Jungho Lee |
terça-feira, 22 de maio de 2018
4 anos depois...
Desde que demos o pontapé inicial na Copa, tudo parece ter mudado. Va lá que em 2014 a gente já sabia que não ia ter trem bala. Ou que os estádios estivessem inacabados e destinados a inutilidade. Pelo menos havia a esperança (sem fundamento, mas esperança é assim mesmo) de que pelo menos o titulo de país do futebol ficasse intacto.
Mas isso dava trabalho. Precisava de organização, treino, força de vontade, e de todas essas coisas que a gente não estava disposto a fazer. Preferimos viver a ilusão de que fraude pode servir como fundação para o sucesso. Acreditamos em nossa própria mentira. E deu no que deu. No final de julho de 2014, a gente já não mais era país do futebol. Viramos uma espécie de quase nação que perdeu o pouco de identidade que ainda se esforçava em reter.
Tudo talvez pudesse ser compensado se, em um surto de bom senso, tivéssemos aproveitado a humilhação para dedicar o tempo ao necessário escrutínio de candidatos na eleição depois da Copa. Teria sido energia bem gasta.
A gente bem que podia ter enxergado a mentira de longe. Mesmo de olhos fechados, dava para sentir o cheiro. Era perfeitamente possível. Mas sabe como é. Não gostamos de responsabilidade. Reclamos, claro, dos resultados. Sempre. Mas sempre na terceira pessoa. Como se a responsabilidade pelos eleitos não fosse do eleitor.
E nessa mistura de desinteresse e autoengano, sofremos por quatro anos. E garantimos sofrimento por muitos mais. 2014 foi o ano em que resolvemos abraçar o engodo. Sabe-se lá o que esperávamos ou porque o fizemos. Faz tempo que isso perdeu a importância.
Lá se foram 4 anos. Sofridos, diga-se. E lá vem a Copa. Quem sabe desta vez a gente não passe vexame. Mas, se o vexame futebolístico for inevitável, pelo menos dá para escolher melhor nas eleições. E não precisar lamentar quando 2022 chegar.
Elton Simões
Escândalo no INSS é retrato do Estado brasileiro
Relatada pelo O Globo, a história envolve a RSX Informática Ltda., de Lawrence Barbosa, e o próprio presidente do INSS, Francisco Lopes — retirado do cargo, o mínimo que o Planalto podia fazer —, responsável direto por forçar o fechamento de um contrato de R$ 8,8 milhões com a firma, para a compra de um programa de computador e treinamento de funcionários do órgão. Sugestivamente, com presteza foram liberados R$ 4 milhões para a empresa de softwares (ou de bebidas).
Publicada a reportagem no site do jornal, Francisco Lopes emitiu nota informando a suspensão do contrato feito com a RSX. Era tarde. O golpe reúne ingredientes cinematográficos: repórteres do jornal visitaram, em 9 de maio, o endereço da firma, em um prédio em Brasília, e lá se depararam com garrafas de água mineral e de vinho etc. Retornaram na terça-feira, e o espaço havia sido remodelado com a decoração de um escritório do ramo de informática.
Francisco Lopes sequer abriu concorrência para contratar a RSX, embora alertado pela área técnica do INSS, por meio de um relatório de 25 páginas, sobre a falta de base técnica para a operação, da possível inutilidade do programa e o consequente desperdício do dinheiro do contribuinte.
Não adiantou, a compra foi feita, os R$ 4 milhões, pagos, e resta a órgãos públicos irem em busca do prejuízo por via judicial, sem deixar de vasculhar o amplo universo do Estado para saber se a RSX deu o mesmo golpe em outros cantos da burocracia.
A venda de programa de computador, em troca de milhões, por uma firma, até segunda ordem, distribuidora de bebidas, mostra bem os absurdos que ocorrem nas entranhas do Estado, que custa 40% do PIB, um índice elevado e que supera a arrecadação dos impostos.
Há desde o petrolão, o assalto feito na Petrobras, a este golpe de estelionatários. Convivem neste mesmo mundo a vigarice de comédia italiana e o saque bilionário feito na Petrobras, numa aliança entre o lulopetismo, empreiteiras e diretores da estatal. Um escândalo de repercussão mundial.
Mesmo que existam formalmente organismos de controle, como a Controladoria-Geral da União, o tamanho da máquina e a falta da cultura da eficiência e da meritocracia permitem esses absurdos.
Editorial - O Globo
Brasil de mármore e de murta
O Padre Vieira criou uma ideia em seu Sermão do Espírito Santo, em 1657. Alguns povos, pensava o inaciano, são de difícil mudança e resistem à pregação do Evangelho. Diz o português que: “Há umas nações naturalmente duras, tenazes e constantes, as quais dificultosamente recebem a fé e deixam os erros de seus antepassados; resistem com as armas, duvidam com o entendimento, repugnam com a vontade, cerram-se, teimam, argumentam, replicam, dão grande trabalho até se renderem; mas, uma vez rendidos, uma vez que receberam a fé, ficam nela firmes e constantes, como estátuas de mármore: não é necessário trabalhar mais com elas”. No caso desses povos, a conquista espiritual seria muito complexa e demorada. Uma vez realizada a tarefa hercúlea, a nova imagem seria dura como a pedra e os convertidos ficariam apegados de forma definitiva à Boa-Nova.
Haveria outros povos, como os indígenas do Brasil, que teriam comportamento oposto. Seriam dóceis e receptivos ao novo modelo religioso. A facilidade da adesão seria acompanhada pela pouca constância no caminho de Jesus. Imediatamente cristianizados e com rapidez voltando às crenças antepassadas. No caso em questão, em vez de mármore, seria como esculpir em um arbusto, a murta, planta sobre a qual o jardineiro hábil pode produzir formas inventivas. Passadas algumas semanas (Vieira fala em 4 dias), o arbusto perde o modelo e retorna ao estado natural. No mundo clássico, a murta era dedicada à deusa do amor, Vênus/Afrodite, reforçando sua mutabilidade. Os “gentios” do Novo Mundo eram alunos ambíguos: aceitariam tudo que lhe ensinam e, teimosos, permanecem apegados ao seu universo de valores.
A metáfora do lisboeta foi aproveitada por Eduardo Viveiros de Castro. Em artigo hoje inserido em livro (A Inconstância da Alma Selvagem, em nova edição pela Ubu Editora, 2017), o antropólogo discorre sobre o impacto cosmológico provocado pela catequese dos jesuítas, especialmente sobre a prática do canibalismo. Os padres reclamavam que os indígenas adoravam nada e isso dificultava a mudança religiosa, pois escapavam dos modelos de idólatras que os jesuítas tinham a partir da memória histórica da conversão da bacia do Mediterrâneo no Baixo Império Romano. Pior, os indígenas não teriam fé porque não tinham lei e não tinham lei porque não tinham rei. Sem um sistema tradicional de submissão a um rei e a um código jurídico, era difícil substituir o mundo nativo pela nova lei e pelo novo rei europeu. No fundo, o desafio para os jesuítas e para alguns da escola de Émile Durkheim, os tupinambás não tinham religião.
Sem Fé, sem Lei e sem Rei (que Pero de Magalhães Gândavo atribuiu à falta de F, L e R na língua tupi), os habitantes originais daqui seriam incapazes de realizar a incorporação da norma europeia porque não tinham norma anterior. O selvagem seria inconstante e incapaz de adaptar-se a um sistema civilizado. Grande parte do pensamento conservador da intelectualidade brasileira nos séculos seguintes dialogaria com a ideia do Padre Vieira. “O brasileiro não tem jeito”, “a saída para o Brasil é o aeroporto” e outras frases que reforçam a construção (quase sempre urbana e branca) de um país impossível de atingir patamares dignos de uma pátria moderna. A culpa? Ela já foi colocada nos grupos humanos constitutivos da sociedade dos trópicos ou no clima. Haveria, dizem preconceituosamente há séculos, uma combinação nefasta de preguiça, magia e dependência do Estado, fruto da mistura de indígenas, africanos e portugueses.
Com outro recorte e com outra intenção, há o filme dirigido por Sérgio Bianchi: Cronicamente Inviável (2000). Na obra, as contradições regionais e as diferenças sociais são retratadas não como mazelas que podem ser refeitas a partir de uma ação efetiva, porém algo impossível de ser remediado, pois seria, justamente, crônico. Assim, sem citar Vieira, nós seríamos, como sociedade, um arbusto de murta. Aceitamos docemente qualquer choque de gestão, um programa novo de governo ou um planejamento bem ou mal-intencionado porque, no fundo, todos sabemos que, em breve, tudo voltará ao original informe. Novas chefias e novas regras são bem recebidas, pois, basicamente, não acreditaríamos que possam ser efetivas ou duradouras.
Minha experiência como professor é que toda regra enunciada no início do semestre é recebida com anuência silenciosa pelos alunos. Iniciam-se os trabalhos letivos e, lentamente, os discentes percebem que a regra é real e que será implementada. Então começam os choques e os pedidos para que elas sejam mudadas. É interessante: a regra (ou, se preferirem, a lei) não causa reação. Acredita-se que ela também será murta. Quando é notada a consistência marmórea na implementação, a resistência surge. Lembro-me do espanto de um amigo alemão ao ver a notícia de uma lei estadual afirmando que menores não poderiam comprar bebidas alcoólicas. Ele me perguntou: “Antes podia”? Eu disse que nunca foi possível, que sempre fora proibido, mas agora era efetivamente interditado. Claro, estimado leitor e querida leitora: o alemão não conseguiu entender o advérbio: como seria algo “efetivamente” proibido e como seria possível de distinguir de algo apenas proibido. Notável falta de imaginação germânica para nossa elasticidade interpretativa. Tem jeito? Seremos sempre murta? Bem, outubro está aí e teremos de responder de novo a essa questão.
Leandro Karnal
Haveria outros povos, como os indígenas do Brasil, que teriam comportamento oposto. Seriam dóceis e receptivos ao novo modelo religioso. A facilidade da adesão seria acompanhada pela pouca constância no caminho de Jesus. Imediatamente cristianizados e com rapidez voltando às crenças antepassadas. No caso em questão, em vez de mármore, seria como esculpir em um arbusto, a murta, planta sobre a qual o jardineiro hábil pode produzir formas inventivas. Passadas algumas semanas (Vieira fala em 4 dias), o arbusto perde o modelo e retorna ao estado natural. No mundo clássico, a murta era dedicada à deusa do amor, Vênus/Afrodite, reforçando sua mutabilidade. Os “gentios” do Novo Mundo eram alunos ambíguos: aceitariam tudo que lhe ensinam e, teimosos, permanecem apegados ao seu universo de valores.
A metáfora do lisboeta foi aproveitada por Eduardo Viveiros de Castro. Em artigo hoje inserido em livro (A Inconstância da Alma Selvagem, em nova edição pela Ubu Editora, 2017), o antropólogo discorre sobre o impacto cosmológico provocado pela catequese dos jesuítas, especialmente sobre a prática do canibalismo. Os padres reclamavam que os indígenas adoravam nada e isso dificultava a mudança religiosa, pois escapavam dos modelos de idólatras que os jesuítas tinham a partir da memória histórica da conversão da bacia do Mediterrâneo no Baixo Império Romano. Pior, os indígenas não teriam fé porque não tinham lei e não tinham lei porque não tinham rei. Sem um sistema tradicional de submissão a um rei e a um código jurídico, era difícil substituir o mundo nativo pela nova lei e pelo novo rei europeu. No fundo, o desafio para os jesuítas e para alguns da escola de Émile Durkheim, os tupinambás não tinham religião.
Sem Fé, sem Lei e sem Rei (que Pero de Magalhães Gândavo atribuiu à falta de F, L e R na língua tupi), os habitantes originais daqui seriam incapazes de realizar a incorporação da norma europeia porque não tinham norma anterior. O selvagem seria inconstante e incapaz de adaptar-se a um sistema civilizado. Grande parte do pensamento conservador da intelectualidade brasileira nos séculos seguintes dialogaria com a ideia do Padre Vieira. “O brasileiro não tem jeito”, “a saída para o Brasil é o aeroporto” e outras frases que reforçam a construção (quase sempre urbana e branca) de um país impossível de atingir patamares dignos de uma pátria moderna. A culpa? Ela já foi colocada nos grupos humanos constitutivos da sociedade dos trópicos ou no clima. Haveria, dizem preconceituosamente há séculos, uma combinação nefasta de preguiça, magia e dependência do Estado, fruto da mistura de indígenas, africanos e portugueses.
Com outro recorte e com outra intenção, há o filme dirigido por Sérgio Bianchi: Cronicamente Inviável (2000). Na obra, as contradições regionais e as diferenças sociais são retratadas não como mazelas que podem ser refeitas a partir de uma ação efetiva, porém algo impossível de ser remediado, pois seria, justamente, crônico. Assim, sem citar Vieira, nós seríamos, como sociedade, um arbusto de murta. Aceitamos docemente qualquer choque de gestão, um programa novo de governo ou um planejamento bem ou mal-intencionado porque, no fundo, todos sabemos que, em breve, tudo voltará ao original informe. Novas chefias e novas regras são bem recebidas, pois, basicamente, não acreditaríamos que possam ser efetivas ou duradouras.
Minha experiência como professor é que toda regra enunciada no início do semestre é recebida com anuência silenciosa pelos alunos. Iniciam-se os trabalhos letivos e, lentamente, os discentes percebem que a regra é real e que será implementada. Então começam os choques e os pedidos para que elas sejam mudadas. É interessante: a regra (ou, se preferirem, a lei) não causa reação. Acredita-se que ela também será murta. Quando é notada a consistência marmórea na implementação, a resistência surge. Lembro-me do espanto de um amigo alemão ao ver a notícia de uma lei estadual afirmando que menores não poderiam comprar bebidas alcoólicas. Ele me perguntou: “Antes podia”? Eu disse que nunca foi possível, que sempre fora proibido, mas agora era efetivamente interditado. Claro, estimado leitor e querida leitora: o alemão não conseguiu entender o advérbio: como seria algo “efetivamente” proibido e como seria possível de distinguir de algo apenas proibido. Notável falta de imaginação germânica para nossa elasticidade interpretativa. Tem jeito? Seremos sempre murta? Bem, outubro está aí e teremos de responder de novo a essa questão.
Leandro Karnal
Sai pra lá, Sísifo
O povo brasileiro se sente em eterno recomeço. Quando acha que as coisas estão se normalizando, aparece mais um desastre. Nosso habitante se vê numa ilha ameaçada por escândalos, corrupção desbragada, favorecimentos, ausência de critérios racionais, impostos, feudos, deterioração dos serviços públicos, falta de continuidade nas administrações.
O sistema de vasos comunicantes acaba impregnando a alma nacional, inviabilizando aquele espírito público, fonte do fervor pátrio, que Alexis de Tocqueville constatou em A Democracia na América (1835), encantado com os valores da alma norte-americana: “existe um amor à pátria que tem a sua fonte principal naquele sentimento irrefletido, desinteressado e indefinível que liga o coração do homem aos lugares onde nasceu. Confunde-se esse amor instintivo com o gosto pelos costumes antigos, com o respeito aos mais velhos e a lembrança do passado; aqueles que o experimentam estimam o seu país com o amor que se tem à casa paterna”.
Que amor à Pátria pode existir em espíritos tomados pelo pavor, pela violência, pelo estado de guerra civil do Rio de Janeiro, pelos assaltos nas capitais e cidades do Norte e Nordeste, pela marginalidade incorporando bandos de menores? Que espírito público pode vingar em nossa América Latina quando na vizinha Venezuela as multidões não têm mais o que comer e fogem aos montes para nosso país? O que diria desse Nicolas Maduro o grande libertador Simon Bolívar, que retratou o sofrido continente: “não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações; os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento. A única coisa que se pode fazer na América é emigrar”.
O povo quer sentir estabilidade e segurança nas ruas e no emprego. Estabilidade que permita divisar com nitidez a linha do horizonte. Há 13 milhões de desempregados. Como divisar clareza a apenas 5 meses da eleição, sem sinais do que pode ocorrer?
A chama telúrica, que liga as pessoas ao lugar em que nasceram, está quase se apagando. Daqui a um mês teremos a catarse coletiva da Copa do Mundo. E se perdemos? Serão dias de mais amargura. Vamos continuar a ver governos de todas as instâncias usando míseros tostões para administrar massas falidas.
Rezemos para afastar a maldição de Sísifo.
Gaudêncio Torquato
A desesperança
O primeiro vetor é um cenário internacional em mudança, em razão da política econômica de Donald Trump, cumprindo à risca promessas de campanha que pareciam apenas peças de retórica, entre as quais a guerra comercial com a China. A expectativa de elevação dos juros nos Estados Unidos inverte a direção dos fluxos de investimentos no mundo, que deixam os países emergentes em busca de negócios naquela que ainda é a maior economia do mundo, e agora funciona como uma força centrípeta em relação à periferia. O Brasil já está sentindo o peso dessa variável, agravada por problemas em relação às nossas exportações, principalmente de frango e carne bovina, inclusive em relação ao outro polo da economia mundial, a China. A alta do dólar tem muito a ver com isso.
Não por acaso, porém, o BC interrompeu a redução dos juros, que haviam baixado de 14,25% ao ano em outubro de 2016 para os atuais 6,5%. O dólar fechou a semana a R$ 3,74, mesmo com o governo intervindo no câmbio, o que eleva as projeções de inflação para R$ 3,5%. Para quem viajar, o dólar já está quase a R$ 3,95. As expectativas de inflação para este ano, segundo a pesquisa Focus do BC, continuam em torno de 3,5%. O comunicado do Copom ressaltou que no cenário com juros constantes a 6,5% ao ano e a taxa de câmbio constante a R$ 3,60 por dólar, porém, as projeções de inflação sobem para cerca de 4% neste ano e em 2019. A meta de inflação deste ano é um IPCA de 4,5% com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual, ou seja, piso de 3% e teto de 6%. no país. Havia expectativa de que se mantivesse em torno do piso; agora, o cenário já é outro.
Há um terceiro vetor de crise, que está tendo grande impacto entre os agentes econômicos: a falta de blindagem da política fiscal, mesmo com aprovação do Teto de Gastos, por causa do grande deficit fiscal da União. Com a grande contribuição do Congresso, que abdicou da agenda das reformas, o enfraquecimento contínuo do governo Temer, as renúncias fiscais e a elevação dos gastos públicos pesam muito na balança. Ainda mais com o desgaste provocado pela crise ética, esses vetores somente poderiam ser neutralizados se houvesse um certo consenso entre os candidatos à Presidência em relação à necessidade de redução dos gastos públicos. Isso não acontece. Segundo o economista Arminio Fraga, o próximo presidente terá de fazer um ajuste fiscal de 5% do PIB. Num cenário eleitoral no qual a elite política enfrenta grande desgaste moral, uma proposta como essa não tem nenhum apelo eleitoral, a não ser que viesse acompanhada de um plano de metas robusto.
Até agora, ninguém se apresentou com um programa exequível que enfrente de forma combinada a crise fiscal e o combate às desigualdades. Candidatos que defendem o ajuste fiscal não apresentam um programa capaz de combatê-las. Em contrapartida, os que tratam das questões sociais não estão nem aí para a redução dos gastos do governo, mantendo uma narrativa populista. O resultado é a incerteza em relação à economia, que vinha numa trajetória de gradativo crescimento. Diante dessa situação, a reação dos agentes econômicos é de cautela quanto aos investimentos; e do eleitor, de indiferença em relação ao pleito. Será assim até depois da Copa do Mundo.
O lado mais dramático da situação é um exército de 25 milhões de desempregados, dos quais 11 milhões são jovens nem-nem (não estudam nem trabalham), sem perspectivas a curto prazo, seja porque a economia formal não gera empregos suficientes, seja porque a baixa atividade econômica também não permite a expansão do empreendedorismo. Além disso, nos setores mais dinâmicos, o surgimento de vagas demanda níveis de conhecimento técnico que aprofundam as desigualdades.
Num universo de 144 milhões de eleitores, essa massa de desempregados se deixa seduzir facilmente por propostas populistas e salvadores da pátria. Os eleitores de classe média, cada vez mais divorciados da política e suas instituições, também dão sinais de que não sabem ainda o rumo que vão tomar. Há um mar de desesperança, ainda mais porque a crise ética quebrou a confiança na elite política do país de forma generalizada entre as parcelas mais instruídas da população. No fundo, é preciso reinventar a esperança.
Impasse na lama
Está virtualmente fechado um dos maiores negócios da indústria de mineração. Os executivos Fabio Schvartsman, da Vale, e Andrew Mackenzie, da australiana BHP Billiton, chegaram a um acordo sobre o futuro da Samarco. Se mantido, a Vale deverá anunciar em breve a compra da participação (50%) da sócia Billiton no controle da empresa, cujas operações estão paralisadas há dois anos.
Schvartsman e Mackenzie lideram dois dos maiores e lucrativos grupos mundiais de mineração. São, também, responsáveis pelo atual impasse nas ações da subsidiária para restaurar vida e paisagem numa área de 70 mil quilômetros quadrados, entre Minas e Espírito Santo, devastada no rompimento de uma barragem de rejeitos da Samarco em Mariana (MG). É o maior desastre ambiental no país. Schvartsman herdou o problema do antecessor, Murilo Ferreira, que deixou a Vale há 14 meses.
Já se passaram 890 dias desde a quinta-feira 5 de novembro de 2015, quando uma avalanche de compostos quimicamente estáveis (éter, arsênio, cádmio, mercúrio, chumbo, manganês e ferro, entre outros) se espraiou por 800 quilômetros da Bacia do Rio Doce até o Atlântico. Sob a lama foram encontrados 17 cadáveres.
Até agora, no entanto, a subsidiária comandada por Schvartsman e Mackenzie fez muito pouco sobre as sequelas. É o que demonstram relatórios do Ministério do Meio Ambiente, Ibama, governos de Minas e do Espírito Santo, dos municípios e do Comitê da Bacia do Rio Doce.
Em janeiro, esses organismos fizeram uma revisão do acordo (“Termo de Transação e Ajustamento de Conduta”) assinado pela Samarco e seus acionistas, Vale e BHP Billiton. Concluíram que as empresas descumpriram os compromissos de forma “reiterada e inequívoca”. Cobraram “soluções eficazes e definitivas antes do próximo período chuvoso”, a partir de outubro, para evitar “a continuidade da poluição”.
As empresas responderam no mês seguinte, com 8,6 mil palavras distribuídas em 24 páginas sob o timbre da fundação criada para reparações no Rio Doce. Delas sobressaem verbos sobre um futuro indeterminado e expressões sobre o presente incerto, como “planos em elaboração”, “alternativa estudada”, “solução em fase de projetos”, “estudos complementares”, “monitoramento adicional em andamento”, e, “em avaliação”.
Nem o tratamento da água dos rios está sendo feito. Tecnologia específica foi identificada, informa a fundação. É usada em canais de esgoto urbano. Até foram feitos “testes”, porém, “não foram avaliadas as questões da bioversidade, nem as autorizações para aplicar produtos químicos diretamente” nos rios.
Mês passado, o Ibama analisou as explicações e propostas. Definiu como “superficiais”, “excessivamente conceituais”, “sem esclarecimentos ou conteúdos técnicos relevantes” e “inconsistentes”. Concluiu que as empresas adotaram a tática do rodízio: entregam cronograma, em seguida, atualizam e, logo, adiam.
São posturas defensivas, para contenção de danos às imagens corporativas — a BHP Billiton fez algo parecido em 1984, na Papua Nova Guiné, quando lançou 80 mil toneladas de compostos de cobre, cádmio e zinco nos rios Ok Tedi e Fly e envenenou a floresta.
Schvartsman e Mackenzie somam 80 anos de experiência em administração de empresas. Ainda têm chance de resgatar seu histórico de executivos bem-sucedidos da lama química da Samarco.
Schvartsman e Mackenzie lideram dois dos maiores e lucrativos grupos mundiais de mineração. São, também, responsáveis pelo atual impasse nas ações da subsidiária para restaurar vida e paisagem numa área de 70 mil quilômetros quadrados, entre Minas e Espírito Santo, devastada no rompimento de uma barragem de rejeitos da Samarco em Mariana (MG). É o maior desastre ambiental no país. Schvartsman herdou o problema do antecessor, Murilo Ferreira, que deixou a Vale há 14 meses.
Já se passaram 890 dias desde a quinta-feira 5 de novembro de 2015, quando uma avalanche de compostos quimicamente estáveis (éter, arsênio, cádmio, mercúrio, chumbo, manganês e ferro, entre outros) se espraiou por 800 quilômetros da Bacia do Rio Doce até o Atlântico. Sob a lama foram encontrados 17 cadáveres.
Até agora, no entanto, a subsidiária comandada por Schvartsman e Mackenzie fez muito pouco sobre as sequelas. É o que demonstram relatórios do Ministério do Meio Ambiente, Ibama, governos de Minas e do Espírito Santo, dos municípios e do Comitê da Bacia do Rio Doce.
Em janeiro, esses organismos fizeram uma revisão do acordo (“Termo de Transação e Ajustamento de Conduta”) assinado pela Samarco e seus acionistas, Vale e BHP Billiton. Concluíram que as empresas descumpriram os compromissos de forma “reiterada e inequívoca”. Cobraram “soluções eficazes e definitivas antes do próximo período chuvoso”, a partir de outubro, para evitar “a continuidade da poluição”.
As empresas responderam no mês seguinte, com 8,6 mil palavras distribuídas em 24 páginas sob o timbre da fundação criada para reparações no Rio Doce. Delas sobressaem verbos sobre um futuro indeterminado e expressões sobre o presente incerto, como “planos em elaboração”, “alternativa estudada”, “solução em fase de projetos”, “estudos complementares”, “monitoramento adicional em andamento”, e, “em avaliação”.
Nem o tratamento da água dos rios está sendo feito. Tecnologia específica foi identificada, informa a fundação. É usada em canais de esgoto urbano. Até foram feitos “testes”, porém, “não foram avaliadas as questões da bioversidade, nem as autorizações para aplicar produtos químicos diretamente” nos rios.
Mês passado, o Ibama analisou as explicações e propostas. Definiu como “superficiais”, “excessivamente conceituais”, “sem esclarecimentos ou conteúdos técnicos relevantes” e “inconsistentes”. Concluiu que as empresas adotaram a tática do rodízio: entregam cronograma, em seguida, atualizam e, logo, adiam.
São posturas defensivas, para contenção de danos às imagens corporativas — a BHP Billiton fez algo parecido em 1984, na Papua Nova Guiné, quando lançou 80 mil toneladas de compostos de cobre, cádmio e zinco nos rios Ok Tedi e Fly e envenenou a floresta.
Schvartsman e Mackenzie somam 80 anos de experiência em administração de empresas. Ainda têm chance de resgatar seu histórico de executivos bem-sucedidos da lama química da Samarco.
Assinar:
Postagens (Atom)