sábado, 26 de julho de 2025

Pensamento do Dia (todo)

 


Batalha campal

Somos o campo de testes de uma disputa global que tem o potencial de definir um novo mapa do poder nas relações internacionais. Nas últimas duas semanas, a ofensiva do governo de Donald Trump contra o Brasil não ocorreu por uma questão tarifária. Não estão em jogo nem o café nem o suco de laranja. Esses são danos colaterais.

Abalar a estabilidade de um governo democraticamente eleito é o principal objetivo de um movimento que precisa retirar de seu caminho forças progressistas e emergentes para costurar uma nova ordem mundial que perpetue e renove sua posição de força. A autonomia do Brasil, portanto, é intolerável. Inclusive perigosa, caso outros emergentes a usem como modelo. Desmontar a oposição que o País representa aos interesses de Trump cumpre duas funções estratégicas.


A primeira delas é a de permitir que uma operação de grande envergadura para restabelecer a hegemonia norte-americana no mundo e frear a China possa vingar. Robert Lighthizer, o assessor extraoficial do departamento de Comércio de Trump e mentor das tarifas da Casa Branca, resumiu como poucos o que a China representa: “Uma ameaça existencial aos EUA”.

Para a Casa Branca, isso passa necessariamente por voltar a poder chamar a América Latina de quintal. Desde que voltou à Presidência, Trump sinalizou que recuperar a zona de influência entre os vizinhos ao Sul do Rio Grande era uma prioridade, recuperando o espaço que hoje é, em parte, da China. Assim, Washington passou a chantagear o Panamá, forçou entendimentos com países da América Central e Caribe, costurou apoios com Equador, Guiana, Paraguai e Argentina. E, de forma estratégica, busca agora influenciar diretamente as próximas eleições no Chile e na Colômbia. Mas nada disso terá um resultado concreto sem o Brasil.

Há, no entanto, uma segunda disputa travada e ela é ideológica. Nos últimos dias, ao abrir mão do interesse nacional, da renda dos brasileiros e da própria democracia em troca de um apoio externo para proteger seu clã, o bolsonarismo foi desmascarado. Também ficou evidente que não se trata de um grupo isolado. Tea­tralizadas, as demonstrações de líderes ultraconservadores confirmaram, uma vez mais, a existência de uma aliança internacional de uma força política que, ao longo dos últimos anos, costurou uma estratégia globalizada para chegar e se manter no poder.

Um dos líderes que saíram no apoio do ex-presidente brasileiro foi o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. “Continue lutando, Jair Bolsonaro! Ordens de silêncio, proibições de redes sociais e julgamentos com motivação política são ferramentas de medo, não de justiça”, disse o líder húngaro nas redes sociais. No começo de 2024, Bolsonaro passou dois dias na Embaixada da Hungria em Brasília. O movimento ocorreu dias depois de ele ter seu passaporte retido pela Justiça, que o investigava pela trama golpista. O apoio também veio da extrema-direita polonesa, que agora pede sanções na Europa contra Alexandre de Moraes. Na Itália, Matteo Salvini disse que Bolsonaro é um “perseguido pela Justiça de esquerda”. Na Espanha, foram os herdeiros intelectuais e políticos do ditador Francisco ­Franco que saíram ao resgate do brasileiro.

Em todos os casos, as palavras de apoio se repetiam de forma calculada. Como se tivessem sido ensaiadas. O movimento ultraconservador no mundo sabe o que está em jogo no Brasil. E não é a sobrevivência política de um ex-presidente indiciado por golpe de Estado. O que está em jogo é seu projeto de poder.

Se a extrema-direita mundial sempre teve um plano, dinheiro e objetivo, agora também tem um líder com uma bomba atômica, com o maior mercado do mundo e determinado a reverter uma sensação de decadência de um império. Não poderia ser mais perigoso.

Num mundo onde a velha ordem internacional se desfez e na qual uma disputa­ pelo poder é travada a cada dia para determinar quais serão as regras que vão reger as próximas décadas, o que está sendo desenhada é a fundação de uma geografia do poder.

Seja pela busca norte-americana por hegemonia, seja pela disputa ideológica de um grupo que quer refundar a sociedade a partir de um novo parâmetro ultraconservador, a realidade é que o embate, neste momento, está ocorrendo em nossa democracia.

Os golpes enviados desde Washington e ecoados por traidores testam os alicerces de uma sociedade e os parâmetros da civilização.

No país, a disputa é por onde passam a linhas não tão imaginárias das fronteiras de zonas de influência e da definição de soberania.

No Brasil, portanto, disputa-se neste momento o século XXI.

Antidemocrático e antipatriótico

As recentes sanções aplicadas pelo governo de Donald Trump às exportações brasileiras e a algumas de suas principais autoridades do sistema de Justiça, para além dos efeitos econômicos imediatos, tornaram mais claros certos aspectos do bolsonarismo. Embora, para os mais atentos, menos crédulos ou avessos ao cinismo, tais traços fossem óbvios, eram ainda minimizados por muita gente.

Um desses elementos é o caráter embusteiro do patriotismo bolsonaresco. Jair Bolsonaro inúmeras vezes alardeou sua disposição de dar a vida pelo País, contudo, quando surgiu a oportunidade (não de dar a vida, mas de demonstrar alguma preocupação com o Brasil) o que ele e seu filho 03 fizeram foi exatamente o contrário: atuaram para sacrificar a nação em prol de seus próprios interesses. Tão logo Trump publicou a carta aberta a Lula em rede social, anunciando sanções e as justificando pelo inconformismo com o processo no qual Bolsonaro é réu, o filho Eduardo foi rapidamente a público jactar-se pelo sucesso de seu lobby antinacional nos Estados Unidos.


Nisso, pai e filho não se viram sozinhos. Políticos bolsonaristas de berço, como Tarcísio de Freitas, ou que se alinharam ao movimento extremista já como veteranos na vida pública, como Ronaldo Caiado, aliviaram para o clã Bolsonaro, imputando ao governo Lula a responsabilidade pelo achaque trumpista. Para eles, Lula e o PT serão sempre culpados de tudo, enquanto Bolsonaro é um poço de virtudes republicanas. Tão longe foi o governador de São Paulo na tentativa de imputar ao governo federal a responsabilidade exclusiva pelas sanções, que Eduardo Bolsonaro incomodou-se e acabou reclamando. Onde já se viu atribuir a Lula e não a ele e seu diligente trabalho em Washington os louros da extorsão que nos é imposta por Trump?

Assim tornou-se evidente um segundo aspecto do movimento de ultradireita: “bolsonarismo moderado” é uma quimera, pois mesmo os aparentemente mais comedidos integrantes do grupo acabam se juntando às manobras extremistas. Ter compromisso com Bolsonaro implica comprometer-se com o extremismo que o caracteriza, pois não há como integrar um movimento político desse tipo sem chancelar suas práticas. Portanto, a lealdade ao bolsonarismo tem como corolário inescapável a deslealdade para com a democracia – e, como fica claro agora, para com o próprio País.

Da árvore bolsonarista não brotam frutos patrióticos. Os eventos recentes mostraram o acerto da alcunha de “patriotários” aplicada à malta bolsonaresca por seus detratores. Seja como massa de manobra e bucha de canhão nos acampamentos golpistas e na intentona do 8 de Janeiro, seja como manada de eleitores iludidos pelo verde-amarelo dos uniformes em manifestações de rua, o segmento bolsonarista da sociedade esteve todo o tempo a serviço – antes de qualquer outra coisa – de um empreendimento político familista. Bastaria observar a trajetória pregressa dos Bolsonaro para perceber isso, mas muita gente deixou-se encantar pelo “mito”. E, como sabemos, mitos podem ser fascinantes, mas são ficções.

Essa árvore também não dá frutos democráticos. Ao contrário, sempre operou contra a democracia. Foi assim na longa trajetória parlamentar de Bolsonaro e seus filhos: nos elogios à ditadura, no louvor à tortura e à eliminação física de opositores, nas declarações e atitudes ultrajantes, na defesa da violência policial e das milícias, na descompostura como modo de ser e de viver. O empreendimento político bolsonaresco nutriu-se do ressentimento para com o regime democrático e no cultivo de sua negação. Isso não mudou com a chegada à Presidência, ao contrário, piorou, pois, a partir dessa posição de poder, o bolsonarismo pôde usar recursos inauditos no ataque à democracia.

Durante seus quatro anos, atuou diuturnamente para minar o funcionamento das instituições do Estado Democrático de Direito e para envenenar o ambiente político como um todo, radicalizando a polarização numa dicotomia amigo-inimigo voltada à sujeição e exclusão dos não alinhados – no limite, à sua aniquilação. A direita supostamente moderada, ao aliar-se com o bolsonarismo, mostrou sua condição de semilealdade com a democracia, para usarmos aqui a noção do falecido politólogo espanhol Juan Linz. A semilealdade revela uma classe política para a qual a democracia é apenas uma das possibilidades postas e será preservada apenas se convier. Caso não convenha, será sacrificada em prol da permanência no poder com o consequente gozo de suas benesses. Do Centrão não virá proteção.

A permanência da pobreza

“Não há impulso político para a superação de algo que é visto como crise, e não como tragédia”

Um dos maiores erros do século XX, além da criação da bomba atômica, foi vincular o tema da pobreza à economia, como se a tragédia fosse apenas problema de renda, e não questão de fundo moral e de gestão pública. A escravidão só foi derrotada quando passou a provocar horror e indignação entre os não escravizados. Por ser apenas falta de renda, a permanência da pobreza não causa indignação moral, apenas incômodo passageiro, o que faz aceitável a existência de pessoas famintas, crianças sem escolas de qualidade, famílias morando na rua ou em casas sem saneamento. Perde-se naturalmente impulso político para a superação do que é visto como crise, e não como tragédia.


A abolição da escravidão só avançou quando houve comoção moral, como ocorreu na Inglaterra, graças sobretudo à luta de William Wilberforce. Em Flores, Votos e Balas, Angela Alonso mostra que no Brasil isso aconteceu após 1880, quando foi travada uma luta moral que converteu a consciência escravocrata nacional em abolicionista. Mas não tivemos líderes que indignassem a sociedade diante da constância da pobreza. É como se, na época da escravidão, os defensores da liberdade restringissem sua bandeira ao aumento da renda dos escravizados, para emancipar alguns, sem abolir de vez a escravatura; ou se Nelson Mandela se contentasse com programas de cotas e bolsas universitárias para fazer os negros sul-africanos serem aceitos como brancos, sem extirpar o apartheid.

Hoje, é preciso transformar a convivência com a pobreza em uma nova consciência: a da segunda abolição — justamente a da pobreza. Para tanto, devemos superar a visão economista, que é a da pobreza entendida como mera escassez de renda, e não como a privação do acesso à cesta de bens e serviços essenciais à vida. Após décadas de crescimento econômico, a sociedade não sentiu indignação moral diante da continuidade do quadro de pobreza. Tampouco compreendeu que sua superação não virá automaticamente com o crescimento do PIB e a expansão da renda social, como se isso garantisse a cada brasileiro pobre o acesso pleno àquilo que necessita — saúde, educação, segurança.

Se houvesse verdadeira indignação, e ela se traduzisse em mobilização política, a pobreza não resistiria a poucos anos de uma estratégia social focada em erradicá-la. Para isso, é preciso transformar a tolerância em indignação e formar uma consciência pela segunda abolição — a da pobreza. A simples distribuição da carga fiscal na arrecadação é necessária do ponto de vista moral, mas ela não erradicará a pobreza se os recursos arrecadados não forem usados para garantir a oferta pública dos bens e serviços cuja ausência define a pobreza. Ela continuará existindo se os recursos da justiça tributária forem dragados por corrupção, mordomias, salários milionários ou investimentos que beneficiam apenas o “andar de cima”.

A justiça fiscal só será abolicionista se for utilizada para financiar o acesso de todos aos bens e serviços públicos essenciais, especialmente para implantar um sistema nacional público de educação com qualidade e equidade, capaz de elevar a produtividade da economia, aumentar a renda nacional, promover sua distribuição e induzir participação política na direção de romper o círculo vicioso que faz a permanência da pobreza.

Trump, segundo um cientista

"A meta do governo Trump é destruir e, no fim, substituir a elite nos EUA." O diagnóstico emanou de um bioquímico, não de um sociólogo ou historiador: Thomas Sudhof, de Stanford, Nobel de Medicina em 2013. A frase, precisa, surgiu como resposta a uma pergunta sobre os ataques da Casa Branca às universidades, em entrevista a Der Spiegel.

Sudhof avalia que, no horizonte mais extenso, o resultado do conflito dependerá da sobrevivência do Estado de Direito nos EUA. "Se o império da lei for permanentemente afetado, a ciência será profundamente enfraquecida a longo prazo."


Tais conclusões representam quase um consenso na elite acadêmica. Originais, porém, são as duas pistas que ele oferece sobre as raízes político-culturais do retorno de Trump ao poder. Suspeito que suas hipóteses estendam-se para além dos EUA, iluminando também a potência da extrema direita na Europa e na América Latina.

A primeira: os equívocos dos governos na reação à pandemia de Covid propiciaram a escalada da desconfiança na ciência. Os cientistas têm culpa nesse cartório –e Sudhof inclui-se no time. "Alguns cientistas caíram numa espécie de pânico. O medo da morte de milhões conduziu a medidas nem sempre bem fundamentadas, do ponto de vista científico. Eis porque as camadas sociais vulneráveis, que sofreram mais, tornaram-se crescentemente céticas."

A radical restrição das liberdades públicas nutriu os ressentimentos contra as autoridades e as elites em geral. Trancadas em casa, as pessoas sucumbiram às redes sociais, ou seja, aos discursos conspiratórios, anticiência, do extremismo político. Os partidos democráticos emergiram mais fracos dos dois anos de trauma mundial.

A segunda: a difusão das políticas identitárias produziu uma implacável reação social. "Os democratas promoveram a DEI ['diversidade, equidade e inclusão'] nas universidades. Aparentemente, não era evidente para eles a dimensão da rejeição a esses programas na população em geral."

Os sinais aparecem à luz do dia. Trump perde popularidade quando viola direitos civis, persegue ferozmente imigrantes ou engaja-se em guerras tarifárias, mas ganha pontos ao cortar e ao penalizar as universidades que simbolizam os programas de DEI. O ritual de responsabilizar "brancos" ou "ricos" não funciona: a reação espraia-se igualmente entre latinos e negros.

A Universidade Columbia acaba de humilhar-se perante a Casa Branca, firmando uma rendição judicial. A capitulação abrange a renúncia a admissões e contratações em bases raciais, ao lado de medidas abjetas como o fornecimento de informações sobre estudantes estrangeiros à agência de imigração. Eliminando os critérios de raça, a instituição faz o certo, mas apenas sob a pressão de Trump, o que equivale a uma confissão de delinquência ideológica.

Sudhof concorda em "distribuir de modo mais justo" as oportunidades, mas pondera que a ênfase precisa recair no "componente econômico" das desigualdades. "Acho muito problemático dividir as pessoas de acordo com raças alegadas." Na sua análise, a sensação de discriminação associada às políticas identitárias provocou "repulsa" popular: "Penso que essa foi a mais importante razão pela qual as pessoas votaram em Trump".

O bioquímico Sudhof é uma figura rara. Trump tem a sorte de que, nas ciências humanas, quase ninguém aceita ouvi-lo.

A ganância que acaba com o mundo

Os “7 Pecados Capitais”, elaborados por São Tomás de Aquino no século XIII, são a soberba, a avareza, a luxúria, a ira, a gula, a inveja e a preguiça. A ganância é uma mistura disto tudo.

Somos a espécie Homo Sapiens, surgida na Terra a cerca de 300 mil anos atrás. A cerca de 50 mil anos, miscigenamos com os Neandertais, e os eliminamos a cerca de 48 mil anos. Éramos mais inteligentes e mais ágeis, nossas lanças mais leves e perfurantes. Tomamos todo o planeta para nós.

Segundo Noah Harari, em seu livro “Sapiens: a Brief History of Humankind”, o homem é um “acidente biológico”, que deve desaparecer possivelmente em “um século ou mais”. Um acaso da evolução e de irracionalidade extrema. De acordo com Chris Hedges, em seu livro “What every person should know about war”, nos últimos 3.400 anos da história tivemos somente 268 anos de paz, 8% do tempo total dos tempos da guerra infinda.

O homem prefere, disparadamente, viver bem e cada vez com mais luxo, estragando o que for, do que deixar um legado ecologicamente seguro para seus filhos e descendentes, sempre achando que o amanhã ainda não está por vir. Como dizia Maquiavel, “o homem chora mais a perda de seu patrimônio do que a morte de seu pai”.

O PIB do mundo, em US$ 1,37 trilhão em 1960, está hoje em US$ 111,33 trilhões, cada vez mais concentrado e mal distribuído. De acordo com o “Billionaire Ambitions Report” do Banco UBS, em 2023 pouco mais de 2.500 pessoas detinham o patrimônio de aproximadamente 12% do PIB mundial, na espiral do poder e da insanidade nas decisões.

A compressão da classe média, indicada pelo “World Inequality Report”, desesperada que está na busca da estabilidade, dá a base política para a fascismo, por líderes oportunistas que regem as sociedades acima daquilo que, até hoje, ou outrora, era chamada de “Lei”, nos idos ditos de Montesquieu e Rousseau. Bolsonaro, com o lema “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”, coloca toda a nação em risco econômico para atender a seus interesses únicos. Trump, com o “Make America Great Again”, impõe sanções a países como a África do Sul e o Brasil, acompanhadas de expressivos lucros nas bolsas através de hipotéticas informações privilegiadas, em averiguação (precária) nos países.

Somos um belo planeta, com terra, água e ar, estes dois últimos cada vez mais rarefeitos. A ecologia não é uma preocupação para o homem, posto que o lucro imediato supera a expectativa do encurtamento futuro da sobrevivência dos nossos descendentes, ou decadentes. E o homem, tido como “Sapiens”, segue a sua sina para um futuro tenebroso.

E “Assim caminha a humanidade”, como no filme de George Stevens, com Elizabeth Taylor, Rock Hudson e James Dean, na briga pelo petróleo. Que pena que o petróleo acaba.

Somente à beira do precipício o homem tomará suas decisões.

Como é fácil desmontar um país

Em sua cruzada de ultradireita, Trump só tem um medo: ser denunciado como predador sexual na 'lista de Epstein'

Em sua cruzada de ultradireita, Trump só tem um medo: ser denunciado como predador sexual na 'lista de Epstein' — Foto: Andrew Harnik/Getty Images

O tarifaço de Trump é apenas a ponta internacional do iceberg. As taxas são chantagens comerciais e políticas, ao Brasil e outros. Mas a tragédia, hoje, dentro dos EUA, é o fracasso da democracia americana, nas mãos de um tirano eleito legitimamente.


Muitos fatores levam alguém a escolher um presidente. Quem votou em Trump levou em conta que tipo de pessoa ele é? O que acontece ao longo de um mandato presidencial é, muitas vezes, imprevisível. Tem bastante a ver com a personalidade do político. Essa é a visão de um ex-juiz da Suprema Corte britânica, Jonathan Sumption.

“Mesmo que eu fosse americano e concordasse inteiramente com as políticas de Trump, não votaria nele. Porque é desonesto, narcisista, ignorante e inexperiente. Suas tendências autocráticas eram óbvias na campanha. Essa escolha dos eleitores pode levar ao fracasso da democracia americana”.

É didático e assustador acompanhar a destruição cotidiana dos valores democráticos nos EUA. São tantas guerras abertas hoje por Trump internamente que já se fala em estado de exceção. A primeira guerra, mais visível, é contra imigrantes e estrangeiros, com ou sem papéis, com ou sem visto.

Os funcionários do Ice (Immigration and Customs Enforcement), muitos de máscara, detêm imigrantes na rua, em casa, no mercado, no estacionamento de igrejas. Separam famílias. Enviam a prisões em condições desumanas. O Ice não é uma polícia convencional. Não se identifica. Não explica o motivo da detenção. Não comunica à família. Não usa câmeras corporais.

A Embaixada dos EUA no Brasil afirmou que visto é privilégio, não é direito. Pode ser revogado a qualquer momento. O Departamento de Justiça poderá deportar naturalizados americanos e anular sua cidadania. Irregularidades podem ser fabricadas para “desnaturalizar” cidadãos americanos que não se enquadrem.

A guerra às universidades como centros independentes de pensamento é outra violência. A perseguição a quem discorda do trumpismo já produz autocensura e medo em instituições de ensino. Trump quer controlar também os museus. A bancada do presidente no Congresso ameaça cortar os fundos federais do Kennedy Center caso a Opera House não seja rebatizada como “Primeira-Dama Melania Trump”.

Alguns estados conservadores, como Montana, ameaçam com até cinco anos de prisão mulheres que forem para estados mais liberais, em busca de um aborto legal. Elas seriam “traficantes de fetos”. É a tradução contemporânea do Conto da Aia, que se passa na República de Gilead, a distopia de Margaret Atwood.

Nada mais distópico do que um presidente publicar em sua rede um post fake, criado por IA, e que “revela” a prisão de Barack Obama no Salão Oval por tramar um golpe. Trump ri, enquanto agentes do FBI algemam Obama e o jogam ao chão. Obama chamou de “bizarras e ridículas” as acusações de Trump.

Mais uma vez, os EUA foram retirados da Unesco. Porque a instituição apoia diversidade, igualdade e sustentabilidade. E tem uma agenda a favor do desenvolvimento internacional. Isso vai contra a “America first”.

A saída da Unesco será concretizada em dezembro de 2026. Mas, quem sabe, até lá, os arquivos de Epstein denunciem Trump como um dos clientes da rede de tráfico sexual de menores do bilionário. É o que vem prometendo o Wall Street Journal. Trump foi avisado em maio de que seu nome está lá, na lista do criminoso, morto na prisão.

Não se pode dizer que os eleitores de Trump desconhecessem sua personalidade. Talvez poucos conheçam o conteúdo do Projeto 2025. Uma “lista de desejos” ultraconservadores de 900 páginas, financiada pela Heritage Foundation. Reveladora para quem quiser entender para onde Trump quer conduzir os EUA.

Os delírios estão todos ali. São um alerta de como é fácil desmontar um país.
Ruth de Aquino