levantamento sobre os frigoríficos da região, a grande surpresa foi encontrar um número pequeno: apenas 128 instalações de frigoríficos ativos, pertencentes a 99 empresas, são responsáveis por 93% do abate anual, algo como 12 milhões de cabeças de gado.

Já era sabido que os frigoríficos são o gargalo da cadeia de criação do gado. Mas o levantamento do Imazon é inédito porque revelou a geografia da pecuária na Amazônia, vista pela zona de influência destes pouco mais de cem abatedouros. Para se ter uma ideia, ocupar a capacidade de abate anual de um único frigorífico de grande porte demanda uma área de pasto de quase 600.000 hectares, três vezes maior do que o município de São Paulo. O conjunto de frigoríficos analisados no estudo, operando a plena capacidade, demandaria uma área de pasto de 68 milhões de hectares (maior do que o estado de Minas Gerais). Essa quantidade supera a soma dos pastos hoje existentes na região, indicando que o futuro da atividade gerará mais desmatamento.

Esses resultados reforçam o acerto de um processo em curso. Desde 2009, com início no Pará, o Ministério Público Federal pressiona os frigoríficos da região a assinar o chamado TAC da Carne. TAC é abreviação de Termo de Ajuste de Conduta, uma espécie de contrato entre o MPF e cada frigorífico que o assina, o qual passa a ser obrigado a fiscalizar a origem do gado que compra para barrar o "boi de desmatamento".

Paulo Barreto, pesquisador do Imazon que liderou o estudo, compara: "é como se para conversar sobre o problema, houvesse duas opções, reunir num auditório os representantes destas cem empresas frigoríficas ou, como alternativa, alugar cinco estádios como o Maracanã para colocar todos os fazendeiros envolvidos na criação do gado".

A análise que detalhou a influência de tão poucos frigoríficos sobre quase todo o rebanho amazônico envolveu trabalho de detetive e tecnologia de geoprocessamento. A primeira etapa foi obter os endereços de todos os frigoríficos de maior porte e confirmá-los usando imagens de satélite de alta definição, para verificar se naqueles locais havia instalações típicas da atividade, como currais e tanques de tratamento de água.

A partir daí, os pesquisadores queriam responder a pergunta: qual era a zona potencial de compra de cada frigorífico? E dois, como essa zona potencial se relaciona com as áreas já desmatadas e as que estão sob maior risco de desmatamento no futuro próximo?

O primeiro passo era descobrir a distância máxima que cada frigorífico alcançava nas compras de gado. Isso foi feito através de entrevistas telefônicas com os gerentes de frigoríficos e cruzamentos de dados. Havia casos curiosos, como um frigorífico no Acre, que não adquiria boi mais longe do que a 20 km das suas portas, e, no extremo oposto, no Amazonas, havia outro que comprava a mais de 1.000 km de distância, indo até Roraima, para compensar a falta de gado na sua região na época da seca.

O estudo lidou com duas categorias de frigoríficos, aqueles que têm licença SIE (Sistema de Inspeção Estadual), que podem vender carne nos seus estados, e SIF (Sistema de Inspeção Federal), que podem vender no país todo e exportar. Em média, frigoríficos com licenças estaduais têm capacidade para abater 180 animais por dia e compram de fazendas que podem estar a até 153 km de distância. Os frigoríficos com licença nacional abatem 700 animais por dia e vão buscá-los a uma distância que chega a 360 km.

Baseado nas distâncias máximas, o segundo passo era estabelecer a área potencial de compra dos frigoríficos. Hora de voltar à tecnologia geoespacial. "O Imazon tem um mapeamento completo de estradas oficiais e informais na Amazônia, uma base que vem sendo atualizada desde 2008", conta Amintas Brandão Jr., outro dos autores do estudo. "Rodamos uma análise espacial em que você insere no software as coordenadas do frigorífico e a distância máxima que ele compra, digamos, 100 km. Daí, o software sozinho percorre todas as estradas e rios navegáveis acessíveis àquele frigorífico até atingir os tais 100 km. Assim, conseguimos delinear uma zona potencial de compra". Segundo Brandão, o diferencial do trabalho foi este, estabelecer a área de influência de cada frigorífico usando a rede de infraestrutura, a malha de estradas e rios navegáveis por onde o gado pode ser transportado.

O somatório das regiões de influência dos 128 frigoríficos analisados abrange a quase totalidade das áreas embargadas pelo Ibama e 88% do desmatamento ocorrido na Amazônia entre 2010 e 2015.

O estudo gerou uma previsão de onde estarão as próximas áreas desmatadas na Amazônia. De novo, os pesquisadores recorreram aos softwares de análise geoespacial. Eles dividiram a Amazônia Legal em quadrados com 1 km de lado. Para cada um deles, foi estimada a probabilidade de desmatamento baseada na presença de fatores que o estimulam, como disponibilidade de transporte por estrada ou rio, distância até mercados e potencial da terra. Criaram, assim, um mapa de probabilidade de desmatamento para toda a Amazônia Legal. Usaram a área desmatada nos três anos anteriores, 1,7 milhão de hectares (17 mil km2), como estimativa do total de desmatamento que poderá ocorrer no triênio 2016 a 2018. Em seguida, a partir do mapa de probabilidades, determinaram quais são as áreas com maior chance de ocorrência de novos desmatamentos. A última etapa foi sobrepor as zonas de influência de compras dos frigoríficos. A coincidência entre as duas áreas foi de 90%.

Em outras palavras, se entre 2016 e 2018 a taxa de desmatamento recente se repetir, 90% das novas perdas de floresta estarão dentro da área de influência de compra de 128 frigoríficos.

Maria.Antonieta@edu para Pezão@pol

Senhor Luiz Fernando de Souza, dito Pezão, Vosmicê deve ter ouvido que eu mandei o povo de Paris comer brioches à falta de pão. Deve ter ouvido também que eu era uma frívola, lésbica e promíscua.

Tudo mentira, mas, pensando bem, eu e o regime de meu marido, Luís XVI, desafiamos a ira do povo. Acabamos com o pescoço nu, à espera da lâmina da guilhotina.

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Resolvi lhe escrever a pedido da minha amiga, a czarina Alexandra da Rússia, que chegou aqui em 1918. Ela aborreceu-se ao saber que o senhor deixou Laranjeiras com uma licença médica e foi para a propriedade chamada Rituali, na serra do Rio de Janeiro. Hoje vocês chamam esses lugares de spa. Demos uma olhada no lugar, é coisa de grão-duque.

Hoje, há cem anos, a Alexandra e o marido, Nicolau II, achavam que as coisas melhorariam. Tinham perdido a coroa, mas os bolcheviques estavam sendo caçados em Petrogrado, e o agente alemão Lênin e o judeu Trotsky estavam fugidos.

Como o senhor sabe, Alexandra e Nicolau foram massacrados junto com o filho, Alexis, e as quatro meninas. Ela também era odiada. A mesma história: lésbica, perdulária e, se isso fosse pouco, amante daquele Rasputin, um curandeiro horrível e mal cheiroso.

Tudo mentira, mas o regime dos Romanov também desafiou a ira do povo. A pobre Alexandra vivia chapada com doses de Veronal.

A minha desgraça começou em 1775, quando faltou pão em Paris e inventaram a história do brioche. A da Alexandra, em fevereiro de 1917, quando as mulheres de Petrogrado passavam a noite na fila àespera de pão. Ela achava que aquilo tudo ia passar. Eu também.

Seu governo não paga os salários dos servidores. Isso não acontecia na França nem na Rússia. Seu antecessor e patrono está na cadeia, por ladrão. Nas nossas famílias nunca aconteceu coisa parecida.

Enquanto o senhor estava no spa, uma fila de aposentados à espera de cestas básicas formava-se às cinco da manhã. Luís não saiu de Versalhes, e Nicolau estava no frontda Primeira Guerra.

Se o seu problema era uma taxa de glicose estourada, vosmicê podia ir para a rede hospitalar do estado, arriscando ser assaltado na fila, como aconteceu com os diabéticos que esperavam a abertura do hospital Moncorvo Filho.

O senhor informou que pagou a hospedagem no Rituaali com seu dinheiro. Sabemos que a propriedade pertence a um fornecedor de serviços ao seu governo, que faturou R$ 118 milhões no ano passado. Acreditamos no que o senhor diz, pois aprendemos a não gostar de mexericos.

Pela tabela dos aposentos do Rituaali, sua conta deve ter ficado nuns R$ 10 mil, metade do seu salário, ou ainda trinta cestas básicas de servidores caloteados.

Eu fui guilhotinada, e a Alexandra foi acabada a golpe de baionetas pela malta insuflada por demagogos, mas o tempo nos levou a refletir.

Em Versalhes e no Palácio de Inverno, a gente vivia num mundo que ia acabar. Nem todos os mundos como o nosso acabaram do mesmo jeito, mas nosso comportamento ajudou a desgraçar nossos países.

A França acabou nas mãos de um general italiano, ea Rússia, nas de um georgiano sanguinário.

A gente não nasce Maria Antonieta ou Alexandra. Eu era Maria Antonia de Habsburgo, e ela, Alix de Hesse. Viramos Maria Antonieta e Alexandra pelo que fizemos e deixamos de fazer.

Respeitosamente,

Marie Antoinette de Bourbon e Alexandra Feodorovna Romanov

Paisagem brasileira

Antonina (PR)

Trilhão

‘Trilhão” era uma palavra pouco usada antigamente. Uma pessoa podia nascer e morrer sem jamais ouvir a palavra “trilhão”, ou só ouvi-la em vagas especulações sobre o número de estrelas no universo. O “trilhão” ficava um pouco antes do infinito. Dizia-se “trilhão”, em vez de dizer “incalculável” ou “sei lá”.

Certa vez (autobiografia), tive que responder a uma questão de Geografia num exame oral da escola. A pergunta era “qual é a população da China?” Com alguma presença de espírito, eu poderia perguntar para a professora: “A senhora quer saber neste exato momento?”, dando a entender que, como o que mais acontece na China é nascer gente, uma resposta exata seria impossível. Mas meu espírito não estava presente. Ainda estava em casa, dormindo. Respondi:

— Numerosa.

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Ganhei um zero, claro. Meu “trilhão” era sinônimo de “numeroso”. Não era um número, era uma generalização. Você dizia “trilhão”, e a palavra subia como um balão desamarrado. Hoje não passa dia em que não se ouve falar em “trilhão”. Os trilhões da corrupção vão aos poucos se tornando nossos íntimos. Quantos zeros tem um trilhão? Doze, acertei Se os zeros fossem pneu, o trilhão seria uma jamanta.

E deve estar vindo por aí o quatrilhão. “Quatrilhão” é uma palavra feia. “Quatrilhão” é pior do que “seborreia”. A mente humana, ou pelo menos a mente brasileira, não está preparada para o quatrilhão. As futuras gerações precisam ser protegidas do quatrilhão. As reformas monetárias, quando vêm, vêm para acomodar as máquinas calculadoras, desprezando o senso do ridículo — já que caem os zeros mas nada, realmente, muda. A próxima reforma talvez seja a primeira motivada por um certo pudor linguístico e substitua “quatrilhão” por algo mais bonito. Pelo menos um nome mais bonito.

Luis Fernando Verissimo

Conta esquisita

Dia desses li que "em pagamento de juros, o Brasil só perde para Líbano, Gâmbia e Iêmen". Fiquei intrigado - afinal, fomos colocados ao lado de países assolados por guerras e conflitos civis. Decidi, então, tentar entender este quadro.

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Para início de conversa, descobri uma tabela segundo a qual, em 2016, o pagamento de juros da dívida pública consumiu 7,6% do PIB brasileiro - o Líbano estava em primeiro lugar, com 9,15%, Gâmbia em segundo, com 8,81%, e o Iêmen em terceiro, com 8,36%. Então era verdadeira, a notícia que li.

Prosseguindo em meus estudos, deparei-me com uma outra tabela, igualmente relativa ao ano de 2016, classificando os países conforme a taxa de juros descontada a inflação. Lá no topo, em primeiro lugar no planeta, estava o Brasil, com 5,85%. Só para fins de comparação, a tumultuada Grécia aparecia em 9º lugar, com 0,91%.

Vamos a mais alguns exemplos: Chile em 10º lugar, com 0,78%, a África do Sul em 15º, com 0,38%, a Austrália em 17º, com 0,20%, a Turquia em 22º, com -0,49%, a Itália em 23º, com -0,5%, Portugal em 25º, com -0,60%, EUA em 29º lugar, com -0,93% e Espanha em 35º, com -1,48%.

Seria este quadro temporário ou excepcional? Encontrei um estudo do FMI, relativo a 43 países, abrangendo o período entre 2006 e 2014. Em todo ele, o Brasil sempre ocupou a liderança mundial no quesito "pagamento de juros". Em 2006, por exemplo, quando era o 9º mais endividado, nosso país disparou no pagamento de juros, tendo destinado 8,2% do PIB para tal - quase o dobro da segunda colocada, a Itália, que lá compareceu com 4,6%.

Quais as consequências disso? Com a palavra o sério jornal "Le Monde Diplomatique": "Sacrifícios sociais e econômicos para servir ao pagamento de juros e encargos da dívida pública têm sido uma regra no Brasil há décadas. Investigações sobre a natureza dessa dívida revelam que os elevados juros constituem, historicamente, o principal fator responsável por seu crescimento. O mais grave é que tais juros são aplicados sobre dívidas geradas por meio de diversos mecanismos meramente financeiros, sem contrapartida alguma ao país. A isso denominamos sistema da dívida".

Que sistema esquisito! Quem será que ganha com ele? E por que nosso povo fala tão pouco dele? Eis aí, afinal, salvo engano, um dos mais sérios problemas nacionais.

Pedro Valls Feu Rosa

O labirinto fiscal

No governo Dilma, as metas bimestrais não eram respeitadas, e no fim do ano se aprovava um número com efeito retroativo para legitimar o fato consumado. Por essas e outras estripulias fiscais ela acabou sendo acusada de crime de responsabilidade. O atual governo tenta fazer tudo para ficar na meta, mas não está livre de encurtamento do mandato, só que pela acusação de corrupção.

A Lei de Responsabilidade Fiscal determina que a cada dois meses o governo apresente seu relatório de receitas e despesas e veja se está havendo frustração de receita e aumento do déficit. E aí ajuste as contas. No governo anterior, várias vezes, isso foi ignorado. A atual administração tenta seguir as regras e ouvir sempre o TCU, mudando a prática em relação ao governo da antecessora. Mas isso não livra o país de continuar prisioneiro do mesmo pesadelo fiscal.

Para não descumprir a lei, o governo adotou uma meta de déficit enorme: R$ 139 bilhões. Achou que assim estaria livre dos riscos de se desviar do objetivo. O que se viu esta semana é que tudo está muito pior do que o previsto. Há uma enorme frustração de receita e pelo andar da carruagem a meta seria estourada. Foi o que levou o governo a aumentar o imposto — coisa que havia prometido não fazer — e fazer novo contingenciamento, apesar de os dois ministros da área econômica dizerem que o atual contingenciamento é inviável.

Há vários problemas herdados, como o do Fies. O ministro Dyogo Oliveira contou ontem na entrevista que R$ 6,3 bilhões da inadimplência do financiamento de estudantes foram incorporados às despesas do governo. Esse rombo é mais da metade do que vai ser arrecadado neste semestre com o imposto e é superior a tudo o que foi cortado de despesas nessa revisão.

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O Fies foi uma boa ideia, mal executada. Em 2010, liberou R$ 880 milhões de empréstimos, e então começou a disparar no final da gestão de Fernando Haddad no Ministério da Educação — quando virou candidato à prefeitura de São Paulo. Este ano, o desembolso chegará a R$ 21 bilhões. O custo do programa é a diferença entre a Selic e os 3,5% ao ano de taxa de juros. O que era para financiar estudantes pobres acabou cobrindo também as despesas de educação superior da classe média para a alegria das grandes empresas privadas de ensino. E tudo isso não era contabilizado como gasto público, segundo explicou Dyogo. Era captado apenas “abaixo da linha”, a contabilidade do Banco Central. Seguindo recomendação do TCU, o governo passou a registrar como despesas o crescente calote. O potencial da inadimplência é muito maior e vai continuar pesando nos orçamentos dos anos vindouros.

É realmente indigesto ter um novo aumento de imposto quando o país está em recessão, e por isso os contribuintes reclamam, com razão. Como não há bom transporte público, quem tem carro não tem muita alternativa a não ser usá-lo. Os combustíveis estavam em queda, e o governo aproveitou o espaço para cravar mais uma taxação.

A Fiesp reclamou e voltou com o seu pato amarelo para a porta. O protesto seria mais sincero se a federação abrisse mão das receitas que recebe do Sistema S e que vêm de taxas cobradas das empresas. A Fiesp, e outras entidades patronais, aplaudiram os programas de subsídios, como o PSI, por exemplo, que emprestava a 2,5% ao ano. Isso gerou um custo que tem que ser pago. Os representantes das empresas protestam quando chega a conta, apesar de saberem que a população é que paga o pato.

Esta semana foi apenas mais uma em que o governo apresentou ao país as cenas explícitas do colapso fiscal em que está o setor público brasileiro. E os números de ontem ainda contêm projeções duvidosas. O governo conta que receberá R$ 13 bilhões de Refis, apesar de o Programa Especial de Reestruturação Tributária estar ameaçado no Congresso de virar do avesso e se transformar em um perdão de devedores do Tesouro.

Tudo é mais grave do que foi apresentado esta semana. O que houve foi uma conta de chegar em que o governo aumentou um imposto, fez mais um corte, contou com uma receita incerta, e avisou que espera receita extraordinária que está para sair. A grande dificuldade é que a carga tributária é alta, o governo tem déficit, as despesas fixas continuam a crescer, a dívida continua aumentando e ninguém sabe como sair desse labirinto.