segunda-feira, 1 de junho de 2015

Para acabar com a corrupção

Lawrence Lessig tem 51 anos, é advogado, professor em Harvard e um caro amigo. Ficou famoso por estudar como as leis mudam por causa da tecnologia. Trabalhou por anos com direito autoral até que em 2007 mudou de área: especializou-se no combate à corrupção.

Só que a corrupção que interessa a Lessig não é aquela das propinas e dos desvios. É a modalidade que ele chama de "a maior de todas as corrupções": a sistêmica que é gerada pelo financiamento empresarial das campanhas eleitorais.



Em seu livro "Republic Lost: How Money Corrupts Congress" (república perdida: como o dinheiro corrompe o Congresso), ele defende a tese de que a democracia nos Estados Unidos foi sequestrada pelo financiamento empresarial. A única chance de alguma voz ser ouvida no congresso nos EUA é por meio de doações eleitorais.

Ele diz que políticos eleitos com doações de empresas passam até 80% do seu tempo atendendo aos interesses de quem os financiou. Ou seja, buscam garantir que terão recursos na próxima eleição.

Um exemplo do que isso gera: em 2011 o Congresso dos EUA decidiu que pizza deve ser considerada como "vegetal". Como a merenda escolar exige um percentual mínimo de vegetais para receber subsídios, os deputados incluíram o prato nessa categoria. A decisão não é fruto de uma insanidade coletiva, mas , sim, do lobby da indústria de alimentos processados que acionou "seus" deputados, transformando nonsense em lei.

Na semana passada, a Câmara no Brasil aprovou inserir na Constituição o "direito" ao financiamento empresarial de campanhas. Com uma ressalva, vendida ironicamente como benéfica: o dinheiro tem de ser doado para os partidos e não para os candidatos. Lessig critica esse modelo evocando as palavras do mafioso Boss Tweed, deputado e senador por Nova York no século 19 que mandava e desmandava até ser preso por corrupção. Tweed dizia: "Não me importo em quem as pessoas votam, desde que eu faça a nomeação de quem concorre".


O modelo de financiamento empresarial destinado aos partidos faz o sistema eleitoral brasileiro encarnar o espírito de Boss Tweed: os doadores empresariais, em conjunto com os dirigentes partidários, decidirão quem poderá concorrer às eleições com alguma chance de vitória (ou seja, com dinheiro para pagar sua campanha). Uma vez feita essa decisão prévia, pouco importa em quem as pessoas irão votar.

Até o delator Paulo Roberto Costa afirmou em depoimento que "não existe doação de empresas que não queiram recuperar o dinheiro depois". Essa é a síntese da corrupção sistêmica que Lessig aponta no seu trabalho. Quando pessoas tão distintas quanto Costa e Lessig concordam, é porque algo deve estar muito errado.

Há trevas no fim do túnelo



Chegamos ao fundo do poço. Infelizmente, as alternativas estão sumindo do mapa. No plano político, em meio a uma crise sem precedentes, de um presidencialismo no qual a presidente ainda reúne, mas com ressalvas, o apoio de seu partido e dos políticos aliados, as soluções passam principalmente pelo atendimento a demandas puramente fisiológicas, expressas no mais pobre varejo político: emperram as agendas, em especial as votações nas assembleias legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, as nomeações para os cargos de confiança indicados pelos políticos inconfiáveis da base dos governos, nos Estados e no plano federal. Num momento em que o país carece de empreender profundas reformas para sobreviver, o presidente da Câmara está preocupado com a construção de um shopping center junto às instalações da Casa. Os deputados federais, já muito ocupados com suas atividades, passarão a despachar da nova praça de alimentação. Deputados poderão comprar com mais conforto cuecas para aproveitar a alta do dólar.

Na educação, o governo federal conseguiu desatender alunos e professores das universidades públicas, que anunciam greves sem volta. Reduziu e dificultou o crédito da educação. Não que fosse uma solução a concessão sem critérios desse facilitário, mas as restrições impostas no acesso de estudantes ao programa são graves e desestimuladoras. Criaram-se faculdades privadas caça-níqueis aos baldes, cursos sem qualquer seriedade nas suas propostas e ementas, mas não será com a imposição das recentes restrições que o processo se aperfeiçoará. Faltou profundidade ao programa base da proposta de se construir uma pátria educadora. Sobraram desperdícios, equívocos e, sobretudo, muita picaretagem.

Desastrosas são nossas estatísticas na oferta e nos resultados dos programas de saúde pública, cuja execução beira a irresponsabilidade de seus agentes.

Na economia, a proposta de ajuste fiscal mais desajustou. Não conseguiu conter a inflação, não preveniu a incessante queda do PIB, não construiu propostas de médio e longo prazos para que a produção seja restabelecida, através da sua desoneração e de seu fomento, como medidas de incentivo à produtividade. A indústria, o comércio e os empregos estão na lona.

Vivemos um cenário de insegurança pública em que a única sugestão é o aumento de vagas nas penitenciárias e a redução da idade penal. Vamos atuar nas consequências, empregando substanciais recursos do erário sem qualquer perspectiva de que sejam soluções. Nem sequer amenizam os problemas, porque agravam ainda mais o quadro de nossas misérias humanas.

Ninguém, governos nem oposição, está aplicado em propostas e projetos. Faliu a criatividade, a vontade política e o compromisso com uma sociedade e um país melhores. E não há líderes confiáveis para empreender tais mudanças.

A farra brasileira

Gostaria de ser menos amargo, mas as coisas que acontecem no Brasil não permitem. Este é um país alucinatório, sem afirmar nenhuma novidade, e se chega a duvidar que possa, um dia, tomar jeito. Eu, pelo menos, não vislumbro, em meu horizonte de vida, essa possibilidade, mas isto não me autoriza a desistir e sigo na resistência, modesta, eu sei, de acordo com minha capacidade e meios, mas sempre resistência. É o dever se sobrepondo à desilusão. Dito isto, vamos aos fatos.

O sujeito acaba envergonhado em cantar o Hino Nacional, com sua letra carregada de estremecido amor à pátria

A imoralidade mais recente, entre tantas, que vai tomando conta do Brasil é o auxílio-moradia à custa do erário, e nada consegue deter esse cancro moral, porque se manifesta encapsulado numa substância denominada direito, que o imuniza contra qualquer terapia.

Pois assim é. Pode faltar – e falta – dinheiro para tudo mais que o Estado tem obrigação de oferecer aos brasileiros. Para pagar professores e melhorar a educação, por exemplo, para a segurança e combate ao crime, para a saúde pública etc., mas não falta para engordar a já apreciável remuneração dos privilegiados da pátria. Em suma, o benefício é indefensável. Não há justificação que o salve. Mas é claro que os doutores sempre capricharão na linguagem, no manejo das palavras, para defendê-lo e justificá-lo sem nenhum pudor e sem temor de ofender a inteligência e dignidade do povo. Eles, os bacanas da pátria, perderam completamente o respeito pelo cidadão brasileiro e avançam com soberba e desassombro sobre o dinheiro público.

A verdade, porém, é que, por mais e melhor que argumentem (os argumentos desfiados até agora foram de inominável desfaçatez e escárnio e certamente não surgirá nenhum minimamente aceitável), a definição para o auxílio-moradia é uma só: vergonha! Indecência que deveria corar os beneficiados e ser recebido escondido, em absoluto sigilo, na calada da noite e em algum terreno baldio, bem longe dos olhos do restante da população deste maltratado e saqueado Brasil.

E como ficamos? Bem, creio que todos os demais funcionários públicos devem pleitear o benefício. Ora, se o juiz, desembargador, promotor público, conselheiro de tribunal de contas, deputados têm direito a ele, por que não o professor? Ou o delegado? Ou os policiais civis? Ou os militares? Por que o assalto seletivo? Que todos participem do festim, é de justiça. Falta verba? Então é justo que ninguém receba o auxílio. Imoralidade, sim, mas com isonomia!


Por fatos como esse é que o patriotismo não resiste. O sujeito acaba envergonhado em cantar o Hino Nacional, com sua letra carregada de estremecido amor à pátria. Pois de que amor ele trata exatamente? Será o amor que a casta dos poderosos da nação exprime diante de seus contracheques de pagamento cada vez mais gordos? Que os corruptos transpiram na emoção de embolsar o dinheiro sujo? Que exalam os que desfrutam de impunidade garantida por meio de advogados caros e espertos e permissividade legal?

É, meu amigo, está mais fácil para o brasileiro emocionar-se com o hino do seu clube de futebol. Mas, um dia, o povo, cansado do desrespeito, sairá às ruas movido, aí, sim, pelo verdadeiro amor à pátria.

Cardoso Filho

Bola quicando na área

Tenho tido a terrível sensação de que não estamos conseguindo completar as coisas. Sabe? Tipo fazer, finalizar, do começo ao fim, ver linha pontilhada virar traço e as reticências, ponto final. A bola bate, bate, quica, e não entra na rede, não encaçapa. Não chega lá. Não vira solução.

Desde menina sou apaixonada por desenhos animados, principalmente aqueles que tinham uma musiquinha que era cantada com uma bolinha correndo, pulando ali no pé da tela da tevê, dando a letra e a cadência - uma espécie de precursor do karaokê. Adorava ver a bolinha branca pulando toda feliz, até o fim da canção. Também adoro o som da raquete batendo na bolinha de ping-pong, e esta sair batendo na mesa, pulando a redinha, naquela sequência emocionante até voar para fora, gaiata, fazendo correrem atrás dela, bolinha sonora, oca, veloz.

Pois foi essa imagem que me veio à cabeça esta semana. Uma bola quicando. A bola apareceu obviamente por causa da cabeçada dos super cartolas, presos justamente por causa de uma "bola", mas uma outra super bola, a que pula debaixo dos panos para fazer o jogo correr de várias formas, nem sempre redondas, em vários campos. Vide estado dos Estádios.


A bola continua quicando. Protestos, gritos e sussurros, pedidos de impeachment, uma caminhada frustrante de gatos pingados que se jogam em qualquer abraço político correndo na estrada que ao final vai dar em nada, nada, nada nada, do que pensava encontrar, parafraseando Gilberto Gil ensinando a falar com Deus.

Uma economia em parafuso, sem rosca, um país com prego na ponta, todo dia um pássaro cantando na gaiola, uma surpresa, uma revelação. Todas com o mesmo polegar de identificação digital, feitas para um caixa, de algum número, 1-2-3, para alçar alguém, por ganhar algo, e levando o que é nosso no rabo da estrela - e que, de tão afoita, deixa a cada dia mais rastros. Fora a panela no fogo, fritando, lentamente, uns e outros que estão ainda se trocando no vestiário.

A bola pulando, quicando; picando, como se diria em Portugal. Tudo do mesmo. Quase um ano e meio da Operação Lava Jato, a novela - toda hora entra um ator - em capítulos intermináveis, que já vira uma nova Redenção e talvez até a ultrapasse em algum passe, enquanto a bola perde força a olhos vistos, ficando quadrada como o Sol que vários ainda vêem pensando se piam ou não. No cenário, uma comissão, melhor, mais uma, analisando, analisando, em embaixadinhas que ficam no mesmo lugar. E tudo virando uma bola de neve. De grude, isso sim.

No campo a escalação parece não mudar ano após ano, e o que muda são só uns de segundo time. O Brasil nunca chega lá, não finaliza a jogada. Fica tudo inacabado, um orgasmo não sentido, um coito interrompido, e uma terrível sensação de frustração por não resolvermos nem nossas primeiras necessidades e desejos. Ficamos na promessa. Ficamos na mão.

Nas mãos dos bancos que nos exploram como cafetões, ou nos escravizam por dívidas marcadas em algum caderninho, e que correm céleres para frente, deslizando quando tentamos contê-las. Se for em cestas, nem as básicas - furadas que são.

Ficamos na mão do governo e seus governantes tendo ideias medíocres, ou chutando, chutando e a bola quicando com um monte de jogadores atônitos em campo, especialistas em gol contra, conversa fiada, explicações estapafúrdias. Quando a esmola é muita, o santo deve desconfiar. Temos de tentar bolar uma saída. Antes do mata-mata.

Surgem heróis todos os dias. O mais novo é bem baixinho, tem língua presa e vem de um campo de futebol. Vai meter a mão na cumbuca, no vespeiro. Apitar como juiz para ver se aparece algum outro aí de novidade. Mas temo que seja mais uma bola fora.

Aqui, onde qualquer meleca de pessoa é chamada de guerreira, louvada, ganha loas e boas. Grudadas em bolinhas de baixo das mesas, essas melecas quando descobertas já estão largadas, ninguém as assume. Seus donos já estão nas arquibancadas fazendo outras bolinhas, de chiclete mascado para grudar em alguém.

"Aqui, onde o olho mira/Agora, que o ouvido escuta /O tempo, que a voz não fala /Mas que o coração tributa" ... Recorrendo ao Gil novamente, infelizmente, ainda, "O melhor lugar do mundo é aqui. E agora. Aqui, fora de perigo. Agora, dentro de instantes/Depois de tudo que eu digo/ Muito embora muito antes"...

Dizendo tudo, dizendo nada, enrolando, a bolinha vai quicando.

E a gente vai levando, a gente vai levando... E como vai.
São Paulo, campo minado e seco, com possibilidade de trovoadas, 2015

Fifa ocupou o noticiário. Dilma até sentiu um certo alívio mas...

Reprodução/TV Record

Desde a eleição, no final de outubro, a presidente Dilma Rousseff não tinha um fim de semana como este. No sábado, as manchetes sobre a corrupção na Fifa ocuparam a maior parte do noticiário, deixando para segundo plano o noticiário a Operação Lava Jato, a crise econômica e a derrocada do governo e do PT.

Animada com o desvio de rota dos jornalistas, no sábado a presidente conseguiu até concretizar a mais nova obra da criatividade do marqueteiro João Santana, que sugeriu a compra de uma bicicleta, para que a chefe do governo pudesse dar uma circulada em público e tentasse desmoralizar a ação penal do PSDB, que é baseada justamente nas pedaladas contábeis que o governo tem usado para maquiar contas públicas.

Acontece que a crise é grave demais e este tipo de promoção acaba não tendo efeito algum, porque a realidade pode ser muito mais criativa do que qualquer marqueteiro poderia supor. Além disso, o momento atual do país não está mesmo para brincadeiras.

Assim, enquanto Dilma se exibia em plena rua, pedalando com dois seguranças nas cercanias do Palácio Alvorada, surgiam na internet comentários sobre a nova pesquisa encomendada pelo Planalto, registrando que a aprovação do governo federal, pela primeira vez, caiu abaixo dos dez pontos percentuais, despencando para um dígito.

Quer dizer, Dilma até conseguiu se equilibrar na bicicleta, mas teve de cair na real quando soube da pesquisa, divulgada pelo repórter global Gérson Camarotti.

No mesmo sábado, surgiu outra informação muito grave, publicada pelos jornalistas Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo, do Estadão, dando conta de que a força-tarefa da Operação Lava Jato investiga se os pagamentos das empreiteiras WTorre e Engevix por consultorias dos ex-ministros Antonio Palocci e José Dirceu, entre 2007 e 2012, serviram para ocultar propinas do esquema de cartel e corrupção na Petrobras, em contratos do pré-sal.

O fato é que investigadores da Lava Jato encontraram indícios de desvios de recursos da Petrobras na construção do Estaleiro Rio Grande (RS), iniciada em 2006, e nos contratos fechados para produção de cascos de plataformas e sondas de exploração de petróleo, no local, a partir de 2010.

Para acabar de vez com a alegria no Alvorada, também no sábado foram divulgados os detalhes da operação de busca e apreensão no apartamento usado pela primeira-dama de Minas Gerais, a jornalista Carolina Oliveira, recém-casada com o governador Fernando Pimentel, um dos amigos mais próximos de Dilma.

A presidente não sabia das ligações perigosas de Pimentel com o empresário corrupto Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, o Bené. Eram relações tão íntimas que em março de 2014, quando Carolina e Pimentel viajaram a Punta Del Este, no Uruguai, para uma espécie de “lua de mel” antes do início da campanha, Bené estava com eles no avião particular, tipo diga-me com que quem andas que te direi quem és.

E assim o fim de semana de Dilma, que começara aparentemente tão bem, terminou desastradamente.

A batalha de um homem só

Simon Leys enfrentou uma corrente coletiva de eminentes intelectuais para dissipar um emaranhado de mentiras sobre a "revolução cultural" de Mao, aquela loucura inspirada por um velho déspota

Nos anos setenta teve lugar um extraordinário fenômeno de confusão política e delírio intelectual que levou um setor importante da inteligência francesa a apoiar e mitificar Mao e a sua “revolução cultural”, ao mesmo tempo que, na China, os guardas vermelhos faziam passar pelas forcas caudinas professores, pesquisadores, cientistas, artistas, jornalistas, escritores, promotores culturais, dos quais um bom número, depois de autocríticas arrancadas sob tortura, se suicidou ou foi assassinado. No clima de exacerbação histérica que, alentada por Mao, percorreu a China, destruíram-se obras de arte e monumentos históricos, cometeram-se abusos iníquos contra supostos traidores e contrarrevolucionários, e a milenar sociedade experimentou uma orgia de violência e histeria coletiva que resultou em cerca de 20 milhões de mortos.

Em um livro que acaba de publicar, Le Parapluie de Simon Leys (o guarda-chuva de Simon Leys), Pierre Boncenne descreve como, enquanto isso ocorria no gigante asiático, na França eminentes intelectuais, como Sartre, Simone de Beauvoir, Roland Barthes, Michel Foucault, Alain Peyrefitte e a equipe de colaboradores da revista Tel Quel. dirigida por Philippe Sollers, apresentavam “a revolução cultural” como um movimento purificador, que poria fim ao stalinismo, purgaria o comunismo da burocratização e do dogmatismo e instalaria a sociedade comunista livre e sem classes.

Um sinólogo belga chamado Pierre Ryckmans, que assinaria seus livros com o pseudônimo Simon Leys, até então desinteressado pela política – dedicou-se a estudar poetas e pintores chineses clássicos e a traduzir Confúcio –, horrorizado com o engodo em que sofisticados intelectuais franceses endeusavam o cataclismo que a China padecia sob a batuta do Grande Timoneiro, decidiu enfrentar aquele grotesco mal-entendido e publicou uma série de ensaios – incluindo Les Habits Neufs du Président Mao, Ombres Chinoises, Images Brisées,La Fôret en Feu – revelando a verdade do que ocorria na China e enfrentando, com grande coragem e conhecimento direto do tema, o endeusamento que faziam da “revolução cultural”, levados por uma mistura de frivolidade e ignorância, não isenta de certa estupidez, muitos ícones culturais da terra de Montaigne e Molière.

Os ataques de que Simon Leys foi alvo por atrever-se a ir contra a corrente e desafiar a moda ideológica reinante em boa parte do Ocidente, que Pierre Boncenne documenta em seu fascinante livro, dão vergonha alheia. Escritores de direita e de esquerda, nas páginas de publicações respeitáveis como Le Nouvel Observateur e Le Monde, cobriram-no de impropérios – entre os quais, obviamente, não faltou o de ser um agente e de trabalhar para os americanos –, e o que mais deve ter doído nele, por ser católico, foi que revistas franciscanas e lazaristas se negassem a publicar suas cartas e artigos explicando por que era uma ignomínia conservadores como Valéry Giscard d’Estaing e Jean d’Ormesson e progressistas como Jean-Luc Godard, Alain Badiou e Maria Antonietta Macciocchi considerarem Mao o “gênio indiscutível do século vinte” e “o novo Prometeu”. Nunca foi tão certa como naqueles anos a frase de Orwell: “O ataque consciente e deliberado contra a honestidade intelectual vem sobretudo dos próprios intelectuais”. Poucos foram os intelectuais franceses daqueles anos que, como um Jean-François Rével, mantiveram a cabeça fria, defenderam Simon Leys e se negaram a participar daquela farsa que via a salvação da humanidade na barafunda genocida da revolução cultural chinesa.

Já não se fazem comunistas como antigamente

A grande novidade da semana que passou foi o comparecimento, sexta-feira, da presidente Dilma ao congresso do PC do B, em São Paulo. Dias atrás ela fugiu das comemorações pela participação do Brasil na II Guerra Mundial, assim como negou-se a estar presente à reunião do PT de São Paulo, apesar de prometer que irá ao congresso nacional dos companheiros, semana que vem em Salvador. Imagina-se que Madame tenha perdido o receio de vaias e panelaços ou, pelo menos, se encontre disposta a enfrentá-los.


Quinhentos comunistas aplaudiram Dilma durante mais de sessenta minutos em que ela discursou desmentindo os principais dogmas do partido. Porque começou afirmando que seu governo perdeu a capacidade de utilizar recursos para proteger nossa economia. Marx, Lenin, Stalin e tantos outros denunciariam esse reconhecimento como a falência de sua ideologia, mas mais se espantariam com a defesa feita pela presidente da supressão de direitos trabalhistas, do seguro desemprego ao abono salarial e às pensões das viúvas.

Abandonariam o recinto, se lá estivessem, ao ouvir a apologia do ajuste fiscal. Como já não se fazem comunistas como antigamente, a plateia permaneceu e até bateu palmas. Quer dizer, saudou o neoliberalismo, coisa que não é surpresa, pois a bancada do PC do B tem votado em favor das medidas provisórias do arrocho.

Valeria repetir uma das últimas intervenções de Luis Carlos Prestes, antes de morrer, quando disse que “os comunistas não tinham partido e o partido não tinha comunistas”. Assim, Dilma sentiu-se à vontade para negar a espinha dorsal da doutrina de seus aliados, que por sinal também negam. No caso, a presença do Estado como propulsor do desenvolvimento e da justiça social. A presidente confessou a impotência das instituições sob seu comando para enfrentar crises.


Na mesma hora em que se dirigia aos agora acomodados ex-comunistas, as centrais sindicais promoviam nas principais capitais do país manifestações de repúdio ao ajuste fiscal, à supressão de direitos, à terceirização e outras iniciativas do governo dos trabalhadores. Como em tempos idos que pareciam ter desaparecido, enfrentaram a polícia e demonstraram disposição de luta. Só que sem os comunistas.

Um país injusto

Não precisa ser um iluminado para enxergar os graves erros cometidos nas escolhas e apostas nacionais.

Jogar todo o cacife da Petrobras no pré-sal, que se viabilizaria apenas num cenário de preços crescentes do barril de petróleo, mais que atender o interesse nacional, atendia o interesse de um esquema que hoje se revela como “petrolão”.

Aumentar estupidamente os custos da máquina estatal, como se impostos e contribuições para sustentá-los caíssem de graça do céu, criou um ralo colossal nas contas públicas, penalizando diretamente a capacidade de desenvolvimento da economia. Pior, adicionando uma burocracia marcada de corrupção de toda espécie num quadro de selva de complicações.


Fazer crescer a carga tributária a níveis escandinavos, sem qualquer retorno compensador, aliás, deixando o cidadão a enfrentar a péssima qualidade dos desserviços públicos, apenas assoberbou a carga sobre setores primários, aqueles que desencadeiam o desenvolvimento sustentável. Perdeu-se a competitividade internacional da produção local; os setores industriais secaram a capacidade de sobreviver no mercado externo e nacional.

Deixar que as rédeas do poder ficassem em mãos de setores eminentemente especulativos e predatórios gerou imensos privilégios a eles. Aniquilou a credibilidade da economia brasileira, pois as rédeas nas mãos de especuladores incentivam a gangorra econômica, provocam variações abruptas, e delas vem o lucro do especulador. Assim se deu neste ano com uma variação do dólar em mais de 40% em apenas seis meses, ainda com um aumento de 50% dos juros.

Quer dizer que os últimos seis meses, os mais terríveis para a indústria e setores produtivos, foram os seis meses em que bancos acumularam os maiores lucros na história dos últimos 500 anos.

Dizer que isso foi por acaso é uma estupidez, medidas tomadas de costas para quem produz, emprega e arrecada são um crime. As medidas preservaram e engordaram os carrapatos e bernes e prostraram a vaca que dá leite.

Esse tipo de desgraça, normal num país que ainda não se libertou do patrimonialismo, tem um custo que vai muito além do momentâneo. Distorce a estrutura da economia local, privilegiando a especulação e prejudicando gravemente o que tem de bom no país. Surge como exemplo deseducador para as novas gerações.


O empreendedor, aquele que junta e apara as tábuas da canoa, e a coloca para navegar embarcando empregos e ciclos virtuosos, neste país faz papel de bobo, de otário. Submetido à sangria de taxas, impostos, de burocracias que no Brasil chegam a ser as mais caras, imbecis e desregradas do planeta, nunca terá vez. E isso se comprova no fechamento de centenas de empresas que acreditaram ter um mínimo de amparo pelo Estado.

Hoje, para empreender, depende-se de dezenas de órgãos de controle, de autorizações, de licenças, cada vez mais complicadas, caras e insuportáveis. De fiscalizações que têm seu principal foco em punir e multar, para aumentar a arrecadação, nunca em orientar, ajudar e fomentar as atividades. Por mais difíceis que sejam, as atividades precisam passar por tribunais de exceção, de tiranetes que podem engessar por anos um empreendimento e assim matá-lo junto com os empregos e os efeitos benfazejos.

Este é um Brasil do qual muita gente quer desembarcar.

Vittorio Medioli

As lições da China, Coreia do Sul e Finlândia sobre educação

Países têm modelos de educação diferentes, mas todos se baseiam no tripé educação, comunidade e gestão para conquistar os melhores índices educacionais
Professor, comunidade e gestão. Não tem como escapar desse tripé quando se pensa em educação de qualidade. A prova disso são os países campeões nas avaliações de conhecimento dos estudantes. Cada um ao seu jeito, Coreia do Sul, China e Finlândia fizeram a revolução em seus sistemas de ensino. Em comum, carregam a valorização ao professor, a maior participação da comunidade no cotidiano escolar e uma decisão de governo em melhorar a gestão dos recursos dedicados à área. “Não tem segredo. É só uma questão de efetivamente de valorizar a educação”, diz José Paulo da Rosa, diretor regional do Senac-RS e doutor em educação.

Em 2009, Rosa foi à Coreia do Sul tentar entender o milagre que fez o país deixar a pobreza e ter um dos maiores PIBs do mundo em menos de um século. Não foi bem milagre que encontrou por lá, mas o mesmo caminho traçado por outras nações que perceberam que educar a população com qualidade seria a única forma de mudar os índices econômicos.

O plano começa por valorizar a figura do professor e manter os melhores no ensino básico. Nesse sentido, além de bons salários e benefícios, também está uma valorização social. Uma espécie de respeito e admiração pela carreira que faz com que os melhores estudantes queiram ter como profissão a tarefa de ensinar – principalmente a crianças e adolescentes.
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