segunda-feira, 2 de março de 2015

Um pombo: a tormenta

Num buraco da pedra refugiou-se
um pombo, só, sem companhia alguma.
A tarde, até então tranquila e doce,
vestiu-se de relâmpagos e bruma,

e a chuva esvoaçou, como se fosse
feita de voo mas também de pluma,
e na explosão que a trovoada trouxe
desfizeram-se as nuvens, uma a uma,

e caíram nas calhas feitas águas
e a água em saudade se mudou de bica...
Água da infância nos lavou a cara...

E como o estouro de uma grande mágoa
que atrás dos olhos quer ficar, não fica,
vi que o pombo nas águas revoara.

E enfrentava a tormenta cara a cara.

Odylo Costa Filho (1914-1979)

Impeachment, intervenção militar ou deixamos como está?


Um grupo de brasileiros, já há alguns meses, cobra das Forças Armadas, o cumprimento da Constituição Federal. De imediato, são acusados de golpistas por aqueles que assaltam a nação. Sem esclarecer melhor suas intenções, este grupo passa à sociedade em geral a idéia de estar propondo a implantação de nova ditadura. Seus argumentos, no entanto, são de que há necessidade de cumprimento de preceito constitucional, pois a intervenção das Forças Armadas é prevista se houver falência das instituições do país.

Os detentores e exploradores do poder reagem proclamando estar sendo proposto um golpe contra a democracia. Dizem que é tramada a volta de 1964. E para completar, Lula, ex-presidente por dois mandatos, também ajuda a aumentar a confusão, ao conclamar que o “exército de Stédille” saia às ruas para o enfrentamento.

As razões e questões que levam brasileiros a pensar não apenas no impeachment de Dilma Rousseff, mas em ato mais profundo, estão expostas em vários textos escritos nos últimos meses pelos defensores da intervenção militar. Para eles, os substitutos de Dilma não são confiáveis e não possuem mínimas condições de exercer o poder, por estarem tão contaminados quanto ela.

Cinquenta anos após o golpe de 1964, maus brasileiros, falsos democratas, antinacionalistas, indivíduos sem caráter, sem ética, sem princípios, ávidos pelo poder, por riqueza pessoal e acúmulo de bens que não poderão levar ao além-túmulo, tudo fizeram para que aqui chegássemos e continuam empurrando para o lixo o país que deveriam amar e defender.

Minha geração nasceu e viveu em plena revolução de 1964. Atravessamos duas décadas medindo nossas ações, palavras e pensamentos, esperando a oportunidade de retomarmos a plena e responsável democracia.

Agora, passadas apenas três décadas, assistimos ao horror que faz a corrupção a um país e a seu povo. E tudo patrocinado por alguns daqueles que, como eu e você, viveram momentos que gostaríamos tivessem ficado na história, no passado, para servir de exemplo e mostrar que não se deve cometer os mesmos erros.

Quando uma nação é comandada por alguém sem qualidades morais, que desperdiça os recursos produzidos pelo povo, aplicando-os de forma errada, e permite sejam surrupiados; quando um poder legislativo a todo momento comete atos que beiram o deboche, não enxergando e entendendo o que se passa em seu entorno; e, quando o judiciário perde a linha da justiça, da seriedade e não se preocupa mais em defender o estado de direito, o que resta aos cidadãos comuns?

Que Deus não permita, mas tudo indica estarem se avizinhando tempos escuros, sombras e mais perdas para quem já perdeu quase tudo. É duro imaginar que deixaremos este legado às futuras gerações.

Antonio Fallavena

Tenho lido cada uma!


Numa ponta da meada do Petrolão, lideranças de um governo que afunda de nariz empinado falam como se a Petrobras fosse tesouro de quem o encontrou ao pé de promissor arco-íris. E o dia, durante 12 anos, nasceu feliz. Na outra ponta, até quem manteve as mãos distantes do óleo grosso quer transferir culpas. O sujeito cumprimentou cordialmente um jornalista da praça - "Como vai, fulano?", e este revidou: "E o efeagacê? E o efeagacê?". Calma, rapaz, um simples bom-dia basta.

Não lembro de período com tanta sandice no noticiário. Li que o Ministro da Justiça aferrolhou a porta e conversou com o advogado de uma empreiteira que entrou nervoso e saiu tranquilo. Li exaustiva lista relacionando, com ufania, quatro (!) petistas que teriam desentranhado sua contrariedade com a corrupção em curso. A virtude é assim, tão contagiante? Quatro gotinhas tornam potável a água mais impura? Li que na versão marota do "regime de partilha", na qual 3% dos contratos abasteciam os partidos da base (2% para o PT e 1% para o PMDB e o PP) tudo era feito "em nome da governabilidade". Bom, para o país, não? Li que um grupo de 50 "intelectuais" partiu para o ataque afirmando que: 1) a operação Lava Jato põe em risco nossa soberania e a democracia; 2) seus alvos são a Petrobras e o pré-sal; 3) as investigações estão "dizimando" empresas de alta tecnologia; 4) desenha-se um projeto golpista no país. Com intelectuais assim, quem precisa de tolos?

Ouvi Lula em ato para salvar a Petrobras. Falou como quem mata e vai discursar no velório. Disse que os achados da Lava Jato nas águas profundas do governo são tema de quem quer criminalizar a política. Ensinou História, afirmando que tais ações acabam em ditadura (certamente lembrou de seus amigos do Foro de São Paulo prendendo opositores). Ameaçou com o "exército do Stédile" (MST) quem atacasse o governo nas ruas. E ao final, surtou: "O que nós estamos vendo é a criminalização da ascensão social de uma parte do povo brasileiro". Mas o que é isso, Lula?

Li sobre a campanha por Eleições Limpas. E pergunto à CNBB, que mantém união estável com o PT há 35 anos: por que não começou a limpeza dentro de casa, fazendo com que suas Análises de Conjuntura não propagassem as mentiras desse partido sobre a situação nacional? Li no hino da Campanha da Fraternidade: "Os grandes oprimem, exploram o povo". Marxismo de boteco, em pentagrama. E um velho comunista me escreve: por culpa da direita, a Venezuela era um país rico de povo pobre onde o chavismo veio redimir os pobres. Agora, a Venezuela é um país pobre, de povo pobre. Mas a culpa, insiste ele, continua sendo da direita. Vai entender!

Percival Puggina

A coisa mais importante do mundo


Tratar de que o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não só para algumas
Entrevista relâmpago com Pablo Neruda feita por Clarice Lispector (1969)

A miséria da política

Será que a lógica do marquetismo eleitoral continuará a guiar os passos da presidente e do seu partido?
Por que a presidente Dilma deu-se ao ridículo de fazer declarações atribuindo a mim a culpa do petrolão? Não sabem ambos que quem está arruinando a Petrobras (espero que passageiramente) é o PT que, no afã de manter o poder, criou tubulações entre os cofres da estatal e sua tesouraria?

Será que a lógica do marquetismo eleitoral continuará a guiar os passos da presidente e de seu partido? Não percebem que a situação nacional requer novos consensos, que não significam adesão ao governo, mas viabilidade para o Brasil não perder suas oportunidades históricas?

Confesso que tenho dúvidas se o sentimento nacional, o interesse popular, serão suficientes para dar maior têmpera e grandeza a tais líderes, mesmo diante das circunstâncias potencialmente dramáticas das quais nos aproximamos. Num momento que exigiria grandeza, o que se vê é a miséria da política.

Leia mais o artigo de Fernando Henrique Cardoso

Para onde vamos, Dilma: fundo do poço ou poço sem fundo?

Um clima de fim de feira varre o país de ponta a ponta apenas dois meses após a posse da presidente Dilma Rousseff para o seu segundo mandato. Feirantes e fregueses estão igualmente insatisfeitos e cabisbaixos, alternando sentimentos de revolta e desesperança.

Esta é a realidade. Não adianta desligar a televisão e deixar de ler jornais nem ficar blasfemando pelas redes sociais. Estamos todos no mesmo barco e temos que continuar remando para pagar nossas contas e botar comida na mesa.

Nunca antes na história da humanidade um governo se desmanchou tão rápido antes mesmo de ter começado. Para onde vamos, Dilma? Cada vez mais gente acha que já chegamos ao fundo do poço, mas tenho minhas dúvidas se este poço tem fundo.

"O que já está ruim sempre pode piorar", escrevi aqui mesmo no dia 5 de fevereiro, uma quinta-feira, às 10 horas da manhã, na abertura do texto "Governo Dilma-2 caminha para a autodestruição".

"Pelo ranger da carruagem desgovernada, a oposição nem precisa perder muito tempo com CPIs e pareceres para detonar o impeachment da presidente da República, que continua recolhida e calada em seus palácios, sem mostrar qualquer reação. O governo Dilma-2 está se acabando sozinho num inimaginável processo de autodestruição".

Pelas bobagens que tem falado nas suas raras aparições públicas, completamente sem noção do que se passa no país, melhor faria a presidente se continuasse em silêncio, já que não tem mais nada para dizer.

Três semanas somente se passaram e os fatos, infelizmente, confirmaram minhas piores previsões. Profetas de boteco ou sabichões acadêmicos, qualquer um poderia prever que a tendência era tudo só piorar ainda mais.

Basta ver algumas manchetes deste último dia de fevereiro para constatar o descalabro econômico em que nos metemos. Cada uma delas já seria preocupante, mas o conjunto da obra chega a ser assustador:

"Dilma sobe tributo em 150% e empresas preveem demissões".

"País elimina 82 mil empregos em janeiro, pior resultado desde 2009".

"Conta da Eletropaulo sobe 40% em março".

"Bloqueio de caminheiros deixa animais sem ração _ Na região sul, aves são sacrificadas em granjas, porcos ficam sem alimento e preço do leite deve subir".

"Indicadores do ano apontam todos para a recessão".

"Estudo da indústria calcula impacto de racionamento no PIB _ Queda de 10% no abastecimento de gás, energia e água levaria a perda de R$ 28,8 bi".

As imagens mostram estradas que continuam bloqueadas por caminheiros, depois de mais de uma semana de protestos, agentes da Força Nacional armados até os dentes avançando sobre os manifestantes, produtores despejando nas ruas toneladas de latões de leite que ficaram sem transporte. O que ainda falta?

Enquanto isso, parece que as principais lideranças políticas do país ainda não se deram conta da gravidade do momento que vivemos, com a ameaça de uma ruptura institucional.

De um lado, o ex-presidente Lula, convoca o "exército do Stédile" e é atacado pelo Clube Militar por "incitar o confronto"; de outro, os principais caciques tucanos, FHC à frente, fazem gracinhas e se divertem no Facebook. Estão todos brincando com fogo sentados sobre um barril de pólvora. É difícil saber o que é pior: o governo ou a oposição. Não temos para onde correr.

A esta altura, só os mais celerados oposicionistas defendem o impeachment de Dilma e pregam abertamente o golpe paraguaio, ainda defendido por alguns dos seus aliados na mídia, que teria um final imprevisível.

O governo Dilma-2 está cavando a sua própria cova desde que resolveu esnobar o PMDB, e não adianta Lula ficar pensando em 2018 porque, do jeito que vamos, o país não aguenta até 2018.

Nem Dilma, em seus piores pesadelos, poderia imaginar este cenário de terra arrasada _ ou não teria se candidatado à reeleição, da qual já deve estar profundamente arrependida.

Vida que segue.

Ricardo Kotscho

Cada vez mais difícil

newtonsilva

A liderança do atraso

Gente que sabe cada vez mais sobre cada vez menos, em busca de saber tudo sobre absolutamente nada. Gente que não pensa coisa alguma, e por isso fala qualquer coisa

Desastres podem ter causas acidentais, furtuitas, fora do controle, imprevisíveis. Podem, enfim, acontecer com qualquer um. Fatalidades acontecem.

Desastres fabricados, entretanto, requerem esforço, persistência, quase planejamento. Não acontecem repentinamente. São simplesmente o resultado obvio, previsível e esperado de sequencia de ações. que, combinadas, produzem o efeito que, quando ruim o suficiente, recebe o apelido de desastre.

É injusto dizer que fabricar desastre não requer qualquer coisa de especial. Ao contrario. A tarefa de eficientemente conduzir o bovino ao lamaçal pressupõe grande dose de comprometimento pessoal em fazer o errado no pior momento possível. Bovino que se preza não quer adentrar o brejo. Vai reclamando, engasgando, resistindo, tossindo. Sempre e muito.

Liderar o fracasso requer qualidades especiais. Dificuldades de comunicação ajudam. Descontadas as contribuições ao folclore, tropeçar no idioma esconde o pensamento ou talvez denuncie sua falta. De uma maneira ou de outra, gera confusão.

Liderar atraso é quase ciência. Implica cultuar a ignorância. Promover o desacerto. Festejar a mediocridade. Resistir às evidencia. Mentir. Enganar. E, acima de tudo, pensar exclusivamente no curto prazo. Tudo com persistência. Tudo sem aprender nem esquecer coisa alguma. Sempre comemorando o triunfo de nulidades.

O atraso, afinal de contas, exige lideres descompromissados. Gente que sabe cada vez mais sobre cada vez menos, em busca de saber tudo sobre absolutamente nada. Gente que não pensa coisa alguma, e por isso fala qualquer coisa.

E, na liderança do atraso, carece sempre dominar a arte de perder. Arte que talvez, para os verdadeiros lideres da mediocridade, não seja difícil de aprender. Requer pouca coisa. A arte de perder pede somente a aceitação de que o dia seguinte seja sempre pior que a véspera.

É assim que, hora após hora, dia após dia, o líder do atraso vai ajudando o tempo e a oportunidade a escorrer por entre os dedos. Com a prática, vem à perfeição. E com ela, se aprende a perder mais, mais rápido, mais coisas. Sem, em nenhum momento, notar ou pensar na perda acumulada que vai se somando. E que, um dia, forma as bases de um novo desastre.

WhatsApp e Brasil

O clima de suspeitas instaurado na sociedade brasileira chega até o aplicativo de mensagens. Grito de ‘impeachment’ volta a assombrar a política brasileira
Por causa das manifestações anunciadas para o dia 15 de março contra o Governo da presidenta Dilma Rousseff e contra os escândalos de corrupção da Petrobras, está se criando no Brasil um perigoso clima de suspeitas e caça às bruxas que afeta todos os partidos e instituições.

Um juiz do estado do Rio de Janeiro declarou, sob anonimato, que existe a suspeita, até em ambientes judiciais, de que, sob a decisão de paralisar por um tempo o WhatsApp em todo o Brasil (tomada por seu colega do Piauí, Luiz Moura) possa estar a mão negra do Governo, que pretendia calar a voz desse poderoso instrumento de comunicação cidadã na véspera do protesto. É difícil imaginar tal manobra, mas o caso é um exemplo emblemático da temperatura a que está chegando o mundo das intrigas e que ameaça obscurecer manifestações que já aconteceram em meio mundo: na já mítica Primavera Árabe, para lutar contra velhas e violentas ditaduras, e em outros lugares, como no movimento dos indignados de Madri, para exigir uma democracia mais madura e participativa – da qual nasceu Podemos, que colocou em crise os dois grandes partidos tradicionais (o socialista PSOE e o conservador PP) que estão governando, alternativamente, desde o final da ditadura militar franquista.

O que preocupa vários democratas, sejam do Governo ou da oposição, é que o Brasil ainda está pouco acostumado a que a cidadania tome as ruas para exigir mais democracia e melhor qualidade de vida, sem a tutela de partidos ou sindicatos. Só existiu o parêntese das manifestações de junho de 2013, que a violência acabou desbaratando.

Hoje, o temor é que qualquer tipo de reivindicação popular possa acabar tingida de gestos antidemocráticos e do ambiente das torcidas violentas às quais estamos tristemente acostumados por algumas equipes esportivas.
Leia mais o artigo de Juan Arias