terça-feira, 3 de novembro de 2015

Inclusão social perde brilho com crise no Brasil e América Latina

O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, resumia a princípios deste mês de outubro de 2015 os avanços sociais da América Latina no último meio século: “A esperança de vida aumentou de 59 anos a 75 anos, a mortalidade infantil reduziu-se de 96 por 1.000 a 16 por 1.000, a pobreza extrema caiu pela metade e pela primeira vez na história, há mais latino-americanos na classe média do que na pobreza”.

No Brasil, a queda da renda é muito pior que a queda do PIB. O prognóstico é bem negativo para o futuro, principalmente nas zonas metropolitanas

A síntese de Kim não detalhava que esses avanços se interromperam quase por completo na década perdida dos anos oitenta. E que devem muito ao que Eduardo Gudynas, do Centro Latino-americano de Ecologia Social, chama da “conjugação inesperada”na década vencida (2004-2013): “Os altos preços de matérias-primas geraram maiores excedente e reforçou-se o papel do Estado no combate à pobreza”.

Gudynas sublinha que se privilegiaram as compensações em dinheiro, em referência a programas de transferência de renda como o brasileiro Bolsa Família. Houve também avanços na redistribuição dos rendimentos, embora a América Latina continua sendo, de longe, a área mais desigual do mundo. Guillermo Calvo, da Universidade Columbia, teme que os lucros sociais não consigam se manter: “O déficit fiscal leva a um ajuste. Pode ser que as transferências aos pobres se mantenham, mas vai se tirar do investimento, o continente crescerá menos e serão criados menos empregos”, prognostica. “Muitos dos que ingressaram nas classes médias vão cair de nariz.”

No caso do Brasil, a desaceleração da economia já cobra fatura na área social, segundo o economista Marcelo Neri, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Dilma. "A desigualdade parou de cair no país e agora ela está andando de lado. O que me preocupa nessa era de desajustes de contas públicas é que a desigualdade não vai voltar a cair nos próximos anos e estagnamos em um nível alto", afirma Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV-RJ e ex-presidente do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).

O especialista explica que nos últimos anos, a melhora na distribuição de renda brasileira não se deu apenas pela implementação de programas sociais, como o Bolsa Família. Segundo Neri, o fator que mais contribuiu para melhorar a vida dos 40% de brasileiros mais pobres foi o aumento da renda média do trabalhador. Durante a última década, a parcela mais pobre do Brasil viu seus ingressos crescerem 5,8% ao ano. "Ou seja, avançava muito mais que o PIB brasileiro, sendo que, desse valor, 3,9% vinham da renda do trabalho. Eles subiram na vida porque trabalharam, pois o mercado estava aquecido e algumas questões estruturais avançaram, como a educação. Claro que os programas sociais deram um empurrão, mas a maior parte veio do esforço do trabalhador", explica.

Governo pedala, pedala e não vai a lugar algum


O que prova que temos governo, e um governo que funciona – não importa se bem ou mal? As notícias que a mídia divulga diariamente a respeito dele.

O ministro tal disse isso. O outro ministro disse aquilo.

O ministro Joaquim Levy, da Fazenda, participou de um seminário em Londres. Ou em Nova Iorque. Ou em Genebra.

A presidente Dilma voou a algum Estado para entregar novas unidades do programa Minha Casa Minha Vida. Na volta, se reunirá com Lula em Brasília para receber novas orientações.


Coisas assim indicam que o governo não está paralisado. Mas é quase como se estivesse. Porque o que de fato importa não anda.

A aprovação do ajuste fiscal não anda. Está parado no Congresso, mais exatamente na Câmara dos Deputados. E o motivo é simples: o governo não reúne votos suficientes para aprová-lo.

Segue a distribuição de cargos para os políticos que prometerem votar como quer o governo. Aboliu-se qualquer critério para o preenchimento dos cargos. Vale tudo, de preferência gente sem atributos técnicos.

Mesmo assim, o governo não se sente seguro para enfrentar a votação de assuntos delicados.

Aumentou o grau de independência dos deputados federais em relação ao governo. E a explicação é só uma: por que identificar-se com um governo rejeitado pela maioria esmagadora da população?

O que ganho se fizer as vontades de uma presidente condenada por oito em cada dez brasileiros?

Aqui mora a explicação para a inércia do governo. Poucos têm coragem para defendê-lo. Mesmo se contemplados com sinecuras.

Outra razão para a inércia: Dilma não sabe para aonde ir e o que fazer. Espera que a crise econômica se resolva mediante o arrocho que levou. Só tem hoje uma ideia fixa: escapar do impeachment.

A crise política não sumirá do mapa porque a econômica começará a esfriar a partir do segundo semestre de 2016, se tudo der certo.

Há sinais no horizonte de que a crise política escalará mais alguns degraus por causa da Lava-Jato e do que possa acontecer com Lula e seus parentes.

Oposição e governo estão cada vez mais distantes e sem canais de diálogo. A oposição ganha com isso, o país não necessariamente.

As próximas eleições municipais farão o PT sangrar mais do que ele pode admitir.

Sem que o governo Dilma se recupere, nada salvará o PT do desastre desenhado para 2018.

Dilma afronta o país com luxo e riqueza

As viagens da Dilma para o exterior são infrutíferas, não trazem benefícios ao país. Servem apenas para ela fugir da crise e gastar R$ 2 milhões por ano apenas com comida a bordo do avião presidencial, dinheiro do contribuinte que, como idiota, continua sustentando o luxo dela e bancando suas despesas em bons e sofisticados restaurantes lá fora. O jornalista José Casado, do Globo, fez um levantamento minucioso dos gastos da estrutura presidencial e chegou a números espantosos. Foram R$ 9,3 bilhões no ano passado para sustentar a entourage que gira em torno dela com alimentação, vestuário, viagens aéreas, servidores, jardinagem, deslocamentos internos e externos, carros, combustíveis, cartões corporativos, vigilância privada e órgãos à sua disposição.

Essa despesa astronômica em um país em crise, mostra que a reforma ministerial da Dilma é pura balela. Como foi também para inglês ver o corte de 10% nos salários dos ministros. Não se conhece até hoje nenhum resultado positivo para a economia do país advinda das viagens da Dilma. O custo benefício é praticamente zero, danoso para a nação. Na verdade, o que se conhece muito bem são as suas gafes quando fala com a imprensa internacional. A mais recente delas é a da falta de tecnologia para “estocar ventos”. Esse folclore gerado por uma presidente tonta e descoordenada tem sido motivo de pilhérias e a descredencia a falar em nome do Brasil.

A falta de preparo para enfrentar os problemas da economia, aliada a incompetência para colocar novamente o país nos trilhos do desenvolvimento, é fruto de erros sucessivos que se acumulam nos últimos cinco anos desse desgoverno, que tem na chefia uma presidente que caiu de paraquedas no maior cargo público da nação.

A última pesquisa mostra que os brasileiros não querem mais sustentar um governo incapaz e inepto como esse. Os números indicam que de dez brasileiros, sete não a querem mais no cargo, índice jamais alcançado por outro presidente no poder. Além da notória incompreensão dos problemas sociais e econômicos do país, a Dilma tem dificuldades para dialogar com os políticos e empresários, hoje órfãos de uma interlocução consistente. É desse vazio de comando que muitos petistas se prevalecem para assaltar os cofres públicos.

Veja aqui apenas um aperitivo do que apurou José Casado para sustentar a sua matéria no Globo: “Ano passado, as despesas do núcleo administrativo diretamente vinculado a Dilma somaram R$ 747,6 milhões. Pouco mais da metade disso (R$ 390,3 milhões) foi usado para pagar assessoria e serviços prestados à presidente nos palácios onde trabalha e reside e durante as viagens. Dilma já custa para os brasileiros praticamente o dobro do que a rainha Elizabeth II e a família real para os súditos britânicos.
O luxo anual:
R$ 3 bilhões com serviço de vigilância privada pagos às empresas Confederal, TBI, Albatroz e Santa Helena Vigilância;
R$ 220 milhões com serviço de manutenção do Palácio do Planalto;
R$ 302 milhões gastou com festas e comemorações o ano passado;
R$ 16 milhões com alimentação no Planalto. Desse total, uma fatia de R$ 1,3 milhão fica reservada para prover a despensa, os cardápios sob encomenda e a adega da presidente, com capacidade para 2.000 garrafas;
R$ 7,4 milhões para manter 28 copas, por onde transitam 88 garçons e 58 copeiras impecavelmente vestidos;
R$ 4 milhões anuais com jardinagem e irrigação do Palácio da Alvorada.

“Em viagens ao exterior”, segundo José Casado, “Dilma prefere hotéis às residências oficiais nas embaixadas brasileiras. Em junho, passou três dias numa suíte do St. Regis, em Nova York, decorada por joalheiros da Tiffany. Depois, passou um dia em São Francisco, Califórnia, no hotel Fairmont, cuja suíte principal tem um mapa estelar em folhas de ouro contra um céu de safira. O custo médio das diárias nos EUA foi de R$ 36 mil. Para servi-la e à comitiva foram contratados 19 limusines, 15 motoristas, dois ônibus e um caminhão para transportar bagagens. Custou R$ 360 mil. Em Atenas, na Grécia, em 2011, a presidente gastou R$ 244 mil numa “escala técnica” de 24 horas — mais de R$ 10 mil por hora”.

Pois é, é pura demagogia o corte de 10% que ela determinou nos seus salários (R$ 26,7 mensais) e dos seus 31 ministros. E o brasileiro, coitado!, mesmo desempregado, continua sustentando essa orgia de gastos da presidência.

O ano político terminou?

Prevista para hoje, uma reunião do Conselho de Ética da Câmara deverá examinar o pedido de deputados da oposição para abertura de processo contra Eduardo Cunha, por quebra do decoro parlamentar. A acusação é dupla: manter contas bancárias na Suíça sem participação à Receita Federal e haver mentido numa CPI, dizendo não possuir dinheiro fora do país.

No Conselho de Ética as opiniões se dividem. Metade de seus integrantes entende haver motivo para a cassação do mandato de Cunha. A outra metade rejeitará o pedido. Até que os trabalhos se iniciem, à tarde, mudanças na composição do colegiado poderão acontecer. O presidente da Câmara tenta formar maioria em seu favor, para livrar-se liminarmente da acusação. Como são os partidos que indicam seus representantes, pressões vêm sendo feitas sobre suas bancadas e seus líderes.

Parece certo que, se o processo for iniciado, jamais se terá algum resultado antes do segundo semestre do próximo ano. A tramitação é demorada, com prazos para o relator a ser escolhido e a defesa.

Eduardo Cunha controla a maior parte do plenário, instância decisória final para a sorte de seu mandato. A impressão é de que escapará, caso não surjam fatos novos, como as manifestações do Procurador-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal. O provável é que nenhuma solução venha a ser adotada antes do final de 2016, quando vence o período do deputado na presidência da Câmara. Seu mandato parlamentar encerra-se em fevereiro de 2019.

Inegável tem sido seu desgaste, mas daí até à cassação a distância surge razoável. Atuando como verdadeiro líder da oposição, responsável pela defecção de boa parte da bancada do PMDB, o deputado fluminense tem na manga carta de reconhecido valor, o pedido de impeachment da presidente Dilma. Vem protelando sua decisão de aceitar e dar seguimento ao processo, ou arquivá-lo. Corre no Congresso a existência de um acordo de preservação mútua entre o palácio do Planalto e o presidente da Câmara. O governo influenciaria deputados da base oficial para posicionarem-se contra a cassação de Cunha, enquanto este congelaria o pedido de afastamento de Dilma. Um conluio à margem do conteúdo das acusações de um lado e de outro, muito comum entre nós, apesar de podre.

Em suma, salvo inusitados, o ano político parece haver terminado. A menos, é claro, que a crise econômica se torne pior do que já está, transformando-se em crise social. Nessa hipótese, poderia não sobrar ninguém. Nem Dilma nem Cunha. E nem nós…

A greve é um direito do trabalhador. Mas tudo tem limite. Em Brasília, professores, funcionários públicos, bancários – parou todo mundo. Existem, porém, categorias que a ética e a lógica impedem de fazer greve, mas fazem. Os médicos, por exemplo, deixando doentes graves sem atendimento. Pior ainda: os funcionários do necrotério e dos cemitérios. Ontem foi dia dos mortos, que nem direito a ser enterrados tiveram…

Filhos de Lula, netos do Brasil

Faz parte da pior cinematografia brasileira a obra em que Flávio Barreto tentou filtrar e tornar cristalinas as águas turvas em que mergulha a figura de seu "Lula, o filho do Brasil". O filme conta a história de um menino de origem miserável, cujo caráter teria sido marcado pela figura amorosa de dona Lindu, mulher de grande valor, que criou sozinha a numerosa prole. Em meio às dificuldades do sertão e da cidade grande, ela impôs a todos uma firme determinação moral: "Nesta família ninguém vai ser ladrão nem prostituta".


O filme e a frase me vieram à lembrança ao ler que o presidente nacional do PT, Rui Falcão, informado da busca e apreensão de documentos na empresa de Luís Claudio Lula da Silva, filho do filho do Brasil, exclamou indignado: "Tem tubarão e vão atrás de peixinho!". Referia-se a quem? Não sabia que Rui Falcão fosse dado a sutilezas e ironias. Sobre o mesmo episódio, o noticiário do dia 27 relatou que Lula se queixou amargamente da presidente e do ministro José Eduardo Cardozo, que não teriam intervindo para estancar as investigações. "A situação passou dos limites", haveria dito Lula.

De fato, passou dos limites. Os filhos de Luiz Inácio - Luís Cláudio e Fábio Luís - incorporaram Lula ao próprio nome e, em poucos anos, a exemplo do pai, se tornaram empresários muito bem sucedidos. Receita, não única, mas segura, para o sucesso no mundo dos negócios brasileiros: acrescente Lula ao nome ou seja parente do homem. Rapidamente, milhões cairão do céu em suas contas bancárias.

Não sei se o leitor destas enojadas linhas já reparou que a megalomania de Lula, a mesma que o leva a afirmar que acabou com a pobreza no país, tem a melhor representação precisamente no entorno do presidente e de seu partido. Companheiros que, em 2003, desembarcaram em Brasília viajando de ônibus e calçando chinelo de dedo, hoje vestem Armani e voam em jatinhos públicos ou privados. Nada mais acelerado (nem celerado!), em matéria de desenvolvimento social.

O filho do Brasil, pai dos pobres e padrinho dos ricos sem caráter, lida com tanta grana que se expôs a uma investigação da COAF. Enquanto isso, os netos do Brasil, os filhos do "filho", proporcionam lições de sucesso empresarial que deveriam ilustrar manuais em cursos de Administração. Fabio Barreto está devendo à nação um segundo filme, atualizando a biografia do filho de dona Lindu.

Percival Puggina

A volta da paranoia

Eu fui ver a “Ponte dos Espiões”, de Spielberg. O filme é sensacional. Trata daquele celebre caso do U2, o avião de reconhecimento que foi derrubado pelos soviéticos em 1960.

E mais importante do que o enredo é o contexto em que ele se passa: a loucura anticomunista dos norte-americanos daquela época. A paranoia estava estampada nos rostos dos militares e agentes da CIA durante a Guerra Fria. Vemos ali os rostos trincados, os olhos fuzilando ódio, as queixadas intolerantes, as beiçolas mussolínicas e implacáveis, todos os traços da estupidez competente que marca os defensores do ‘sonho americano, depois da Segunda Guerra Mundial.

Ali vemos os séculos da ideologia religiosa que começou com humildade bíblica e descambou para o rancor e a boçalidade fanática de hoje.

Eles acham que os democratas são “cães infiéis”, exatamente como pensam os muçulmanos. Os fundamentalistas que nos deram “tea parties” são um detergente. Querem limpar a América dominada pelos “esquerdistas” como o Obama, e encarnam o pensamento dos milhões de idiotas que jazem entre o hambúrguer e o sofá diante da TV, que acham que os problemas do mundo podem ser ‘raspados’, que dissidências se esmagam, que as complexidades devem ser achatadas, que o múltiplo tem de virar uno e que tudo tem um princípio (desde quando Deus criou o mundo há 6.000 anos...) e um fim que deve ser igual ao início. Eles ostentam uma certeza que nunca nos premia com um olhar compassivo, como aquele casal puritano no célebre quadro de Grant Wood, “American Gothic”.

Com a euforia multilateral dos anos 90, tínhamos esquecido o que era a boa e velha direita mesmo. Agora, ressurge no mundo uma grande busca de chefes, de líderes com bandeiras do “futuro”, um autoritarismo que renega a moleza inoperante e lenta da democracia.

A razão fracassa e instala-se o reino da estupidez. E o que é o fascismo senão a estupidez no poder?

Eu já estive lá, pouco antes da queda do U2. Eu vi a Guerra Fria de perto, vi seus efeitos na cabeça dos norte-americanos quando morei na Flórida em 1957, ainda “teenager”.

A cidadezinha era igual aquela do “Truman Show”. As ruas, pessoas, rituais, sorrisos e lágrimas, tudo parecia programado por uma máquina social obsessiva. A vida e a morte eram padronizadas, previstas: abraços gritados, roupas iguais, torcidas histéricas no baseball, alegrias obrigatórias, formando uma missão cheia de fé, como um carrossel de certezas girando para um futuro garantido. Os ídolos da época eram Elvis Presley rebolando na TV e James Dean, cadáver presente nos gestos e roupas da “juventude transviada”.



Não havia espaço para dúvidas naquela cidade, mas percebia-se que a solidez de certezas, se rompida, provocaria um grave desastre. Pairava um clima de intolerância entre os próprios brancos; eram os fortes contra os fracos, as meninas bonitas contra as feias, as sérias contra as “galinhas”. Eu, turista tropical, era um tipo misterioso; tímido mas, como era estrangeiro, os colegas da “high school” me poupavam por minha habilidade em dar-lhes “cola” em “spelling”, soletrando palavras de raiz latina que, para eles, eram enigmas.

A violência dos alunos me assustava. Eu me chocava com as botas de cowboy marchetadas de estrelas de prata, as facas de mola de onde a lâmina pulava, os casacos de couro negro, uma rebeldia reacionária e “republicana” dos anos de Eisenhower. Havia nos rostos um orgulho de cowboys.

Mas, desde 1949, com a explosão da bomba H pelos soviéticos, destronando a liderança dos destruidores de Hiroshima, os norte-americanos temiam outra humilhação.

Até que um dia chegou a noticia devastadora. Tinha subido aos céus o satélite russo, o Sputnik, girando como uma bola de basquete em órbita da Terra. Pânico na cidade. Em minutos, a cidade parecia um campo de refugiados, com cabeças inchadas, com pavor dos comunistas invasores.
No colégio, começaram “fire drills” incessantes, alarmes evacuando os alunos para porões e abrigos atômicos. O então senador Lyndon Jonhson berrou: “Brevemente estarão jogando bombas atômicas sobre nós, como pedras caindo do céu...”

No alto, o satélite Sputnik humilhava os norte-americanos, com seus “bip bips” como gargalhadas de extraterrestre.

A partir desse dia, lá em baixo, na cidadezinha da Flórida, eu mudei. Não para mim, mas para os outros. Os colegas “transviados” me investigaram com perguntas: “O que você acha? Teu país gosta dos russos?”. Eu tremia e escondia minha vaga admiração juvenil pelo socialismo. Eles me olhavam desconfiados – brasileiro, latino, sabe-se lá? Depois disso, não me pediam mais cola de palavras, mal me olhavam. Melinda ficou mais pálida e nosso namoro definhou.

Eu estava vendo o “choque e pavor” da América profunda. Essa era a época da chamada “silent generation”, passiva e ignorante. Sua reação era a mesma dos fundamentalistas do “Tea Party” hoje. São mais perigosos que os islamitas guerreiros, que explodem trens e aviões, mas não devastam o Ocidente, por rancor, vingança e onipotência, como fez o Bush.

Depois, quase acabou o mundo em 1962, quando os cubanos instalaram mísseis soviéticos na ilha.
Hoje, a paranoia da direita é mais difusa, disfarçada num mundo onde a polaridade Rússia x América acabou, apesar de que o Putin, o cover de Stalin, quer restaurar o tempo da KGB. Cresce a vontade de irracionalismo, diante da falta de soluções.

O caos é hoje uma trágica novela sem fim, como vemos na TV: islã virado em barbárie, Oriente Médio enterrado no lixo da primavera árabe, a miséria se afogando em barquinhos de borracha na costa da Itália, a insolúvel guerra do nazista Bibi Netaniahu contra os palestinos.

A chamada “direita” – mesmo fingindo de “esquerda” como no Brasil do PT – renasce em toda parte sem barreiras de contenção. Já pensaram se o Mitt Romney tivesse sido eleito? E se Hillary não ganhar? Virá um tempo de desprezo pela “sensatez” dos “fracos e covardes” democratas. A paranoia está de volta.

O tumulto

A fila do cartório estancou. No balcão, uma jovem senhora de cabelos prateados arriscava a serenidade diante do indecifrável. Para conceder um documento, exigiam-lhe o CPF da mãe.

Ela argumentava: — Mas a minha mãe morreu há trinta anos e nunca teve um CPF...

— Só com o CPF dela — repetia a cartorária.

Ao perceber que a fila a conduzira à fronteira de uma dimensão irreal, onde o absurdo é a regra, aventurou-se num quase patético pedido de ajuda: — Por favor, então me explique: como é que eu tiro o CPF de alguém que não é mais uma pessoa?

A escrevente mirou-a com firmeza, e retrucou: — Eu não sei, mas sem o CPF não faço.

Cármen Lúcia Antunes Rocha agradeceu e foi embora mastigando seus versos prediletos de Carlos Drummond de Andrade: “As leis não bastam/Os lírios não nascem da lei/ Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra...”

Três décadas atrás, nas aulas de Direito Constitucional na PUC de Minas, aprendera que o Estado existe para servir às pessoas. Hoje, na vice-presidência do Supremo Tribunal Federal, continua acreditando que o Estado não existe para infernizar a vida dos outros.

A vida real, porém, insiste em discordar. Milhares de brasileiros atravessaram o feriado prolongado em luta com a Receita Federal para pagar tributos. O governo juntou uma sopa de siglas (GFIP, FGTS, Caged, Rais, CAT, PPP, Dirf e TRSD, entre outros) num portal eletrônico, eSocial, que não funciona. Os prazos se esgotam e a Receita avisa: a multa será automática.

A burocracia permite colher impostos e plantar funcionários, especialmente num governo à caça de alianças com o baixo clero da política, para garantir aquilo que chama de governabilidade, traduzível em novos tributos para alimentar a máquina de 31 ministérios com 49,5 mil áreas administrativas, que se dividem em 53 mil núcleos devotados, aparentemente, a azucrinar a vida das pessoas.

A sociedade resiste. Sexta-feira, por exemplo, uma comissão consultiva do Senado deve anunciar um pacote de iniciativas com o objetivo de acabar com parte do papelório inútil do Estado que tumultua a vida nacional.

O primeiro projeto é simbólico da confusão burocrática brasileira: pretende-se reeditar norma instituída 47 anos atrás, no interminável ano de 1968, quando as tropas soviéticas esmagaram a Primavera de Praga e o regime militar brasileiro decidiu invadir a Universidade de Brasília. Trata-se da extinção do instituto da firma reconhecida.

Outra ação prevista é o fim das licenças conhecidas como alvarás, herança do absolutismo estatal. O emaranhado desse tipo de papelório oficial criou situações esdrúxulas como a do Leblon, bairro da Zona Sul do Rio, onde oficialmente não existem restaurantes. Todos os locais onde há comida para venda são classificados como “lanchonetes”.

É assim porque uma antiga norma municipal de 49 páginas, com 102 artigos e inúmeros derivativos em resoluções e decretos, determina que o Leblon só pode abrigar comércio de refeições ligeiras e frias.

É outro desses casos em que a burocracia persiste na defesa do status quo, muito tempo depois que o quo perdeu o status.

Ninguém pode garantir que a crise esteja superada em 2018

O Brasil sempre foi roubado pelas elites dirigentes, desde o Império até a República atual. Quantificar o total de cada fase histórica e de governos em particular, me parece uma tarefa inglória fadada ao insucesso. A tendência humana é crer que a crise do momento seja a pior possível. Mas, esquecem que já tivemos inflação de 80% ao mês, quando Maílson da Nobrega era ministro da Fazenda.

Nenhum de nós pode afirmar que “estaremos melhores” no longo prazo, quer dizer, em 2018. A crise atual é um pouco a crise do capitalismo. A decadência começou em 2008 e atingiu o conjunto das nações. Europa e EUA ainda capengam por conta da bolha imobiliária americana, o estopim da crise no mundo ocidental, que vem atingindo todos os continentes.

No caso brasileiro, principalmente a queda do crescimento da China nos atingiu em cheio. Basta citar a Vale do Rio Doce, privatizada por FHC, experimentou um prejuízo – contabilizado agora em outubro – da ordem de 3 bilhões de dólares. E olhe que estamos falando de uma empresa privada, vendida na bacia das almas pelo governo de FHC, por apenas 3 bilhões de reais.

Vamos aguardar se essa antes próspera Vale do Rio Doce possa superar o momento crítico sem demitir trabalhadores, os primeiros que perdem ao menor sinal de crise.

Os políticos do século passado eram melhores do que os atuais. Reconheço que houve um retrocesso na qualidade da atividade parlamentar e na capacidade intelectual de suas excelências. Ouso afirmar que o Congresso atual é o mais conservador dos últimos tempos e o fato se reflete no ânimo do povo, que tem demonstrado desprezo por seus representantes.

E para falar a verdade, o povo não tem nada a ver com a crise econômica e política. O povo tem feito a sua parte, conforme se constata na primavera junina e nas passeatas pedindo o fim da corrupção e melhores condições para todos. Então, o que esse povo pode fazer mais?

“A esquerda acabou”. Muito bem, então só sobrou a direita para governar os povos! A natureza é sábia, basta olhar as flores do campo e ver que nenhuma é igual a outra. Entendo que deva haver várias tendências políticas.

Lula roubou do povo a crença nos homens públicos

Não é minha intenção lavar sujeira de ninguém. Acho que Lula tem se mostrado um pilantrão. E é essa ideia nova a seu respeito o motivo maior do que se tem falado, mais importante do que o fato de seus filhos envolvidos estarem envolvidos na corrupção. O povo tinha em Lula uma esperança. Essa esperança está se diluindo a cada dia. Lula era visto como o pobre que chegou à Presidência. Lula era visto como o estereótipo da superação na vida. Tanto que os escândalos não o abalavam em nada. Mas com essas provas do envolvimento dos filhos a coisa muda. Passa-se a por uma dúvida onde antes era certeza. Todas as acusações contra ele anteriormente refutadas passam a fazer sentido no imaginário popular. E isto pode ser a desgraça do nome do Lula.

O povo está aturdido, porque assim se perde uma referência importantíssima. Está se revelando um Lula que não é o Lula do povão. Está se revelando pro povão um Lula bandido, peralta, calculista. Isso choca a opinião das pessoas, que estão sendo obrigadas a reformularem seus conceitos. Exatamente por isso, têm a maior relevância esses fatos envolvendo os filhos do ex-presidente. Mais do que uma quantia em dinheiro, foi roubada do povo a crença nos homens públicos.

Bem, o problema todo é que o Lula vendeu a imagem de um santo e tem entregado ao povo a realidade de ser apenas mais um corrupto. As pessoas não perdoam os “deuses” que falham. O que os filhos do Lula fazem de errado não é exagero nenhum comparado aos filhos dos outros políticos poderosos e influentes. O problema do Lula é exatamente o fato de querer ser o santo imaculado. Isso irrita mais do o próprio fato de roubar. Eu acredito que todo mundo tira uma casquinha de um pai presidente. Ora, se você tem um primo de segundo grau delegado você se acha muitas vezes o rei da cidade, quanto mais se você for filho do presidente…

Não sejamos levianos. O que os filhos do Lula fazem é mais normal que o que a gente imagina. Não tenho nada contra eles; o problema mesmo é o pai deles continuar bancando o honesto, o pai dos pobres, o incomum, o deus da política. Isso é imperdoável.

Má partilha

À medida que o tempo passa, muita gente boa começa a fazer o inventário da trajetória do PT pelo governo, primeiro com o ex-presidente Lula e depois com a atual presidente Dilma Rousseff. Que herança vão deixar, no fim das contas, para a vida real do Brasil quando forem embora? Fora os próprios Lula, Dilma e seus admiradores, que pelas pesquisas de opinião somam hoje menos de 10% do público em geral, vai ficando cada vez mais difícil encontrar herdeiros satisfeitos, ou conformados, com a porção que lhes caberá na partilha. Não poderia ser diferente, com anos seguidos de governos dedicados a selecionar, o tempo todo, as piores opções disponíveis para lidar com qualquer problema — e, chegando aí, escolher sempre a pior de todas. Resultado: a menos que aconteça de repente algum fenômeno sobrenatural, a parte que cada um terá a receber nesse testamento vai ser uma perfeita miséria — salvo, é claro, para aqueles que de 2003 para cá souberam ficar no lado certo do guichê de pagamento do Tesouro Nacional e já receberam antecipadamente a sua parte. Mas nem tudo é prejuízo. Tirando casos puramente patológicos de lugares como a Venezuela, por exemplo, ficou claro a esta altura que Lula, Dilma, o PT e a "esquerda" brasileira têm hoje o que é possivelmente o melhor programa do mundo para governar mal qualquer coisa que tenha de ser governada. Junto com a herança, deixam um roteiro valioso para o futuro: se for feito o contrário do que fizeram, nada poderá dar realmente errado neste país.


Onde o governo petista foi à falência? A primeira resposta possível a essa pergunta é fácil: o PT tomou a decisão de governar o Brasil através do uso intensivo da corrupção. Não foi um acidente. Foi uma estratégia: os comandantes do partido e das forças a seu serviço se convenceram de que a maneira mais eficaz de ocupar a máquina do governo e não sair mais dali era encher de dinheiro público a si próprios, os amigos e os amigos dos amigos. A melhor prova de que agiram de caso pensado foi sua reação quando a ladroagem começou a ser descoberta — em vez de se corrigirem, procurando uma clínica de desintoxicação, partiram para a mais agressiva campanha pública em defesa da corrupção já registrada na história da República. É bem simples entender isso quando se considera que o maior feito do PT neste ano, em seu congresso nacional, em junho, foi aplaudir de pé o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, a mais graduada estrela petista nos processos de corrupção em massa na Petrobras, recém-condenado a quinze anos de cadeia pela 13- Vara da Justiça Federal de Curitiba.

A entrega da alma à roubalheira é o fruto inevitável do pecado original que envenenou os governos de Lula e Dilma — sua opção de viver em incesto com o Brasil velho, velhíssimo, cujo mandamento número 1 é transformar o patrimônio público em propriedade privada de quem está mandando nas engrenagens do Estado e do Erário. O PT é hoje um grande especialista em virar páginas da história para trás — ficou mais parecido do que nunca com a "direita", que tanto ataca nos palanques e tanto copia nos atos da vida real. Investiu tudo para deixar as questões essenciais do país exatamente onde sempre estiveram e, obviamente, só poderia obter os mesmos resultados. A prova desse casamento com o atraso está nos fatos. O Brasil de 2015 continua sendo, como era em 2003, um dos países campeões do mundo em desigualdade social. Os sindicatos de trabalhadores jamais foram tão fracos; são apenas repartições públicas que obedecem ao governo, vivem de dinheiro tirado dos impostos e têm como principal função fornecer sustento e prosperidade a seus próprios dirigentes. A maior despesa do poder público está no pagamento de juros.

A matriz dos erros do PT e de seus governos pode ser encontrada, basicamente, numa prodigiosa preguiça mental que os faz viver em pleno século passado. Suas lideranças são proibidas de pensar. Continuam dependentes de ideias mortas, repetindo o palavrório usado pela esquerda nos anos 80, ou 50, ou até 30; recusam-se a entender que o "socialismo" é uma fé extinta, como o esperanto ou a crença na Terra plana, e recusam-se a fazer o mínimo esforço para conviver com as realidades de um mundo regido pela liberdade econômica, pelo império do conhecimento e pela democracia. A consequência é que o PT não consegue funcionar como fonte geradora de nenhuma proposta coerente para o Brasil; tem um método, mas é incapaz de ter um programa. Não reage mais a estímulo algum. É como se estivesse em estado de morte cerebral, respirando artificialmente por aparelhos — no caso, os cargos que ocupa na máquina pública, e apenas isso. Os "movimentos sociais" que apresenta como sua grande base de apoio não podem mais sobreviver sem dinheiro público. Mais que tudo, talvez, o PT e a esquerda nacional não existem sem Lula. A recusa em pensar os condenou a viver como um bando de passarinhos pendurados no fio elétrico — pousam e levantam voo sem nunca saber por quê, preocupados unicamente em ir para onde Lula está indo. Pagam, agora, um preço alto por sua opção: quando não houver mais Lula, não haverá mais PT.


Após treze anos no poder, o PT e a esquerda se tornaram a mais agressiva de todas as forças que hoje atuam contra as mudanças indispensáveis para o avanço social do Brasil. São defensores intransigentes de aberrações como o "ensino superior gratuito" — um prodígio de injustiça pelo qual a empregada doméstica paga a universidade pública dos filhos da patroa. Não admitem a mínima reforma no mais selvagem sistema de concentração de renda hoje em vigor no mundo — a Previdência Social brasileira, que gasta mais dinheiro com 950 000 aposentados do funcionalismo público do que com 27 milhões de cidadãos que passaram a vida trabalhando fora do governo. Chamam de "conquista social" o que é privilégio. Confundem pleno emprego com emprego a qualquer custo — e se tornam, com isso, os grandes incentivadores do barateamento do trabalho neste país. Vivem em guerra contra o lucro das empresas, incapazes de entender que empresas sem lucro não contratam nem aumentam salários. Ignoram que a única hora em que o trabalhador fica em posição de vantagem é quando as empresas estão indo bem, pois só aí investem; só quando investem, aumentam a oferta de emprego — e só aí precisam pagar mais pela mão de obra. Lula, Dilma e o PT acham que "o governo" tem dinheiro para "distribuir", quando a sua única fonte de recursos é o dinheiro dos outros — é inevitável que um dia falte, pois não pode ser reproduzido por vontade divina, e nessas horas os que menos receberam são os primeiros chamados a devolver o pouco que lhes foi dado, como se vê na recessão de hoje. Não admitem que só o bom funcionamento da economia de mercado é capaz de criar e aumentar renda. São os inimigos número 1 do mérito individual como gerador de progresso. Não aceitam a ideia de que a desigualdade tem de ser combatida com a garantia de oportunidades iguais para todos, e não com a distribuição automática dos mesmos resultados — que têm, obrigatoriamente, de variar segundo o talento e o esforço de cada um.

O Brasil que o PT quer é esse. Não pode dar certo.

Ideias fúnebres no Brasil zumbi

1. "Conquistas sociais" de quase uma década vão se perder em um triênio de recessão, 2014-16, se diz. Se foi tão pouco e tão breve, eram "conquistas" e "sociais"?

2. Este curto século 21 foi de reparações diminutas dos danos da nossa guerra social sempiterna: Bolsas diversas, cotas, subsídios para a educação superior ruim, subsídios para novas "Cohabs". Etc.

3. O trabalho se manteve precário. Não se trata aqui dos bicos. Trata-se de um sistema social e econômico de produzir empregos de escasso sentido humano e produtivo. De precariedade sistêmica.
4. Dos 92 milhões de ocupados no país, 6 milhões são domésticos. Um em quinze. Ganham em média um terço do rendimento médio do restante dos trabalhos. Se estes já não são grande coisa, meça-se o tamanho do trabalho doméstico pelas reações selvagens à mera tentativa de equiparação legal aos demais.

5. Há 1,42 milhão de domésticos no Estado de São Paulo, também 1 em 15 trabalhadores. Ganham em média pouco mais de R$ 900, menos que o piso de porteiros ou ascensoristas.

Há uns 125 mil porteiros na cidade de São Paulo, dizem sindicatos; 30 mil ascensoristas; 30 mil zeladores. Há 15 mil cobradores de ônibus. No Estado, há cerca de 290 mil seguranças privados legalizados; cerca de 100 mil frentistas.

6. Algo deu muito errado para que se sujeitasse tamanha massa de pessoas a ganhar tão pouco por trabalhos tão pouco produtivos, pois. Que faltam educação e infraestrutura é obvio. Por que faltam é a pergunta complicada.

7. O número de domésticos voltou a aumentar em 2014.

8. Nestes anos de reparações diminutas da guerra social e do ativismo reformista simbólico, identitário ou similar, a esquerda e suas lideranças pouco ou nada trataram de educação popular e, menos ainda, de SUS.

9. O governo da esquerda entrou em colapso a partir de 2013. Junho de 2013 parece ter acelerado ainda mais a marcha forçada da inépcia e da falta de sentido da política econômica de comprar paliativos sociais e empregos incertos com aumento de dívida pública, que também financiava o outro lado do balcão, empresas grandes e oligopólios, com subsídios muito maiores, um resumo rápido da "Pax Luliana", a grande conciliação.

Junho de 2013, o tombo do prestígio do governo e as necessidades eleitoreiras a seguir levaram o erro catastrófico ao paroxismo. Mas "erro" é explicação simplória para esta caminhada à beira do abismo.

10. O ódio contribuiu para o impasse dilacerado a que chegamos. A intensidade do ódio não é fácil de explicar: as rendas de todos subiam, não houve imposição de perdas econômicas decisivas a grupo nenhum.

Sim, houve fricção de status, ameaça simbólica da ordem, para pincelar numa frase um assunto imenso. O ódio começou bem antes do ressentimento nas derrotas eleitorais e da exposição inédita de um sistema de fraude (corrupção imensa e estelionato eleitoral).

11. Por que foi assim (anos de analgésicos sociais, anabolizantes econômicos, corrupção essencial do sistema, pública e privada, reacionarismo parlamentar)? Que política produziu isso? Este impasse apático vai acabar apenas quando ou se a recessão produzir conflito generalizado?

Mortos sem sepultura

Lula privilegiou a conexão eleitoral que o consagrou e não descansou um só dia até contaminar todas as instituições com sua visão utilitária da política

Quando percebeu que a perseverança e a conversão ao centro ajudavam a vencer o preconceito, Lula vislumbrou sua trajetória em direção ao topo. Embora tenha chegado lá, no lugar a que tantos aspiram, não conseguiu pacificar as tensões da sua personalidade e o estilo informal de sua influência. Fez-se vitorioso sem abrir mão da sensação de vítima, como se seu lugar na sociedade fosse insuficiente.

Do arsenal de habilidades que lançou mão, além do frisson de devorador de rivais e de usufruir todos como coadjuvantes, compreendeu sua responsabilidade como se o protagonista de uma peça fosse o mais livre de restrições no desempenho do papel. Sentindo-se abençoado pela religiosidade cristã e a esquerda disponível, imaginou que Deus e Trotski abririam uma exceção para ele, diante da grandiosidade do pecado dos outros. Imaginou-se o único capaz de fazer um milagre em favor dos oprimidos. E assim, combinando improvisadas afeições que chamou “programa de governo”, conduziu sua vida pública nos últimos 30 anos.

Privilegiou a conexão eleitoral que o consagrou e não descansou um só dia até contaminar todas as instituições com sua visão utilitária da política. Ainda assim, impulsionou um país constituído pela falta e a injustiça. Mas misturou de tal maneira a lua de mel da vitória com a idolatria da lealdade que deu a quem o derrotou o bem que o acusavam de pedir. Recém-chegado, e já vendo seu poder se estender por todo o reino, nem se deu conta de que fosse possível amar alguém ou alguma coisa desejando inteiramente sua posse. Agora, sentindo o indomável poder seguir sua rotina, intimida a Justiça, enquanto tenta absorver a sensação de sentir-se igual a tudo que condena.

A paixão por pessoas indiferenciadas, sem voz nem vez, virtude original que reuniu antigamente tantos sonhadores, passou a competir com o “sempre já aqui” das coisas imutáveis que estão nas raízes do Brasil.

O que esgotou o humanismo que deu origem às Caravanas da Cidadania e fazia um homem perdido no interior elevar-se ao grau de cavaleiro por ser reconhecido como igual por um líder autêntico? A corrente de esperança secou subterraneamente, desmistificando a aparência progressista de um discurso irritado que sempre deixa a sensação de oportunidade para outros interesses. Milhares de fundadores que viram na bondade e na mudança a fonte do prazer para entrar em um partido não o fizeram por este arrebatamento autodestrutivo da política. No mundo dos vivos que é o poder, os idealistas são sempre os mortos sem sepultura.

Dedicado a somente usufruir as forças econômicas sem lhes dar alento e desenvolvimento material, o período petista não estimulou nem requereu novos materiais, nova cultura, uma economia renovada e vital. Lançado à especulação, contentou-se com a apropriação improdutiva da herança política e material. E, mesmo assim, escolheu mal: preferiu o seu refugo. Sem se interessar pelo destino para o qual parecia ter nascido, confundiu a melodia do passado com o futuro. E, elogiado pelos novos sócios, fez-se surdo às críticas dos velhos amigos: “Para o que serve quem chora/ Se estou tão bem assim?”

Paulo Delgado

Impunidade encoraja ataques contra jornalistas no Brasil

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O 2 de novembro foi eleito pela Unesco como o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas. Mas profissionais como Lúcio Flávio Pinto, que há 49 anos trabalha como repórter no Pará, têm pouco a celebrar. Suas reportagens denunciando corrupção, fraudes e esquemas de grilagem – uso de documentos falsos para a apropriação de terras públicas – na região amazônica já lhe renderam prêmios. E também dezenas de ações na Justiça, agressões físicas e ameaças de morte. Todas impunes.

"A ironia é que durante o regime militar fui processado só uma vez, e o caso foi arquivado. Desde 1992, num regime democrático, fui alvo de 33 processos com cinco condenações. O objetivo é me calar. Isso prova que vivemos numa democracia formal, mas não numa democracia real, já que os interesses de grandes grupos predominam sobre o interesse público", diz Pinto, que há 28 anos edita quinzenalmente o Jornal Pessoal em Belém.

Ano eleitoral, 2014 foi violento para os jornalistas brasileiros. Perseguições, ameaças, assédio, intimidações e até assassinatos, sobretudo no Norte e no Nordeste, são rotina. Segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em 2014, três jornalistas foram assassinados e mais de uma centena sofreu algum tipo de agressão. Ao todo, foram 129 episódios de violência — menos que os 181 de 2013, mas os números enganam: foram assassinados, ainda, três radialistas e um blogueiro, crimes que não constam do número geral da violência contra jornalistas, já que tais profissionais não pertencem oficialmente à categoria.

E a impunidade predomina. Nove entre cada dez assassinatos de jornalistas no mundo não são esclarecidos, indica o relatório "Tendências Mundiais do Desenvolvimento da Mídia e da Liberdade de Expressão: foco digital especial 2015", divulgado nesta segunda-feira (02/11), pela Unesco. Os números apontam que, entre 2014 e 2015, ao menos 40 jornalistas ou profissionais de comunicação foram assassinados somente nas Américas, segundo a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Brasil e México são os únicos representantes da América Latina numa lista de 14 países, elaborada pelo Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), onde os responsáveis por assassinatos de profissionais de imprensa permanecem livres. Somália, Iraque e Síria figuram no topo do Índice Global de Impunidade 2015.

Segundo o CPJ, o México aparece em oitavo lugar do ranking, com 19 homicídios não esclarecidos. E o Brasil manteve a 11ª posição, com 11 casos não elucidados. "Apesar de uma crescente melhora no histórico de condenações, a violência letal contra jornalistas segue superando a velocidade da justiça no Brasil”, pontua o relatório.

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