quarta-feira, 29 de dezembro de 2021
O ano em que o Brasil nasceu
No sábado, 1º de janeiro de 2022, começa o ano do bicentenário do nascimento do Brasil. Parece pouca coisa, mas será uma oportunidade para pensar numa terra que resolveu andar para a frente com seus 4,7 milhões de habitantes. Nela viviam duas grandes figuras: o príncipe Dom Pedro, de 23 anos, e José Bonifácio de Andrada, de 59 anos.
Passados dois séculos, o país tem 213 milhões, convive com a cavalaria do atraso e, dia sim, dia não, é obrigado a conviver com o negacionismo e as batatadas do “coronel” Marcelo Queiroga e do capitão Jair Bolsonaro. Ninguém se livra do presente, mas o ano do bicentenário traz um refresco. Quem quiser, numa hora vaga, poderá entrar na máquina do tempo para reviver o grande ano de 1822. Por alguns minutos, graças à rede, voltará a um tempo em que o Brasil olhou para o futuro.
O ano começará no próximo dia 9 de janeiro, quando Dom Pedro desafiou Lisboa e decidiu ficar no Rio. É o tal Dia do Fico. Como previu a inglesa Maria Graham, que morava no Rio, ele foi “decisivo para o destino do Brasil”. (Um coronel português achava que levaria o príncipe para Portugal puxando-o pelas orelhas. Oito meses depois, Pedro separou o Brasil de Portugal, e o coronel virou asterisco.)
Dom Pedro é um dos grandes personagens do século XIX. Proclamou a Independência do Brasil e governou a nova nação até 1831. Voltou a Portugal, comandou uma revolta contra o irmão e colocou a filha no trono. Morreu de tuberculose aos 35 anos. Pegou fama de estroina e mulherengo, mas foi muito mais que isso. Julgá-lo pelo que fazia deitado equivale a julgar o americano Thomas Jefferson pelos filhos que teve com a escrava Sally Hemings. A Constituição que Dom Pedro outorgou em 1824 durou até 1891 e foi a mais duradoura da série.
Dom Pedro e José Bonifácio formaram uma grande dupla. Mais velho, Andrada costurou a rebeldia do príncipe. Em junho de 1822, o Brasil não existia como nação, mas Bonifácio criou uma Secretaria dos Negócios Estrangeiros, articulando-se no Prata, em Londres e em Viena. Enquanto Pedro pegou fama de mulherengo, Bonifácio, com seus cabelos brancos, ficou com uma aura austera. Filha natural, ele também tinha. O professor Delfim Netto diz que o desentendimento que os separou em 1823 foi o primeiro grande drama da história da nova nação. Andrada queria um governo forte, talvez forte demais, com seu horror à imprensa livre. (Há 200 anos circularam no Rio centenas de jornais, alguns com vidas breves.)
A geração de 1822 foi injustamente abafada. Sumiram figuras como o futuro marquês de Barbacena, que, de Londres, propunha a Bonifácio em maio o fim do tráfico (leia-se contrabando) de africanos escravizados. O Brasil só se livraria dessa bola de ferro em 1850, mas essa é outra história, a do atraso.
A máquina do tempo levará os curiosos de 2022 a um bonito momento. No mínimo, livrará os viajantes da mediocridade presente. Em agosto de 1822, Bonifácio redigiu um manifesto às nações amigas. Parece pouca coisa, mas vê-se seu tamanho quando se sabe que, passados dois séculos, sem motivo plausível, o Brasil encrencou com China, Estados Unidos, França e Chile, noves fora a má vontade com as vacinas, questão pacificada antes mesmo de 1822 pelo pai de Pedro. Dom João VI criou a Junta Vacínica para conter a varíola. Afinal, ela havia matado o seu irmão. Desde 1817, vacinavam-se crianças no Rio.
Passados dois séculos, o país tem 213 milhões, convive com a cavalaria do atraso e, dia sim, dia não, é obrigado a conviver com o negacionismo e as batatadas do “coronel” Marcelo Queiroga e do capitão Jair Bolsonaro. Ninguém se livra do presente, mas o ano do bicentenário traz um refresco. Quem quiser, numa hora vaga, poderá entrar na máquina do tempo para reviver o grande ano de 1822. Por alguns minutos, graças à rede, voltará a um tempo em que o Brasil olhou para o futuro.
O ano começará no próximo dia 9 de janeiro, quando Dom Pedro desafiou Lisboa e decidiu ficar no Rio. É o tal Dia do Fico. Como previu a inglesa Maria Graham, que morava no Rio, ele foi “decisivo para o destino do Brasil”. (Um coronel português achava que levaria o príncipe para Portugal puxando-o pelas orelhas. Oito meses depois, Pedro separou o Brasil de Portugal, e o coronel virou asterisco.)
Dom Pedro é um dos grandes personagens do século XIX. Proclamou a Independência do Brasil e governou a nova nação até 1831. Voltou a Portugal, comandou uma revolta contra o irmão e colocou a filha no trono. Morreu de tuberculose aos 35 anos. Pegou fama de estroina e mulherengo, mas foi muito mais que isso. Julgá-lo pelo que fazia deitado equivale a julgar o americano Thomas Jefferson pelos filhos que teve com a escrava Sally Hemings. A Constituição que Dom Pedro outorgou em 1824 durou até 1891 e foi a mais duradoura da série.
Dom Pedro e José Bonifácio formaram uma grande dupla. Mais velho, Andrada costurou a rebeldia do príncipe. Em junho de 1822, o Brasil não existia como nação, mas Bonifácio criou uma Secretaria dos Negócios Estrangeiros, articulando-se no Prata, em Londres e em Viena. Enquanto Pedro pegou fama de mulherengo, Bonifácio, com seus cabelos brancos, ficou com uma aura austera. Filha natural, ele também tinha. O professor Delfim Netto diz que o desentendimento que os separou em 1823 foi o primeiro grande drama da história da nova nação. Andrada queria um governo forte, talvez forte demais, com seu horror à imprensa livre. (Há 200 anos circularam no Rio centenas de jornais, alguns com vidas breves.)
A geração de 1822 foi injustamente abafada. Sumiram figuras como o futuro marquês de Barbacena, que, de Londres, propunha a Bonifácio em maio o fim do tráfico (leia-se contrabando) de africanos escravizados. O Brasil só se livraria dessa bola de ferro em 1850, mas essa é outra história, a do atraso.
A máquina do tempo levará os curiosos de 2022 a um bonito momento. No mínimo, livrará os viajantes da mediocridade presente. Em agosto de 1822, Bonifácio redigiu um manifesto às nações amigas. Parece pouca coisa, mas vê-se seu tamanho quando se sabe que, passados dois séculos, sem motivo plausível, o Brasil encrencou com China, Estados Unidos, França e Chile, noves fora a má vontade com as vacinas, questão pacificada antes mesmo de 1822 pelo pai de Pedro. Dom João VI criou a Junta Vacínica para conter a varíola. Afinal, ela havia matado o seu irmão. Desde 1817, vacinavam-se crianças no Rio.
País em demolição
Bolsonaro assumiu o Brasil com:
– Lula Preso
– PT destruído
– Inflação controlada
– Dólar a R$3,00
– Lava Jato funcionando
– Mercado estável
E o Bolsonaro conseguiu destruir tudo isso em apenas 3 anos.
Rubinho Nunes (MBL), Vereador paulistano
– Lula Preso
– PT destruído
– Inflação controlada
– Dólar a R$3,00
– Lava Jato funcionando
– Mercado estável
E o Bolsonaro conseguiu destruir tudo isso em apenas 3 anos.
Rubinho Nunes (MBL), Vereador paulistano
Orçamento da fome
Oguz Gurel (Turquia) |
Duas reportagens desta Folha também ilustram o desatino da inversão de prioridades com o dinheiro do contribuinte. Ana Luiza Albuquerque revelou que 13 motociatas do genocida, para apregoar o golpismo, levaram R$ 5 milhões dos cofres públicos. E Constança Rezende mostrou que o Ministério da Defesa usou dinheiro de combate à Covid para comprar filé mignon, picanha, bacalhau, camarão, salmão e bebidas. O cardápio de luxo para os fardados custou R$ 535 mil.
Somados, esses gastos chegam a R$ 6,6 bilhões e uns quebrados. Numa conta simples, para dar uma ordem de grandeza, seria suficiente para comprar mais de 13 milhões de cestas básicas (considerando um preço médio de R$ 500 por cesta). Isso daria de comer a muita gente.
Mais de 19 milhões de pessoas passam fome no Brasil e mais da metade da população (117 milhões) convive com algum grau de insegurança alimentar, ou seja, não consegue comer o que precisa. Às vésperas do Natal, brasileiros estavam na fila do osso num açougue em Cuiabá, a capital do agronegócio. No Rio Grande do Norte, sertanejos que voltaram a caçar lagarto para enganar a fome só tiveram o que comer na ceia graças a doações.
No caso do fundo eleitoral, é preciso assinalar que algum recurso público, de fato, tem que ser reservado para as campanhas. O fim do financiamento de candidaturas por empresas foi uma decisão acertada.
Mas as campanhas não podem ser tão caras. Democracia tem um custo? Sem dúvida. Mas não pode ser esse o preço. Não existe democracia se o cidadão não tem o direito humano mais básico de todos assegurado: o direito à alimentação e à vida.
A triste sensação de ser um país ignorado
Há um momento, na 3ª temporada da série de TV “Succession”, em que a família do magnata Logan Roy, interpretado por Brian Cox, discute o apoio a um candidato republicano à presidência dos Estados Unidos. No meio da conversa, a filha Shiv Roy (atriz Sarah Snook) lembra que o preferido da família era fascista e que, se eleito, a América correria o risco de se transformar em uma “f*** (palavrão) república russa, berlusconiana ou brasileira”.
A citação passa meio despercebida para quem não presta atenção no inglês, porque a legenda em português traduz “Brazilian” por “tupiniquim”. Mas essa passagem ilustra, de forma quase subliminar, a triste e vergonhosa imagem adquirida pelo Brasil no exterior nos últimos três anos.
Discorrendo sobre esse tema em artigo (21/11/21) na “Folha de S.Paulo”, Candido Bracher, ex-presidente do Itaú Unibanco, observa que a imagem do Brasil foi cruelmente retratada em um vídeo em que o presidente Jair Bolsonaro “aparece perdido entre os líderes do G20, [em Roma, no mês passado], perambulando pelo salão sem encontrar outra forma de aliviar seu isolamento que não fazendo graça com garçons, que sorriam constrangidos”.
Os Roy, família ficcional retratada em “Succession”, não são bons exemplos de empresários defensores da democracia e do estado de direito. Mas a citação “en passant” no seriado explicita a terrível sensação, também expressada por Bracher, de que o Brasil passou a ser não contestado, mas ignorado e desprezado pela comunidade internacional.
A esta altura do avançado descredenciamento brasileiro no cenário mundial seria útil que empresários, tanto quanto Bracher, entrassem no coro dos que defendem a democracia, o estado de direito e o real engajamento do país em pautas globais do século 21, como a ambiental e a da responsabilidade social. E que passassem a rechaçar firmemente, como outros setores da sociedade, ameaças veladas ou explícitas de ruptura institucional.
Infelizmente, durante a pandemia, a reação do empresariado, com poucas e honrosas exceções, tem sido omissa. Houve valorosas contribuições de empresas, pequenas e grandes, para atenuar os problemas sociais decorrentes da pandemia e do desemprego. Faltou, porém, uma ação institucional, de grupos empresariais e associações de classe, para ajudar a grande mídia e a sociedade em sua ação desesperada para contestar decisões negacionistas equivocadas do governo e do presidente da República: desestímulo ao uso de máscaras, incentivo a aglomerações, defesa da imunidade de rebanho e da cloroquina, rejeição a vacinas e outras maluquices que mancharam a imagem brasileira pelo mundo.
A história recente traz lições importantes sobre esse tema. Em 3 de agosto de 1977, em plena ditadura militar, o empresário e então presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, José Papa Junior, foi aplaudido após elogiar o regime em discurso para 2 mil pessoas, a maioria empresários, no Jockey Clube de São Paulo.
Meses antes, Papa Junior havia enviado telegrama ao então presidente da República, general Ernesto Geisel, parabenizando-o pelo “Pacote de Abril”, aquele que fechou o Congresso e criou a figura dos senadores biônicos, escolhidos por um colégio eleitoral constituído por deputados das assembleias estaduais e por delegados das câmaras municipais. O objetivo do pacote era claramente o de garantir à Arena, partido do governo, o controle do Congresso após as eleições previstas para 1978, o que de outra forma parecia impossível depois de fragorosa derrota eleitoral sofrida pelo partido oficial quatro anos antes.
Laerte Setúbal Filho (1926-2015), então diretor da Duratex e da Fiesp, ficou furioso com aquele apoio ao pacote antidemocrático manifestado no evento do Jockey. E criticou seus pares. Disse que os empresários estavam satisfeitos e acomodados, porque o sistema lhes proporcionava uma série de regalias, como a proibição de greves de trabalhadores.
A fala de Setúbal Filho era um “trailer” do movimento que seria lançado um ano depois, liderado por Antônio Ermírio de Moraes e mais sete grandes empresários [Cláudio Bardella, Jorge Gerdau, José Mindlin, Laerte Setúbal Filho, Paulo Vellinho, Paulo Villares e Severo Gomes], pedindo a redemocratização do país.
No contexto do regime ditatorial que torturava e matava opositores, o “Manifesto dos Oito”, como foi chamado, era atitude de extrema coragem. Marcava o fim de um longo período de omissão/apoio da classe empresarial em relação ao regime ditatorial. O empresariado era majoritariamente democrático. Naquele momento de 1978, porém, decidiu que não bastava ser democrático, precisava dizer que era, com todas as letras.
Se o tema é imagem do Brasil, vale relembrar uma antiga anedota contada pelo escritor e poeta paraibano Ariano Suassuna (1927-2014). Um belo dia, o presidente do Brasil foi à Europa e lá decidiu fazer uma viagem de trem da Espanha para a França. No mesmo vagão estavam Pablo Picasso e Igor Stravinsky.
Quando o trem chegou à fronteira da França, os três estavam sem documentos e foram detidos pelas autoridades. Picasso foi chamado e pediu para ser liberado, apresentando-se como o grande pintor espanhol. “Então prove”, disse o policial. Picasso pediu lápis e papel e desenhou rapidamente uma tourada. “Ah, é você mesmo, pode seguir”, afirmou o policial.
Em seguida, chamou outro detido, que disse ser o grande compositor russo Igor Stravinsky e, para provar sua identidade, riscou uma pauta com os primeiros acordes da Suite Petrushka. “Sim, você é o compositor, pode passar”, disse o policial.
Chamou então o que se dizia presidente do Brasil. “Como o senhor pode provar sua identidade?”, perguntou. O presidente se sentou numa cadeira, pensou uns dez minutos e concluiu: “Não me ocorre nada”. E o policial chamou imediatamente o assistente: “Tudo bem, pode liberar. É ele mesmo”.
Relembrando, antes que venham xingamentos, a anedota é de Ariano Suassuna, grande contador de “causos”, e se refere aos piores tempos da ditadura de 1964, quando a imagem do Brasil no exterior era péssima. Contavam-se muitas piadas de presidentes militares em rodas de amigos, já que era extremamente perigoso caçoar deles publicamente.
A citação passa meio despercebida para quem não presta atenção no inglês, porque a legenda em português traduz “Brazilian” por “tupiniquim”. Mas essa passagem ilustra, de forma quase subliminar, a triste e vergonhosa imagem adquirida pelo Brasil no exterior nos últimos três anos.
Discorrendo sobre esse tema em artigo (21/11/21) na “Folha de S.Paulo”, Candido Bracher, ex-presidente do Itaú Unibanco, observa que a imagem do Brasil foi cruelmente retratada em um vídeo em que o presidente Jair Bolsonaro “aparece perdido entre os líderes do G20, [em Roma, no mês passado], perambulando pelo salão sem encontrar outra forma de aliviar seu isolamento que não fazendo graça com garçons, que sorriam constrangidos”.
Os Roy, família ficcional retratada em “Succession”, não são bons exemplos de empresários defensores da democracia e do estado de direito. Mas a citação “en passant” no seriado explicita a terrível sensação, também expressada por Bracher, de que o Brasil passou a ser não contestado, mas ignorado e desprezado pela comunidade internacional.
A esta altura do avançado descredenciamento brasileiro no cenário mundial seria útil que empresários, tanto quanto Bracher, entrassem no coro dos que defendem a democracia, o estado de direito e o real engajamento do país em pautas globais do século 21, como a ambiental e a da responsabilidade social. E que passassem a rechaçar firmemente, como outros setores da sociedade, ameaças veladas ou explícitas de ruptura institucional.
Infelizmente, durante a pandemia, a reação do empresariado, com poucas e honrosas exceções, tem sido omissa. Houve valorosas contribuições de empresas, pequenas e grandes, para atenuar os problemas sociais decorrentes da pandemia e do desemprego. Faltou, porém, uma ação institucional, de grupos empresariais e associações de classe, para ajudar a grande mídia e a sociedade em sua ação desesperada para contestar decisões negacionistas equivocadas do governo e do presidente da República: desestímulo ao uso de máscaras, incentivo a aglomerações, defesa da imunidade de rebanho e da cloroquina, rejeição a vacinas e outras maluquices que mancharam a imagem brasileira pelo mundo.
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A história recente traz lições importantes sobre esse tema. Em 3 de agosto de 1977, em plena ditadura militar, o empresário e então presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, José Papa Junior, foi aplaudido após elogiar o regime em discurso para 2 mil pessoas, a maioria empresários, no Jockey Clube de São Paulo.
Meses antes, Papa Junior havia enviado telegrama ao então presidente da República, general Ernesto Geisel, parabenizando-o pelo “Pacote de Abril”, aquele que fechou o Congresso e criou a figura dos senadores biônicos, escolhidos por um colégio eleitoral constituído por deputados das assembleias estaduais e por delegados das câmaras municipais. O objetivo do pacote era claramente o de garantir à Arena, partido do governo, o controle do Congresso após as eleições previstas para 1978, o que de outra forma parecia impossível depois de fragorosa derrota eleitoral sofrida pelo partido oficial quatro anos antes.
Laerte Setúbal Filho (1926-2015), então diretor da Duratex e da Fiesp, ficou furioso com aquele apoio ao pacote antidemocrático manifestado no evento do Jockey. E criticou seus pares. Disse que os empresários estavam satisfeitos e acomodados, porque o sistema lhes proporcionava uma série de regalias, como a proibição de greves de trabalhadores.
A fala de Setúbal Filho era um “trailer” do movimento que seria lançado um ano depois, liderado por Antônio Ermírio de Moraes e mais sete grandes empresários [Cláudio Bardella, Jorge Gerdau, José Mindlin, Laerte Setúbal Filho, Paulo Vellinho, Paulo Villares e Severo Gomes], pedindo a redemocratização do país.
No contexto do regime ditatorial que torturava e matava opositores, o “Manifesto dos Oito”, como foi chamado, era atitude de extrema coragem. Marcava o fim de um longo período de omissão/apoio da classe empresarial em relação ao regime ditatorial. O empresariado era majoritariamente democrático. Naquele momento de 1978, porém, decidiu que não bastava ser democrático, precisava dizer que era, com todas as letras.
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Se o tema é imagem do Brasil, vale relembrar uma antiga anedota contada pelo escritor e poeta paraibano Ariano Suassuna (1927-2014). Um belo dia, o presidente do Brasil foi à Europa e lá decidiu fazer uma viagem de trem da Espanha para a França. No mesmo vagão estavam Pablo Picasso e Igor Stravinsky.
Quando o trem chegou à fronteira da França, os três estavam sem documentos e foram detidos pelas autoridades. Picasso foi chamado e pediu para ser liberado, apresentando-se como o grande pintor espanhol. “Então prove”, disse o policial. Picasso pediu lápis e papel e desenhou rapidamente uma tourada. “Ah, é você mesmo, pode seguir”, afirmou o policial.
Em seguida, chamou outro detido, que disse ser o grande compositor russo Igor Stravinsky e, para provar sua identidade, riscou uma pauta com os primeiros acordes da Suite Petrushka. “Sim, você é o compositor, pode passar”, disse o policial.
Chamou então o que se dizia presidente do Brasil. “Como o senhor pode provar sua identidade?”, perguntou. O presidente se sentou numa cadeira, pensou uns dez minutos e concluiu: “Não me ocorre nada”. E o policial chamou imediatamente o assistente: “Tudo bem, pode liberar. É ele mesmo”.
Relembrando, antes que venham xingamentos, a anedota é de Ariano Suassuna, grande contador de “causos”, e se refere aos piores tempos da ditadura de 1964, quando a imagem do Brasil no exterior era péssima. Contavam-se muitas piadas de presidentes militares em rodas de amigos, já que era extremamente perigoso caçoar deles publicamente.
Que desculpa será oferecida desta vez para se votar em Bolsonaro
Bolsonaro espera que cada brasileiro bolsonarista cumpra com o seu dever de votar nele, mesmo que insatisfeito com o governo. Se isso acontecer, grandes serão suas chances de disputar contra Lula o segundo turno da eleição do ano que está por chegar.
O autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, que hoje renega o título de “guru” da primeira família presidencial brasileira, escreveu que votará em Bolsonaro, embora frustrado. Ao seu juízo, o ex-capitão fracassou no combate ao comunismo.
O fantasma do comunismo caiu como uma bênção do céu para os militares que desde 1954 queriam abolir a democracia, o que só conseguiram 10 anos depois. O mundo vivia o período da Guerra Fria, Estados Unidos x União Soviética, capitalismo x comunismo.
A União Soviética dissolveu-se exatamente há 30 anos. Cuba e Coréia do Norte não são exemplos de comunismo que meta medo em ninguém. Sob o tacão do Partido Comunista, a China tornou-se uma fulgurante vitrine do capitalismo sem máscara de democracia.
Quem sequer leu um livro, nem mesmo as memórias do torturador Brilhante Ulstra, não é um anticomunista a ser levado a sério. Bolsonaro, em 2002, votou em Lula, acusado de ser comunista, e quis fazer de Aldo Rebelo, do PC do B, ministro da Defesa.
Anos antes, planejara atentados terroristas a quartéis imaginando arrancar melhores salários para a soldadesca. Afastado do Exército por insubordinação, ingressou na política para sobreviver e virou um sindicalista militar, vivandeira de tropas. Nunca passou disso.
Não lhe cobrem ideias, coerência ideológica, fidelidade a partidos, porque em momento algum de sua vida ele as teve, nem sabe do que se trata. Como um reles batedor de carteiras, aproveitou a oportunidade que o destino lhe deu para eleger-se presidente.
Muitos dos que lhe deram o voto ainda dizem que à época era uma escolha difícil entre Bolsonaro e Fernando Haddad (PT). Ou então que simplesmente acreditaram que ele não poderia vir a ser o mal que se revelou. Quem não sabia que seria assim? Faça o favor!
Há limite para tudo, inclusive a ignorância. Uma vez que hoje não dá mais para dizer que não sabe quem é Bolsonaro, resta ver que desculpa será usada para votar nele de novo. Os únicos dispensados de pedir desculpas são os à sua imagem e semelhança.
Ricardo Noblat
O autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, que hoje renega o título de “guru” da primeira família presidencial brasileira, escreveu que votará em Bolsonaro, embora frustrado. Ao seu juízo, o ex-capitão fracassou no combate ao comunismo.
O fantasma do comunismo caiu como uma bênção do céu para os militares que desde 1954 queriam abolir a democracia, o que só conseguiram 10 anos depois. O mundo vivia o período da Guerra Fria, Estados Unidos x União Soviética, capitalismo x comunismo.
A União Soviética dissolveu-se exatamente há 30 anos. Cuba e Coréia do Norte não são exemplos de comunismo que meta medo em ninguém. Sob o tacão do Partido Comunista, a China tornou-se uma fulgurante vitrine do capitalismo sem máscara de democracia.
Quem sequer leu um livro, nem mesmo as memórias do torturador Brilhante Ulstra, não é um anticomunista a ser levado a sério. Bolsonaro, em 2002, votou em Lula, acusado de ser comunista, e quis fazer de Aldo Rebelo, do PC do B, ministro da Defesa.
Anos antes, planejara atentados terroristas a quartéis imaginando arrancar melhores salários para a soldadesca. Afastado do Exército por insubordinação, ingressou na política para sobreviver e virou um sindicalista militar, vivandeira de tropas. Nunca passou disso.
Não lhe cobrem ideias, coerência ideológica, fidelidade a partidos, porque em momento algum de sua vida ele as teve, nem sabe do que se trata. Como um reles batedor de carteiras, aproveitou a oportunidade que o destino lhe deu para eleger-se presidente.
Muitos dos que lhe deram o voto ainda dizem que à época era uma escolha difícil entre Bolsonaro e Fernando Haddad (PT). Ou então que simplesmente acreditaram que ele não poderia vir a ser o mal que se revelou. Quem não sabia que seria assim? Faça o favor!
Há limite para tudo, inclusive a ignorância. Uma vez que hoje não dá mais para dizer que não sabe quem é Bolsonaro, resta ver que desculpa será usada para votar nele de novo. Os únicos dispensados de pedir desculpas são os à sua imagem e semelhança.
Ricardo Noblat
O que Bolsonaro ganha com o caos?
Há dois dias, no nosso quadro diário na CBN, Rodrigo Bocardi me pergunta: o que Jair Bolsonaro ganha com o caos que promove na vacinação, ou ao sair de férias pela segunda semana consecutiva enquanto a Bahia se afoga em chuvas?
A pergunta diz respeito à lógica eleitoral mais básica, estratégica mesmo. Pesquisas, conversas com aliados, uma passada rápida nas redes sociais, qualquer termômetro poderia mostrar ao capitão que a balbúrdia que ele fomenta em seu próprio governo, dia após dia, ano a ano, só acaba por minar suas próprias chances eleitorais. Pelo menos um substrato positivo em tanto retrocesso, diga-se.
O Brasil tem adesão histórica à vacinação, que se confirmou na pandemia de Covid-19. Os ataques nonsense perpetrados pelo presidente às vacinas não levaram a que as pessoas deixassem de se vacinar.
Só a vacinação, como diz até seu ministro da Economia, Paulo Guedes, permitirá que se inicie alguma tentativa de recuperação econômica — ademais profundamente comprometida pelas outras barbeiragens feitas pelo governo, como a implosão da responsabilidade fiscal.
Ainda assim, a verborragia de Bolsonaro contra a vacina segue a todo vapor, agora impedindo a imunização de crianças, chegando ao absurdo de usar a própria filha de 11 anos em seu discurso negacionista, negando a ela com orgulho a oportunidade de ser protegida contra o vírus.
De novo: o que ele ganha com isso? A resposta é: nada. Mas parece ser da sua natureza, algo que nenhum cálculo eleitoral é capaz de conter.
Como não se emenda e não se toca, Bolsonaro chegará a 2022 como essa bomba-relógio que, a despeito de todo o legado, tentará de tudo para se reeleger. Espera fidelizar os pouco mais de 20% que, as pesquisas mostram, seguem fiéis a ele — a ponto de impulsionar uma hashtag chamando de “orgulho do Brasil” alguém cuja obra, apenas no período entre Natal e Ano-Novo, se resume a andar de jet ski enquanto milhares de cidadãos por ele governados não têm casa para onde voltar.
Para sair dos já convertidos e chegar a um patamar que lhe garanta a passagem ao segundo turno, salve-se quem puder. Por isso não adianta Paulo Guedes mandar mensagens ao chefe e aos colegas clamando por algum freio de gastos num momento em que a pressão por reajustes de servidores tende a chegar ao nível máximo. Bolsonaro já deixou claro, entre uma folga e outra, que, por ele, concederia aumento a todas as categorias do funcionalismo. Então, o ministro que se prepare, porque a comporta vai de fato estourar.
Não há surpresa no comportamento do presidente, embora ele sempre esteja subindo um degrau em termos de atitudes incompatíveis com o cargo. Daí por que aqueles que, como a senadora Simone Tebet, dizem que jamais seria possível imaginar governo tão ruim devem fazer uma reflexão à luz da História desse personagem que o Brasil achou por bem eleger em 2018.
Em sua extensa carreira como deputado, depois de uma curta e indigna passagem como militar, Bolsonaro nunca fez questão de esconder o que era: um representante dos interesses corporativistas e do reacionarismo mais explícito, avesso às questões de gestão pública, a não ser aquelas ligadas aos grupos de interesse que ele representa (fabricantes de armas, latifundiários, garimpeiros, madeireiros).
O interesse público nunca foi pauta do parlamentar Bolsonaro, que envidou todos os esforços apenas em suas eleições, nas dos filhos e até na da mulher. Construiu vasto patrimônio à custa desses mandatos.
Eleito afrontando a lógica, a ciência, o decoro do cargo e o bom senso, Bolsonaro deve achar que se reelegerá assim — e segue. Se ganhará algo com isso, cabe ao eleitor responder no ano que vem.
A pergunta diz respeito à lógica eleitoral mais básica, estratégica mesmo. Pesquisas, conversas com aliados, uma passada rápida nas redes sociais, qualquer termômetro poderia mostrar ao capitão que a balbúrdia que ele fomenta em seu próprio governo, dia após dia, ano a ano, só acaba por minar suas próprias chances eleitorais. Pelo menos um substrato positivo em tanto retrocesso, diga-se.
O Brasil tem adesão histórica à vacinação, que se confirmou na pandemia de Covid-19. Os ataques nonsense perpetrados pelo presidente às vacinas não levaram a que as pessoas deixassem de se vacinar.
Só a vacinação, como diz até seu ministro da Economia, Paulo Guedes, permitirá que se inicie alguma tentativa de recuperação econômica — ademais profundamente comprometida pelas outras barbeiragens feitas pelo governo, como a implosão da responsabilidade fiscal.
Ainda assim, a verborragia de Bolsonaro contra a vacina segue a todo vapor, agora impedindo a imunização de crianças, chegando ao absurdo de usar a própria filha de 11 anos em seu discurso negacionista, negando a ela com orgulho a oportunidade de ser protegida contra o vírus.
De novo: o que ele ganha com isso? A resposta é: nada. Mas parece ser da sua natureza, algo que nenhum cálculo eleitoral é capaz de conter.
Como não se emenda e não se toca, Bolsonaro chegará a 2022 como essa bomba-relógio que, a despeito de todo o legado, tentará de tudo para se reeleger. Espera fidelizar os pouco mais de 20% que, as pesquisas mostram, seguem fiéis a ele — a ponto de impulsionar uma hashtag chamando de “orgulho do Brasil” alguém cuja obra, apenas no período entre Natal e Ano-Novo, se resume a andar de jet ski enquanto milhares de cidadãos por ele governados não têm casa para onde voltar.
Para sair dos já convertidos e chegar a um patamar que lhe garanta a passagem ao segundo turno, salve-se quem puder. Por isso não adianta Paulo Guedes mandar mensagens ao chefe e aos colegas clamando por algum freio de gastos num momento em que a pressão por reajustes de servidores tende a chegar ao nível máximo. Bolsonaro já deixou claro, entre uma folga e outra, que, por ele, concederia aumento a todas as categorias do funcionalismo. Então, o ministro que se prepare, porque a comporta vai de fato estourar.
Não há surpresa no comportamento do presidente, embora ele sempre esteja subindo um degrau em termos de atitudes incompatíveis com o cargo. Daí por que aqueles que, como a senadora Simone Tebet, dizem que jamais seria possível imaginar governo tão ruim devem fazer uma reflexão à luz da História desse personagem que o Brasil achou por bem eleger em 2018.
Em sua extensa carreira como deputado, depois de uma curta e indigna passagem como militar, Bolsonaro nunca fez questão de esconder o que era: um representante dos interesses corporativistas e do reacionarismo mais explícito, avesso às questões de gestão pública, a não ser aquelas ligadas aos grupos de interesse que ele representa (fabricantes de armas, latifundiários, garimpeiros, madeireiros).
O interesse público nunca foi pauta do parlamentar Bolsonaro, que envidou todos os esforços apenas em suas eleições, nas dos filhos e até na da mulher. Construiu vasto patrimônio à custa desses mandatos.
Eleito afrontando a lógica, a ciência, o decoro do cargo e o bom senso, Bolsonaro deve achar que se reelegerá assim — e segue. Se ganhará algo com isso, cabe ao eleitor responder no ano que vem.
Previsões para 2022
A criatura pode ser a mais racional da face da terra. A mais inteligente, analisada e crítica. Quando se aproxima o 31 de dezembro, são raras as que resistem conferir as previsões para o ano seguinte. Agora que estamos a reviver o obscurantismo da Idade Média, mais do que nunca, precisamos consultar divindades e seres do outro mundo. Que nos salvem os bruxos, magos, astrólogos, ciganas, cartomantes, médiuns e correlatos.
Sempre foi assim. Ansiamos por uma interpretação do amanhã e até pagamos por ela como quem busca informações privilegiadas numa concorrência. Traímos o presente com o futuro, que é totalmente subjetivo. Não basta dominarmos o aqui e o agora, este mundo tridimensional, também queremos ter o controle dos mistérios do mundo invisível.
Ter acesso a previsões é um desejo que vem desde que o globo começou a girar. Quando o homo sapiens se entendeu por gente, passou a achar que o seu “kit existência” dava direito a receber os conselhos dos oráculos. Assim, foi das cavernas ao Império Romano, passando pelos feudos da Idade Média, até os reis e rainhas shakespeareanos. Segue como leitor da sorte até hoje. O humano é o único animal que curte adivinhações. “Mistérios sempre há de pintar por aí”, arremata o cantor Gilberto Gil.
Esse gostar das coisas místicas e de querer entender os enigmas seduz a todos e a todas, indistintamente. Até os mais recatados intelectuais. Por falar nisso, logo me vêm à cabeça a escritora Clarice Lispector. Todo fã sabe que ela era chegada a um mistério. Tanto que foi convidada, e compareceu, ao I Congresso de Bruxaria em Bogotá, em 1975. Os organizadores do evento entendiam que algumas de suas obras tinham uma proposta mística, uma simbologia secreta.
Na condição de devoto, eu reconheço que a papisa da literatura brasileira era supersticiosa. Tanto que, na década de 1970, ela ia com frequência a uma cartomante, no bairro do Méier, Rio. Clarice não dava um passo, não fazia uma viagem, sem antes receber as orientações místicas. Não sei se é verdade, mas vou repassar esta fofoca pelo preço que comprei: o disse-que-disse dos meios literários dá conta de que a Lispector, quando ia consultar os arcanos, levava, consigo, um casal de amigos, os também escritores Afonso Romano de Sant’anna e Marina Colasanti. Está provado, pois, a boa literatura combina com uma certa magia.
Mas, voltando ao assunto. Estamos fechando o ano e é natural que se queira saber previsões. Há quem busque, até, indicações do dia e da hora ideais para comprar uma geladeira nova, atravessar a rua ou fazer as unhas. Programas de televisão viram campeões de audiência quando abrem espaço para astrólogos anteciparem a vida das celebridades. Outros, ainda, concorrem nas predições de catástrofes. Para 2022, que juntará no mesmo exercício os efeitos da covid-19 com as eleições presidenciais, pergunto: até quando durará nosso sofrimento?
Pandemia e eleição são motivos de sobra para se roer unhas. Vivemos dias de muita incerteza, que nos causam desde a mais simples apreensão ao pânico desorganizador e generalizado. É compreensível estarmos amedrontados, afobados, irritados, até histéricos. Qualquer coisa que se diga sobre o que há de vir, nessa situação desfavorável, já é um ganho. Saber o que nos espera, já nos prepara para os enfrentamentos ou para diminuir as ansiedades.
De minha parte, já consultei os astros, para ver se as previsões se encaixam nas minhas expectativas. Quer saber o que eles me disseram? “No próximo ano, o brasileiro precisa escolher um presidente da República que defenda e respeite o povo. Tem que fazer como os chilenos”. No mais, Feliz Ano Novo!
Cícero Belmar
Sempre foi assim. Ansiamos por uma interpretação do amanhã e até pagamos por ela como quem busca informações privilegiadas numa concorrência. Traímos o presente com o futuro, que é totalmente subjetivo. Não basta dominarmos o aqui e o agora, este mundo tridimensional, também queremos ter o controle dos mistérios do mundo invisível.
Ter acesso a previsões é um desejo que vem desde que o globo começou a girar. Quando o homo sapiens se entendeu por gente, passou a achar que o seu “kit existência” dava direito a receber os conselhos dos oráculos. Assim, foi das cavernas ao Império Romano, passando pelos feudos da Idade Média, até os reis e rainhas shakespeareanos. Segue como leitor da sorte até hoje. O humano é o único animal que curte adivinhações. “Mistérios sempre há de pintar por aí”, arremata o cantor Gilberto Gil.
Esse gostar das coisas místicas e de querer entender os enigmas seduz a todos e a todas, indistintamente. Até os mais recatados intelectuais. Por falar nisso, logo me vêm à cabeça a escritora Clarice Lispector. Todo fã sabe que ela era chegada a um mistério. Tanto que foi convidada, e compareceu, ao I Congresso de Bruxaria em Bogotá, em 1975. Os organizadores do evento entendiam que algumas de suas obras tinham uma proposta mística, uma simbologia secreta.
Na condição de devoto, eu reconheço que a papisa da literatura brasileira era supersticiosa. Tanto que, na década de 1970, ela ia com frequência a uma cartomante, no bairro do Méier, Rio. Clarice não dava um passo, não fazia uma viagem, sem antes receber as orientações místicas. Não sei se é verdade, mas vou repassar esta fofoca pelo preço que comprei: o disse-que-disse dos meios literários dá conta de que a Lispector, quando ia consultar os arcanos, levava, consigo, um casal de amigos, os também escritores Afonso Romano de Sant’anna e Marina Colasanti. Está provado, pois, a boa literatura combina com uma certa magia.
Mas, voltando ao assunto. Estamos fechando o ano e é natural que se queira saber previsões. Há quem busque, até, indicações do dia e da hora ideais para comprar uma geladeira nova, atravessar a rua ou fazer as unhas. Programas de televisão viram campeões de audiência quando abrem espaço para astrólogos anteciparem a vida das celebridades. Outros, ainda, concorrem nas predições de catástrofes. Para 2022, que juntará no mesmo exercício os efeitos da covid-19 com as eleições presidenciais, pergunto: até quando durará nosso sofrimento?
Pandemia e eleição são motivos de sobra para se roer unhas. Vivemos dias de muita incerteza, que nos causam desde a mais simples apreensão ao pânico desorganizador e generalizado. É compreensível estarmos amedrontados, afobados, irritados, até histéricos. Qualquer coisa que se diga sobre o que há de vir, nessa situação desfavorável, já é um ganho. Saber o que nos espera, já nos prepara para os enfrentamentos ou para diminuir as ansiedades.
De minha parte, já consultei os astros, para ver se as previsões se encaixam nas minhas expectativas. Quer saber o que eles me disseram? “No próximo ano, o brasileiro precisa escolher um presidente da República que defenda e respeite o povo. Tem que fazer como os chilenos”. No mais, Feliz Ano Novo!
Cícero Belmar
Há algo de bom previsto para a economia em 22?
O editor de Brasil do Valor, Marcos de Moura e Souza, propôs um desafio ao colunista: que tal uma visão otimista para o novo ano neste último texto de 2021, só uma, em meio à maré de pessimismo prevista em várias frentes da economia?
Desafio aceito, o colunista transferiu a pergunta a 14 economistas não ortodoxos, chamados ora de heterodoxos, ora de progressistas, estruturalistas ou keynesianos. Dez responderam. A maioria deles aparece pouco na grande mídia. Quase todos são acadêmicos e não ligados ao mercado financeiro, mas costumam ser os mais críticos da atual política econômica. Por isso, pareceu interessante descobrir se enxergam algo de positivo para o ano que começa sábado.
A pergunta foi direta: Poderia fazer previsão de uma coisa boa que deverá acontecer na economia brasileira em 2022? José Luiz Oreiro, da UnB, crítico feroz da política econômica neoliberal, respondeu de pronto, mas fugiu da macroeconomia. Disse que não deve haver racionamento de energia elétrica em 2022, porque as chuvas até o fim de novembro vieram quase 50% acima da média histórica. Isso deve levar a uma redução da bandeira tarifária. “É a única coisa boa que consigo esperar com algum grau de confiança. Todo o resto é chute”, disse.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda e professor da FGV, preferiu enfoque político: “A melhor coisa prevista para 2022 na área econômica é a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições”. Além disso, sugeriu que seria ótimo que os empresários brasileiros de ponta, como Horácio Lafer Piva, Pedro Wongtschowski e Pedro Passos, repensassem o Brasil. Compreendessem que o neoliberalismo, dominante no mundo desde 1980, começou a morrer em 2008 e morreu com a covid-19 e o governo Joe Biden. E que a alternativa é o desenvolvimentismo com o controle fiscal e a rejeição dos déficits em conta corrente que apreciam o câmbio e inviabilizam a indústria.
André Lara Resende, ex- BNDES, declinou da tarefa: “Já não gosto de fazer previsões, mas prever alguma coisa boa, com tanta incompetência na economia e irresponsabilidade na política, fica difícil”. Carmem Feijó, da UFF, também disse não conseguir antecipar nada de bom. “Não nos recuperamos da recessão de 2015-2016 pela insistência no receituário neoliberal, hoje anacrônico. Sem recuperação econômica, o conflito distributivo se acirra. E ainda estamos aumentando o desmatamento, que pode chegar a um nível irreversível. Num horizonte curto ou longo de tempo, estou pessimista.”
Luis Carlos Magalhães, do Ipea, fez um e-mail com quatro pontos, mas não previu nada de bom. Apenas relatou condições adversas para sugerir que a economia brasileira “continuará em coma no ano que vem”: pandemia, pressão inflacionária, alta de juros aqui e nos EUA, elevação da dívida pública, deterioração fiscal e redução de exportações. “Keynes, se ressuscitado, iria ficar estarrecido com o grau de incerteza do mundo atual”, observou.
Fernando Ferrari, professor da UFRGS, disse que as exportações líquidas, variável de “fôlego” do PIB, devem ser a notícia “boa” do ano se o cenário internacional for favorável e o agronegócio não tiver outro revés. Mas sua visão geral é pessimista, com desemprego elevado, juros altos, incerteza política, ociosidade do capital e postergação de investimentos. “Enquanto perdurarem a agenda de Estado mínimo, reformas pró-mercado e o modus operandi da ‘austeridade fiscal expansionista’, é pouco provável que saiamos da estagnação que há muito tempo nos acompanha.”
Lauro Gonzales, da FGV-SP, disse que o provável arrefecimento da inflação pode ser um fato positivo, porque afeta diretamente o bolso dos pobres. A inflação vai cair, segundo ele, porque serão menores os descompassos entre oferta e demanda e a desorganização das cadeias produtivas.
Adalmir Marquetti, da PUC-RS, bem-humorado, observou que uma boa notícia para 2022 é “o Valor estar aberto para economistas não ortodoxos em uma das maiores crises da história do Brasil”. Lembrou que a economia brasileira completou quatro décadas de quase estagnação: a taxa anual de crescimento caiu de 7,3%, entre 1950 e 1980, para 2,2% de 1980 a 2020; o poder de compra do PIB per capita real em 2021 será similar ao de 2010. Um ponto positivo de 2022, previu, é que a eleição deve promover um debate fundamental sobre a retomada do crescimento brasileiro e possibilitar políticas públicas que se oponham a medidas de caráter neoliberal. Além disso, disse, devemos ter o fim da pandemia com a retomada da economia no modo usual, havendo redução da pressão inflacionária e aumento do emprego no setor de serviços. O pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400 também ajudará no combate à pobreza, afirmou.
Luiz Fernando de Paula, da UFRJ, disse que a melhor coisa que pode acontecer em 2022 é Bolsonaro perder a eleição, porque mudará o comando econômico que tem “visão completamente ultrapassada”, sem agenda para crescimento, estabilidade de preços e distribuição de renda. “Acredita-se que a simples manutenção do teto dos gastos combinada com reformas liberais vai despertar a ‘fada da confiança’, acelerando investimentos privados e crescimento.” Ele entende que vivemos um “thatcherismo tupiniquim” que não está entregando nada em termos econômicos. E acha “impressionante” como a elite empresarial tem uma visão tão curtoprazista ao apoiar essa política. Porque o resultado é desindustrialização, queda da parcela de salários na renda e precarização no mercado de trabalho com aumento da informalidade e baixa produtividade. “É um projeto de o Brasil se tornar uma grande fazenda, destino trágico para o país.”
Rosa Maria Marques, da PUC-SP, jurou ter procurado com lupa e não ter visto nenhuma perspectiva de melhora. Disse que vão persistir os problemas de desemprego, inflação e queda da renda. E que a recessão técnica e a alta dos juros vão inibir fortemente a atividade produtiva, favorecendo os detentores da dívida pública. “A isso se somam as incertezas com relação à evolução da covid-19. Embora a vacinação tenha avançado, registra enormes desigualdades entre os Estados, o que pode favorecer o surgimento de outras variantes e comprometer a imunização alcançada.”
Dito isso, o único consolo é que economistas, de todas as tendências, erram muito. Feliz ano novo.
Desafio aceito, o colunista transferiu a pergunta a 14 economistas não ortodoxos, chamados ora de heterodoxos, ora de progressistas, estruturalistas ou keynesianos. Dez responderam. A maioria deles aparece pouco na grande mídia. Quase todos são acadêmicos e não ligados ao mercado financeiro, mas costumam ser os mais críticos da atual política econômica. Por isso, pareceu interessante descobrir se enxergam algo de positivo para o ano que começa sábado.
A pergunta foi direta: Poderia fazer previsão de uma coisa boa que deverá acontecer na economia brasileira em 2022? José Luiz Oreiro, da UnB, crítico feroz da política econômica neoliberal, respondeu de pronto, mas fugiu da macroeconomia. Disse que não deve haver racionamento de energia elétrica em 2022, porque as chuvas até o fim de novembro vieram quase 50% acima da média histórica. Isso deve levar a uma redução da bandeira tarifária. “É a única coisa boa que consigo esperar com algum grau de confiança. Todo o resto é chute”, disse.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda e professor da FGV, preferiu enfoque político: “A melhor coisa prevista para 2022 na área econômica é a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições”. Além disso, sugeriu que seria ótimo que os empresários brasileiros de ponta, como Horácio Lafer Piva, Pedro Wongtschowski e Pedro Passos, repensassem o Brasil. Compreendessem que o neoliberalismo, dominante no mundo desde 1980, começou a morrer em 2008 e morreu com a covid-19 e o governo Joe Biden. E que a alternativa é o desenvolvimentismo com o controle fiscal e a rejeição dos déficits em conta corrente que apreciam o câmbio e inviabilizam a indústria.
André Lara Resende, ex- BNDES, declinou da tarefa: “Já não gosto de fazer previsões, mas prever alguma coisa boa, com tanta incompetência na economia e irresponsabilidade na política, fica difícil”. Carmem Feijó, da UFF, também disse não conseguir antecipar nada de bom. “Não nos recuperamos da recessão de 2015-2016 pela insistência no receituário neoliberal, hoje anacrônico. Sem recuperação econômica, o conflito distributivo se acirra. E ainda estamos aumentando o desmatamento, que pode chegar a um nível irreversível. Num horizonte curto ou longo de tempo, estou pessimista.”
Luis Carlos Magalhães, do Ipea, fez um e-mail com quatro pontos, mas não previu nada de bom. Apenas relatou condições adversas para sugerir que a economia brasileira “continuará em coma no ano que vem”: pandemia, pressão inflacionária, alta de juros aqui e nos EUA, elevação da dívida pública, deterioração fiscal e redução de exportações. “Keynes, se ressuscitado, iria ficar estarrecido com o grau de incerteza do mundo atual”, observou.
Fernando Ferrari, professor da UFRGS, disse que as exportações líquidas, variável de “fôlego” do PIB, devem ser a notícia “boa” do ano se o cenário internacional for favorável e o agronegócio não tiver outro revés. Mas sua visão geral é pessimista, com desemprego elevado, juros altos, incerteza política, ociosidade do capital e postergação de investimentos. “Enquanto perdurarem a agenda de Estado mínimo, reformas pró-mercado e o modus operandi da ‘austeridade fiscal expansionista’, é pouco provável que saiamos da estagnação que há muito tempo nos acompanha.”
Lauro Gonzales, da FGV-SP, disse que o provável arrefecimento da inflação pode ser um fato positivo, porque afeta diretamente o bolso dos pobres. A inflação vai cair, segundo ele, porque serão menores os descompassos entre oferta e demanda e a desorganização das cadeias produtivas.
Adalmir Marquetti, da PUC-RS, bem-humorado, observou que uma boa notícia para 2022 é “o Valor estar aberto para economistas não ortodoxos em uma das maiores crises da história do Brasil”. Lembrou que a economia brasileira completou quatro décadas de quase estagnação: a taxa anual de crescimento caiu de 7,3%, entre 1950 e 1980, para 2,2% de 1980 a 2020; o poder de compra do PIB per capita real em 2021 será similar ao de 2010. Um ponto positivo de 2022, previu, é que a eleição deve promover um debate fundamental sobre a retomada do crescimento brasileiro e possibilitar políticas públicas que se oponham a medidas de caráter neoliberal. Além disso, disse, devemos ter o fim da pandemia com a retomada da economia no modo usual, havendo redução da pressão inflacionária e aumento do emprego no setor de serviços. O pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400 também ajudará no combate à pobreza, afirmou.
Luiz Fernando de Paula, da UFRJ, disse que a melhor coisa que pode acontecer em 2022 é Bolsonaro perder a eleição, porque mudará o comando econômico que tem “visão completamente ultrapassada”, sem agenda para crescimento, estabilidade de preços e distribuição de renda. “Acredita-se que a simples manutenção do teto dos gastos combinada com reformas liberais vai despertar a ‘fada da confiança’, acelerando investimentos privados e crescimento.” Ele entende que vivemos um “thatcherismo tupiniquim” que não está entregando nada em termos econômicos. E acha “impressionante” como a elite empresarial tem uma visão tão curtoprazista ao apoiar essa política. Porque o resultado é desindustrialização, queda da parcela de salários na renda e precarização no mercado de trabalho com aumento da informalidade e baixa produtividade. “É um projeto de o Brasil se tornar uma grande fazenda, destino trágico para o país.”
Rosa Maria Marques, da PUC-SP, jurou ter procurado com lupa e não ter visto nenhuma perspectiva de melhora. Disse que vão persistir os problemas de desemprego, inflação e queda da renda. E que a recessão técnica e a alta dos juros vão inibir fortemente a atividade produtiva, favorecendo os detentores da dívida pública. “A isso se somam as incertezas com relação à evolução da covid-19. Embora a vacinação tenha avançado, registra enormes desigualdades entre os Estados, o que pode favorecer o surgimento de outras variantes e comprometer a imunização alcançada.”
Dito isso, o único consolo é que economistas, de todas as tendências, erram muito. Feliz ano novo.
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