quarta-feira, 18 de julho de 2018

'Aqui no Brasil não tenho futuro'

Uma coisa é uma pesquisa fria revelar que 63% dos jovens brasileiros desejam buscar uma vida melhor fora do país, e outra é ficar cara a cara, como me aconteceu outro dia, com um desses jovens, em carne e osso, um técnico de eletrônica que te olhando com uns olhos visivelmente tristes, confidencia: “Estou pensando em ir embora. Eu estou procurando de Portugal até a Austrália por um lugar onde eu possa desenvolver minha profissão. Aqui, no Brasil, não tenho futuro.” E acrescentou: “Quero viver em um país sério.” Senti pena e raiva ao mesmo tempo.

O Brasil vive, de fato, um grande vazio de liderança política. Deixou de ser não só o país do futuro, como se bradou um dia, mas até mesmo do presente, onde os jovens sentem que muitos dos que os governam pensam mais em como manter seus privilégios e perpetuar-se no poder do que ouvir o que esta sociedade pede e o que rejeita. Talvez fosse isso o que o jovem entendia por um país que não é sério.

Neste momento, por exemplo, nenhum dos candidatos às próximas eleições presidenciais parece ter um projeto de país com maiúscula capaz de oferecer esperança a uma sociedade mais madura do que pensam os políticos. Talvez não seja por acaso e tenha tido matizes políticos o fato de que, com um dos melhores times da Copa do Mundo, o Brasil tenha perdido o hexacampeonato que tantos lhe preconizavam. Os possíveis candidatos à presidência do Brasil – um país grande como um continente, onde muitos estados agonizam mergulhados em dívidas e castigados pela violência – não parecem oferecer uma renovação profunda.

Desgastados como estão pela pequena política de curral, vendem-nos o triste espetáculo do vazio de projetos. Parecem estar pensando mais em como ganhar segundos de propaganda eleitoral, como conseguir o apoio dos partidos que se vendem à melhor oferta, sem importar se são ou não afinados com sua ideologia. Tudo parece valer para conseguir votos em uma feira onde se põe à venda até a própria identidade.

Nos muitos partidos brasileiros, quem continua dando as cartas são os de sempre, mesmo os envolvidos em escândalos de corrupção, impedindo a passagem de novos líderes jovens. E, no entanto, o Brasil é um país que precisaria de uma renovação profunda capaz de saber usar a força de sua sociedade rica em recursos naturais, com mil experiências de vanguarda que se perdem no vazio da falta de projetos em nível nacional onde canalizá-las. Para esse Brasil que quer mais, os políticos continuam oferecendo o prato de comida rançosa de sempre. E isso em um mundo que se espelha na pós-modernidade, aquela que não assusta os jovens. Querem-na e procuram-na lá fora. E irão embora se não se sentirem realizados aqui.

Estará algum candidato de fato pensando em preparar um futuro de segurança e modernidade, sem ideologias ultrapassadas, para os milhões de jovens que lutaram para chegar à universidade e agora sonham em vencer? Pelo contrário, parece que os candidatos a governar o país se esforçam para se maquiar e se disfarçar para conseguir votos de qualquer jeito. Até o ultradireitista Bolsonaro que sempre demonstrou desprezo pelas minorias hoje diz que temos de aceitar “como irmãos” os afrodescendentes, de quem disse um dia que “não serviam para procriar”.

Vemos até candidatos progressistas dispostos a se prostituírem para aumentar o consenso fazendo pactos obscuros com partidos corruptos e conservadores, indicando que vale tudo para ganhar as eleições. O que menos parece importar aos políticos que pretendem tomar as rédeas do país em suas mãos é o Brasil como um projeto. Um projeto que não só o pacifique, mas que também abra novos caminhos.

As eleições de outubro serão um teste para ver se podemos começar a esperar algo diferente de toda essa pobreza política que está aí e que logo começará a ser gritada em uma propaganda ruidosa e vazia. Será a sociedade, com seu voto, capaz de ganhar uma copa melhor do que a que perdeu na Rússia? Será capaz de oferecer um país sério, aquele que o jovem técnico está disposto a ir buscar lá fora porque não o encontra aqui? Ele mesmo disse: “Se pudesse, preferiria morar aqui, onde nasci e onde tenho minha família e meus amigos”. Esse “se pudesse”, deveria envergonhar aqueles que têm o poder e o dever de criar condições para que esses jovens não tenham de fugir abandonando suas raízes.

Para as devotas, ladroagem é crime político

Uma consulta a qualquer dicionário informa que presos políticos são indivíduos encarcerados por expressarem, por palavras ou atos, sua discordância com o governante, ou os governantes, de um país sob regime autoritário. Essa espécie de prisioneiro não existe em nações democráticas. O Brasil não tem nenhum. Preso político é coisa de ditadura. Em Cuba, passam de 140.

Simples assim, certo? Errado, ao menos para cérebros em desordem. Despachadas para Havana, onde circulam no momento com o crachá de representantes do PT no encontro do Foro de São Paulo, Gleisi Hoffmann e Dilma Rousseff continuam vendo o mundo pelo avesso. Para pessoas normais, Lula é um caso de polícia como tantos outros. Para as devotas do ex-presidente presidiário, está engaiolado em Curitiba um preso político.


Ao contrário dos oposicionistas cubanos encarcerados por crimes de pensamento, Lula foi instalado numa cela não por chefiar um grupo de ativistas dissidentes, mas uma quadrilha — e uma quadrilha que merece um gordo verbete no Guiness: desde o Dia da Criação, nenhum esquema corrupto engoliu tanto dinheiro. A condenação a 12 anos e 1 mês de cadeia (por enquanto) foi determinada não por alguma Lei de Segurança Nacional, mas pelo Código Penal.

Afinadas com os demais dinossauros reunidos na ilha-presídio, Dilma e Gleisi negam a existência de presos políticos em Cuba. Todos aprenderam com Fidel Castro que o que há são espiões a serviço de potências estrangeiras, agentes da CIA, lacaios do imperialismo americano, gente decidida a fazer o diabo para liquidar o paraíso socialista banhado pelo Caribe.

Além de ordenar a imediata soltura do amigo brasileiro, Raul Castro exigiu num manifesto a presença de Lula nas eleições diretas para presidente. Admita-se: aos 87 anos, o ditador de pijama é um homem de boa memória. Ele ainda lembra o que é eleição direta — coisa que ocorreu em Cuba pela última vez há quase 70 anos.

Quem era criança quando ocorreu a revolução comunista não sabe a diferença entre uma urna e uma escrivaninha.

Escolha cuidadosamente. E daí?

Vamos fazer de conta que todos os que se dizem candidatos vão mesmo ser candidatos (não vão – mas no Brasil acontecem tantas coisas estranhas que, de repente, pode até ser que os candidatos estejam falando a verdade).

O líder das pesquisas, Jair Bolsonaro, lembra com saudades o regime militar, em que a presença do Estado na economia foi gigantesca. Já se manifestou em favor de mais Estado na economia. Mas seu principal guru econômico é Paulo Guedes, seguidor da Escola de Chicago, que defende menos Estado na economia e mais iniciativa privada.

Alckmin é do mesmo PSDB de Fernando Henrique, que privatizou a Vale, os telefones, muitas rodovias. Mas foi Alckmin que vestiu a jaqueta ridícula cheia de nomes de empresas estatais, num debate com Lula, para provar que era contra privatizá-las. O PSB inclui, em seu nome, a ideia socialista. Mas pode acabar apoiando Alckmin, que nada tem de socialista. Ou Ciro, que se diz de esquerda, mas foi quem implantou o Plano Real.

Lula não pode ser candidato, por causa da Lei da Ficha Limpa. Mas quer ser o candidato preferencial da esquerda. Em seu Governo, empreiteiras e banqueiros jamais ganharam tanto, nem foram tão agradecidos.

O caro leitor escolhe com carinho o candidato que exprime suas ideias. Mas pode estar votando contra o que pensa. Como se defender desse risco?

Difícil: tendo sorte, talvez. Chamar os universitários não adianta.

Brasil pós-Copa


Bomba fiscal: silêncio de candidatos é insanidade

O Congresso deveria entrar em recesso nesta semana. Mas as férias, como de hábito, foram antecipadas. Antes de entregar o Legislativo às moscas, na semana passada, os congressistas enfiaram uma bomba-relógio dentro do Orçamento da União para o ano fiscal de 2019. Eles criaram despesas sem cobertura e anularam fontes de receita. Agiram assim políticos da oposição e também do governo. Ainda não se sabe quem será o próximo presidente da República. Mas uma coisa já está clara: seja quem for, sua prioridade será desarmar a bomba fiscal.

Curiosamente, os principais à poltrona de presidente da República candidatos ao Planalto reagiram à maluquice dos congressistas com um silêncio insano. Agiram assim porque estão metidos em articulações políticas para atrair aliados. E não querem comprar briga com partidos que podem lhes ceder alguns segundos adicionais no rádio e na TV. Os donos desses segundos são os mesmos partidos que aprovaram a bomba fiscal.

Os presidenciáveis fazem silêncio diante a perspectiva de uma explosão fiscal com potencial para mandar o futuro governo para os ares. E isso é perturbador. Revela que, quando a política atinge a fronteira do bom senso, o país entra no estágio da loucura, como ocorre agora no Brasil. Ironicamente, os candidatos se fingem de malucos justamente para não prejudicar a costura de alianças que aumentarão o tempo da propaganda eleitoral em que cada um exibirá suas credenciais para dirigir o hospício. A loucura, como se vê, tem razões que a sensatez desconhece.

Hemiplegia moral

A missão do chamado "intelectual" é, de certo modo, oposta à do político. A obra intelectual aspira, frequentemente em vão, a aclarar um pouco as coisas, enquanto a do político sói, pelo contrário, consistir em confundi-las mais do que já estavam. Ser da esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser um imbecil: ambas, com efeito, são formas da hemiplegia moral 
Ortega y Gasset, "A Rebelião das Massas"

Lições da Copa ou anarquia judicial?

O frenesi profundo e vasto que tomou conta do Brasil em razão da Copa do Mundo só podia se transformar (ou redundar) na desolação dos dias seguintes à nossa eliminação. Elevamos o futebol à condição de mito salvador, quase um messias, como se a bola apontasse e demarcasse nosso destino glorioso de país.

O desconcerto foi tanto que só não distorceu ainda mais o cotidiano porque, aqui, três deputados decidiram armar uma ardilosa bofetada na própria Justiça e, com ela, tentar libertar o ex-presidente Lula da Silva. A manobra estendeu-se por um fim de semana, expôs a Justiça à torpeza do ridículo e, assim, deixamos de só pensar na Rússia...


Sim, pois na Copa fomos muito além do desporto. Depositamos nos pés dos atletas as esperanças que já não recebemos das mãos dos governantes e dos poderosos do setor privado que (nos labirintos do suborno) governam mais do que os próprios governos. A próxima eleição deveria abrir novas portas, mas as medíocres candidaturas presidenciais, surgidas do nada e rumando ao nada, nos afastam da política. Incapazes de apontar soluções, o vazio nos levou a pontos mais concretos.

Um drible de Neymar fazia esquecer até a investigação sobre os portos e outras interrogações sobre Michel Temer. Uma defesa de Alisson valia mais do que as sessões do Congresso em Brasília ou das Assembleias nos Estados, em que os parlamentares se amontoam no corredor, contam piadas ou gritam ao telefone celular, alheios ao tema em debate. Um passe errado de Coutinho era mais dramático do que o ministro Gilmar Mendes mandando soltar presos por corrupção, com base na lei.

Lá, na Rússia, nos livraríamos até do pesadelo da Lava Jato e das dezenas de investigações similares que, a cada dia, apontam um novo assalto aos cofres públicos urdido no tríplice conluio de políticos, altos funcionários e grandes empresários. Já não nos preocuparíamos com a violência urbana nem com o narcotráfico ou o horror das drogas. Menos ainda com a contínua destruição do meio ambiente, que aceitamos como “cataclismo natural”, sem entender que é obra nossa.

Transplantados a um paraíso artificial, colocamos o Éden bíblico nos pés de 11 atletas e fizemos de Tite um titã a nos guiar na esperança de termos algo grande pelo qual sentir orgulho. Sim, pois Tite mostrou ter ideias de como ir adiante e as expressou com a decisão de quem fez um diagnóstico profundo de tudo – da cabeça aos pés – para, só depois, apontar caminhos.

Quem de nossos guias na política e na sociedade diagnosticou, alguma vez, nossas mazelas e apontou caminhos para transformar o diagnóstico em solução? Os candidatos ao Planalto fogem das soluções. Repetem palavras vagas e genéricas, convencidos de que tolice é ciência.

Bastava isso para que a Copa lá, na Rússia, nos interessasse mais do que o cotidiano no Brasil.

Eis, porém, que num fim de semana um desembargador plantonista do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, lá no Sul, manda soltar o ex-presidente Lula da Silva, numa insólita decisão pessoal e unilateral, contraposta à do colegiado que o condenou por unanimidade e desafiadora ao próprio Supremo, que manteve a sentença. Mesmo revogada no dia seguinte, a ordem de soltura mostra que o caos anárquico dominante no Executivo e no Legislativo pode ter chegado, também, ao Judiciário.

E aí a ferida se aprofunda e se expande. Multiplica-se por si mesma, como processo cancerígeno a céu aberto, que pode atingir o infinito e nos destruir como sociedade. Quando a normalidade foge ou é atacada e as leis falham ou não se aplicam, resta-nos só a Justiça para não desaparecermos como sociedade organizada. Mas o que fazer ou onde iremos dar se a Justiça gira como enlouquecida grimpa, apontando ora ao norte ora ao sul, segundo os ventos?

Que indicação do que seja “justo” pode nos dar uma Justiça tormentosamente confundida e enredada na barafunda interpretativa dos incisos ou parágrafos de artigos de leis que servem para tudo, como os curingas do baralho?

Todo ardil recorda aquelas iscas em que até os peixes mais ágeis “caem” presos no anzol. Ou, por acaso, não foi este o caso do juiz Sérgio Moro, que, de férias em Portugal, assinou um despacho como se em atividade estivesse?

Além de símbolo da Justiça isenta e ágil, Moro personifica a esperança e a coragem, virou monumento vivo em que os cidadãos independentes se espelham. Assim, não importa que tenha mostrado a incompetência do arbitrário desembargador-plantonista. Ao “morder a isca” (em férias, atuou na área do seu substituto), não terá mostrado que se despojou da imparcialidade do juiz que decide por aquilo que os fatos demonstram e que pune pelo que as leis determinam?

Um dos três deputados do PT autores do habeas corpus a favor de Lula é um respeitado e respeitável advogado, lúcido ex-presidente da OAB fluminense. Talvez tenha partido dele a ideia de fazer da astúcia uma ratoeira jurídica que prendesse qualquer um que farejasse o odor do queijo. A astúcia, porém, não é arma da justa Justiça.

Tal qual o Executivo e o Legislativo, o Poder Judiciário é um ente abstrato. Concretos são os governantes, os legisladores e os juízes que aplicam as leis com vistas a normalizar a vida em sociedade. Talvez comece aí a confusão dos dias de hoje, em que cada grupo ou grupelho busca apenas salvar o próprio quintal.

Nesta guerra de posições para comandar a política, tudo nos distingue da Copa e dos soldados que Tite organizou e comandou na batalha da Rússia. Nem a silenciosa corrupção na CBF interferiu em seu trabalho. Eis aí a grande lição da Copa, que supera até o anárquico caos da política, tão profundo que espreita até o Judiciário.

Coca e Ambev racham esquerda

Estava eufórica: “Comemoro nossa grande vitória, vitória do Brasil”.

Vanessa Grazziotin, senadora pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) do Amazonas, celebrava a garantia de uma renúncia fiscal de R$ 3,8 bilhões por ano no Orçamento da União para os produtores de refrigerantes instalados na Zona Franca de Manaus. Os principais beneficiários são empresas multinacionais, donas de mais de 80% das vendas no país.

Grazziotin exalava alegria porque conseguira impedir um corte de R$ 1,6 bilhão nas benesses estatais a essas empresas privadas. Michel Temer havia decretado redução nos incentivos, para usar o dinheiro em subsídios ao preço do diesel da Petrobras. A senadora do PCdoB comandou a derrubada da decisão do “governo golpista” no Senado, semana passada.

“Esses recursos iriam bater, diretamente, no caixa da Ipiranga, da Shell e outras”, disse, abstraindo a Petrobras, que é dona de 80% do mercado de diesel.


Houve desconforto no bloco oposicionista. “O que a gente anda votando aqui?”, protestou o líder do Partido dos Trabalhadores, Lindbergh Farias. “Isso é subsídio. Sabe quanto recurso público entra numa lata de refrigerante? De R$ 0,15 a R$ 0,20. É escandaloso!”

A cena era inusitada: a autodenominada esquerda rachou num embate sobre privilégios do Estado para dois ícones do capitalismo global, Coca-Cola e Ambev, beneficiários de dois terços dos incentivos dados ao setor de refrigerantes.

O PCdoB defendia o ajutório estatal às multinacionais em Manaus, como “alternativa à devastação da Floresta Amazônica”. A Zona Franca custa R$ 20 bilhões anuais aos cofres públicos.

O PT atravessou a última década apoiando subsídios de R$ 1,5 bilhão por ano às multinacionais de automóveis. Resolveu condenar subsídios às de refrigerantes, perfilando-se ao “golpista” Temer.

Adversário de ambos, e com família dona de concessionárias da Coca-Cola, Tasso Jereissati (PSDB-CE) interveio: “Senador Lindbergh, eu gostaria de saber por que, durante os 12 anos do PT, esse benefício foi concedido?” Ouviu insultos.

Sob Lula e Dilma, a Zona Franca de Manaus foi prorrogada por mais meio século, até 2073. Eles aumentaram o bolo de renúncias fiscais ao ritmo de 16% ao ano acima da inflação. Subsídios diretos somaram R$ 723 bilhões entre 2007 e 2016, valor maior que os gastos do sistema público de saúde durante sete anos.

Outros R$ 400 bilhões foram transferidos a grupos privados via empréstimos do BNDES, com aumento da dívida pública.

De cada dez reais em subsídios concedidos, oito são repassados sem transparência. Não há controle de eficiência, e a maior parte sequer tem prazo de validade — em tese, é perene.

As dádivas estatais multiplicam lucros das empresas privilegiadas, nacionais ou estrangeiras. Remetidos ao exterior, esses lucros são taxados como royalties nos países-sede dos grupos controladores.

Nesse enredo, o Brasil presenteia impostos, as empresas ganham, e os governos ricos abocanham fatias do lucro verde-amarelo ao tributá-los pesadamente.

No embate sobre quais multinacionais merecem privilégios do Estado, PCdoB e PT reafirmaram a velha política de transferência de renda dos pobres para os mais ricos.

Pensamento do Dia


Sob o domínio dos velhacos


A geração política de (19)88 nunca se aposentou e segue dando as cartas país afora, mesmo aqueles figurões que, em tese, já se aposentaram
Creomar de Souzaanalista político 

Respeitável público

Para os dicionários, “homem público” é o indivíduo que se consagra à política ou que ocupa um alto posto no Estado. Já “mulher pública” significa “puta” mesmo. E o “dinheiro público”? Está mais para a versão masculina do adjetivo ou para a feminina?

Embora homens públicos sempre mencionem o dinheiro público como algo ao qual se reservam as mais elevadas considerações, o que verificamos na prática é que ele é frequentemente tratado como mulheres públicas, isto é, submetido às mais variadas formas de abuso, tanto no sentido de delito penal, como no moral.

A primeira parte é auto-evidente em tempos de Lava Jato. Cumprem pena por desviar dinheiro público várias categorias de homens públicos, incluindo um ex-presidente. A fila dos envolvidos que aguardam pronunciamento da Justiça é maior que a de bordel em dia de pagamento.



Já a segunda, até por ser mais difícil de visualizar, se revela mais pervasiva, quase insidiosa. As pessoas agem como se o dinheiro público fosse um recurso infinito que se materializa a um toque de caneta dos homens públicos. Um setor enfrenta dificuldades? É só pedir um subsídio ao governo. Empresários fizeram maus investimentos e não conseguem pagar os empréstimos que contraíram? É só berrar bem alto e obter um perdão de dívidas.

Se o homem público à frente do governo estiver sob o risco de ser preso por ter desviado dinheiro público, até quem não pediu nada recebe alguma subvenção oficial. Eu, por exemplo, ganhei diesel mais barato.

O problema desse sistema generoso é que os recursos não são infinitos, o que significa que é a população que acabará pagando por todas as vantagens oferecidas. Mas, como o regime tributário é opaco, o benefício é bem mais visível que os ônus, de modo que poucos reclamam.

Não sou moralista, mas se quisermos mudar as coisas por aqui, teremos de tratar o dinheiro público menos como mulheres públicas e mais como senhoritas casadouras.
Hélio Schwartsman

As tungas dos sindicalismos

Quem leu a reportagem de Philipe Guedes constrangeu-se. O Sindicato dos Trabalhadores em Entidades de Assistência e Educação à Criança e ao Adolescente cobrava uma “taxa negocial” aos seus 40 mil filiados, e quem não quisesse pagá-la deveria ir à sua sede para carimbar um documento. As vítimas tiveram três dias para cumprir a exigência, e o resultado foi a formação de uma fila de quase um quilômetro nas ruas vizinhas à sede do Sitraemfa.

Esse truque está sendo usado por inúmeros sindicatos desde que a reforma trabalhista desmamou-os, tirando-lhes o dinheiro do imposto sindical. (Um dia de suor de cada empregado formal, gerando uma caixa de R$ 3 bilhões em 2017.) Os sindicatos poderiam receber os documentos pela internet, mas criam uma burocracia intimidatória que supera, de muito, o tempo que um trabalhador perde para tirar uma carteira de identidade no Poupatempo de São Paulo.


É razoável que um sindicato cobre taxas por ter negociado o dissídio de uma categoria, desde que o tenha negociado. Milhares de sindicatos nada mais fazem do que cuidar da vida de seus dirigentes. Os mandarins dizem que as taxas foram aprovadas em assembleias dos associados, mas ganha uma visita ao sítio de Atibaia frequentado por Lula quem já foi a uma assembleia de sindicato. (“Nosso Guia” entrou na política combatendo o imposto sindical.)

A questão acabaria se fosse aberto o cadeado que blinda o peleguismo sindical de empregados e patrões. Bastaria abolir o dispositivo que obriga todos os trabalhadores e empresários de uma categoria a serem filiados a um só sindicato. Uma profissão ou atividade poderia ter inúmeros sindicatos, e o trabalhador escolheria o que lhe presta melhores serviços. Poderia até não se filiar a nenhum.

O sujeito que leu a reportagem de Guedes pode ter pensado que a praga é coisa do andar de baixo. Engano, a repórter Raquel Landim mostrou que no andar de cima a coisa é pior. Enquanto os trabalhadores eram tungados em um dia de salário, as empresas são mordidas num percentual de suas folhas de pagamento. O chamado Sistema S arrecadou R$ 16,4 bilhões em 2017. Uma parte desse dinheiro vai para atividades meritórias, outra financia a máquina sindical dos patrões.

Uma beleza de máquina. Os presidentes de 42 federações patronais estão no cargo há mais de nove anos; cinco, há mais de 40; Fábio Meirelles, presidente da Federação da Agricultura de São Paulo, há 43.

Em tese, essa liderança corporativa seria representativa da elite empresarial. Não é. O atual presidente da Federação da Agricultura do Acre já foi condenado a seis anos de reclusão por participar de uma rede de exploração de menores. Clésio Andrade, que está há 25 anos à frente da Confederação Nacional do Transporte, teve uma condenação a cinco anos. No Rio, pegaram na rede das roubalheiras de Sérgio Cabral o presidente da Fecomércio e seu colega da Fetranspor, doutor Lélis Teixeira. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, foi acusado de operar um caixa 2 em suas campanhas políticas.

A trama das “taxas negociais” e o coronelato patronal nada têm a ver com classes sociais, o que aproxima e encanta sindicalistas do andar de cima e do andar de baixo é o acesso à Bolsa da Viúva.
Elio Gaspari