sexta-feira, 17 de julho de 2015

Para sair dessa maré


A BR-020 é uma estrada radial de longas retas que liga Brasília ao Piauí. Aproveitei o percurso para refletir sobre o rumo dos meus artigos. Vale a pena insistir nos erros de Dilma e do PT, ambos no volume morto? A maioria do povo brasileiro já tem uma visão sobre o tema.

Num hotel do oeste baiano, abri uma revista na mochila e me deparei com uma frase do escritor argelino Kamel Daoud: “Se já não há vida antes da morte, por que se preocupar com a vida após a morte?”. Ele se referia à sorte do septuagenário presidente argelino Abdelaziz Bouteflika, internado num hospital de Paris. Mas sua frase é uma pista para buscar outro rumo.

Visitei a cidade de Luís Eduardo Magalhães (BA), um polo do agronegócio. Ali se tornaram campeões mundiais da produtividade nas culturas do milho e da soja. Construíram um aeroporto com uma pista de 2 mil metros, quase o dobro da pista do Aeroporto Santos Dumont. Numa só fazenda, vi uma lagoa artificial maior que a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. O número de habitantes ali cresceu 300% em 15 anos. Tudo marchou num progresso acelerado, em níveis chineses – pelo menos os do passado recente. Mas a crise começa a afetar até mesmo essas áreas do agronegócio, que exporta e se favorece com o preço do dólar. Somos todos interligados.

A região depende de um Estado e de um governo federal mergulhados numa grave crise. Mesmo para os que estão bem situados há um desejo de achar o caminho do desenvolvimento, sair dessa maré.

É possível que alguma forma de unidade nacional possa ser alcançada pelos que querem superar a crise. E o ajuste na economia deve ser a base de seu programa. Quando digo alguma forma de unidade nacional, deixo de fora aqueles que ainda creem que um ajuste seja o caminho errado. Gostaria de incluir aqueles que acham o ajuste um caminho certo, mas agem no Parlamento como se não houvesse amanhã: gastos e mais gastos.

O fator Grécia continua perturbando os que romanticamente acham possível desafiar as leis do capitalismo: aqui se faz, aqui se paga. Admiradores de Cuba e Venezuela se voltam, agora, para a Grécia democrática, sem perceber que estão apenas trocando de fracasso econômico.

A realidade impôs à esquerda grega uma tarefa mais árdua do que seus antecessores. O governo teve de passar no Congresso um projeto mais draconiano do que a direita tentou, sem êxito, aprovar. O plebiscito disse não, o próprio governo de Alexis Tsipras disse não e, no entanto, o acordo com a Europa diz sim às condições dos credores.

O que o exemplo mostra também é que, às vezes, saídas românticas podem conduzir a um processo de humilhação nacional. No caso grego, creio, houve uma diferença de tom entre a França latina e a Alemanha. Os franceses acham que os alemães têm um enfoque vingativo. William Waack, que foi correspondente na Alemanha, lembra do fator cultural. Num país de formação calvinista, a palavra dívida é a mesma de culpa: Schuld.

Não creio que as coisas sejam as mesmas entre países tão diferentes como a Grécia e o Brasil. Mas um colapso econômico, com bancos fechados, é sempre uma lição.

Não existe necessariamente uma catástrofe no horizonte brasileiro. Mas seria bom que houvesse uma discussão sobre as premissas para sair da crise e algum compromisso com elas.

A oposição tem seus objetivos eleitorais. Precisa combater o PT. Mas o combate erradamente, quando usa os mesmos métodos do adversário, falando uma coisa, fazendo outra. Buscar uma saída estratégica não jogaria a oposição no volume morto. Muitas pessoas que encontro pelo País estão ansiosas não pela solução imediata da crise, mas por um sentimento de que o barco anda no rumo certo. O grande motor seria a política. A crise econômica depende do impulso favorável do processo político.


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Hoje, o quadro é caótico. Dilma, escorregando na rede, na Itália, ilustrou sua própria situação. Meio à Guimarães Rosa, ela disse: “Quando você está lá em cima, você inclina para um lado e, imediatamente, para o outro, você fica balançando mesmo, você consegue se equilibrar. Eu não caí, mas para não cair é preciso ser ajudada”. Quem ajudará Dilma a não cair? Por que ajudá-la a não cair? Em respeito aos seus eleitores? Mas eles já a rejeitam há algum tempo.

Há três frentes acossando o Planalto: TCU, TSE e Operação Lava Jato. Isso tem uma certa autonomia, não depende de ajuda. Dilma se encontrou com Lewandowski em Portugal. Supremo e Planalto se encontram, discretamente, em Porto. Não vou especular sobre o que disseram. Lembrarei apenas que se encontraram em Porto no auge da crise.

Mesmo neste caos, é preciso encontrar saídas. Na política, ela passa pela punição dos culpados de corrupção e campanhas pagas por ela. Simultaneamente, precisava surgir algo no Parlamento e na sociedade, um desejo real de superar a crise, uma unidade nessa direção. No momento, estamos saudando a mandioca e vivendo num parlamentarismo do crioulo doido.

Se estivéssemos vendo o Brasil de uma galáxia distante, até nos divertiríamos. Mas eles estão entre nós.


É preciso pensar o pós-Dilma. Ela fala muito em queda, parece preocupada com isso. Não deve doer tanto. Collor caiu e reaparece – como coadjuvante, é verdade – no maior escândalo do século. E muito mais rico: do Fiat Elba ao Lamborghini.

É preciso, pelo menos, pensar o País sem Dilma, deixá-la balançar na etérea sala do palácio, criar uma unidade em torno de um ajuste possível, recuperar o mínimo de credibilidade no sistema político.

Nas eleições, os políticos gostam da imagem de salvador. Isso não existe. Mas, no momento, ao menos poderiam dar uma forcinha criando um pequeno núcleo suprapartidário buscando uma saída, apontando para o futuro. Seria ignorado? Por que não experimentar? Um dos piores efeitos da crise são o desânimo e a paralisia. Por onde ando, vejo um compasso de espera. A maioria sabe que uma pessoa que mal se equilibra não consegue liderar o Brasil durante a tempestade. É preciso extrair as consequências dessa incômoda constatação.

O golpe da redenção

“Não se esqueçam, companheiros e companheiras, que gritamos “Fora Collor” e gritamos “Fora FHC”. E o ex-presidente Collor saiu da presidência num processo legal, dentro da democracia, e é isso que eles pretendem fazer agora: expelir a Dilma dentro de um processo democrático” (Ruy Falcão, presidente do PT, em ato púbico na Uninove).


Quando um petista graduado como o próprio presidente do partido formula uma frase dessas, é preciso perguntar: foi um ato falho ou isso faz parte de uma estratégia deliberada para abandonar a presidente aos leões, desde que seja em nome de uma causa maior, que é a de salvar o projeto sebastianista de Lula?

Isso quer dizer que o PT abandonou de vez a tese de “golpe”, que é como o seu exército militante classifica uma eventual decisão da abertura de um processo de impeachment contra Dilma Rousseff no Congresso, ou é uma nova espécie de desconversa para desviar a atenção do delicado momento que a política e a economia do país atravessam e tirar proveito dele?

Sabe Deus. Só um especialista nos meandros da psicopatologia petista seria capaz de fazer uma exegese ou fornecer um diagnóstico preciso das intenções do lulismo.

A extraordinária declaração do presidente do PT foi feita num ato público “em defesa da democracia” e do mandato de Dilma, realizado esta semana em São Paulo, no ambiente de uma universidade privada, a Uninove. Participaram do ato, além do PT, outros notórios defensores da democracia como o PCdoB e o PCO.

A ligação entre a defesa do mandato de Dilma e a democracia ainda está para ser explicada, uma vez que não existe nenhum parentesco entre um eventual processo de impeachment e qualquer transgressão à democracia, como reconheceu- sem querer ou não- o presidente do PT.

Golpe, como se sabe, é a destituição, por meio da força ou por outros atos ilegais, de um governo legitimamente eleito. O processo de impeachment, cuja abertura a Câmara Federal pode aceitar por uma maioria de 2/3 (com menos de 342 votos o processo não se instaura) é previsto pela Constituição, portanto golpe não pode ser.

Embora seja uma decisão mais política do que técnica, para ser instaurado, o processo de impeachment precisa enquadrar-se nas hipóteses previstas na Constituição para punir os crimes de responsabilidade. Nenhum dos partidos políticos representados no Congresso admite até este momento que haja causas suficientemente configuradas para que seja solicitada a instauração do processo.

Mas estão no horizonte duas causas possíveis para o afastamento da presidente: 1) se o TCU julgar suas contas irregulares e as rejeitar, pode configurar-se crime de responsabilidade e a Câmara decidir pela abertura do processo de impeachment; se aceita a abertura do processo, a presidente se afasta até o julgamento pelo Senado 2) se o TSE julgar que houve crime eleitoral nas contas da campanha (uso de dinheiro de procedência ilícita), o diploma da chapa- Dilma e Temer- é cassado.

As duas causas são improváveis? Sim, mas não impossíveis. As duas são constitucionais? Sim, portanto chamá-las de golpe é puro exercício de retórica.

O discurso ambíguo do presidente do PT pode significar o reconhecimento de que a palavra “golpe" está sendo usada apenas como instrumento de propaganda, e que o partido está cumprindo a sua obrigação formal de defender a presidente que elegeu.

Mas pode significar também que uma eventual queda de Dilma Roussef, no auge da impopularidade, seja vista como a única chance de salvar a candidatura de Lula em 2018.

Ninguém ignora que d. Sebastião pretende voltar nos braços do povo para tentar consertar o estrago que fez indicando Dilma.

Nada melhor para ele que sua criatura seja vitimizada e ele possa aparecer como o agente da redenção.

Politeia? Deus permita!

Dona Dilma vive numa bolha... Lá tudo é azul, nada de mal lhe acontece e quando acontece, ela rapidamente diz que é culpa de terceiros e pronto, está resolvido o impasse.

Vejam este exemplo: não é novidade para ninguém que o mundo está todo conectado. Aquele magricela, o Snowden, provou que nada escapa aos bisbilhoteiros munidos de um computador.

Dona Dilma sabe disso muito bem. Até se ofendeu amargamente ao lhe revelarem que lá nos States o que ela dizia aqui era lido pelas agências de segurança de lá.

Vejamos o que se passou agora em sua ida para a Rússia. O Aero-Lula saiu de Brasília com a intenção de fazer uma escala em Lisboa, mas dona Dilma resolveu que preferia o Porto, a bela cidade às margens do Douro. Com um detalhe: não avisou aos brasileiros de sua intenção.


Também não mencionou sua intenção de conversar, discretamente, com o presidente do Supremo Tribunal Federal. Marcaram encontro no restaurante que fica no lounge do segundo andar do Sheraton do Porto.

Logo que a notícia vazou, quiseram nos fazer crer que foi um encontro casual. Difícil de engolir. O ministro da Justiça disse que Lewandovski, ao saber que Dilma estaria ali pertinho de Coimbra, onde ele estava, pediu o encontro. Os dois trabalham a metros de distância um do outro, na capital federal, mas acharam por bem conversar num hotel no Porto.

Mas a verdade, implicante, tem o mau hábito de pipocar quando menos se espera. O ministro Cardoso, na CPI onde foi depor anteontem, querendo garantir que dona Dilma e Lewandovski não falaram sobre a Lava-Jato, saiu-se com esta: “Se fosse essa a intenção, ela teria convidado o Teori, que também estava em Coimbra!”.

Leram direitinho? “Teria convidado o Teori”. Encontro casual a convite, essa é uma novidade.

Dilma, a Magra, em Milão falou de si mesma na terceira pessoa. Com certeza quer nos convencer que Dilma, a Gorda, aquela das campanhas eleitorais, era outra, e não a que foi assistir ‘Otelo’ no Scala! Ou a que andou numa rede bamba sem cair... Ou a que, segundo coluna do Ancelmo Gois, coleciona lindos óculos de sol, daqueles que custam em média mil e duzentos reais o par.

Se estou com inveja? Claro que estou. Gosto de viajar, gosto de frequentar bons restaurantes e tenho paixão pela Itália. Mas não posso nem ir a São Paulo, o dinheiro está curto e tudo leva a crer que ficará cada vez mais curto.


Nem se eu tivesse uma das máquinas do Collorido, já que as estradas federais andam um terror. Por falar em Collor, gostava de saber por que o senador por Alagoas tem um apartamento funcional em Brasília se ele é proprietário de uma mansão na capital?

Pelo menos foi o que disse um dos membros da Segurança do Senado, que lá chamam de Polícia Legislativa, instituição inexistente, indignado com a Polícia Federal por invadir próprios do Senado Federal. Foi quando fiquei sabendo que o alagoano tem um apartamento funcional e que esses apartamentos são considerados, pelo menos pela Segurança deles lá, parte do Senado.

Não sei quanto tempo a bolha vai aguentar. Sei o que vi na TV: a expressão alterada de Renan Calheiros falando em 'tempos sombrios'. Ou o passo apressado de Eduardo Cunha em direção ao gabinete do Renan. Hoje teremos Eduardo Cunha em rede nacional. Que Deus nos ajude.

Mas não podemos fugir de um fato: temos muita culpa no cartório. Uma das penalidades na recusa em participar da Política é que acabamos sendo governados por nossos inferiores. Essa também é de Platão...

Chamaram o ladrão!

Ficou feia

A coisa tá feia. Não é mais questão do mérito das questões, mas da maneira como são conduzidas. Se por um lado se comemora o fato de grandes empresários estarem indo em cana e se desejar que a corrupção esteja de fato sendo enfrentada, não dá para comemorar os ritos que movem os camburões nem o fato de se passar por cima de uma série de arbitrariedades e de juízos sumários. Não dá para gostar de ouvir um magistrado, em plena audiência, parabenizar um delator, que faz parte da quadrilha, por “estar prestando um grande serviço à nação”. Assim, fica difícil amar e querer viver aqui. Mesmo que a gente não saia, o desejo de defenestração passa a povoar os piores sonhos. 
Arnaldo Bloch, "Brasil: ame-o, ou não" 

Sou apenas um país latino-americano

Observando a eficiência das frequentes ações da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal nos processos que investigam os responsáveis pelo assalto aos cofres da Petrobrás e, quem sabe, de outras empresas e instituições, busquei informações no livro “Guia politicamente incorreto da América Latina” de autoria dos jornalistas Leandro Narloch e Duda Teixeira, também autores do “Guia politicamente incorreto do Brasil”.
Como a história da política brasileira ainda está longe de se parecer com a dos demais países da América Latina, até mesmo por termos sido colonizados pelos portugueses, decidi observar os procedimentos de déspotas que exerceram poder em seus países e, até mesmo, em terras de seus vizinhos.
Os autores do livro encerraram a obra com o título “O fim que ninguém queria”, onde relatam o fim trágico dos personagens: “Todos os personagens que dão nome aos capítulos deste livro passaram por maus bocados após a morte. Foram embalsamados, decapitados, mutilados ou exumados com objetivos diversos: pedir resgates milionários, sustentar teses históricas absurdas, promover cultos personalistas ou realizar rituais de magia negra”.
Estes fatos se deram após a morte dos políticos, mas alguns deles também passaram maus bocados em vida, ao serem depostos, enforcados ou mortos de outras formas violentas. Outros, milionários, foram recebidos por seus aliados externos ou colonizadores e puderam viver tranquilos até a morte natural, nunca pensando em repatriar seus recursos para ajudar seu povo sofrido.
Nos nossos tempos, as coisas estão percorrendo longos e tortuosos caminhos, e decisões do Poder Judiciário ainda concedem a evidentes usurpadores, dos parcos recursos dos brasileiros, a possibilidade de permanecerem livres e fagueiros pelas ruas das cidades.

Saco farinha do mesmo saco lula e cunha propina investigado

Alguns desses cínicos ainda se dão ao luxo de frequentarem locais públicos onde se desembarcam de veículos esportivos de grande valor, compatíveis com astros de cinema e craques do futebol. Eventualmente sofrem agressivas interpelações e são escorraçados dos ambientes públicos.
Os escandalosos episódios que ocupam os noticiários com imagens estarrecedoras de pacotes de dinheiro empilhados, quilos de jóias preciosas, barcos, carros e aviões de propriedade dos investigados, quase sempre estão em nome de terceiros comprados ou enganados pelos operadores profissionais de lavagem de dinheiro.
Os discursos são repetitivos, apesar dos depoimentos de comparsas arrependidos à Justiça serem esclarecedores e repletos de provas. Da tribuna ou nas entrevistas, os investigados se declaram inocentes e, quase sempre, mentem mais.
Os advogados se desdobram dia e noite para justificar os atos apontados pela polícia como ilícitos, haja vista que, no dia seguinte, as declarações do cliente são desmentidas por novos depoimentos. É razoável supor que durante as ações ocorram erros que devem ser reparados pelo Poder Judiciário.
O desenrolar desta história continuará a surpreender a população, pois as garras da Justiça não estão mais restritas a um único e excelente juiz, e estão sendo aplicadas pela Suprema Corte. O caso do “Petrolão” tem sua origem no “Mensalão”. Foram dali que surgiram os primeiros passos para afastar da vida pública os políticos que se curvaram aos interesses privados e abriram as portas para a corrupção desenfreada. Os nossos governantes sofrem em vida o que os déspotas latino-americanos sofreram após a morte.
Vale repetir: de nada adiantará derrubar juízes, procuradores ou policiais; o tsunami da impunidade avança, e muitos morrerão na praia.

Renunciem!


Ninguém vê, ninguém nota ou simplesmente todos ignoram de forma dissimulada aonde chegamos? Apesar da crise evidente e da sucessão de escândalos que estampam todos os jornais, os protagonistas do debate público fingem que há uma República de pé. Pois os fatos dizem o contrário: tudo ruiu.

A presidente, acuada, não reconhece que mentiu durante a campanha e jura de pé juntos que dinheiro sujo de propina não financiou sua campanha. Quem em sã consciência acredita?

Os parlamentares, enlouquecidos e preocupados em atribuir os males do país ao Executivo, resolveram atacar também o Ministério Público e a Polícia Federal. São, segundo a versão que lhes convém, santos do pau oco. Janot é ditador, diz Collor, convenientemente com o apoio de Renan. Quem em sã consciência acredita?

O presidente do STF, chefe do Poder Judiciário, marca encontro secreto com o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e a presidente Dilma no exterior. Com a Lava-Jato a cercar o governo por todos os lados, quem pode pensar em outra coisa senão o conchavo? Lewandowski, o ministro de Dona Marisa, não vê problema algum. Quem em sã consciência acredita?

A oposição esperneia, mas não faz muito. Quem irrigou sua campanha? Os mesmos donos das empreiteiras investigadas. Hoje, eles estão na cadeia. Quem em sã consciência acredita numa postura suficientemente crítica em relação ao governo? A oposição queria ter o poder de Eduardo Cunha, mas percebe-se que não passa de um grupo coeso em busca do acordão.

Aliás, tudo no Brasil acaba em acordão. Posso estar enganado, mas quando "tá tudo dominado", quem se salva? Quem consegue agarrar o outro para não cair no abismo.

Enquanto os políticos atiram para todos os lados tentando esconder suas próprias mazelas, o país assiste a tudo perplexo. O que fazer? Tirar a presidente e cassar os parlamentares? Quem pode fazer isso?

A lei é linda, a Constituição é democrática. As instituições são bem formuladas. Montesquieu ficaria orgulhoso com o sistema de freios e contrapesos da República. Mas o que acontece quando os vermes tomam conta de tudo e se multiplicam? Qual é o antídoto?

Fosse o Executivo o único encalacrado com a Lava-Jato, o Legislativo dava o seu jeito. Fosse o Legislativo o único encalacrado, o Judiciário dava o seu jeito.

Terá o Judiciário o poder de equilibrar a balança para cortar os excessos (haja eufemismo) dos outros dois poderes? Será ele um poder suficientemente isento para isso?

Enquanto isso, aumento de salário para servidores, inflação a quase 10%, juros a 14% e governo com popularidade a 9%.

No papel, era esperado o controle das instituições sobre a situação. A curto prazo, não vejo nada disso.

Aqueles que estão comprometidos até o pescoço com a roubalheira poderiam ter a primeira atitude altruísta de suas vidas: sair da vida pública, renunciar.

O Brasil só se salva quando recuperar a noção do que significa o decoro. Sinto saudade da época em que os conselhos de ética eram uma ameaça aos ladrões de turno.

O PT pretende fazer de Lula o mais injustiçado dos brasileiros

Estimulado pelo PT e por seus aliados, está em formação desde ontem um movimento para fazer de Lula o mais perseguido, o mais insultado, o mais injustiçado dos brasileiros. Se não de todos os tempos, mas pelo menos dos dias que correm.

A ordem é torná-lo uma vítima incontrastável de um Ministério Público leviano e irresponsável, e, naturalmente, da direita raivosa que pede “Fora, Dilma”, e da mídia oligopolizada ou não que pretende enterrar de vez o PT.

A clarividência de Lula será exaltada ao se relembrar o que ele disse a Dilma, esta semana, em almoço no Palácio da Alvorada, e o que alguns jornais registraram no dia seguinte. Ele disse: “Preparem-se porque as coisas vão ficar piores". De fato, estão ficando.

Àquela altura, Lula já havia sido informado que a Procuradoria da República do Distrito Federal decidira abrir inquérito para investigar um suposto tráfico de influência internacional destinado a favorecer os negócios fechados no exterior pela Odebrecht.

Busca-se indícios de influência de Lula na concessão à Odebrecht de obras de rodovias, portos e aeroportos financiadas pelo BNDES em países como República Dominicana, Gana, Angola e Cuba. Lula viajou várias vezes a todos esses países por conta da Odebrecht.

Nada existe na lei que o impeça de ganhar dinheiro fazendo palestras e bancando o lobista de empresas. Ex-presidentes dos Estados Unidos procedem assim. Com uma diferença: eles jamais poderão se candidatar ao cargo que ocuparam.

Aqui, não. Lula poderia aproveitar, como o fez, sua condição de ex-presidente para enriquecer, e depois tentar voltar ao poder novamente. Seria esquisito ter um ex-lobista de empreiteiras na presidência da República, mas, em todo o caso, se depender da lei...

O problema de Lula com a Procuradoria da República do Distrito Federal é que o BNDES mexe com dinheiro público. E ninguém, abaixo da presidente Dilma Rousseff, é mais influente dentro do governo do que Lula – o criador de Dilma e o seu mentor.

A Procuradoria tem mais é que investiga-lo, sim, se acha que há indicações de que Lula avançou o sinal. Lula não está acima da lei. Ninguém está. É isso o que ensina neste momento o Poder Judiciário. Com a aprovação geral dos brasileiros.

Quanto à mobilização para fazer de Lula um coitadinho... É sempre um risco. Se as pessoas não se convencerem disso, a rejeição a Lula certamente aumentará.

Nem agradecem!



Nenhum político deve esperar que lhe agradeçam ou sequer lhe reconheçam o que faz; no fim de contas era ele quem devia agradecer pela ocasião que lhe ofereceram os outros homens de pôr em jogo as suas qualidades e de eliminar, se puder, os seus defeitos
Agostinho Silva

Nós, os escravos

Faço compras no supermercado. Encho o tanque do automóvel. Compro um livro, um filme, um CD. Vou almoçar, pago a conta, saio. E então reparo que não encontrei um único ser humano em todo o processo. Só máquinas. Eu, o meu cartão de crédito – e uma máquina. Então penso: será que Paul Lafargue (1842 – 1911) tinha razão?

Lafargue é pouco lido hoje em dia. Mas, na família Marx, ele é o único que leio com prazer e respeito. Genro do famoso Karl, Lafargue escreveu "O Direito à Preguiça" em finais do século 19. Para deixar uma mensagem otimista: a humanidade deixará o trabalho para trás porque o progresso tecnológico vai libertar os homens da condenação da jornada.

A mensagem de Lafargue é uma espécie de profecia bíblica do avesso: quando Adão e Eva foram expulsos do paraíso, Deus condenou o par desobediente a ganhar a vida com o suor do rosto. As máquinas, escreveu Lafargue, permitirão que os homens regressem ao paraíso, deixando as canseiras da labuta para os brinquedos da tecnologia.

Não sei quantas vezes li o opúsculo de Lafargue. Umas dez. Umas cem. Sempre à espera do dia em que a máquina libertaria os homens para o lazer.

Esse dia pode estar mais próximo do que imaginamos. Derek Thompson, na revista "The Atlantic", revela alguns números: em 2013, a Universidade de Oxford previu que as máquinas, daqui a 20 anos, farão metade dos trabalhos nos Estados Unidos da América. Essa previsão, como todas as previsões, tem um valor relativo: se a história ensina alguma coisa é que por cada trabalho destruído haverá sempre um trabalho inventado. Melhor: inventado e imprevisto pelo horizonte estreito do nosso presente.

Mas existem sinais de alguns limites: o número de empregos disponíveis (e tradicionais) começou a escassear nas últimas gerações, sobretudo para homens e jovens graduados. Porque a tecnologia faz mais e os homens têm cada vez menos para fazer.

O meu coração hedonista rejubila com a notícia, partindo do pressuposto de que as máquinas também irão gerar recursos capazes de sustentar a minha nostalgia pela vadiagem.

Mas depois, como uma Cassandra moderna, Derek Thompson relembra o "paradoxo do trabalho" que define a nossa miserável condição: toda gente amaldiçoa as horas passadas no escritório; mas, ao mesmo tempo, toda gente amaldiçoa as horas passadas em casa. Sem trabalhar, a maioria perde um "sentido" para a vida que não consegue encontrar em mais nada.

E não me refiro a situações dramáticas de desemprego, que jogam em outro campeonato. Falo de gente que enriqueceu, ou se aposentou, e que em teoria poderia festejar a liberdade com algumas garrafas de ociosidade.

Puro engano. Um mundo onde as máquinas trabalham e os homens têm tempo livre (e remunerado) soa mais a distopia do que a utopia. Será que a infame frase "o trabalho liberta" esconde uma verdade profunda?

Admito que sim. Mas também admito que o "paradoxo do trabalho" é o resultado de uma sociedade enlouquecida pelo próprio trabalho.

Quando todas as áreas da vida estão invadidas por prazos a respeitar, e-mails para responder, fins de semana para arruinar, filhos para ignorar, vida pessoal para adiar –enfim, sobra pouco espaço para descobrir o que gostamos de fazer quando não estamos a fazer nada.

No seu ensaio sobre a preguiça, Lafargue afirmava que os nossos antepassados greco-latinos sabiam cultivar o ócio porque tinham tempo; e tinham tempo porque, escusado será dizer, havia escravos obrigados a trabalhar por eles.

Hoje, não temos tempo nem escravos porque somos nós os escravos das nossas vidas. E quando nos vemos livres das correntes, nem sabemos o que fazer sem elas.

Como me dizia um amigo psiquiatra tempos atrás, ele nunca sai de férias no verão porque é no verão que os casos mais graves lhe aparecem no consultório. "O tempo livre é uma das principais causas de depressão", disse-me ele. Perante isto, que fazer?

No artigo, Derek Thompson levanta o véu: o nosso sistema de ensino, e sobretudo o ensino universitário, transformou-se numa espécie de fábrica para produzir trabalhadores.

Mas talvez não fosse inútil que, no meio da matemática ou do português, houvesse um curso especial para ensinar aos escravos de amanhã os versos mais citados e menos praticados do meu conterrâneo Fernando Pessoa: "Ai que prazer / Não cumprir um dever, / Ter um livro para ler / E não o fazer!".