terça-feira, 12 de junho de 2018

O que acontece quando o poder público escolhe cortar investimentos em áreas sociais?

O que você faria se soubesse que a mortalidade infantil aumentaria? Que mais famílias ficariam desamparadas? E que políticas públicas nas áreas de educação, saúde e proteção social seriam enfraquecidas, prejudicando especialmente crianças e adolescentes brasileiros?

Infelizmente, a projeção é que isso ocorrerá nos próximos anos. E já sabemos o motivo disso – ou ao menos os tomadores de decisão deveriam saber. A causa desses retrocessos acima anunciados, inclusive, foi publicada no Diário Oficial da União e, hoje, está em nossa Constituição. Trata-se da Emenda Constitucional 95 de 2016, que instituiu o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, o chamado teto de gastos públicos.

Embora de extrema relevância, o tema não tem sido tão pautado e ainda é encoberto por dúvidas, a despeito do esforço de diferentes pessoas e instituições em divulgar os prejuízos dessa emenda, muitas delas reunidas na Coalizão “Direitos valem mais, não aos cortes sociais".

A verdade é que precisamos falar sobre isso e ter consciência do quanto seremos afetados, em nosso cotidiano e em nossos direitos. É preciso ter em mente também que, em cenários de crise e escassez, crianças e adolescentes são os mais prejudicados.

Segundo estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, publicado recentemente, a política de austeridade instituída pela Emenda 95 será responsável por um aumento de 8,6% na mortalidade infantil até 2030, pois deixarão de ser evitadas 124 mil internações e vinte mil mortes de crianças de até cinco anos.

Ainda, nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2016 afirmou que, em vinte anos de aplicação da referida emenda na política de assistência social brasileira, haverá menos da metade dos recursos necessários para garantir a manutenção da cobertura nessa área nos padrões atuais, o que afetará diferentes programas estatais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, por exemplo. Reduzir o acesso ao Bolsa Família, inclusive, vai na contramão do recomendado pelo Banco Mundial o qual defende a necessidade de ampliação dos recursos neste programa a fim de mitigar os impactos da crise econômica brasileira no agravamento da desigualdade social.

A experiência internacional, também, demonstra os prejuízos das políticas de austeridade, especialmente em crianças e adolescentes. Relatório do Unicef apontou que diminuição e corte nos serviços em saúde, educação e nutrição geram ainda maior pressão sobre as famílias vivenciando perda de renda e desemprego, o que aumenta índices de ansiedade e estresse nas crianças, especialmente nas mais pobres. Outra experiência revela-se, também, sintomática: na Grécia, em decorrência da política de austeridade, houve aumento no número de casos de malária, de AIDS e de tuberculose, além de crescimento de 43% na mortalidade infantil entre 2008 e 2010, que vinha sofrendo queda constante desde os anos 1950, bem como um aumento de 21% no número de natimortos entre 2008 e 2011.

É importante pontuar que a emenda 95 é fruto de uma escolha política, que optou por congelar despesas primárias, responsáveis pela oferta de bens e serviços à população, ou seja, pelo investimento social, e manter as despesas financeiras intactas. Se, antes da emenda 95, já tínhamos índices de investimento nas áreas de educação e saúde considerados baixos, a tendência após a medida é piorar. Nesse sentido, vale ressaltar que, embora não haja um corte, a fixação de um teto não permite o crescimento do investimento, que acaba por se desvalorizar, especialmente considerando a inflação e o crescimento populacional. Essa escolha política tem permeado recentemente a ação do poder público: a Medida Provisória 859 de 2018 abriu crédito extraordinário superior a nove bilhões em favor dos Ministérios de Minas e Energia e da Defesa, por meio de cancelamento de gastos em programas como Criança Feliz e Rede Cegonha, bem como cortes nas áreas de assistência social, saúde e saneamento básico - os quais, sabidamente, irão impactar de maneira grave crianças e adolescentes.

Estamos em ano eleitoral e é preciso cobrar de candidatas e candidatos o compromisso com a revogação da emenda 95 e a retomada do investimento social, o qual, em verdade, já está assegurado em nossa Constituição, que garante como direitos sociais a educação, a saúde, a assistência, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, bem como a proteção à maternidade e à infância. É também preciso lembrar: crianças e adolescentes – os mais gravemente afetados por medidas de austeridade – devem, por força do artigo 227 da Constituição, ter seus direitos assegurados com absoluta prioridade, o que significa primeiro lugar em orçamento, políticas e serviços públicos, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ainda não alcançamos esse patamar de proteção social, especialmente no que diz respeito à infância e adolescência brasileiras. Mas, se queremos reverter esse cenário de violações e desigualdades, é preciso assegurar investimentos que cumpram a norma da prioridade absoluta, respeitando a força de uma Constituição vigente há quase trinta anos e não a relegando ao papel de uma carta vazia de princípios.

Thaís Dantas, conselheira do Conselho Nacional de Direitos de Crianças e Adolescentes (Conanda)

Gente fora do mapa


Histórias contadas por idiotas

Quando vamos acordar? Nos desastres, ao som de tiros, ao trovejar? Quando o tumulto terminar? E a eleição for perdida por todos, e ganha por alguns? Pouco antes que o sol se ponha? E onde estaremos nessa façanha? Na escuridão. No deserto de homens, ideias e ideais. Ali restamos perdidos. Sem opções. Onde todos os candidatos parecem iguais. E todos os gatos são pardos. As eleições estão vindo! O bem é o mal, o mal é o bem. O ar infecto, corrupto, imundo, poupa ninguém.

A eleição que se avizinha engana os sentidos: incita e frustra, ela põe e tira, persuade e desencoraja, faz levantar-se e depois derruba. Engana enquanto dormimos, conta mentiras, e depois nos deixa.


Com os olhos e línguas, candidatos do momento fingem lavar nossa honra com ondas lisonjeiras, transformando faces em máscaras, enganando nossos corações, e ocultando quem de fato são.

O eleitor não tem sossego. Habita lugar muito frio para ser o inferno. Não precisa ser porteiro do diabo. Mas já fez entrar gente de todas as profissões, que vão pelo caminho florido à fogueira eterna. A traição já fez seu pior; nem aço, nem veneno, inveja doméstica, armada estrangeira, nada pode afetá-lo mais.

Já quase esquecemos o gosto do medo. Já foi o tempo em que nossos sentidos gelariam ao ouvir tamanhas falsidades. Estamos fartos de horrores. Todos familiares com nossas memórias recentes. Nada mais nos abala. A chegada da eleição arrasta-se nesse passo miúdo dia após dia. Para a última sílaba do tempo narrado.

A nós tolos, todos esses ontem já nos enganaram. As próximas eleições não mais são que sombra errante de maus atores que se pavoneiam e se afligem no seu momento sobre o palco. E então nada sincero se ouve. São histórias contadas por idiotas, cheias de som e fúria. Significando nada. (*)

Elton Simões
(*) Texto inspirado em Macbeth, de William Shakespeare

Os beneficiados

Aos 14 de maio de 2009 li, em dado jornal de grande circulação, a seguinte notícia: “As isenções fiscais concedidas pelo governo … produziram uma perda de pelo menos R$ 50 bilhões”.

No dia 19 de dezembro de 2014, nova notícia referente ao mesmo tema: “São 169 artigos tratando de 55 temas diferentes, inclusive a renúncia fiscal que dispensará duas montadoras de pagar R$ 10 bilhões em impostos até 2019, segundo estimam técnicos do governo”.

10 de abril de 2015: “Governo ‘perde’ mais de R$ 150 bilhões com regimes especiais de tributação. Foram identificados 49 diferentes regimes especiais de tributação. A maior parte deles é para máquinas e equipamentos utilizados pelo setor de óleo e gás. Somados os benefícios, o governo abriu mão de arrecadar entre 2011 e 2015 mais que o dobro do que faturam todas as empresas filiadas à Abimaq”.


Poucos dias depois, aos 12 de junho de 2015: “Os benefícios fiscais concedidos de 2011 até 2015 passaram de R$ 209 bilhões para R$ 408 bilhões. É o que mostra o levantamento “Benefícios Fiscais, tão requisitados e tão desconhecidos”, elaborado por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. Para 2016, a expectativa é que os incentivos cheguem a R$ 419 bilhões”.

30 de novembro de 2017. Noticiou-se que uma nova leva de benefícios fiscais fará “União, Estados e municípios perderem R$ 9,3 bilhões em arrecadação de tributos em 2018”.

Chegamos ao dia 5 de dezembro de 2017, quando noticiou-se a aprovação de “uma medida provisória que incentiva grandes empresas petrolíferas que atuam no Brasil, resultando em isenções que podem atingir a marca de R$ 1 trilhão. As petrolíferas ainda poderão parcelar débitos de 2012 a 2014 com os cofres públicos”.

Diante de todas estas notícias decidi voltar quase meio século no tempo. Mais precisamente para maio de 1968, quando meu saudoso pai, abordando este angustiante tema na tribuna da Câmara dos Deputados, demonstrando preocupação com o futuro da economia do Brasil, proferiu as seguintes palavras: “se o objetivo do incentivo fiscal é ajudar as áreas-problema do País, então que se defina o que é uma área-problema”!

Olho pela janela. Contemplo o Brasil que temos construído. Penso nos benefícios fiscais e nos beneficiados. E fico a pensar: onde, afinal, está o problema?

Pedro Valls Feu Rosa

Bomba da dívida mundial ameaça explodir

Você e eu estamos sentados em uma montanha de dívida pública e privada. A cota para cada habitante do planeta é de 21.866 euros, ou 95.554 reais. Uma bola de neve gigantesca e voraz. A fatura total chega a 164 trilhões de dólares (608 trilhões de reais), quantia equivalente a 225% do PIB mundial. Viver a crédito foi a saída natural da crise financeira. Os empréstimos permitiram cobrir os desequilíbrios das contas públicas e reanimar o crescimento. Mas convém não ultrapassar determinadas linhas vermelhas. Um nível de endividamento jamais visto desde a Segunda Guerra Mundial é uma bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento. Argentina e Itália são dois exemplos recentes de como ressuscitam facilmente os fantasmas mal enterrados.

“Os altos níveis de dívida e os elevados déficits públicos são um motivo de preocupação”, adverte o Fundo Monetário Internacional (FMI) em seu último Monitor Fiscal. As nações com um grande endividamento, lembra esse organismo, são mais vulneráveis a um endurecimento das condições globais de financiamento, que poderiam dificultar o acesso aos mercados e colocar pressão sobre a economia. “A experiência demonstra que os países podem sofrer notáveis e inesperados choques em sua proporção entre dívida e PIB, o que aumenta a possibilidade de haver problemas em cadeia”, concluem esses especialistas.

A China é o país que mais contribuiu para o aumento do volume total na última década. Mas não é o único. As economias desenvolvidas devem o equivalente a 105% de seu PIB em média. Para as nações emergentes, a proporção já é de 50%, uma fronteira ultrapassada pela última vez nos anos oitenta, o que causou uma grave crise em muitas delas. “Por enquanto, o crescimento global é robusto, o desemprego está diminuindo e as taxas de juros continuam baixas. Todo isso faz com que o aumento da dívida seja manejável, mas se houvesse uma desaceleração inesperada ou um rápido aumento do preço do dinheiro, esta situação agradável se apagaria instantaneamente”, afirma Pierre Bose, estrategista do Credit Suisse.

O crédito cria um vício extremo. Por isso, o maior risco é a grande velocidade com a qual se chegou ao nível atual. Mais de um terço das economias avançadas, por exemplo, devem no mínimo o equivalente a 85% do tamanho de sua economia, três vezes mais do que no ano 2000. Os Governos, ao pisar no acelerador do crédito, resistiram à recessão, mas poderiam estar hipotecando o futuro econômico de seus países. “Com o tempo, a dívida deixa de estimular a atividade. Cada vez se necessita de mais acúmulo de empréstimos para gerar um ponto percentual adicional no PIB. O crescimento impulsionado pela dívida pode ser divertido no início, mas simplesmente traz para o presente o consumo futuro, do qual sentiremos falta depois”, diz Alfredo Álvarez-Pickman, economista-chefe do Key Capital Investment.


A bolha chega, além disso, em um momento muito delicado. A Reserva Federal dos EUA começou a reduzir seu saldo − já não compra títulos públicos e amortiza os que tem no vencimento −, medida que vem acompanhada por aumentos das taxas de juros. O Banco Central Europeu (BCE) continua comprando dívida soberana, mas planeja fechar a torneira em setembro e seguir o caminho de seu homólogo americano. O plano traçado pelos dois organismos prevê um endurecimento monetário progressivo e moderado. Para que se materialize, é preciso que se cumpra a outra parte da equação: que os preços continuem sob controle. “A inflação tem sido modesta, mas se voltasse de forma súbita colocaria os bancos centrais em uma encruzilhada. Teriam de decidir entre deixar que os preços continuassem subindo, algo que vai contra sua natureza, ou elevar os juros para combatê-la, o que encareceria a carga de juros de Estados, empresas e famílias”, ressalta Bart Hordijk, analista do Money Europe.

Este ano marca o décimo aniversário da quebra do Lehman Brothers, tiro de largada da crise financeira que foi o prelúdio da Grande Recessão. No mercado, começa a se espalhar a teoria de que já não há ciclos econômicos, e sim ciclos de crédito, e que por isso convém não perder de vista o contador da dívida. Alguns especialistas, entretanto, recomendam prudência, pondo os dados em perspectiva. “Os níveis atuais de endividamento são autofinanciados e baratos. Essa é uma diferença importante em relação à situação da dívida global e da economia uma década atrás”, aponta Stéphane Monier, diretor de investimentos do banco Lombard Odier.

A economia mundial já vive um longo período de crescimento. Embora ninguém preveja uma mudança de tendência por enquanto, a ideia de que poderíamos estar nas últimas fases do ciclo ganha força. Quando chegasse a temida desaceleração econômica, o melhor que poderia acontecer a um governo seria ter margem para aumentar os gastos públicos, reduzir impostos e baixar os juros. Essas ferramentas contracíclicas, no entanto, são agora uma quimera. Por isso, instituições como o FMI estão pedindo aos países que construam, por meio da redução do déficit, um colchão para quando os maus tempos chegarem. “Os governos têm pouca margem fiscal devido à situação atual da dívida. Além disso, do ponto de vista monetário, os bancos centrais iniciaram o caminho do endurecimento. Devido à ausência desses estabilizadores tradicionais, a próxima recessão será mais pronunciada do que em ocasiões anteriores”, alertam os especialistas da Carmignac.

Como os problemas nunca vêm sozinhos, à elevada dívida pública é preciso somar a também delicada situação do endividamento privado, que dobrou em uma década e já alcança 120% do PIB mundial. “O endividamento das famílias é um problema principalmente quando é o resultado de um boom no mercado imobiliário”, explica Stefan Hofrichter, economista-chefe da Allianz GI. “Chama a atenção o fato de que o aumento da dívida privada se deva em grande medida à evolução dessa dívida em países pouco afetados pela crise financeira, como Canadá, Suécia, Noruega, Austrália, China, Brasil, Turquia e Índia. Muitos deles são precisamente os que tiveram o maior aumento nos preços da moradia dos últimos dois anos”, acrescenta Hofrichter.

Os riscos de uma dívida alta têm tradicionalmente pairado sobre as economias mais fracas. Essa tendência não mudou, mas foi reforçada pelo maior endividamento atual e pelas mudanças em sua composição durante os últimos anos. O primeiro perigo para o bloco emergente é de refinanciamento, já que ganharam peso os empréstimos não vinculados a concessões, cujos prazos de vencimento são mais curtos. Esses países também são mais sensíveis à retirada de fluxos de financiamento porque os investidores estrangeiros são os principais compradores. Além disso, são nações muito mais expostas à variação das taxas de câmbio: um terço da dívida dos países em desenvolvimento é denominado em moeda estrangeira, peso que aumenta para dois terços no caso daqueles de menor renda. “A natureza do problema da dívida não mudou. É um problema que afeta mais o mundo emergente do que o desenvolvido, porque a confiança do mercado em sua capacidade de pagamento é menor e, além disso, a situação pode mudar bruscamente, como vimos recentemente com o título argentino com prazo de 100 anos”, explica Agnieszka Gehringer, analista do Instituto Flossbach von Storch.

Mas a dívida dos países emergentes não é a única que causa preocupação. As atenções começam a se voltar para a maior economia do mundo. O aumento dos gastos em 150 bilhões de dólares (156 bilhões de reais) − 0,7% do PIB − por ano durante os próximos dois anos e a redução de impostos aprovada pelo Governo Trump levarão o déficit orçamentário dos EUA para mais de 1 trilhão de dólares (3,7 trilhões de reais), mais de 5% do PIB. Essa situação e também as maiores necessidades de financiamento farão com que a proporção da dívida em relação ao PIB seja de 117% em 2023, segundo cálculos do FMI. “No curto prazo, essas medidas serão positivas para os investidores, já que permitirão que o mercado continue em alta enquanto os EUA continuarem puxando a economia mundial. No entanto, a dívida pode se transformar em um assunto a ser acompanhado de perto quando a atividade do país se desacelerar e a proporção de endividamento subir mais do que o previsto”, indica Susan Joho, economista do Julius Baer.

Brasil do futuro


Temer trata segurança na base da empulhação

Um dia depois de ser informado pelo Datafolha que seu governo derrete como picolé no Sol, Michel Temer foi ao encontro dos holofotes para trombetear uma temeridade. Sancionou a lei que cria o SUSP, uma espécie de SUS para a área da segurança. A clientela dos hospitais públicos sabe onde isso vai dar.

Pretende-se integrar num sistema nacional as informações e as ações de segurança nas esferas federal, estadual e municipal. É a medida certa adotada por um governo incerto. A tarefa consumirá vários anos. E Temer, como se sabe, será mandado de volta para casa —ou para outro lugar— no dia 1º de janeiro de 2019.

Estados e municípios terão dois anos para compartilhar dados criminais com a União. Do contrário, serão punidos com o bloqueio de verbas federais destinadas ao setor. A coisa toda será coordenada pelo Ministério da Segurança Pública. O órgão nasceu em fevereiro como ''ministério extraordinário”. Desaparece em seis meses, junto com o governo o governo Temer.

Reprovado por 82% dos brasileiros, Temer é, hoje, um ex-presidente no exercício da Presidência. Mas acha que dispõe de autoridade para criar prazos e impor sanções que invadem o mandato do sucessor. Simultaneamente, o pseudo-presidente descumpre compromissos que assumiu consigo mesmo e com seus auxiliares.

Na mesma solenidade em que tomou decisões pelo sucessor, Temer editou uma medida provisória destinando verbas de loterias para a pasta extraordinária da Segurança —aquela que foi criada há quatro meses, sob fogos de artifício. No governo Temer, assim como nos dicionários, a colheita vem sempre antes do trabalho. Primeiro a pompa do ministério novo. Depois, a circunstância da falta de verbas.

Providenciada com atraso, a verba será borrifada no Fundo Nacional de Segurança Pública. Uma parte virá de loterias já existentes. Outra parte terá origem numa jogatina nova, do tipo “raspadinha”. Chama-se Lotex. Encontra-se em fase de implantação. Estima-se que o dinheiro só começará a entrar no cofre em 2019.

Temer já estará fora do Planalto. Mas não perdeu a oportunidade da queima de fogos. O governo estimou que repassará ainda neste ano um tônico de R$ 800 milhões para o fundo de segurança. Considerando-se o tamanho da encrenca, é uma mixaria. Mas a cifra veio ornamentada por uma outra: informou-e que a verba extra somará R$ 4,3 bilhões até 2022, no final do mandato do sucessor de Temer. Ai, ai, ai.

A lorota fica mais saliente quando se observa o que acontece com o tal fundo na vida real. Em 2017, o Orçamento da União destinou R$ 1 bilhão para o fundo de segurança. Apenas R$ 388,9 milhões foram efetivamente aplicados. Para 2018, há no fundo R$ 817,2 milhões. O primeiro semestre está no final e foram aplicados apenas R$ 122,4 milhões.

Na área de segurança, Temer fez uma opção preferencial pela empulhação. Em janeiro de 2016, o então ministro Alexandre de Moraes (Justiça) pendurou nas manchetes um ambicioso Plano Nacional de Segurança Pública. Moraes virou ministro do Supremo. O plano tornou-se letra morta.

Em fevereiro, dias antes de criar o Ministério da Segurança, Temer decretou a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Qualificou a iniciativa de “jogada de mestre”. Na prática, a coisa serviu apenas para demonstrar que o crime é organizado porque o Estado esculhambou-se. Há três meses os interventores não conseguem responder a uma pergunta singela: Quem matou Marielle?

Na semana passada, o Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, divulgou o seu Atlas da Violência. O país ficou sabendo que, no ano da graça de 2016, o número de assassinatos no Brasil bateu recorde: foram à cova 62.517 pessoas. Morre mais gente no Brasil do que na guerra da Síria.

Ao discursar na solenidade desta segunda-feira, Temer declarou: “Somos todos vítimas de uma criminalidade que, cada vez mais sofisticada, exige igualmente um combate sofisticado. É por isso que, hoje, damos um passo importantíssimo para garantir mais tranquilidade com o Sistema Único de Segurança Pública.”

Então, tá!

Greve para nada

As últimas semanas fizeram projetar sobre a Petrobras as mais diversas discussões, passando pelo julgamento de sua diretoria, presidida pelo engenheiro Pedro Parente, e chegando à proposta de privatização daquela que já foi a maior empresa brasileira. Pedro Parente entregou seu cargo, pressionado pelo movimento de greve dos caminhoneiros; as razões que o fizeram se demitir foram, segundo o mercado, as interferências políticas nas metas da empresa, que Parente liderava para, segundo ele, fazer com que a estatal se reencontrasse com seu prestígio junto aos investidores, em especial os internacionais; uma espécie de paraíso.

Estudiosos do controle da empresa reconhecem que tais investidores têm pouco ou nada para reclamar, já que 40% dos lucros da companhia há tempos migram alegremente para fora do país, com destino a grandes bancos e fundos de prestígio, além de notórios especuladores, todos atraídos pela generosa remuneração que tal operação lhes oferece. Nada contra. Afinal, quem investe quer e merece bons resultados. Só não se entende que estes venham do sacrifício de uma sociedade que depende do transporte rodoviário para tudo e, ainda, compra o gás de cozinha a R$ 80 o botijão.

Combustíveis fósseis são produtos da manutenção do monopólio do refino e de boa parte de sua distribuição, aos preços e condições que as contradições desse modelo fazem emergir. Durante muito tempo e ainda muito recentemente, quem foi contra tal formato econômico, o do monopólio, recebeu a pecha de traidor da pátria ou entreguista, mesmo em contraposição a tudo que no mundo deu e continua dando certo, sob a livre concorrência. Fácil dar lucro quando ninguém reclama dos preços reajustados a cada desvalorização do real frente ao dólar. Ninguém contra porque há quem pague. No caso, nós, brasileiros.

Além dos facilitários que orientam a remuneração dos investidores, além do assalto permanente ao caixa da estatal – todos os dias dos últimos quatro anos denunciado pela operação Lava Jato –, tem-se ainda que a Petrobras sempre foi uma seara de privilégios e de transferência de recursos para alegrar sua burocracia, por meio de programas de remuneração e de aposentadorias. O fundo que proporciona tais concessões a seus protegidos é sustentado com recursos transferidos da sociedade via preços cobrados pelos combustíveis, e tão bem-hidratado que sobram oportunidades para generosas participações em falcatruas, como as ultimamente denunciadas. Ninguém antes gritou para denunciar tais aberrações, como atitude de lesa-pátria dos ladrões que afanaram muita grana.

Essa é a realidade que a greve deixou de discutir. E o diesel segue caro, a gasolina nem se fala, e quem cozinha que economize o gás. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.

É tudo fake

Mentir em campanhas – e fora delas – é algo habitual no mundo político. Notícias falsas sempre existiram, só não eram difundidas com velocidade tão galopante quanto à patrocinada pelas redes sociais e muito menos tratadas como “fake”, palavrinha inglesa que conferiu certo charme à profusão de invencionices.

Mas tão grave quanto divulgar falsidades sobre o adversário é a prática de ludibrio ao eleitor, popularíssima entre nós. Mente-se descaradamente, sem qualquer pudor.


E contra isso não há salvaguarda. Do Tribunal Superior Eleitoral, que promete combate feroz contra as fake news, jamais se viu qualquer posicionamento sobre os sucessivos estelionatos eleitorais do passado e dos que já se anunciam por aí.

Revisitar discursos de campanha e de posse são úteis para ilustrar o descaso com o tal do povo que todos juram defender. Imperam generalidades, frases de efeito (não raro duvidoso) e convocações a lutas ficcionais que candidato algum vai travar. Pouco do que se diz é verdade e possível de ser feito. E quase nada vai além do dizer.

Alguns exemplos são didáticos. Fernando Collor se elegeu como caçador de marajás e era um califa entre eles. No final de seu primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso começou a entregar exatamente o oposto do que prometia para, assim, garantir sua reeleição. Luiz Inácio Lula da Silva foi ainda mais hábil: com discurso anti-elite assegurou seu lugar no banquete dos milionários. Lambuzou-se das delícias do poder, conseguiu se safar do mensalão, e, à la Al Capone, só acabou na cadeia por um crime menor.

Sua afilhada e sucessora Dilma Rousseff quase o venceu no quesito engodo. Em seu governo, enquanto o país se esfarelava em uma crise sem precedentes, ela insistia em lorotas esfuziantes sobre eliminação da miséria, pleno emprego e melhoria de renda.

Propalava a “fake reality”, algo em que o PT, Lula e os seus são experts.

Quer algo mais fake do que a candidatura Lula, lançada pelo PT na sexta-feira, com direito a leitura de um manifesto escrito pelo ex-presidente condenado e preso, e portanto impedido legalmente de disputar a eleição? Ilusionismo puro que o PT pretende manter diante dos fiéis enquanto desfia saídas na sacristia.

No manifesto, Lula renova o arsenal de interpretações particulares da História, referindo-se ao “golpe de 2016” e ao conluio de forças da mídia e do capital para impedir sua candidatura. Nada fala da escandalosa roubalheira e do fracasso de Dilma, limitando-se a citar datas dos mandatos do PT. E ilustra feitos com “fatos alternativos”.

No cerne de sua mensagem, Lula entoa a mesma falseta de Getúlio Vargas em sua carta-testamento: “Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes”. Parece não saber que os ardis getulistas têm sido desmascarados pela História, desmistificando o “pai dos pobres”, ele também um genial ilusionista.

Mary Zaidan