sexta-feira, 24 de junho de 2016


Pula a fogueira, Iaiá, pula a fogueira, Ioiô

Quantas fogueiras para pular neste São João! Precisamos ter muito cuidado, são fogueiras altas, nosso arraiá está ardendo em fogo!

A fogueira do ex-ministro Paulo Bernardo é das mais altas, das que mais espalham brasa: a Operação Lava-Jato abriu o leque e tchan-tchan-tchan!, surgiu a Operação Custo Brasil!

Parece mentira mas é verdade verdadeira: de grão em grão, de uma taxinha de R$1,25 cobrada da parcela paga por cada beneficiário do empréstimo consignado, ao fim do período que vai de 2009 a 2015, o Ministério do Planejamento amealhou 100 milhões de reais.


Não me compreendam mal: essa vaquinha não resultou em ganho para o trabalhador brasileiro, não. Essa quantia encantadora passou pelo crivo de João Vaccari, ex-tesoureiro do PT, atualmente hóspede da PF, que a dividiu entre o PT e o ex-ministro Paulo Bernardo.

Em resumo: os trabalhadores do Brasil, em sua santa ignorância, foram generosos com os dirigentes de seu partido. É ou não é uma fogueira que ilumina a noite de São João?

Não se avexe, há outras, há outras.

Por exemplo, a do deputado Eduardo Cunha. Pule essa com muito cuidado. O Cunha é um perito fogueteiro e nunca se sabe que tipo de fogos estão prestes a explodir na fogueira montada por ele.

E a do motoqueiro da Dilma? O homem de sobrenome que inspira um trocadilho? Será que ele se gaba da fogueira que armou? Certeza eu não tenho, mas essa eu prefiro nem arriscar pular.

E as fogueiras aqui do Rio? Estão todos os brasileiros aborrecidos com nossa pobre cidade e zangados com o governador Dornelles. O que é que vocês queriam que ele fizesse? Que pegasse o boné e nos deixasse à matroca?

Isso não seria de bom tom.

Mas tem algo que o governador deveria fazer. Numa entrevista coletiva lembrar ao Brasil quem teve a brilhante ideia de trazer a Olimpíada para o Rio. Isso mesmo, Ele, o Grande Líder, o Mito Trapalhão, o Rei dos Aloprados.

Copio aqui as palavras que ele disse em 2009 – que ano fatídico! – em Copenhagen, diante do Comitê Olímpico Internacional:

“Chegou nossa hora. Chegou! Entre as dez maiores economias do mundo, o Brasil é o único país que não sediou os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. Para os outros, será apenas mais uma Olimpíada. Para nós, será uma oportunidade sem igual. Aumentará a autoestima dos brasileiros, consolidará conquistas recentes, estimulará novos avanços”.

“O Rio está pronto. Os que nos derem esta chance não se arrependerão”, disse o presidente Lula ao finalizar o discurso.

Engraçado que ninguém pergunta ao povo o que ele quer. Perguntaram sobre a Copa? Não. Desandaram a construir arenas ou a reformar, a custo de ouro em pó, estádios que faziam parte de nossa história. Está aí esse novo e caríssimo Maracanã que não me deixa mentir. Não é mais o Maracanã tri-campeão, é o Maracanã dos 7x1.

Que não me venham lembrar que a Inglaterra demoliu Wembley para construir outro Wembley. Cada país tem direito às suas burradas. Ontem mesmo a Inglaterra acendeu uma imensa fogueira para o Sinn Fein pular. Só quero ver no que vai dar...

O nosso arraiá é imenso, é um continente. Não seriam só essas fogueiras que poderiam iluminá-lo; há muitas outras que aos poucos irão se acendendo. Temos até a noite de São Pedro para pular fogueiras e participar das quadrilhas...

Não se esqueçam de pôr sebo nas canelas!

'Deus está morto. Nietzsche está morto. Marx está morto...'

Como se chama mesmo a mais recente fase da Operação Lava Jato, que, no entanto, se quer uma operação independente? Custo Brasil. Ela é deflagrada um dia depois de Deltan Dallagnol comparecer a uma audiência na Câmara para defender o polêmico projeto do MP com as 10 medidas de combate à corrupção. Ao longo dos dias, veremos por que polêmico. Não é esse o objeto deste texto.

No discurso que fez na Câmara, Dallagnol ensinou aos deputados que a corrupção é uma “serial killer”, que mata criancinhas, põe buracos nas estradas, leva à falta de medicamentos nos postos, aumenta a pobreza, induz aos crimes de rua. Chegou a citar a morte de uma pessoa na Bahia porque recebeu tardiamente um medicamento, com data vencida e a preço superfaturado. Faltava a moral da história, e Dallagnol deu: “A corrupção mata”.

Ou por outra: um dia depois de o coordenador da Lava-Jato dizer na Câmara que a corrupção responde pelo chamado “Custo Brasil”, é deflagrada, então, a “Custo Brasil”, que prende o peixão mais graúdo do PT até agora: Paulo Bernardo. Pode ter um papel no PT menos estruturante do que Vaccari, mas é o companheiro preso que ficou mais tempo na Esplanada dos Ministérios e serviu tanto a Lula como a Dilma.

Isso quer dizer alguma coisa?


Ah, quer dizer, sim, ora essa! A Operação Lava Jato, nas suas três faces — Ministério Público, Polícia Federal e Justiça (Sergio Moro) —, é a única força política hoje estruturada no país e que consegue atuar com elementos táticos — de curo prazo e apelo midiático — e estratégicos. Os rapazes do MP já deixaram claro que têm uma ideia na cabeça e uma caneta na mão: refundar a República. E estão avançando.

É evidente que, quando se associa o nome da nova fase ao discurso feito no dia anterior, estabelece-se um nexo entre as duas coisas. Estamos diante de um sentido.

A Lava-Jato, por seu turno, vai gerando crias, como é o caso das Operações Turbulência e Custo Brasil. A primeira atinge a campanha de Eduardo Campos-Marina Silva e o PSB. Mesmo que pescado pelo pé e ainda que, por ora ao menos, na periferia do furação, o PSDB também já foi tragado. O PMDB está com múltiplas escoriações.

Lembro-me de uma frase que citávamos muito ali pelo fim dos anos 1980, quando se falava da crise das ideologias. Há variantes. A repetida na minha turma era assim: “Deus está morto, Nietzsche está morto, Marx está morto, e eu mesmo não ando me sentindo muito bem…”. É mais ou menos esse o clima em Brasília e em toda parte.

Até outro dia, aqui e ali, alguns falavam em novas eleições… Pensem na cena, senhoras e senhores! Como indagaria Noel Rosa, “com que roupa?”. A vida, afinal, não está sopa, não é mesmo? Se o candidato não for Dallagnol, podemos considerar as hipóteses de Levi Fidelix, José Maria Eymayel, Eduardo Jorge… Luciana Genro não dá. O PSOL já é establishment demais!!!

Que tempos, né?

Como num conto de Lygia Fagundes Telles, “vivos e mortos, desertaram todos”.

'Custo Brasil' e seus pagadores

Nesta quinta-feira, enquanto milhões de brasileiros acordavam para mais um dia de trabalho (ou à procura de trabalho), na capital paulista e outras cidades do país, algumas pessoas amanheceram com a Polícia Federal batendo à porta de suas residências. Era uma fase de busca, apreensão, condução coercitiva e prisões da operação Custo Brasil. No centro das atenções estavam dois ex-ministros de Lula e Dilma, dois ex-tesoureiros do PT, destacados advogados e a própria sede do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores.

Sem emitir juízo prévio sobre qualquer dos investigados, mas examinado o conjunto dessas operações que se desenvolvem na esteira da Lava Jato, é impossível não perceber, no nome da recente operação da Justiça Federal paulista, sua relação com a crise que vive o país: "Custo Brasil". Numa infortunada combinação de incompetência, irresponsabilidade e desonestidade, o Brasil foi se tornando um país oneroso a todos nós. Quem dentre os leitores não tem, no círculo de suas relações, brasileiros que, neste momento, buscam no exterior melhores oportunidades e condições de vida? Resultado do custo Brasil. Nosso país, sempre aberto às mais variadas etnias, hoje perde muitos de seus jovens, muitos de seus talentos, por verem exauridas, aqui, oportunidades e esperanças.

Tão dolorosa ruptura, tão antinatural desarraigamento tem muito a ver com a rapinagem do Estado e com a abundância de recursos para os quadrilheiros do poder, com a demagogia, com os privilégios da elite do setor público, com os luxos sustentados pelo erário e com os delírios de grandeza e popularidade daqueles que hoje, escondidos na escuridão dos automóveis, se deslocam de garagem para garagem sumidos da luz do sol e das vistas da população. Nossa insegurança, a violência no meio urbano e rural, a miserabilidade da atenção à saúde pública, a decadência de todo o sistema de ensino e o desastroso conjunto das carências sociais, são consequência dessas práticas.

No entanto, se temos tanto a lamentar, temos, simetricamente, muito a celebrar com a atuação firme do Ministério Público, e em especial, nestes episódios, do Ministério Público Federal. O MPF está fazendo prova do efeito positivo de algo a que nosso país acostumou-se a considerar irrelevante: o papel das instituições. As franquias e abusos que maus governantes proporcionam, que maus políticos aproveitam e ante os quais o Poder Judiciário não pode agir se não for provocado, estão encontrando adversário à altura na autonomia institucional que o Ministério Público recebeu na Constituição de 1988.

Quem dera os pagadores do Custo Brasil despertassem, também, para a necessidade de promover combate cívico aos vícios institucionais que favorecem a apropriação criminosa do Estado! Estou falando do presidencialismo e do voto proporcional para os parlamentos, cuja manutenção muito convém ao jogo e ao mandato dos quadrilheiros. Apesar de darem cada vez menos certo há mais de um século, misteriosamente ambos continuam percebidos como essenciais à democracia.

Percival Puggina

Casta, classe e a crise

A composição social dos países contemporâneos compreende, entre outros componentes, as classes capitalistas e os setores de ocupação. No passado agrário, além da aristocracia, os ocupantes de alguns setores exerceram o papel de casta, isto é, eram detentores de privilégios, a exemplo de latifundiários, militares, clero e burocracia.

Crítico do capitalismo, Karl Marx o saudara por ter acabado com a “cretinice camponesa” e instaurar a igualdade de todos perante a lei. Nos países “desenvolvidos”, isto é, nos quais o capitalismo instalou mais fortemente as suas ideologias, legislações e instituições, e onde empresários industriais sucederam aos proprietários de terra quanto a mais poder, as antigas castas perderam dimensão e privilégios. Os espaços de representação (terminologia de Henri Lefévbre) destes países apresentam poucos partidos atuantes no Legislativo, dois nos Estados Unidos, três no Reino Unido. Já nos países “em desenvolvimento”, com forte permanência de antigas castas privilegiadas, é comum se observar a proliferação de partidos no espaço legislativo.

O Brasil é um país emergente, grau intermediário entre países em desenvolvimento e desenvolvidos. O seu avanço passou por uma ditadura estabelecida com a participação e direção da sua antiga casta militar e que fez avançar o capitalismo. A redemocratização dos anos 80, o Plano Real de 1994, a ascensão ao poder do Partido dos Trabalhadores, em 2002, são etapas deste avanço.

Contudo, no poder há 13 anos, o PT não soube realizar uma reforma política que minimizasse a presença, ainda, de castas, no país. Ao contrário, membros do partido aderiram a práticas de corrupção, acobertados pela impunidade tradicional de setores privilegiados. Corrupção existe por toda parte, mas, nos países de castas privilegiadas impunes, ela toma formas de endemia.

O avanço do capitalismo, por outro lado, vem inserindo no país novas gerações mais educadas, que participam de reações crescentes à permanência de formas de casta, à manutenção do privilégio da impunidade perante a lei.

No Brasil, a corrupção e as ilegalidades orçamentárias se somaram a outras fontes, mais poderosas, na condução a uma crise econômica, agravada desde 2014. O quadro levou ao extremo, o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Uma reforma política, que dê mais lugar a uma estrutura social de classe, é um passo urgente para novos rumos nacionais.

Pedro Geiger 

PT criou propina descontada no contracheque!

Desde que explodiu a Lava Jato, há dois anos e três meses, o país procura um significado maior de qualquer coisa que resuma essa época. Os brasileiros do futuro talvez selecionem como um destes episódios maiores o assalto do Partido dos Trabalhadores aos aposentados e servidores públicos endividados. Dirão que foi um fato histórico porque só então, com a invenção da propina descontada no contracheque, o PT atingiu o ápice do despudor e da desfaçatez.

O consignado, como se sabe, é um tipo raro de empréstimo. É bom para quem toma dinheiro emprestado porque as taxas de juros são baixas. É ótimo para o banco que empresta porque a prestação é descontada mensalmente do salário do servidor ou da pensão do aposentado. No aperto, milhares de brasileiros aproveitaram. E tornaram-se, sem saber, uma oportunidade que o PT aproveitou.

Entre 2010 e 2015, os milhares de brasileiros que se penduraram no consignado pagaram uma taxa de administração inusual. Estava embutida em cada parcela mensal a cifra de R$ 1,25. Dinheiro destinado a um intermediário chamado Consist Software, contratado pelo Ministério do Planejamento a pretexto de administrar o serviço.

Descobriu-se que a Consist retinha em sua caixa registradora apenas R$ 0,40. Os outros R$ 0,85 viravam propina. De centavo em centavo, foram assaltados R$ 100 milhões. Perto dos bilhões pilhados na Petrobras e no setor elétrico, parece dinheiro de troco. No entanto, entre todos os roubos praticados na era petista, foi esse que acabou com o que restava do melhor legado daquele ex-PT da fase sindical: a sensibilidade social e o respeito ao trabalho.

Andrey Borges de Mendonça, um dos 30 procuradores da República que se ocupam da investigação, resumiu o descalabro: “R$ 100 milhões foram desviados de funcionários públicos e pensionistas endividados, que se privaram de medicamentos, e de suas necessidades básicas para abastecer os cofres de corruptos. Isso tem que nos causar indignação, isso não pode ser algo natural da nossa sociedade.”

O que mais assusta na marcha da política rumo à delinquência não é a crueza, mas a hipocrisia. No gogó, o petismo é avesso à privatização. Para incrementar as propinas, admite qualquer negócio. Dispunha de uma empresa pública, o Serpro, para organizar o consignado. Preferiu privatizar o serviço, direcionando-o à Consist. Nada mais natural.

Se a pregação de líderes pseudo-esquerdistas como Lula havia ensinado alguma coisa era a não esperar nenhum tipo de hesitação altruista do capital. Ele opera segundo as regras fixadas na Lei da Selva.

No futuro, quando puderem analisar a conjuntura atual sem ter de tapar o nariz, os brasileiros concluirão: o que assustou as almas mais ingênuas foi a facilidade com que se operou a autodissolução do PT como partido político e a rapidez com que a legenda estruturou a coalizão que dava suporte aos seus governos como uma lucrativa organização criminosa.

A sujeira prosperou tanto que acabou desenvolvendo no Brasil a indústria da limpeza ética, cujo principal empreendimento é a Lava Jato.

É hora de reciclar a mentalidade

Desemprego e violência, dois fatos encadeados

No interior, na periferia e no centro das cidades, a violência multiplica-se em progressão geométrica. Os meios para combatê-la sequer crescem em progressão aritmética. Importa menos se as polícias estão desaparelhadas ou se o desemprego crescente aumentou o número de marginais. A verdade é que o cidadão comum asila-se cada vez mais na própria casa. Quando dispõe de uma casa, é claro.

Dos 12 milhões de desempregados que as estatísticas indicam, mas na verdade atingem o dobro, quantos podem manter o sentimento de que vão mudar de vida? Esse é o principal obstáculo para o país recuperar-se. A esperança parece cada vez mais remota.

Por conta disso, a violência progride. Prevendo que permanecerá sem trabalho, pressionado pelas necessidades primárias da família, indignado em apelar para a caridade pública, quantos resistem em tomar pela força o que lhes é negado pela falta de trabalho? Trata-se de um estímulo, além de parecer mais cômodo, exigindo menos esforço apesar de maior risco.

Entra em campo o sistema de contrapesos. As autoridades encarregadas de manter a ordem sentem-se diminuídas e impotentes. Também apelam para a violência.

O resultado é o aumento da insegurança. Com a multiplicação dos assaltos, roubos, sequestros, estupros e assassinatos, chega-se ao crime organizado. Bandos transformam-se em quadrilhas. Do outro lado, a reação é atirar primeiro para perguntar depois.

Acresce que a moda pega. Violência chama violência. Tudo em função do desemprego crescente, causa primeira da situação em que vivemos.

Promessas irreais e falhas condenam Baía de Guanabara à poluição

O roteiro das mais de duas décadas de trabalho para despoluir a Baía de Guanabara, local de competições olímpicas no Rio de Janeiro e Patrimônio Mundial da Humanidade, passa por promessas fantásticas, execução falha, licitações duvidosas e inúmeros adiamentos. É o que conta o livro Baía de Guanabara - Descaso e Resistência, idealizado pela Fundação Heinrich Böll e assinado por Emanuel Alencar, lançado nesta quinta-feira (23/06).

O último compromisso irreal foi assumido diante do público internacional. Quando o Rio de Janeiro se candidatou como sede dos Jogos Olímpicos, em 2007, a promessa era reduzir em 80% o esgoto e lixo despejados na baía até 2016. Chegado o ano das Olimpíadas, estima-se que menos de 40% do esgoto seja tratado.



A meta foi abandonada publicamente pelo governo estadual, que culpou a falta de planejamento comum entre os vários gestores da baía pelo insucesso. Atualmente, não existe prazo fixado para que os números prometidos em 2007 sejam alcançados.

"Alguns erros não poderiam mais ser cometidos 22 anos depois do início do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara. No entanto, continuam acontecendo", diz Emanuel Alencar, fazendo referência ao primeiro programa de limpeza da baía que obteve financiamento internacional, em 1993.

Dentre os equívocos, Alencar cita "os atrasos incríveis de cronograma, obras com pouquíssima transparência ou controle social, falta de acompanhamento e de pressão de órgãos controladores, como o Ministério Público e agência reguladora de saneamento".

Um dos casos mais emblemáticos é a construção da Unidade de Tratamento de Rio Irajá. Nesse processo, em vez de tanques com substâncias químicas, a água é tratada na calha do rio – o máximo de carga orgânica é retirada por meio de flotação. O projeto previa que unidade do rio Irajá entrasse em operação em 2013, mas nada funciona até hoje.

"Foram gastos 40 milhões e ela está lá, parada já há dois anos, porque ninguém sabe quem vai operar. A prefeitura não quer, o estado diz que não tem dinheiro. É inacreditável", lamenta Alencar.
Leia mais

Comparados aos casais apreendidos na Lava Jato,Bonnie e Clyde não passam de pincipiantes

Nesta quinta-feira, a ida para a gaiola do ex-ministro Paulo Bernardo e a permanência no Senado de sua mulher Gleisi Hoffmann, protegida pelo foro privilegiado, conseguiram o que parecia impossível: separar um dos casais mais unidos do planeta. Eles moram juntos, militam juntos no PT, trabalharam juntos no ministério de Dilma Rousseff, entraram juntos no pântano do Petrolão e estão juntos na fase mais recente da Operação Lava Jato. Ainda que acabe condenada pelo Supremo, Gleisi não ficará junto com o marido. Infelizmente para o casal, no sistema carcerário brasileiro não existem cadeias mistas nem celas para casal.

Pensar no jeitão de pároco agnóstico de Paulo e em Gleisi caprichando na pose de última vestal me remete a uma longínqua madrugada em que ouvi o deputado federal Ulysses Guimarães descrevendo o comportamento das mulheres dos políticos de antigamente. Vale a pena reprisar o episódio ocorrido em setembro, durante a campanha para as eleições municipais de 1976. Eu era um repórter novato. Ele comandava o MDB, que o fim do bipartidarismo transformaria em PMDB. E era uma lenda em seu começo.

Nada a ver com essa cara de faraó, pensei enquanto olhava de soslaio o chapéu de palha que Ulysses, à minha esquerda no banco traseiro do Opala, usava desde o fim da tarde daquele sábado. Ganhara o chapéu em Itaquaquecetuba, um cortejo de vogais e consoantes nas fímbrias da Grande São Paulo que hospedara o quinto comício do dia. Cinco horas e dois palanques depois, o presente do eleitor anônimo continuava no mesmo lugar. Por que será?, estranhei.

“Presente de eleitor é coisa séria”, surpreendeu-me o aparte mediúnico. Fiquei espantado ao ouvir a voz grave e o timbre de cantor de cabaré. Aos 60 anos, Ulysses cumpria o sétimo mandato na Câmara dos Deputados (seria reeleito outras quatro vezes) e fazia coisas de que até Deus duvida. Mas nunca imaginei que adivinhava até pensamento. “O problema do político é a mulher do político”, mudou de assunto enquanto abria os olhos profundamente azuis e ajeitava no banco o corpo magro e rijo.

“O sujeito entra em casa no escuro, tira o sapato para não fazer barulho, mas não adianta: acaba ouvindo uma mulher sonolenta querendo saber como foi o dia”, continuou Ulysses. “O sujeito conta que almoçou com fulano ou encontrou beltrano e lá vem algum comentário do tipo ‘sei, aquele que você disse que é cafajeste’, ‘sim, esse que vive dizendo que você não presta’. Elas têm uma memória tremenda. Vereador de distrito, presidente da República, nenhum político escapa da mulher quando volta para casa”.

Era difícil imaginar Mora Guimarães, tão risonha e de poucas palavras, protagonizando cobranças noturnas ─ ainda mais endereçadas a um homem como Ulysses. Embora assumidamente apaixonado pelo poder (“Não existe nada mais afrodisíaco”, repetia), ele jamais vendera a alma para consegui-lo. Fora sempre exemplarmente honrado. E continuaria a sê-lo até 12 de outubro de 1992, quando desapareceu no mar depois da queda do helicóptero em que viajava com Mora e os amigos Severo e Henriqueta Gomes.

Como os políticos da linhagem a que Ulysses pertenceu, também sumiram as mulheres dos políticos orientadas por valores éticos ou morais. No Brasil envilecido pela Era da Canalhice, que institucionalizou a corrupção impune, quem se casa com um pai da pátria desce do altar convencida de que só é pecado perder a eleição e o poder. O resto pode, até vender a mãe a preço de custo. Já na lua-de-mel vira comparsa do marido, e comparsas não fazem perguntas. Já sabem as respostas, até porque são parte dela. E aprendem a ocultar safadezas praticadas em parceria.

Que Bonnie e Clyde, que nada. Esses dois míticos vilões popularizados pelo cinema parecem delinquentes principiantes quando confrontados com João Santana e Mônica Moura, por exemplo. Ou com Eduardo Cunha e Cláudia Cruz. Ou com Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann. E sobretudo com Lula e Marisa Letícia. Antes do advento da República de Curitiba, todos desfrutavam do sono dos sem-culpa, de gente desprovida de remorsos e do sentimento da vergonha. Algum dia estarão tentando dormir na cadeia — em celas separadas.

O gringo era carioca

Está em votação no Congresso a medida provisória pela qual estrangeiros poderão ser donos e controladores de companhias aéreas brasileiras.

Mas já não pode?, perguntará o leitor acostumado, por exemplo, a voar pela Azul. O dono é o americano David Neeleman, que havia fundado três companhias aéreas nos EUA, uma das quais a revolucionária JetBlue. A brasileira Azul foi a sua quarta, criada em 2008.

Além do capital próprio que trouxe dos EUA, Neeleman recolheu investimentos de George Soros e de um fundo de São Francisco, aos quais se juntaram, minoritariamente, acionistas brasileiros.


Portanto, não havia dúvidas. Eram capitalistas estrangeiros desembarcando no Brasil para competir no mercado local, com uma empresa sob seu controle. E só agora, oito anos depois, estão discutindo a lei que permite isso?

Neeleman é, ou era na ocasião, um empresário essencialmente americano. Fez sua vida nos EUA, lá estudou e abriu seus negócios, ganhou dinheiro, nunca havia tido atividade empresarial no Brasil antes da Azul. Em 2008, a lei, que agora tentam mudar, dizia que estrangeiros poderiam ter até 20% de companhias aéreas brasileiras.

Portanto, a Azul não poderia ter nascido, não fosse um acaso familiar. Há 56 anos, os pais de Neeleman passaram uma temporada no Rio de Janeiro e aconteceu de David nascer aqui. O gringo é carioca! Como quem nasce no Brasil, não importa a nacionalidade dos pais, é brasileiro, o país, nas voltas da história, ganhou uma bela companhia aérea — que, além de tudo, voa com jatos da Embraer, não utilizados pelas grandes brasileiras.

Reparem: se a mãe de David tivesse escolhido dar à luz nos EUA, o Brasil teria perdido uma empresa que acrescentou capital, tecnologia, empregos diretos e indiretos e outras novidades ao mercado local. Uma pequena decisão pessoal — e tudo teria mudado no setor brasileiro de aviação.

Temos aqui duas demonstrações. A primeira mostra os melhores efeitos positivos do investimento estrangeiro. A segunda indica como é equivocada e atrasada essa legislação que limita a participação estrangeira — só agora sendo modificada. Diziam que se tratava de um caso de segurança nacional garantir a propriedade para brasileiros.

Pois alguém se sentiu ameaçado pela Azul? O funcionamento dessa companhia é o melhor argumento para que os deputados e senadores votem logo a lei que permite o controle do capital estrangeiro nas companhias aéreas.

Não recupera negócios perdidos — quantos Neelemans teriam desembarcado por aqui? — mas abre o mercado futuro. Já não é um bom momento da economia brasileira e do setor: a Gol está em dificuldades financeiras, e a Tam já é Latam, incorporada pela chilena Lan, numa operação que não foi venda legalmente, mas que é na prática.

É mais provável que estrangeiras entrem comprando participação nas nacionais, em vez de abrir novas empresas. Será útil de qualquer modo. Em vez de dívida, as companhias locais receberão capital.

Se o controle mudar, qual o problema? O que preferem: uma nacional quebrada ou uma multinacional funcionando?

Por outro lado, tem gente dizendo, inclusive no governo, que haverá maior competição e, pois, até uma possível queda no preço das passagens.

Não é por aí. As passagens são mais caras quando compradas aqui por causa do “custo Brasil” — que vai desde preço de combustível e infraestrutura precária até a carga tributária e os encargos trabalhistas.

Não é apenas a legislação sobre capital estrangeiro que bloqueia investimentos no país. Os legisladores poderiam aproveitar o momento para promover uma ampla abertura ao capital externo. É praticamente a única chance de revigorar os investimentos em infraestrutura, considerando que o setor público está quebrado e grandes empresas construtoras estão envolvidas na Lava-Jato.

E por falar em governo, é impressionante a boa vontade com Michel Temer nos meios econômicos. O presidente aprova aumentos para o funcionalismo, dá descontos para os estados, tudo aumentando as despesas de um governo já no vermelho, e o pessoal contemporiza: tudo bem, acerta lá na frente.

Dá uma ideia de como era detestado o governo Dilma.

Carlos Alberto Sardenberg