sábado, 25 de setembro de 2021

Pensamento do Dia

 

Alejandro Fajardo (Cuba)


Delírio tropical

A cada episódio do espetáculo de desmoralização da Presidência da República estrelado por Jair Bolsonaro há dois anos e oito meses, as pessoas se perguntam qual é a razão de o presidente insistir na marcha da própria insensatez.

Buscam-se variadas motivações: na vocação ao autoritarismo, numa presumida esperteza bem planejada, em algum déficit no recôndito do cérebro presidencial ou mesmo na sinalização para um golpe de Estado.

Isoladamente, nenhuma delas satisfaz por ausência de razoabilidade fática na execução dos propósitos quaisquer que sejam eles. O conjunto dessas características sem dúvida presentes nos atos e palavras do presidente, e que por isso justificam as suspeitas, dá notícia de uma personalidade dada a delírios.

O maior dos produtos da confusão mental de Bolsonaro é a ideia de que nessa toada chegará à reeleição. O que mais se ouve por aí no rol de tentativas de explicar a série de tiros no pé é que ele fala “para sua bolha”. Assim a maior parte das análises sobre o espantoso discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU qualificou a passagem do presidente por Nova York.


Não é novo o fato de presidentes brasileiros perderem a chance de falar ao mundo e preferirem se dirigir à província. José Sarney, Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff já fizeram isso, mas nenhum deles atraiu críticas nem obteve o destaque internacional alcançado pelo atual presidente, até porque o simples envio de “recados” internos não interessam ao mundo.

Portanto, parece apressado e um tanto equivocado resumir a atuação desastrosa à intenção de fidelizar uma base eleitoral de convertidos, que, inclusive, diminui de tamanho a cada contagem dessa adesão nas pesquisas. Jair Bolsonaro teve o apoio de 55% do eleitorado em 2018. Hoje é aprovado por 22% dos consultados na última apuração do instituto Datafolha, cuja mostra revelou que apenas 11% estão com ele para o que der e vier.

O que, então, poderia pensar o presidente em ganhar com a desastrosa passagem por NYC? E aqui a referência não é apenas ao discurso eivado de mentiras do começo ao fim, todas desmentidas interna e externamente, de A a Z, ponto a ponto. O desastre materializou-se na exibição do manual de estilo ao qual os ministros da Saúde e das Relações Exteriores acrescentaram alguns tópicos com suas chocantes linguagens de sinais.

Voltando ao ponto sobre o que pensa o presidente em ganhar com isso, chego à conclusão: ele não pensa. Tem vocação autoritária, sonha com golpes, é refém de uma expressiva confusão mental, mas não tem estratégia oculta nem é um esperto por natureza.

Bolsonaro simplesmente é assim, um homem inculto, grosseiro, deslumbrado e ao mesmo tempo assustado por ter sido guindado de repente da insignificância à total importância. Não sabe ser diferente e por isso se refugia em delírios, naquilo que se convencionou chamar de realidade paralela bolsonarista, um universo onde a lógica não tem vez.

Os habitantes desse planeta fora do mapa compartilham a euforia à deriva pela atenção recém-adquirida. Sentem-se finalmente relevantes, donos de voz ativa, credores do líder que os levou a essa condição. Decepcionam-se às vezes, mas se recuperam rápido criando razões para renovar a fidelidade, ainda que elas pouco ou nada tenham a ver com os fatos.

Os acontecimentos decorrentes das manifestações do 7 de Setembro foram particularmente expressivos nesse aspecto. Logo após o presidente ter inventado no palanque de Brasília que no dia seguinte haveria uma reunião do Conselho da República, vários deles divulgaram vídeos em que apareciam felizes e aos prantos pela “decretação do estado de sítio”. Também comemoraram a “fuga” do ministro Alexandre de Moraes “para Taiwan”, onde estaria exilado e tão “humilhado” quanto seus pares do Supremo Tribunal Federal.

E a carta do dito pelo não dito escrita por Michel Temer? Um hábil recuo estratégico para obter do STF a garantia de que não haveria punições nem investigações envolvendo o presidente e seus apoiadores. E a fraude eleitoral, e o chip da vacina, e os vacinados transformados em jacarés, e a cura pela cloroquina, e os milhões que foram às ruas na “maior manifestação de toda a história”, e a ameaça comunista?

Tudo isso, e mais um pouco que a memória deixou de fora, pode servir para movimentar os delirantes, mas não é suficiente para ganhar uma eleição.

Nojo do Brasil de Bolsonaro

Há tempos, desde que a vacinação contra a Covid dividiu o mundo —de um lado, governantes dispostos a proteger sua população; do outro, Jair Bolsonaro decidido a matar o maior número possível de pessoas—, comecei a me perguntar como seria quando Bolsonaro tivesse de fazer uma viagem internacional. Como os serviços diplomáticos relatam a seus superiores o que acontece nos países em que estão baseados, não era segredo para nenhum chefe de Estado que Bolsonaro não apenas se recusava a se vacinar como fazia tudo para o vírus grassar no Brasil.


Fiquei a imaginar potentados como a alemã Angela Merkel, o chinês Xi Jinping e o próprio russo Vladimir Putin, para não falar do papa Francisco, sendo obrigados a receber Bolsonaro. O protocolo da OMS já tornara obrigatório o uso de máscara e o roçar de cotovelos no lugar do aperto de mãos, e, diante da notória recusa de Bolsonaro a respeitar essas orientações, não seria surpresa se aqueles líderes sentissem nojo dele.

O ser humano tem uma tendência irreprimível a demonstrar repulsa ou medo na presença de alguém suspeito de uma doença contagiosa, e não há etiqueta diplomática que atenue isso. A prova de que o nojo a Bolsonaro é um fato está em que o único governante digno de nota com quem ele conseguiu falar em sua ida à Assembleia-Geral da ONU foi o britânico Boris Johnson, hoje um líder quase de segunda divisão.

E, para azar de Johnson, o homem cuja mão ele apertou trazia um infectado em sua comitiva.

Ao saber disso, todos os diplomatas e funcionários que estiveram a um metro de qualquer brasileiro no evento da ONU foram se submeter a exame. O Brasil passou a provocar asco planetário.

Para eles, esse Brasil somos nós. Não sabem que, aqui, estamos tentando fazer a nossa parte, nos vacinando em massa —e que também nos enojamos com esse Brasil que arrota pizza e arrogância e mostra seu sórdido dedo para o mundo.

Prima-dona do cabaré

O bolsonarismo é incompetente e indecoroso até para mentir, e a mulher do sociopata, deslumbrada com as benesses do poder, é uma legítima representante dessa gente, contra a qual o impeachment é a única vacina

Bolsonaro, criminoso confesso, deixa o brasileiro ao Deus-dará

Se a Coronavac não tem eficiência comprovada conforme o presidente Jair Bolsonaro disse três vezes só nesta semana, e outras tantas desde o final do ano passado, como o Ministério da Saúde do já distribuiu até agora 101 milhões de doses?

Isso não configura crime – dele por desacreditar a vacina, e do Ministério da Saúde por distribuí-la? Não é o caso de repetir o que o planeta Terra sabe: Bolsonaro é um mentiroso compulsivo, mas de ele ser punido pelas mortes dos que acreditam em sua palavra.

Há comprovação científica de que a vacina funciona – entre elas, a imunização com sucesso de mais de um bilhão de pessoas na China, o país mais populoso do mundo, e de milhões no Chile e em outros lugares. Ou então aqui mesmo no Brasil.

Logo, quando Bolsonaro sabota a Coronavac, porque foi João Doria (PSDB), governador de São Paulo, que a adotou e o Instituto Butantan que a produz, está longe de tratar-se de mera questão de opinião como ele dirá um dia se for processado por isso.

Bolsonaro sempre disse que não haveria o que fazer no combate à pandemia, que o brasileiro é tão resistente que é capaz de meter-se num buraco lamacento e sair de lá com saúde, e que morreriam afinal os que tivessem de morrer. “Não sou coveiro”, lembra?

Patrocinou o tratamento precoce, à base de cloroquina e outras drogas ineficazes, sabendo que era uma fraude. Se não sabia à época, sabe agora. E se sabe, por que insiste em defendê-lo como fez em Nova Iorque na abertura da Assembleia Geral da ONU?

Em sua live semanal na última quinta-feira, ele afirmou que não erra e que nunca errou. Se admitisse erros, abriria brecha para que lhe perguntassem que erros foram, e se o tratamento precoce e o atraso na compra de vacinas não foram alguns deles.

É um criminoso confesso, que no exercício do cargo não pode ser processado, mas que poderia ser impedido de continuar desgovernando o país. Isso não acontecerá porque falte povo na rua a gritar “fora, Bolsonaro” – povo há de sobra, e haverá mais.

Falta na Câmara dos Deputados, comprada por meio de emendas ao Orçamento, cargos no governo e outros expedientes sujos, uma maioria que de fato represente o povo.