quarta-feira, 14 de setembro de 2016
Deficiência e milagre
Basta olhar ou ouvir o noticiário para ver como somos devedores, desonestos, ineficientes, autodepreciativos, pessimistas, inábeis, fingidos e deficientes na constituição da nossa vida pública. A maioria tem o sentimento de que está tudo errado. Não há, porém, suicídio ou emigração em massa porque quem sabe ler e escrever tem a vida “arrumada”. E o orgulho da Olimpíada dos atletas deficientes – esses verdadeiros heróis de nossos tempos.
Temos casa, família e um dinheirinho no banco. Residimos num bairro, há o carro, vimos um pouco do mundo, funcionários públicos ou aposentados. Somos “arrumados” porque éramos imunes ao “governo” e, ao lado disso, não tomávamos conhecimento do Brasil como uma comunidade com território, leis universais, moeda e projetos e valores com os quais havia algum acordo. O maior deles sendo, provavelmente, essa imunidade que só atingia os “pobres” e não nós, “cidadãos”: os “arrumados”.
Mas o mundo e esse Brasil abstrato ficaram menores. Eles encolheram e nós, paradoxalmente, crescemos e verificamos que se não era possível resolver todos os problemas, porque eles existiam em toda parte, algumas mazelas podiam ser controladas e até mesmo resgatadas.
Como não estranhar a não existência de desigualdades vergonhosas em alguns países em confronto com a nossa vivência diária em meio a cidades nas quais basta olhar para cima para ver a miséria que cresce em vez de diminuir? Como não achar que há algo errado no nosso sistema educacional, quando pagamos escolas primárias caríssimas, mas temos um ensino superior gratuito ao qual, obviamente, tem mais acesso quem está “arrumado”? Como não enxergar que confundimos governar gerenciamento público com “política” no seu mais baixo sentido – como mentira e roubalheira em nome do povo e dos pobres?
Em suma, como não considerar que continuamos acreditando nas fórmulas feitas e não em ações diretas e concretas? Será mesmo possível continuar arrumadinhos e em casa, mas sendo assaltados e agredidos na rua por batedores de celulares e relógios e, em Brasília, por ladrões de fundos de pensão? A menos, é claro, se formos aposentados do governo federal, altos funcionários com a “vida garantida”. Acho que é tempo de meditar que essa “vida” está prestes a ruir com a crise que já entrou nas nossas casas.
Até quando a casa vai ser refratária à rua?
De portas fechadas ao que ocorre lá fora, por que todo o nosso desenho institucional foi realizado para impedir esse encontro? E o cargo público que permitia pequenas ou enormes fidalguias é impossível com um Estado falido exatamente por ter como único projeto o de satisfazer seus segmentos políticos em detrimento da necessidade de imensas maiorias?
*
Somos todos deficientes. O governo é uma decepção, todo governante faz o jogo do autoempoderamento e as instituições derretem em todo lugar. Estamos caindo aos pedaços. Já não ouvimos, falamos e vemos. Acidentes devidos a um processo de urbanização sem urbanidade multiplicaram o número de deficientes. O que era lido como incapacidade, inabilidade e imperfeição está em toda a parte e ocupa todos os espaços. Lida como corrupção, ela nos envergonha; vista como paralisia, ela nos rouba a esperança; assumida como um mal inato do mercado, ela nos condena ao inferno da exploração e do atraso.
*
Somos todos deficientes!
Seja como coletividade ou seres humanos, não temos o que queremos e não realizamos tudo o que podemos.
Reconhecer a incapacidade, porém, é descobrir que só se sai da deficiência quando se decide superá-la. Quando se admite que ela é indisfarçável e deve ser vencida.
Um governo endividado não pode aumentar salários justamente dos mais bem pagos. Ou fazer jogo de cena com o orçamento nacional. Para ganhar legitimidade social, ele tem que propor o sacrifício da superação de si mesmo. Só cortando suas despesas num largo gesto nacional, ele pode ganhar a fidelidade, o respeito e a confiança da sociedade. É necessário um movimento dramático de autocontrole. Decretos e discursos não fazem milagres.
*
Uma pessoa dos tempos de Cristo não acreditaria numa competição realizada por atletas portadores de deficiências físicas. E eis que temos uma Olimpíada com atletas outrora condenados à exclusão ou ao milagre.Eu duvido do milagre? De modo algum. O milagre era o modo de fazer um cego enxergar e de um deficiente andar. Mas quando ele se supera usando a sua espantosa vontade, realiza-se o milagre que ambicionamos, mas não enxergamos. Todos somos deficientes e, a despeito de nos encontramos no fundo do poço da nossa inabilitação, podemos ultrapassá-la. Sem, entretanto, o desejar correto, não se sai da deficiência. Porque o milagre jaz na consciência da impossibilidade e na coragem de ultrapassá-la.
Os marginais da República
A cassação do deputado Eduardo Cunha e a posse da ministra Carmem Lúcia como presidente do Supremo Tribunal Federal nos remetem a dois marcos da nossa literatura: “Viva o povo brasileiro”, de João Ubaldo Ribeiro e “O homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda.
No primeiro, o escritor baiano narra de forma crítica e meio escrachada a trajetória do Brasil e da formação de sua identidade, numa versão bem distinta dos livros e documentos oficiais. Já o texto de Sérgio Buarque, publicado no livro “Raízes do Brasil”, analisa como as elites se apropriaram da cordialidade e da informalidade, traços da alma dos brasileiros, para fazer do Estado uma extensão dos seus interesses – pessoais ou políticos.
Esses dois protagonistas – povo e elite – apareceram de maneira diferente, nessa segunda-feira. Sua excelência o cidadão foi o grande sujeito do discurso da ministra Carmem Lúcia e tem sido, de uma forma ou de outra, o elemento impulsionador para que, aos trancos e barrancos, os poderes da República se movam e o país venha sendo passado a limpo.
Sem a pressão da sociedade, Eduardo Cunha não seria cassado, não teria havido o impeachment de Dilma Rousseff, um ex-presidente não estaria correndo riscos de ser processado e condenado e a Lava-jato não teria chegado onde chegou, com a prisão e condenação de uma parte da fina flor do empresariado.
As instituições de Estado, como a Procuradoria Geral da República, Polícia Federal, instâncias da Justiça, inclusive o STF na maioria de suas decisões, também jogaram papel importantíssimo, claro. Não sabemos, contudo, até onde iriam se não houvesse o respaldo das ruas.
Não faz o menor sentido cair no endeusamento desse ente, o povo, ou transformar em virtudes traços negativos de nossa identidade, de nossa formação. O “jeitinho” perpassa toda a pirâmide social. Sua elite, mas também sua base, embora seja injusto dar a esses dois polos o mesmo peso na balança.
Para o andar de baixo, é a forma da sobrevivência, para o andar de cima, a de manter seus privilégios.
Somos uma sociedade de incipiente consciência política, até bem pouco tempo paralisada pelo desencanto e pela sensação da impunidade. Tudo pode voltar a ser como dantes, no quartel de Abrantes, se não forem superados gargalos, alguns dos quais seculares, de nossas instituições.
A Justiça, como destacou a ministra Carmem Lúcia, continua distante do cidadão comum. Opera com letargia e ainda gera a percepção de que o “homem cordial” de hoje é tão inatingível quanto nos tempos da Casa Grande, do Sinhôzinho.
O que dizer então do fosso abismal entre o mundo da política formal e o sentimento da sociedade? O sistema político está absolutamente falido, inteiramente de costas para o povo que a palavra da presidente da Suprema Corte quis expressar.
Um bom exemplo são as eleições municipais: o que mudou na campanha televisiva?
Os candidatos continuam sendo vendidos como um produto, dando tapinhas nas costas dos eleitores e pegando criancinhas no colo. É a própria figura descrita por Sérgio Buarque de Holanda, em 1936.
O sujeito cordial dos tempos atuais está em todas. Está na TV com promessas mil e juras de que não é político, fez discurso inflamado na Câmara pela cassação de Cunha e esteve na posse da nova presidente da Suprema Corte como convidado. Ou Lula, Sarney, e Renan não se enquadram no protótipo do homem cordial?
No caso de Lula, nem se fale. Simpático, paternalista, é chegado ao compadrio moderno; aquele onde o Estado não é apenas extensão do círculo familiar ou de ambições pessoais. É também extensão de um projeto de poder, de partido.
Talvez por isto tenha cofiado tanto a barba, com ar de preocupado, ao ouvir as palavras do ministro Celso de Mello. O decano do STF, em um discurso certamente acertado com seus pares, foi absolutamente cristalino. Não haverá cordialidades com os “marginais da República, cuja atuação criminosa tem o efeito deletério de subverter a dignidade da função política e da própria atividade governamental”.
Quem sentou no banco de convidados, amanhã pode estar no banco dos réus.
No primeiro, o escritor baiano narra de forma crítica e meio escrachada a trajetória do Brasil e da formação de sua identidade, numa versão bem distinta dos livros e documentos oficiais. Já o texto de Sérgio Buarque, publicado no livro “Raízes do Brasil”, analisa como as elites se apropriaram da cordialidade e da informalidade, traços da alma dos brasileiros, para fazer do Estado uma extensão dos seus interesses – pessoais ou políticos.
Georges Le Mercenaire |
Sem a pressão da sociedade, Eduardo Cunha não seria cassado, não teria havido o impeachment de Dilma Rousseff, um ex-presidente não estaria correndo riscos de ser processado e condenado e a Lava-jato não teria chegado onde chegou, com a prisão e condenação de uma parte da fina flor do empresariado.
As instituições de Estado, como a Procuradoria Geral da República, Polícia Federal, instâncias da Justiça, inclusive o STF na maioria de suas decisões, também jogaram papel importantíssimo, claro. Não sabemos, contudo, até onde iriam se não houvesse o respaldo das ruas.
Não faz o menor sentido cair no endeusamento desse ente, o povo, ou transformar em virtudes traços negativos de nossa identidade, de nossa formação. O “jeitinho” perpassa toda a pirâmide social. Sua elite, mas também sua base, embora seja injusto dar a esses dois polos o mesmo peso na balança.
Para o andar de baixo, é a forma da sobrevivência, para o andar de cima, a de manter seus privilégios.
Somos uma sociedade de incipiente consciência política, até bem pouco tempo paralisada pelo desencanto e pela sensação da impunidade. Tudo pode voltar a ser como dantes, no quartel de Abrantes, se não forem superados gargalos, alguns dos quais seculares, de nossas instituições.
A Justiça, como destacou a ministra Carmem Lúcia, continua distante do cidadão comum. Opera com letargia e ainda gera a percepção de que o “homem cordial” de hoje é tão inatingível quanto nos tempos da Casa Grande, do Sinhôzinho.
O que dizer então do fosso abismal entre o mundo da política formal e o sentimento da sociedade? O sistema político está absolutamente falido, inteiramente de costas para o povo que a palavra da presidente da Suprema Corte quis expressar.
Um bom exemplo são as eleições municipais: o que mudou na campanha televisiva?
Os candidatos continuam sendo vendidos como um produto, dando tapinhas nas costas dos eleitores e pegando criancinhas no colo. É a própria figura descrita por Sérgio Buarque de Holanda, em 1936.
O sujeito cordial dos tempos atuais está em todas. Está na TV com promessas mil e juras de que não é político, fez discurso inflamado na Câmara pela cassação de Cunha e esteve na posse da nova presidente da Suprema Corte como convidado. Ou Lula, Sarney, e Renan não se enquadram no protótipo do homem cordial?
No caso de Lula, nem se fale. Simpático, paternalista, é chegado ao compadrio moderno; aquele onde o Estado não é apenas extensão do círculo familiar ou de ambições pessoais. É também extensão de um projeto de poder, de partido.
Talvez por isto tenha cofiado tanto a barba, com ar de preocupado, ao ouvir as palavras do ministro Celso de Mello. O decano do STF, em um discurso certamente acertado com seus pares, foi absolutamente cristalino. Não haverá cordialidades com os “marginais da República, cuja atuação criminosa tem o efeito deletério de subverter a dignidade da função política e da própria atividade governamental”.
Quem sentou no banco de convidados, amanhã pode estar no banco dos réus.
Pior que a depressão é a vergonha que existe nos deprimidos
Depressão com o café da manhã: eis o meu histórico da semana. Leio o jornal e encontro Bruce Springsteen, uma grata memória da adolescência. O "Boss", hoje com 66 anos, tem autobiografia na praça ("Born to Run", obviamente). E confessa no livro que luta contra a depressão há 30 anos. Há momentos bons, há momentos maus. E depois vêm os bons, e depois os maus. Pelo meio, psicoterapia e medicação.
No dia seguinte, é a vez de Andrés Iniesta, um dos gênios do futebol. Quando o Barcelona venceu a Champions League em 2009 e a Espanha foi campeã do mundo na Copa de 2010, Iniesta afirma que estava destroçado. Havia uma sombra que sugava toda a sua "joie de vivre" e o jogador não via fim para tão longa noite.
Não sei que figura pública irá surgir amanhã para falar do "cachorro negro". Apenas sei que todas essas histórias vêm sempre embaladas com um secretismo envergonhado. Springsteen aguenta há 30 anos uma depressão crônica. Iniesta venceu os principais troféus da carreira quando habitava o abismo –e relatou o fato com uma mistura de culpa e alívio. Pior que a depressão é a vergonha que existe nos deprimidos.
Alguns dirão que fingir é necessário: o público gosta da máscara, não do rosto que existe por detrás. Aceito. Mas se Springsteen fosse diabético ou Iniesta tivesse um problema na tireoide, alguém acredita que a doença seria secreta durante anos ou até décadas?
A depressão habita um território à parte. E, no caso dos homens, um planeta a anos-luz dos terráqueos. Por quê?
O escritor Andrew Solomon, ele próprio um deprimido crônico, investigou o assunto em "O Demônio do Meio-Dia". O livro é uma mistura de relato pessoal sobre a doença e estudo histórico e científico apurado. Mas é a história que me interessa –ou, melhor dizendo, a forma como a "melancolia" foi sendo olhada ao longo dos séculos pelos "sábios" de cada época.
Nem sempre a depressão foi uma mancha indigna: no Renascimento e, sobretudo, com o Romantismo, a figura do deprimido transportava uma aura de genialidade e incompreensão que era, ao mesmo tempo, uma afirmação de humanidade (e autenticidade) acima da banalidade das massas.
Para os românticos, aliás, a grandeza de um homem era inseparável de uma certa inconstância do espírito, diagnóstico que assenta perfeitamente em líderes eminentes como Abraham Lincoln ou Winston Churchill.
Mas o interesse maior do livro de Solomon está na parelha que ele estabelece entre dois momentos do pensamento humano que sempre nos pareceram antagônicos: a religiosidade medieval e o racionalismo iluminista.
Para os medievais, a tristeza do espírito era contrária à vontade de Deus. O deprimido pecava porque sofria –ou, em alternativa, sofria porque pecara. Nas palavras da religiosa Hildegarda de Bingen, "no momento em que Adão desobedeceu à lei divina, nesse preciso instante, a melancolia coagulou no seu sangue".
Sempre que o homem deixa entrar no seu espírito "o demônio do meio-dia", ele apenas experimenta o que Adão sofreu quando se afastou do Pai.
O racionalismo iluminista apenas secularizou uma mensagem geneticamente cristã. Com uma diferença: a depressão, entendida como um insulto à graça de Deus, era agora um insulto à majestade da Razão.
A proliferação de asilos para os alienados a partir do século 18 não se explica apenas por motivos "médicos" ou "securitários". A filosofia tem uma palavra maior: era preciso remover da paisagem seres humanos que eram a negação visível do otimismo progressista. O futuro era solar; e um futuro solar não pode permitir criaturas lunares.
Hoje, no esplendoroso século 21, gostamos de afirmar que os tabus fazem parte da mobília de nossos antepassados. Mentira, claro. O estigma da depressão é uma cópia dos preconceitos religiosos e racionalistas de tempos idos.
"Depressão é moleza." "Depressão é fraqueza de caráter." "Seja forte." "Comporte-se como um homem." "Você tem de ser racional." "Tanta tristeza é pecado." Quantas vezes o leitor disse isso a um familiar ou amigo deprimido?
Passaram anos, e até décadas, para que Andrés Iniesta ou Bruce Springsteen confessassem suas dores.
Outros não tiveram tanta sorte: terminaram a vida balançando na corda, derrotados pela doença mas também pela culpa, só porque nós gostamos de falar merda de vez em quando.
No dia seguinte, é a vez de Andrés Iniesta, um dos gênios do futebol. Quando o Barcelona venceu a Champions League em 2009 e a Espanha foi campeã do mundo na Copa de 2010, Iniesta afirma que estava destroçado. Havia uma sombra que sugava toda a sua "joie de vivre" e o jogador não via fim para tão longa noite.
Não sei que figura pública irá surgir amanhã para falar do "cachorro negro". Apenas sei que todas essas histórias vêm sempre embaladas com um secretismo envergonhado. Springsteen aguenta há 30 anos uma depressão crônica. Iniesta venceu os principais troféus da carreira quando habitava o abismo –e relatou o fato com uma mistura de culpa e alívio. Pior que a depressão é a vergonha que existe nos deprimidos.
Alguns dirão que fingir é necessário: o público gosta da máscara, não do rosto que existe por detrás. Aceito. Mas se Springsteen fosse diabético ou Iniesta tivesse um problema na tireoide, alguém acredita que a doença seria secreta durante anos ou até décadas?
A depressão habita um território à parte. E, no caso dos homens, um planeta a anos-luz dos terráqueos. Por quê?
O escritor Andrew Solomon, ele próprio um deprimido crônico, investigou o assunto em "O Demônio do Meio-Dia". O livro é uma mistura de relato pessoal sobre a doença e estudo histórico e científico apurado. Mas é a história que me interessa –ou, melhor dizendo, a forma como a "melancolia" foi sendo olhada ao longo dos séculos pelos "sábios" de cada época.
Nem sempre a depressão foi uma mancha indigna: no Renascimento e, sobretudo, com o Romantismo, a figura do deprimido transportava uma aura de genialidade e incompreensão que era, ao mesmo tempo, uma afirmação de humanidade (e autenticidade) acima da banalidade das massas.
Para os românticos, aliás, a grandeza de um homem era inseparável de uma certa inconstância do espírito, diagnóstico que assenta perfeitamente em líderes eminentes como Abraham Lincoln ou Winston Churchill.
Mas o interesse maior do livro de Solomon está na parelha que ele estabelece entre dois momentos do pensamento humano que sempre nos pareceram antagônicos: a religiosidade medieval e o racionalismo iluminista.
Para os medievais, a tristeza do espírito era contrária à vontade de Deus. O deprimido pecava porque sofria –ou, em alternativa, sofria porque pecara. Nas palavras da religiosa Hildegarda de Bingen, "no momento em que Adão desobedeceu à lei divina, nesse preciso instante, a melancolia coagulou no seu sangue".
Sempre que o homem deixa entrar no seu espírito "o demônio do meio-dia", ele apenas experimenta o que Adão sofreu quando se afastou do Pai.
O racionalismo iluminista apenas secularizou uma mensagem geneticamente cristã. Com uma diferença: a depressão, entendida como um insulto à graça de Deus, era agora um insulto à majestade da Razão.
A proliferação de asilos para os alienados a partir do século 18 não se explica apenas por motivos "médicos" ou "securitários". A filosofia tem uma palavra maior: era preciso remover da paisagem seres humanos que eram a negação visível do otimismo progressista. O futuro era solar; e um futuro solar não pode permitir criaturas lunares.
Hoje, no esplendoroso século 21, gostamos de afirmar que os tabus fazem parte da mobília de nossos antepassados. Mentira, claro. O estigma da depressão é uma cópia dos preconceitos religiosos e racionalistas de tempos idos.
"Depressão é moleza." "Depressão é fraqueza de caráter." "Seja forte." "Comporte-se como um homem." "Você tem de ser racional." "Tanta tristeza é pecado." Quantas vezes o leitor disse isso a um familiar ou amigo deprimido?
Passaram anos, e até décadas, para que Andrés Iniesta ou Bruce Springsteen confessassem suas dores.
Outros não tiveram tanta sorte: terminaram a vida balançando na corda, derrotados pela doença mas também pela culpa, só porque nós gostamos de falar merda de vez em quando.
Partidários da Trambicagem
Eleições: Livrar-nos dos maus e escolher entre os bons
A assim chamada classe política, há muitos anos, vem perdendo prestígio. Não é para menos. Os espaços de decisão nos parlamentos foram gradualmente sendo tomados de assalto por pessoas e grupos que conferem caráter criminoso a essa atividade. No sentido amplo da palavra - note-se - criminosos na vida pública não são apenas aqueles que se valem de métodos ilícitos para ascender na escalada financeira ou política. São-no igualmente os que usam de seu poder de decisão cuidando exclusivamente do interesse próprio, ou acovardando-se ante grupos de pressão, ou negociando apoios em troca de votos contra o bem comum. O crime que estes últimos cometem, embora não esteja capitulado em lei alguma, ofende a moral e exerce sobre o erário efeito mais devastador do que a corrupção. Seria ainda maior a insatisfação contra os políticos se os eleitores prestassem atenção à insensata criação de despesas, à concessão de privilégios a alguns às custas do que é de todos e ao pouco caso de tantos homens públicos para com seus deveres funcionais.
À sombra dessa realidade, prospera entre os eleitores uma rejeição "aos políticos" que se faz acompanhar, por vezes, da decisão de não mais votar. "Já me desiludi com tantos!", exclamava-se recentemente um amigo com quem conversava sobre isso. Aquela frase levou-me a uma reflexão que, em seguida, me trouxe às linhas que agora escrevo. Pus-me a listar os candidatos a cargos legislativos nos quais votei ao longo dos anos, até onde a lembrança alcançava. E - surpresa! - não encontrei uma única razão para arrependimento. Alguns se elegeram, outros não, mas todos tinham e mantiveram as qualidades que me levaram a lhes conferir confiança e voto. Aliás, em eleições parlamentares (deputados estaduais e federais, e vereadores), nunca me faltaram bons nomes em quem votar. O que muitas vezes faltou a tantos deles foram votos para obter o mandato que buscavam. Eu tinha um voto para dar e alguns a orientar, mas para os demais candidatos não tinha o que fazer.
Não tinha o que fazer, até hoje. O Brasil precisa que deixemos de lado a inibição. Entre as muitas coisas de que a nação carece, de que a vida pública está a exigir, estão muitos desses homens e mulheres que, por falta de voto, frustram suas vocações enquanto, na mesma proporção, a representação política perde qualidade.
O motivo pelo qual nunca me arrependi dos votos que dei está no fato de sempre os haver direcionado para pessoas cujos princípios, valores, ideais e convicções conhecia e compartilhava. A finalidade deste artigo, então, é disponibilizar pequena lista de candidatos que integram meu círculo de relações com proximidade e convivência. São pessoas nas quais eu votaria se tivesse vários votos a dar. Obviamente, existem muitos bons nomes nas listas de diversos partidos. Alguns, inclusive, são pessoas que conheço, mas com as quais mantenho um nível menor de relacionamento.
Os primeiros listados a seguir por ordem alfabética são membros do grupo Pensar +, candidatos a prefeito e a vereador de Porto Alegre, e têm o apoio do grupo. A prefeito: Fábio Ostermann e Nelson Marchezan. A vereador: Fernanda Barth, Felipe Camozzato e Ricardo Gomes. Também concorrem, e os destaco como merecedores de confiança: Fernando Coronel, João Carlos Nedel e Mônica Leal.
Os espaços da política são inóspitos às pessoas de bem. Por isso nos faltam estadistas. Então, quando pessoas assim se dispõem a atuar nesses ambientes, o melhor que podemos fazer é apoiá-las de modo decidido para que alcancem os votos necessários. Faça isso você também, esteja em que recanto deste país estiver. O Brasil precisa tanto dos bons quanto de livrar-se dos maus.
Percival Puggina
Não tinha o que fazer, até hoje. O Brasil precisa que deixemos de lado a inibição. Entre as muitas coisas de que a nação carece, de que a vida pública está a exigir, estão muitos desses homens e mulheres que, por falta de voto, frustram suas vocações enquanto, na mesma proporção, a representação política perde qualidade.
O motivo pelo qual nunca me arrependi dos votos que dei está no fato de sempre os haver direcionado para pessoas cujos princípios, valores, ideais e convicções conhecia e compartilhava. A finalidade deste artigo, então, é disponibilizar pequena lista de candidatos que integram meu círculo de relações com proximidade e convivência. São pessoas nas quais eu votaria se tivesse vários votos a dar. Obviamente, existem muitos bons nomes nas listas de diversos partidos. Alguns, inclusive, são pessoas que conheço, mas com as quais mantenho um nível menor de relacionamento.
Os primeiros listados a seguir por ordem alfabética são membros do grupo Pensar +, candidatos a prefeito e a vereador de Porto Alegre, e têm o apoio do grupo. A prefeito: Fábio Ostermann e Nelson Marchezan. A vereador: Fernanda Barth, Felipe Camozzato e Ricardo Gomes. Também concorrem, e os destaco como merecedores de confiança: Fernando Coronel, João Carlos Nedel e Mônica Leal.
Os espaços da política são inóspitos às pessoas de bem. Por isso nos faltam estadistas. Então, quando pessoas assim se dispõem a atuar nesses ambientes, o melhor que podemos fazer é apoiá-las de modo decidido para que alcancem os votos necessários. Faça isso você também, esteja em que recanto deste país estiver. O Brasil precisa tanto dos bons quanto de livrar-se dos maus.
Percival Puggina
Imitações de vidas
O caro leitor e a prezada leitora podem reparar: Eduardo Cunha e os petistas de modo geral usam a mesma linguagem. Adotam métodos semelhantes e argumentos muito parecidos para justificar as respectivas descidas ao inferno depois de experimentarem as delícias do paraíso. A começar pela adoção do ataque como defesa, estratégia que, no caso deles, nem sempre se mostrou a melhor prática.
Aqui desmentem o velho lema, mas, no conjunto das desastrosas obras, confirmam o ensinamento do dito segundo o qual quem almeja em excesso acaba perdendo tudo. Sendo o pecado original e deflagrador da derrocada, a perda de noção da realidade, atributo dos insensatos.
Começam satisfeitos com a conquista do poder, logo se deixam embriagar por ele, em seguida se convencem da condição de onipotentes e em pouco tempo transformam-se em napoleões de hospício, dizendo qualquer coisa que lhes venha às cabeças, crentes de que são invencíveis a despeito das circunstâncias adversas criadas por eles em sua incapacidade de reconhecer o equívoco – quando lhes bate à porta ou quando já materializado na forma de péssimas consequências.
A culpa é sempre dos outros. Dos primeiros aos últimos escândalos de corrupção nos quase quatro governos do PT, Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff nunca sabiam de nada daquilo que o País via exposto em denúncias, investigações, processos e condenações. A responsabilidade no início era de grupos isolados ou de “traidores” da confiança alheia.
À medida que foi ficando impossível sustentar a alegação que colocava ambos na condição de presidentes néscios, a culpa passou a ser da perseguição dos adversários, da elite insatisfeita com a alegria dos pobres, da ingratidão dos agraciados. Da arbitrariedade da Suprema Corte de Justiça, dos excessos da Polícia Federal, da leviandade do Ministério Público, da maldade de Joaquim Barbosa, da pérfida vaidade do juiz Sérgio Moro, dos golpistas conspiradores, dos vingativos congressistas, do traiçoeiro vice-presidente Temer, de Cunha o anjo mau maior.
Nada, nada mesmo a ver com a irresponsável e populista gastança, com a abertura dos cofres públicos e do aparelho de Estado à sanha de ladrões, com o menosprezo pelo contraditório, com a soberba petista no trato dos aliados como subordinados. Com a arrogância de Dilma na imposição de suas convicções erráticas, com a suposição de que popularidade e votos sirvam de salvo-conduto ao vale tudo. Com a cínica negativa de evidências, impertinência autodefinidos como heróis da resistência, com a compra de brigas erradas, as alianças espúrias e a recusa em ouvir os que aconselhavam na direção do acerto e eram mandados à companhia do agourento Velho do Restelo sem escusas pelo desrespeito a Camões.
Eduardo Cunha também quis cair atirando sem dispor de munição essencial: credibilidade. Anunciou a publicação de um livro “contando” tudo. José Dirceu fizera o mesmo e desistiu da empreitada. Antes da carreira de escritor, Cunha tem outras preocupações mais atinentes à residência onde Dirceu vive restrição de liberdade.
Tido e havido como poderoso incondicional e visto em sua imaginação como presidente da República, terminou na noite de segunda-feira dono de escassos 10 votos. Frutos de seus tropeços. Da mentira, do uso da Casa (por extensão dos colegas) como instrumento de seu desejo, da crença no lema “comigo ninguém pode”. Nem o Ministério Público a quem desafiou na pessoa de Rodrigo Janot nem a sociedade a quem pretendeu convencer da posição de perseguido político, herói do impeachment, vítima de um golpe. Tudo culpa do PT, da covardia eleitoral dos colegas, de uma urdidura do governo.
Há mais um traço de união entre Cunha e o PT, expresso em antigo dístico: são anjos de candura amarrados pela cintura.
Aqui desmentem o velho lema, mas, no conjunto das desastrosas obras, confirmam o ensinamento do dito segundo o qual quem almeja em excesso acaba perdendo tudo. Sendo o pecado original e deflagrador da derrocada, a perda de noção da realidade, atributo dos insensatos.
A culpa é sempre dos outros. Dos primeiros aos últimos escândalos de corrupção nos quase quatro governos do PT, Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff nunca sabiam de nada daquilo que o País via exposto em denúncias, investigações, processos e condenações. A responsabilidade no início era de grupos isolados ou de “traidores” da confiança alheia.
À medida que foi ficando impossível sustentar a alegação que colocava ambos na condição de presidentes néscios, a culpa passou a ser da perseguição dos adversários, da elite insatisfeita com a alegria dos pobres, da ingratidão dos agraciados. Da arbitrariedade da Suprema Corte de Justiça, dos excessos da Polícia Federal, da leviandade do Ministério Público, da maldade de Joaquim Barbosa, da pérfida vaidade do juiz Sérgio Moro, dos golpistas conspiradores, dos vingativos congressistas, do traiçoeiro vice-presidente Temer, de Cunha o anjo mau maior.
Nada, nada mesmo a ver com a irresponsável e populista gastança, com a abertura dos cofres públicos e do aparelho de Estado à sanha de ladrões, com o menosprezo pelo contraditório, com a soberba petista no trato dos aliados como subordinados. Com a arrogância de Dilma na imposição de suas convicções erráticas, com a suposição de que popularidade e votos sirvam de salvo-conduto ao vale tudo. Com a cínica negativa de evidências, impertinência autodefinidos como heróis da resistência, com a compra de brigas erradas, as alianças espúrias e a recusa em ouvir os que aconselhavam na direção do acerto e eram mandados à companhia do agourento Velho do Restelo sem escusas pelo desrespeito a Camões.
Eduardo Cunha também quis cair atirando sem dispor de munição essencial: credibilidade. Anunciou a publicação de um livro “contando” tudo. José Dirceu fizera o mesmo e desistiu da empreitada. Antes da carreira de escritor, Cunha tem outras preocupações mais atinentes à residência onde Dirceu vive restrição de liberdade.
Tido e havido como poderoso incondicional e visto em sua imaginação como presidente da República, terminou na noite de segunda-feira dono de escassos 10 votos. Frutos de seus tropeços. Da mentira, do uso da Casa (por extensão dos colegas) como instrumento de seu desejo, da crença no lema “comigo ninguém pode”. Nem o Ministério Público a quem desafiou na pessoa de Rodrigo Janot nem a sociedade a quem pretendeu convencer da posição de perseguido político, herói do impeachment, vítima de um golpe. Tudo culpa do PT, da covardia eleitoral dos colegas, de uma urdidura do governo.
Há mais um traço de união entre Cunha e o PT, expresso em antigo dístico: são anjos de candura amarrados pela cintura.
Até petistas miram vaga no segundo escalão de Temer
Enquanto no primeiro escalão as trocas são quase instantâneas na gestão Michel Temer (PMDB) – já foram quatro ministros substituídos –, no subterrâneo da política brasiliense, indicados pelo PT permanecem em cargos chaves e alimentam uma disputa fratricida no segundo e terceiro escalão do Governo. Cálculos extraoficiais apontam que quase 40% dessas funções ainda estão nas mãos de petistas. São cerca de 50 cargos com salários que variam entre 8.000 e 14.000 reais. O Governo queria esperar passar o impeachment de Dilma Rousseff (PT) para ocupar todos os cargos.
Vice-presidências, diretorias e superintendências de órgãos como a a Caixa, o Banco do Brasil, a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) têm sido disputadas por vários dos aliados do novo presidente brasileiro.
A corrida pelo cargo comissionado é tamanha que até petistas, hoje ferrenhos opositores à gestão Temer, tentam emplacar seus apadrinhados em alguma função. O caso mais emblemático neste sentido é o de Paulo de Tarso Campolina, um nome defendido nos bastidores pelo ex-ministro Carlos Gabas, que atuou na gestão Rousseff, e pelo ex-deputado federal pelo PT Cândido Vaccarezza para presidir a Dataprev. Atualmente o órgão tem como presidente Rodrigo Ortiz D’Avila Assumpção, na função desde 2008, ainda no governo Luiz Inácio Lula da Silva.Leia mais
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