sábado, 13 de abril de 2019

Pensamento do Dia


Importância da classe média

Os governos precisam dar atenção à classe média, alerta relatório da OCDE. Segundo a entidade, as famílias dessa faixa social estão com a renda estagnada e têm custos crescentes, especialmente nos gastos de moradia e educação. Tal cenário de aperto econômico não está restrito a alguns poucos países. É um fenômeno que se verifica em várias partes do mundo e acarreta significativos desafios sociais e políticos.


O estudo Under Pressure: The Squeezed Middle Class (Sob Pressão: a Classe Média Espremida) mostra que houve um encolhimento da classe média na maioria dos países da OCDE. O estudo também incluiu o Brasil. As novas gerações têm dificuldade de alcançar a renda da classe média, definida como os rendimentos entre 75% e 200% da renda nacional média. Na geração dos baby boomers, quase 70% das pessoas na faixa dos 20 anos pertenciam à classe média. Na geração dos millennials, esse porcentual é de 60%.

Observa-se também uma forte diminuição da influência econômica da classe média. Na última década, os rendimentos da classe média cresceram em torno de 0,3% ao ano. Já os 10% mais ricos da população tiveram um aumento de renda cerca de 30% maior do que o da classe média.

O custo de vida da classe média cresceu acima da inflação. Por exemplo, o item de maior peso nas despesas das famílias de classe média é a habitação. Nas últimas duas décadas, os preços dos imóveis cresceram a uma velocidade três vezes maior que a renda média das famílias. Isso fez com que o custo da moradia, que nos anos 90 consumia um quarto da renda da classe média, represente agora um terço de seus rendimentos.

De acordo com o estudo, mais de 20% das famílias de classe média gastam mais do que ganham. Um dado que chama a atenção é que o endividamento excessivo é mais comum na classe média do que nas famílias de baixa ou alta renda. Ponto de especial preocupação são as incertezas envolvendo o mercado de trabalho para essa faixa social. De cada seis trabalhadores da classe média, um tem seu posto de trabalho ameaçado pela automação. Na classe baixa, esse índice é de um para cinco e, na classe alta, de um para dez.

Uma classe média próspera é decisiva para a economia e para a coesão social de um país, diz a OCDE. É a classe média que sustenta o consumo e a arrecadação de impostos – viabilizando, por exemplo, as políticas públicas de proteção social – e impulsiona o investimento em áreas fundamentais, como educação, saúde e moradia.

“Os governos precisam ouvir as preocupações das pessoas e proteger e promover os padrões de vida da classe média. Isso ajudará a impulsionar o crescimento inclusivo e sustentável e a criar um tecido social mais coeso e estável”, disse o secretário-geral da entidade, Ángel Gurría. A OCDE sugere que os governos elaborem um plano abrangente de políticas públicas, que inclua melhorar o acesso a serviços públicos de qualidade e garantir uma melhor cobertura de proteção social. Também é preciso enfrentar a questão do custo de vida, especialmente o da habitação, com políticas que incentivem moradias populares, apoio financeiro para empréstimos e redução de impostos na compra de imóveis.

As mudanças no mercado de trabalho mostram também a importância de investir seriamente em educação, tanto na rede de ensino fundamental como na formação profissional. A OCDE cita ainda a necessidade de que os países revisem seus sistemas tributários, tornando os impostos de renda mais progressivos e justos e aliviando a carga tributária sobre a renda do trabalho, por exemplo.

Os efeitos das políticas públicas dirigidas à classe média transcendem a própria classe média. Tais ações facilitam, por exemplo, a ascensão social das faixas de renda mais baixas. “A classe média está no centro de uma sociedade coesa e próspera”, afirmou Gabriela Ramos, uma das responsáveis pelo estudo. Cuidar bem da classe média é questão de justiça com todos.

O Rio que passou

Quando é que o Rio se estrepou? Vargas Llosa começa um romance perguntando o mesmo sobre o Peru. O estudo da gênese da derrocada cabe num romance. A tarefa central é como evitar o colapso maior. Algumas circunstâncias não animam. A primeira delas, de ordem geral: os eventos extremos devem continuar independentemente do esforço planetário para reduzir emissões. Eles já fazem parte do cenário irreversível. É difícil imaginar uma performance melhor do poder local. Ainda que os governos melhorem, seu limite é nítido.


O único fator de esperança está na sociedade, no seu potencial solidário. Não me refiro a uma solidariedade apenas quando as coisas acontecem.

Ela precisa ser constante e organizada. Nos lugares sujeitos a ciclones e furacões já uma grande preparação para enfrentá-los, inclusive cartilhas sobre o que fazer. Visitei uma comunidade em São Gonçalo onde havia um bote num lugar determinado, lista dos moradores que não podem se mover, que dependem de hemodiálise, além dos lugares de refúgio.

Claro que a Defesa Civil comunitária não basta. Ela apenas revela um potencial de reduzir os danos. Mas serve de inspiração para um trabalho muito mais amplo. Ninguém recomenda de boa-fé apenas enxugar o gelo. Mas é necessário uma compreensão do buraco em que caímos para, pelo menos, tentar sair dele. Faltam líderes? Se limitamos o conceito de líder apenas aos políticos, certamente falta. Mas o tipo de reação social necessário traz à tona líderes em diferentes dimensões que não dependem de votos.

O que se espera da política não virá nada ou muito pouco. O que não significa que o esforço social não possa repercutir na política na exigência de um plano diretor, na cobrança das autoridades etc.

É uma ilusão pensar a solidariedade apenas como um instrumento dos pobres para superar sua limitação. O barco está afundando com todos dentro. Os investimentos imobiliários podem ser afetados, o turismo, a chegada de novas empresas. A chuva de segunda-feira não foi apenas mais uma chuva. Ela tem de ser considerada um marco na necessidade de repensarmos a vida no Rio. O que está acontecendo? O que posso fazer? Com quem me unir para atenuar os impactos?

O que aconteceu nesse longo período foi a traição dos dirigentes. Devem ser punidos, criticados, alguns trancafiados.

Mas continuamos sós. É preciso fazer algo independente deles.

Alguns fatores importantes como a presença do Exército nas ruas foram importantes no passado recente, sobretudo pela infraestrutura e pela organização que trouxeram para a segurança. Mas a execução de um músico que levava família para um chá de bebê em Guadalupe mostrou como até isso no momento

É um fator de incerteza. Pela lei, é caso de Justiça comum, não se enquadra nas três hipóteses de júri militar.

O presidente se solidarizou com Danilo Gentili, mas se esqueceu da família carioca arrasada por esse crime. O novo ministro da Defesa afirmou, em audiência pública, que as milícias eram bem intencionadas no princípio. Fazer as próprias leis e tirar proveito financeiro delas nunca contém boas intenções. Ontem, por exemplo, dois prédios irregulares desabaram na Muzema, matando pelo menos cinco pessoas. E nesse panorama desolador que temos de achar o caminho de uma ação solidária para reerguer o Rio. Lembro de uma frase de um personagem de Samuel Beckett: não posso continuar, continuo.

O desempregado com filhos


Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.
Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego.
Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão que te resta.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.
Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego.
Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a cabeça.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.

Gonçalo M. Tavares, "O senhor Brecht".

Se execução é incidente, Bolsonaro é desrespeito

Decorridos cinco dias da execução do músico Evaldo Rosa dos Santos por uma patrulha do Exército, no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro balbuciou, finalmente, meia dúzia de palavras sobre o fato. "O Exército não matou ninguém, não", disse ele. "O Exército é do povo. A gente não pode acusar o povo de ser assassino, não." Para Bolsonaro, o que houve foi "um incidente". Ele lamentou que esse "incidente" tenha levado à morte de um "cidadão trabalhador, honesto". No mais, disse que "está sendo apurada a responsabilidade".

O que é um incidente? Os dicionários trazem vários significados. Por exemplo: Incidente é "um fato inconveniente ou desagradável". Incidente é algo "que desempenha um papel secundário, incidental." Quer dizer: Para Bolsonaro, a execução de Evaldo Rosa é uma inconveniência secundária. Essa é a posição do presidente da República, comandante em chefe das Forças Armadas.

Não fica bem discutir com um presidente sobre tiros, tema no qual ele é especialista. Mas sugiro que façamos um teste. Como ficariam as coisas se Evaldo, em vez de negro e músico, fosse branco e senador, deputado federal ou vereador carioca. Suponha que Evaldo, em vez de morar nos fundões do Rio, vivesse na Barra da Tijuca. Imagine que, numa tarde de domingo, esse nosso personagem hipotético decidisse levar a família a um chá de bebê.

Suponha que uma patrulha do Exército disparasse mais de 80 tiros de fuzil contra o carro desse Evaldo imaginário. Imagine que ele morresse. Agora suponha o que aconteceria na República se o sobrenome do nosso Evaldo fictício, em vez de Rosa, fosse, digamos, Bolsonaro. Pronto. Agora você pode avaliar o que deveria ter dito o capitão e como se sentem os familiares do músico com o que foi declarado. Não se trata de culpar o Exército. Trata-se de respeitar o morto. Incidente não é sinônimo de execução.

Gente fora do mapa

Yana, de Honduras, chora enquanto sua mãe, Sandra Sánchez, é revistada por um policial de fronteira dos EUA

Desânimo, a maior obra dos cem dias

A barulheira virtual abafa várias notícias do mundo dos fatos da economia e da política, que seguem devagar quase parando e malparados, no entanto.

No universo do trabalho, dos negócios, das empresas e das expectativas, o assunto mais relevante dos cem dias do Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro foi a estagnação produtiva e a reversão dos ânimos políticos e econômicos.


As empresas levantaram menos dinheiro no mercado de capitais neste primeiro trimestre do que no início de 2018 (venda de novas ações, empréstimos via debêntures e outros títulos, captações no exterior etc.). Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (11) pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).

O custo e o risco de levantar capital estão mais altos, em suma.

A CNI (Confederação Nacional da Indústria) rebaixou sua previsão de crescimento do PIB industrial para 2019 de 3% para 1,1%, também nesta quinta-feira. Reduziu sua estimativa do crescimento do PIB de 2,7% para 2%. Ainda está até otimista. O pessoal de consultorias e bancos já começa a chutar na direção de 1,5%.

Como já se sabia, de resto, também a confiança de consumidores e empresários regrediu, a perspectiva de melhoria no mercado de trabalho se aproxima de zero e o crescimento do PIB no primeiro trimestre deve ter ficado por aí. Não é sinal de que a atividade econômica esteja embicando inevitavelmente para baixo, mas é um aviso de que o caldo está entornando rápido.

A inépcia do governo degrada um pouco as condições financeiras (juros, Bolsa, câmbio, risco), mas já por tempo bastante para causar incômodo e, daqui a pouco, efeitos reais na economia.

A irritação começou no terço final de março, quando o presidente e sua guarda ideológica fizeram questão de criar caso com lideranças no Congresso que se tinham declarado aliadas do governo, tal como Rodrigo Maia, presidente da Câmara, mas não apenas.

A desaceleração da economia no primeiro trimestre nada tem a ver com Bolsonaro, mas a degradação de expectativas é sim obra do novo presidente e do núcleo puro do bolsonarismo.

Dá para virar o jogo: a cada dia, seu tormento. Mas o governo não falha em dar tiros no pé ou na testa, diariamente.

Não é este o governo do ajuste fiscal? Bolsonaro então diz que vai cumprir a promessa de anistiar dívidas previdenciárias de ruralistas, por baixo R$ 12 bilhões, dinheiro que não tem nem de onde tirar (e, se o fizer, deve burlar a lei fiscal ou a orçamentária).

Para piorar, contraria seu próprio Ministério da Economia.

A Câmara anuncia que vai tocar uma reforma tributária razoável e respeitada, um projeto liderado pelo economista Bernard Appy.

Gente do governo diz então que quer aprovar uma outra, que pode até incluir uma espécie de CPMF, ideia que costuma causar revolta ou escárnio na elite econômica.

O governo anuncia que quer aprovar a autonomia do Banco Central, projeto “pop” entre o eleitorado bolsonarista de elite, mas nem isso dá certo, pois a Câmara já tem um projeto seu e se sentiu outra vez esnobada ou atacada pela falta de modos políticos do governo.

As conversas do presidente com lideranças partidárias até agora não surtiram efeito maior, se algum. O centrão continua entre ressabiado e avesso ao governo, o PSL presidencial ainda é uma bagunça e não há quadros bastantes no Planalto e no Congresso para articular uma coalizão partidária.

Até agora, a maior obra do governo foi o desânimo.

Indignação salva?

Nossa sociedade e nossa economia tendem a criar desigualdade excessiva: de riqueza, de poder, de conhecimento, de trabalho e de oportunidade. Diante dessa injustiça social, pode-se ficar inerte, podem-se aceitar as dificuldades como um castigo divino ou pode-se reagir, indignando-se. Eu sou por essa terceira opção. Perde-se muito tempo discutindo reformas, e, quando se chega a uma conclusão, depois de um longo processo burocrático, talvez elas já não sirvam. Hoje, em cada setor de nossa vida social, ocorrem revoluções. Só a indignação permite ser útil à sociedade
Domenico De Masi

Falsa 'amortização' da dívida pública é uma fraude para mascarar as contas

A despesa com a dívida no Orçamento/2019 compreende um gasto com “Amortizações da Dívida” de R$ 1,046 trilhão e um gasto com “Juros e Encargos da Dívida” de R$ 379 bilhões, somando R$ 1,425 trilhão!

Convidamos nossos leitores a refletir: se estivéssemos de fato “amortizando” a dívida, o seu estoque estaria reduzindo, certo? Como explicar, então, o fato de que o seu estoque tem se elevado exponencialmente?

A justificativa do governo para esse paradoxo – que se repete todo ano – tem sido a alegação de que parte desse valor seria mera “rolagem”, ou seja, substituição de títulos antigos, que estão vencendo, por novos títulos.


 Ora, mais uma reflexão: se estivesse ocorrendo apenas essa substituição, o estoque da dívida se manteria constante, certo? Mas na verdade o seu estoque continua aumentando, e de forma acelerada! É evidente que há algo errado aí.

Na realidade, boa parte do valor indicado como “Amortização” corresponde a uma parcela dos juros nominais que estão sendo pagos mediante a emissão de novos títulos da dívida, embora o Art. 167 da Constituição, inciso III, proíba o pagamento de despesas correntes (dentre elas os juros) com recursos obtidos com a emissão de novos títulos.

Desde a CPI da Dívida Pública concluída na Câmara dos Deputados em 2010, foi enviada denúncia ao Ministério Público sobre a equivocada contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização, e isso acontece porque a amortização é classificada como uma “despesa de capital”, burlando-se assim a norma constitucional.

 Apesar desse grave problema ter sido detectado e denunciado desde 2010, até hoje nada foi feito sobre esse grave erro, que tem sobrecarregado as contas públicas de forma inconstitucional. A consequência desse erro é a seguinte:

Se faltam recursos para a Educação ou Saúde (despesa corrente), por exemplo, resta comprometido o funcionamento de universidades, institutos federais, hospitais etc.; são interrompidos diversos projetos de pesquisa; fechados laboratórios e cancelados diversos programas nessas áreas, e a população fica prejudicada em seu direito constitucional.

Se faltam recursos também para o pagamento de juros (despesa corrente), os rentistas não ficam prejudicados, pois estão sendo emitidos e vendidos novos títulos da dívida e, para driblar a proibição constitucional (Art. 167, III), grande parte dos juros é contabilizada como se fosse “amortização”.

Por tudo isso, a auditoria é a ferramenta hábil para revisar essa e outras ilegalidades que estão impedindo o desenvolvimento socioeconômico do nosso rico Brasil, por isso é urgente a sua realização, e com participação cidadã.

Atraso do atraso

O Brasil demorou tanto a fazer a reforma agrária que ela ficou obsoleta devido ao avanço técnico na produção agrícola. De um lado, a mecanização, as tecnologias de manipulação do solo, a robótica, a informática e a comunicação exigem das empresas agrícolas condições que a reforma agrária tradicional não permite; se outro, a urbanização geral fez a reforma agrária quase desnecessária. A reforma agrária deixou de ser um vetor de progresso econômico, sendo apenas uma política social para atender a um número restrito de pessoas que ainda desejam ficar no campo e produzir na agricultura em pequenas propriedades.


O mesmo parece estar acontecendo com a reforma educacional, que, de tão adiada pode ficar obsoleta devido às mudanças que ocorrem nas técnicas de transmissão de conhecimento, por fora da escola tradicional. O uso do computador, da teleinformática, dos bancos de dados, Google, iPhones, OpenSchool, Windows, estão provocando uma revolução tão radical no que antes era chamado de escola e métodos pedagógicos, que dentro de poucas décadas estará obsoleto o velho conceito de escola originado na Grécia e Roma antiga, aprimorado no século XVIII com o uso do quadro negro.

Demoramos tanto para construir um sistema escolar eficiente para todos, que a educação começa a ser feita por fora das escolas, nas redes de computadores, games educacionais, TED, aulas a distância. Em breve, não se pode descartar revolução ainda maior casando microcirurgia com nanotecnologia permitindo a inserção de chips no cérebro. No lugar de irem à escola, os alunos se conectam a equipamentos pedagógicos desde onde estiverem, ou entrarão em uma sala de cirurgia para receber implantes que lhes permitirão resolver equações, acumular informações ou falar idiomas.

Mais uma vez a resistência para fazer reformas nos seus arcaicos e injustos sistemas sociais, fazem com que as reformas sociais fiquem desnecessárias, porque a tecnológica passa por cima das amarras da sociedade, tornando a reforma desnecessária por ter ficado obsoleta.

Para não permitir que os “sem terra” tivessem terra, a República se recusou a fazer a reforma agrária, e se nega por tanto tempo a implantar um sistema universal de educação com qualidade que em breve isso já não será mais necessário, porque a escola terá ficado obsoleta.
Cristovam Buarque