quarta-feira, 19 de julho de 2017

Lula, caudilho pendular

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Caudilhos são dados a movimentos pendulares. Deslocam-se à direita ou à esquerda. Menos por ideologia, mais por conveniências. Perón foi mestre nessa arte. Apoiou-se nos Montoneiros e outros agrupamentos da esquerda peronista para voltar ao poder. Mas quando o conseguiu governou mesmo foi com Lopes Regla, El Brujo, um dos oráculos da AAA - Associação Argentina Anticomunista.

Getúlio Vargas também sabia se movimentar ora para um lado ora para outro. O Vargas que namorou o fascismo de Mussolini, entregou Olga Benário aos nazistas e botou comunistas na cadeia, fez um giro de 180 graus quando os ventos sopraram noutra direção. Bandeou-se para o lado dos países aliados, na Segunda Guerra, e postou-se ao lado do seu arqui-inimigo Luiz Carlos Prestes.

O próprio Prestes, um caudilho com ideologia, também fazia suas guinadas. Em nome da “união nacional” e do queremismo getulista, mandou os operários apertarem os cintos -- fazer greve, naquele momento, era impatriótico. Dois anos depois levou o PCB a enveredar pelos caminhos do esquerdismo após a cassação do registro do seu partido.

Seria injustiça histórica com Perón, Getúlio e Prestes colocar Lula no mesmo patamar. Até porque os motivos que levam o pêndulo de Lula a se movimentar mais uma vez, agora à “esquerda”, são de natureza diferente.
Nenhum dos três caudilhos foi condenado pela Justiça por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Em comum, apenas o fato de Lula repetir agora a rotação que vem exercitando desde a fundação do Partido dos Trabalhadores.

Na puberdade petista, Lula disputou e perdeu três eleições com uma frente de esquerda e com um programa radical. Viu que por aí jamais se elegeria presidente. Tendo José Dirceu como estrategista, ampliou seu arco de alianças na direção do empresariado e de políticos tradicionais.

As alas mais esquerdistas do PT torceram o nariz, mas engoliram os novos parceiros, na crença de que o “Lulinha, paz e amor” era apenas um movimento tático a ser deixado de lado com a posse do morubixaba petista.

Ledo engano, o pêndulo de caudilho inflexionou mais à direita, rendendo-se a uma política econômica ortodoxa. Apropriadamente, o economista Samuel Pessoa caracteriza o período 2003-2006 como “Malocci”, para definir uma linha de continuidade entre a política de Pedro Malan e a de Antônio Palocci. E de fato foi assim. Como disse o economista, “o governo Lula, nos bons momentos, não se distinguiu do de FHC”.

O movimento pendular iria na direção contrária, por razão de sobrevivência, com o estouro do escândalo do mensalão. De olho na reeleição, abandonou paulatinamente os bons fundamentos econômicos, a quem tinha aderido por questão de conveniência.

A “inflexão à esquerda” na economia não teve correspondência na política. Ao contrário, o modelo de compra de deputados via mensalão foi substituído por um tipo de presidencialismo de coalizão calcado no patrimonialismo e fisiologismo, métodos secularmente utilizados pelas oligarquias brasileiras.

O pêndulo Lula era isso: “populista na economia, “direitista” na política”.

A mais recente inflexão era previsível desde o impeachment de Dilma Rousseff. Deslocado do poder em decorrência de ter patrocinado a maior crise econômica-social e o maior escândalo da História do país, o lulismo volta no tempo para resgatar a política de classe contra classe e de frente de esquerda. É com ela que pretende se reencontrar com suas “bases populares”.

A bola já tinha sido cantada na carta de 44 páginas que José Dirceu, ainda preso, escreveu no início de maio: “Nada será como antes e não voltaremos a repetir os erros. Seguramente, voltaremos com um giro à esquerda para fazer as reformas que não fizemos na renda, riqueza, poder, a tributária, a bancária, a urbana e a política. Não se iludam vocês e os nossos. Não há caminho de volta. Quem rompeu o pacto que assuma as consequências”.

Indiretamente, o petismo confessa que tinha um pacto com as elites e, ingenuamente, atribui à traição das mesmas elites como causa de sua hecatombe. A narrativa do golpe e da condenação política de Lula serve para justificar a recaída jacobina do PT, prestando-se ainda para coesionar as fileiras internas. Face à “ameaça externa”, a autocrítica não pode ser feita para não se fazer o jogo do inimigo, segundo Gleise Hoffman.

Isto explica porque, apesar de toda a lambança que patrocinou, o Partido dos Trabalhadores vive momento de grande coesão interna. A inflexão à esquerda já era o clamor de muitas de suas bases, particularmente dos chamados movimentos sociais. O pêndulo de agora atende a esse pleito.

Há uma razão maior. O lulismo sem Lula não tem futuro. Sem ele, o PT tende a ser uma força residual. Para a sobrevivência de todos, é necessário manter o mito, martirizá-lo, para que, na pior das hipóteses, os petistas, tais quais os seguidores de Antônio Conselheiro, percorram os grotões do sertão preconizando a volta de Dom Sebastião.

Falsa reforma

No momento em que o mundo político se encontra na berlinda, acossado por denúncias de corrupção, seria razoável esperar que os políticos se empenhassem mais do que nunca para demonstrar à opinião pública que ainda têm algum compromisso com o País, e não somente com seus próprios interesses. Contudo, quando se observa o que está sendo feito com a urgente e imprescindível reforma política, constata-se, infelizmente, que há parlamentares realmente indiferentes ao destino do País, preocupados que estão somente em legislar em proveito próprio ou de poderosos padrinhos.

Em um caso cuja desfaçatez dificilmente será superada, o deputado petista Vicente Cândido, relator da reforma política na Câmara, incluiu sorrateiramente em seu texto uma alteração no Código Eleitoral que, se aprovada, impedirá a prisão de candidatos até oito meses antes da eleição. O dispositivo que o parlamentar pretende modificar é o parágrafo 1.º do artigo 236, segundo o qual nenhum candidato poderá ser preso desde 15 dias antes da eleição até 48 horas depois do pleito, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável. Trata-se de uma forma de evitar que candidatos sejam alijados da disputa às vésperas da votação em razão da decretação indevida de prisão provisória, baseada em falsa acusação.

Charge do dia 19/07/2017

Com indecorosa naturalidade, o petista Vicente Cândido pretende transformar essa garantia legal em um instrumento para livrar da cadeia o chefão de seu partido, o sr. Lula da Silva, já condenado em primeira instância por corrupção e lavagem de dinheiro.

O deputado Vicente Cândido jura que sua proposta não se presta a salvar Lula. Segundo o petista, trata-se de uma reação à “judicialização da política”. Ou seja, o parlamentar pretende transformar o necessário debate sobre os exageros de alguns promotores e juízes contra políticos em argumento maroto para justificar a concessão de vergonhoso salvo-conduto para Lula. Felizmente, a artimanha foi fortemente rechaçada por vários parlamentares. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a proposta “não foi negociada com ninguém” e que não deve prosperar.

Mas a “emenda Lula” não é a única aberração ora em discussão dentro da reforma política. O relatório do deputado Vicente Cândido prevê também a criação de um “Fundo Especial de Financiamento da Democracia”, que destina 0,5% da receita líquida do governo federal para bancar os partidos em tempos de eleição. Isso dá algo em torno de R$ 5,9 bilhões, mas essa espantosa cifra não é o principal problema da proposta, e sim o fato de que ela obriga o contribuinte a financiar entidades privadas que deveriam ser sustentadas por seus simpatizantes, militantes e eleitores.

Além disso, o relator da reforma propôs o sistema de voto em lista pré-ordenada de candidatos – mecanismo que favorece os caciques partidários, interessadíssimos em manter o foro privilegiado em razão das agruras causadas pela Lava Jato. Mas seus colegas parlamentares defendem algo ainda pior: o “distritão”. Trata-se de um modelo em que são eleitos para o Legislativo apenas os candidatos mais bem votados em cada Estado. Não por acaso, esse modelo é apelidado de “sistema Tiririca”, pois favorece os candidatos célebres não em razão de suas propostas, mas por sua visibilidade como figuras do mundo do entretenimento. O “distritão” tende a beneficiar igualmente vários dos atuais parlamentares, que já são conhecidos dos eleitores e, por isso, monopolizam os recursos de seus partidos.

Está claro que, embora se dê a isso o nome de “reforma”, o que se tem é uma série de gambiarras cujo objetivo é garantir que tudo fique como está. Se quisessem de fato melhorar alguma coisa, os parlamentares poderiam se empenhar um pouco mais em aprovar o fim das coligações para as eleições proporcionais – artifício que deforma completamente a representatividade do voto e permite toda sorte de mutretas entre partidos – e em impor uma cláusula de barreira para liquidar os partidos de aluguel. Não se deve esperar, é claro, que os políticos façam essas mudanças por convicção. Que seja, então, por pudor.

Pela 'adesão premiada' à democarcia

Os objetivos e os métodos, o alcance e a extensão dos “malfeitos” de Lula e de Temer nunca foram iguais mas é impossivel reduzir essas diferenças a tipificações jurídicas. E como com a “privilegiatura” vigente é preciso forçar ou até violar a lei para colocá-la a serviço do fim da impunidade, fica fácil para os interessados em confundir tornar “idênticos” os personagens e pleitear o desmonte dos processos de que são réus. Mas o que, na verdade, inspira todo o debate que se trava em torno deles não é o que ficou no passado mas o que cada um propõe para o futuro. Aí sim, as diferenças são claríssimas.

Discutir o caso como se vivêssemos na Inglaterra além de temerário é ridículo. O que está em jogo não são questões abstratas de coerência interna de pedaços de pensamento como querem fazer crer os argumentos isolados do contexto que se ouve nos tribunais, nos plenários e na imprensa. Aqui, em pleno 3º Milênio, nem a natureza do regime é uma questão pacificada. O que está em causa é se teremos democracia só, com três poderes independentes uns fiscalizando e contrabalançando os outros e o início da caminhada na direção da igualdade de direitos e deveres, ou se vamos para o “excesso de democracia” sustentado pela violência que nos tem sido apontado como o exemplo a ser seguido das cubas e Venezuelas que restam.

O fim desse calvário está em oficializarmos essa verdade simples. Cada brasileiro dentro e fora do universo estatal, seja ele politico, jurista ou simples mortal, tem o direito de desejar o regime que quiser. Mas deve vender seu peixe abertamente e não persegui-lo nas sombras com esse tiroteio de dossies, tortuosidades jurídicas e gambiarras regimentais que, nos tribunais ou no legislativo, os rotos e os rasgados disparam uns nos outros não para desmanchar a “privilegiatura” mas para disputar o comando dela.

A Lava Jato furou o abscesso e marcou uma virada histórica mas não é uma solução em si mesmo. A repetição do padrão de distorção em todos os casos examinados, seja qual for a filiação partidária e a ideologia alegada em tres anos e meio de investigações mostra que o problema é do sistema e não apenas das pessoas. Mas a ferramenta judiciária foi desenhada para operar exclusivamente no universo do particular. Ela serve para ajudar a varrer o velho mas não serve para popor nem para instalar o novo. Faze-la substituir-se ao debate político e programático necessários torna-a suscetivel de ser instrumentalizada para a disputa de poder como ja vinha acontecendo e ultrapassou todos os limites depois da usurpação da marca de Curitiba por Brasilia.

O outro lado da realidade que é preciso urgentemente reconhecer é que, dado o esgotamento da economia pelo estado de obesidade mórbida alcançado pela “privilegiatura” e a espiral em que entramos de mortandade de empregos e negócios privados implicando a queda de arrecadação e esta realimentando a mortandade, não fazer nada é a outra maneira subreptícia de chegar a uma ditadura imposta pela violência como resultado do caos que já anda a trote pelas ruas do país.

Não vamos consertar nossa política doente nem que sejam presos todos os que trilharam os caminhos a que o sistema obriga se eles continuarem sendo os únicos disponíveis. É impossível conseguir consistência programática e governabilidade com 50 “partidos políticos” ganhando mensalões legalizados do estado, ou controlar a corrupção a que o custo de eleições num modelo insano obriga sem mudar o sistema eleitoral. Nunca será justo nem razoável um Judiciário com instâncias sem fim terminando num STF pautado por uma constituição de 330 artigos e emendas que regula do sexo dos anjos ao salário das empregadas domésticas. Jamais deteremos a metástese do estado, a colonização do serviço público e a multiplicação dos privilégios enquanto houver um setor de emprego no território nacional que legalmente dispensa a entrega de resultados e arma uma casta do poder de apropriar-se do suor alheio em benefício próprio.

Nossos sistemas partidário e eleitoral são, porém, tão fechados que impedem a “solução francesa” de rápida renovação a partir de fora à la Emannuel Macron. Não ha meio de introduzir ar fresco no nosso ambiente político blindado nem rasgando o calendário eleitoral. A solução terá de sair dos políticos e instituições que temos. É preciso, portanto, não só impedir que destruam-se mutuamente como, principalmente, criar caminhos dentro delas por onde a virtude, e não apenas o vício, possa transitar.

Um programa nacional de “adesão premiada” à democracia poderia produzir o milagre. Nada de muito complicado. Instituir a igualdade perante a lei com uma reforma da constituição que se comprometesse a excluir dela tudo que não vale para todo mundo, começando pelos privilégios do funcionalismo ativo ou aposentado, seria um ato de incendiária popularidade que daria à mudança o impulso que ela requer. A simples adoção desse compromisso traria a valor presente uma boa parte do benefício e faria a economia voltar a bombar desde o primeiro minuto mesmo que os prazos do acerto final fossem extensos. Desentortar o resto do sistema de representação extinguindo o financiamento tambem de partidos políticos, movimentos sociais, ONGs e quejandos pelo governo desinfetaria o ambiente e abriria as portas do Brasil a uma verdadeira democracia representativa, único antídoto eficiente jamais inventado contra a corrupção. Eleições distritais com retomada de mandatos por iniciativa popular (“recall”) acabariam com o custo absurdo das proporcionais e toda a corrupção relacionada. O direito de referendo das leis dos legislativos municipais e estaduais daria aos usuários a ultima palavra sobre a qualidade das leis de que necessitam para viver e trabalhar em paz.

Temer está provando que não bastam meias reformas na direção certa. É preciso propor a coisa inteira e oferece-la como o programa revolucionário de reconstrução nacional que a profundidade da crise requer. Quem primeiro o fizer será, para sempre, o primeiro herói brasileiro.

Gente fora do mapa

Da série:"A vida como não deveria ser" Fotografia da reportagem do Okatu Exeption  www.mesquita.blog.br www.facebook.com/ mesquitafanpage

Quem vai pagar a conta das eleições se ninguém quer pagar por elas?

Segundo pesquisa do DataPoder360, 78% dos eleitores consultados não querem financiamento público de campanha política e 75% não querem fazer doações. A pesquisa, feita em 203 municípios entre os dias 9 e 10 de julho, revela, ainda que de forma parcial, um sentimento bastante forte na população hoje. Com uma grave crise fiscal e um serviço público de péssima qualidade, o contribuinte-eleitor não quer mais financiar campanhas com dinheiro público.

O desinteresse e a desconfiança do eleitor em relação à política e aos políticos fazem com que a cultura de doações espontâneas seja rejeitada. O resultado nos leva a uma reflexão: quem pagará, então, a conta das campanhas eleitorais? A resposta é complexa, mas o principal pagador será, sem dúvida, o contribuinte. Pelo simples fato de que, já na campanha municipal de 2016, os grandes financiadores foram os partidos, por meio de seus milionários fundos partidários, formados por verbas públicas.

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Essa realidade vai continuar. De um lado, o retorno do financiamento privado de campanha parece improvável e moralmente rejeitável. Não queremos mais superdoadores como a Odebrecht e a JBS. O resultado foi trágico para a democracia. Também não queremos que as campanhas sejam financiadas por megafundos partidários que fariam os políticos virarem as costas para o eleitor e transformarem a campanha em uma “corrida do bilhão” com dinheiro público.

O país não está preparado para financiar campanhas, visto que não temos mecanismos para fiscalizá-las. As barbaridades cometidas na última campanha da ex-presidente Dilma Rousseff revelam a inexistência de controles adequados nesse campo. A situação que se apresenta é, portanto, paradoxal. Como resolvê-la se não há mais tempo para mudar as regras às vésperas de ano eleitoral? O prazo se encerra em menos de dois meses.

Devemos manter o uso de fundos partidários, desde que não sejam inflados para as campanhas de 2018. Os partidos devem ser, em momento de crise fiscal, os primeiros a dar o exemplo. Devem dedicar seus esforços para captar recursos do eleitor por meio de campanhas que os transformem em organismos vivos. O eleitor deve ser estimulado a participar, debater e propor. Os partidos devem ser os caminhos para essa participação.

Evidentemente, e considerando a qualidade dos partidos e dos políticos e o desinteresse do eleitor, nada de relevante deve acontecer sem a participação da sociedade civil organizada. Assim, o caminho será por aí, tendo em vista impedir que haja abuso de poder econômico entre os partidos por meio de fundos partidários inflados.

Uma campanha paupérrima interessa mais à cidadania do que uma campanha bilionária controlada por partidos sem a devida fiscalização das autoridades. Um fundo partidário multibilionário servirá para encastelar, ainda mais, a política atual e impedir a mais do que necessária renovação da política.

Desde já, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Polícia Federal deveriam criar um grupo de trabalho com a finalidade de evitar os desvios ocorridos em 2014. Medidas destinadas a inflar o Fundo Partidário devem ser barradas, e o STF, ficar atento. Mas, sobretudo, quem deve monitorar cada vez mais a política bem de perto é a sociedade civil, cuja falta de engajamento tem custado muito à cidadania. No final das contas, quem paga a conta é ela, em todos os sentidos – ético, econômico, social.

Traíra, delator e corrupto

O excelentíssimo senhor deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) acaba de inventar uma nova modalidade no Direito Penal de todos os tempos, desde o Código de Hamurábi, e em todos os lugares: um tipo de crime que compensa. Com seu estilo moderado de finório, o “nobre” (argh!) parlamentar propõe a “emenda Lula” para livrar seu amado chefinho, Luiz Inácio Lula da Silva, das agruras do cumprimento das penas às quais acaba de ser condenado pelo juiz federal Sergio Moro, da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba (PR).

No sábado passado, a Coluna do Estadão, editada por Marcelo de Moraes e Andreza Matais, da Sucursal do Estado em Brasília, contou que, “sem alarde, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) incluiu no seu relatório na Comissão de Reforma Política artigo que, se aprovado, vai impedir a partir da eleição de 2018 a prisão de candidatos até oito meses antes da eleição”, em benefício de Lula. Dá pra acreditar? Claro que dá. A notícia, destacada em manchete na primeira página do jornal, revelou que, sem defesa aceitável para enfrentar as provas enfileiradas contra ele, o condenado só encontra salvação em mudanças nas leis. E tais penas ainda poderão ser ampliadas em mais quatro processos penais, restando-lhe, assim, contar com sua bancada pessoal no Congresso para enganar os trouxas e mudar os cânones eleitorais existentes, nem que para isso tenha de pisar no Código Penal vigente. Não é mesmo de cabo de esquadra?

Essa reforma, conforme a coluna alertou, altera o artigo 236 do Código Eleitoral, que proíbe a prisão de candidatos a cargos eletivos 15 dias antes do pleito. É jocosa e justissimamente chamada de “emenda Lula”. Por um motivo simples: o pretenso candidato à sucessão presidencial foi condenado pelo juiz Sergio Moro a 9 anos e 6 meses de cadeia. Se o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), de Porto Alegre (RS), mantiver a sentença, ele poderia beneficiar-se da nova regra eleitoral. Como, de resto, qualquer criminoso comum que conseguir uma legenda para se candidatar a qualquer posto por qualquer partido. E, se um poderoso traficante resolver comprar uma legenda para candidatar-se?

Vicente Cândido admitiu aos colunistas que a nova regra beneficiaria Lula e foi pensada para “blindar” não só ele, mas políticos investigados: “Lula também, como qualquer outro. É nossa arma contra esse período de judicialização da política”, pontificou. O líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados, Carlos Zarattini (SP), também apelou para essa “cândida” informação: a emenda beneficia o chefinho, mas não só ele.

Em matéria de safadeza, esta foi a maior de que já tomei conhecimento na vida. Lido com política desde a infância, pois meu pai foi candidato a vice-prefeito de Uiraúna (PB), berço de Luiza Erundina (PSOL-SP), quando eu tinha a idade que hoje tem meu neto mais velho: 14 anos. Ou seja, já lá se vão 52 anos. É mesmo difícil de acreditar, mas aqueles que se dizem nossos representantes perderam o juízo e o pudor de vez. Resta ver se os parlamentares dos outros partidos acompanharão o relator cínico nessa jornada em direção à total falta de vergonha. O Estado, que deu o furo, e os outros jornais já registraram a reação de vários parlamentares em completo desacordo. É o mínimo que deles se espera. Mas sabe-se lá o que ainda pode vir de notícia ruim do Congresso. Em meio século de jornalismo, o autor destas linhas já deveria ter-se habituado à malandragem que comanda os atos dos políticos. Mas parece que a capacidade deles de assustar é mais ampla do que o limite do espanto do cidadão mais experimentado em convívio com truques do gênero.

O relator da reforma política, que já andou propondo outros crimes contra a democracia, tais como a lista fechada e o Fundo Partidário bilionário para sustentar campanhas eleitorais que têm patrocinado a ampla farra da corrupção, trai até o sentido etimológico da palavra que define quem disputa um cargo político. Candidato vem de candidus – forma nominativa do termo que os romanos usavam para definir alvo e, por conseguinte, limpo, cândido. Opa, espera ainda, olha aí: o sobrenome do autor da proposta infame. Nunca ninguém foi tão pouco cândido quanto Vicente Cândido. O Dicionário Houaiss lembra que este proparoxítono, usado até como marca comercial de água sanitária, permite a sinonímia de ingênuo e tolo e a antinomia de devasso. Em inglês, a palavra candid, com a mesma raiz latina da nossa e da francesa candide, que dá nome ao personagem da sátira de Voltaire, é usada comumente no sentido de franco.

Talvez seja o caso de designar pelo antônimo o beneficiário da emenda criminosa de Cândido: seu amado chefinho Lula. É possível começar pelo pretexto usado pelo relator, que de ingênuo nada tem, para justificar seu criminoso intento: pôr fim à judicialização da política. A verdadeira intenção é a de permitir que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continue usando a única arma que lhe resta para escapar: refugiar-se na política para fugir da Justiça e, em consequência, da prisão. Ou seja, algo que pode ser definido como “politização da Justiça”.

O que o Cândido sem candura alguma propõe, além do mais, é manter intacto o mito do herói popular, que renega os fatos da biografia real. O dirigente sindical que vendia greves, denunciado por Emílio Odebrecht em delação premiada da qual o empreiteiro só se beneficiará se acompanhar a informação de provas, é venerado pelos acólitos Cândido e Zarattini como o redentor da proletariado espoliado. O dignitário da esquerda, que contestava ao mesmo tempo a herança de Vargas e a ignomínia da ditadura militar, era, na verdade, informante da polícia, que, segundo Romeu Tuma Jr., em Assassinato de Reputações – um Crime de Estado (Editora Topbooks, Rio de Janeiro, 2013), trabalhou, com o codinome Barba para o pai do autor, delegado Romeu Tuma, à época das greves dos metalúrgicos, pelas quais se notabilizou, quando o policial dirigia o Dops (polícia política) do Estado de São Paulo. Disso não há provas, diria a presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), senadora Gleisi Hoffmann (PR), que acusou o juiz, que também proibiu seu líder máximo de ocupar cargos públicos por sete anos, de tê-lo feito para atender ao clamor popular. Ao fazê-lo, a parlamentar que comandou o ominoso assalto à Mesa do Senado, transformada em laje de churrascada, na votação da reforma trabalhista (aprovada por 50 votos a 26, um “capote”), reconheceu a verdadeira natureza da tragédia que se abate sobre o chefão e seus chefiados: o clamor popular contra.

O prestígio do dedo-duro que se fingia de líder grevista e do informante que fazia o jogo duplo como combatente é mantido intacto para os 30% de seus seguidores que as pesquisas identificam. Apesar de Odebrecht e Tuminha nunca terem sido sequer contestados, quanto mais processados… O número é insuficiente para elegê-lo numa disputa majoritária de dois turnos. Devotos como Frei Betto ainda alimentam a ilusão de que a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pode aumentar sua aura de protetor dos oprimidos. Mas os altíssimos índices de rejeição, que variam, de acordo com o instituto, de 45% a 60%, foram confirmados tanto na derrota acachapante nas eleições municipais no ano passado quanto nos vexames passados no Congresso, nos fiascos do impeachment de Dilma e dos projetos apoiados por Eduardo Cunha e, também, por Temer, depois dos quais não restam à esquerda nem sobejos.

A pecha histórica de traíra e delator e a sentença de corrupto têm esvaziado as manifestações de solidariedade ao condenado. Cada vez menos gente cai no papo furado do descarado herói desmascarado. Mas seus aliados, na certa por saberem que não têm chance de sobreviver no bem-bom da política senão à sua sombra, continuam blefando para manter seu ídolo de barro intacto. A perspectiva de um malogro eleitoral em outubro de 2018, contudo, não os favorece, seja por ameaçar o foro privilegiado de que ainda gozam, seja por manter os menos convictos infensos às lorotas que podem comprometer as próprias campanhas.

Podem as urnas absolver Lula?

Em suas primeiras palavras, depois de sua condenação a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-presidente Lula lançou um desafio que merece ser analisado pela sutileza e a gravidade que encerra. Lula, que continua se considerando inocente e perseguido político, e nega todas as provas apresentadas conta ele pelo juiz Moro, afirmou, depois de conhecer a sentença: “Só o povo brasileiro tem poder de decretar meu fim”. Ao mesmo tempo, anunciou que, por isso, apesar de todas as condenações judiciais, será candidato às presidenciais em 2018. A afirmação de Lula apresenta um problema real e, ao mesmo tempo, perigoso: podem as urnas, ao eleger um condenado por corrupção, absolvê-lo de seus crimes? Quem teria mais força, uma sentença judicial ou uma decisão eleitoral?

O carismático e popular Lula conhece como poucos a idiossincrasia das massas e não lhe falta capacidade de convicção. Entende perfeitamente os mecanismos da comunicação e sabe como reverter as coisas, conforme vê por onde sopram os ventos da opinião pública. Sobra-lhe sagacidade política. Desse modo, Lula encontrou uma fórmula mágica para esvaziar a sentença do tribunal de justiça que o condenou por corrupção, e lança o maior dos desafios: quem pode e deve condená-lo não são os juízes, mas a rua, os eleitores, com seu voto nas urnas.

A estratégia de Lula de exigir o veredito dos eleitores, que, em seu caso, poderia acabar salvando-o da prisão, encerra, porém, uma perigosa falácia. Significaria dar maior peso à opinião pública que aos tribunais de Justiça. Se for certo, segundo Lula, que somente o povo tem o direito de absolver ou condenar um político contra uma sentença judicial, estaria sendo dado às eleições um poder de decisão que a Constituição não lhes outorga. Se isso for certo, e prescindindo do caso particular do mítico Lula, todos os políticos brasileiros (presidentes, senadores, deputados, governadores ou prefeitos eleitos) estariam impossibilitados de ser julgados e condenados pelos tribunais. Seriam inocentes pelo fato de terem sido eleitos, ou seja, “absolvidos” nas urnas. Se for certo que a inocência ou culpabilidade dependem do veredito eleitoral, existe o perigo de que nas próximas eleições de 2018 muitos dos políticos hoje denunciados, réus, até os já condenados pela Justiça, possam considerar-se absolvidos se conseguirem ser reeleitos. Daí as manobras que estão sendo detectadas no Congresso para que todos os envolvidos em histórias de corrupção consigam a reeleição.

É um jogo perigoso, já que o que se conhece pela experiência de corrupção política que o Brasil sofre é que a maioria dos hoje denunciados ou condenados foram os que o maior número de votos conseguiu nas urnas. Não costumam ser os maiores corruptos os que, aos disporem de maiores meios financeiros, apresentam maiores possibilidades de serem reeleitos? Será esse o novo desafio para o eleitor brasileiro em 2018: estar alerta para não “absolver” nas urnas, como no passado, aqueles que são notoriamente corruptos ou corruptores.

Deixemos, pois, que cada instituição cumpra seu papel. Os tribunais de Justiça que julguem a culpabilidade ou inocência dos políticos e que os eleitores se esforcem em votar em quem considerem mais digno e mais bem preparado para presidir os destinos do país. Como reza o dito do evangelho: “A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Jesus provocou também os seus com o enigmático conselho: “Deixem que os mortos enterrem seus mortos”( Mateus 8:21). Os brasileiros têm a ocasião, nas eleições do próximo ano, de impedir que os políticos moralmente mortos possam ressuscitar nas urnas.

Paisagem brasileira


Capela do Senhor dos Passos, século XVIII , Belém (PA)  

Por que não sabemos quantos presos há no Brasil?

O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo - e, atualmente, essa é um dos poucos dados conhecidos sobre o sistema penitenciário brasileiro, segundo especialistas. Isso porque, desde 2014, o Ministério da Justiça não divulga informações sobre a população dos presídios no país.

O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, o Infopen, que trazia dados quantitativos (e alguns qualitativos) sobre o sistema foi criado em 2004 e era divulgado semestralmente. No entanto, desde dezembro de 2014, não houve qualquer atualização de dados.

A falta de informações vem à tona em situações como a violenta rebelião no presídio de Alcaçuz (região metropolitana de Natal). Mesmo seis meses após o massacre, o número de mortos ainda é incerto, porque as contas não fecham. O número oficial é de 26 vítimas, mas há 11 presos, segundo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que estavam no presídio, mas não constam nem na lista de fugitivos, nem na de mortos e nem na de transferidos para outras penitenciárias.

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"No Rio Grande do Norte foi um diz-que-diz sobre quantidade de pessoas que morreram. Até hoje, a gente não sabe nem isso. Me lembrou uma coisa grave da época do massacre do Carandiru, que se fala em 111 pessoas mortas, mas pessoas que costumavam frequentar o presídio com regularidade falam que tinha muito mais. E a gente não sabe. Uma conta simples de quantas pessoas tinham, quantas ficaram", disse à BBC Isabel Figueiredo, ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública de 2011 a 2014 e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Questionado pela reportagem, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) afirmou que "as informações solicitadas não estão disponíveis no momento, pois as mesmas dependem da conclusão do levantamento estatístico correspondentes aos anos de 2015 e 2016, que ainda se encontra em andamento".

A BBC Brasil apurou, porém, que os dados dos últimos dois anos já teriam sido compilados e entregues ao Depen - o órgão, no entanto, ainda não divulgou as informações atualizadas. O departamento alega que um novo sistema está em implementação para o acesso aos dados.

"Está em vias de implantação uma ferramenta denominada SISDEPEN, Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional, na qual será possível o acesso às informações do Sistema Prisional tanto na sua forma quantitativa, conforme apresentada nos relatórios estatísticos atuais, como qualitativa, permitindo o cadastro das informações dos custodiados em caráter individual."
'Tiro no escuro'

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, os dados do Infopen são necessários para a criação de políticas públicas para o sistema penitenciário, e a ausência deles faz com que ações pensadas neste contexto sejam "um tiro no escuro".

"A gente tem dados muito ruins da segurança pública no Brasil, tanto do Judiciário, quanto da parte penitenciária. Mas chama a atenção o retrocesso, porque a gente tinha regularidade na divulgação desses dados e ela se perdeu", afirmou Figueiredo.

"E o problema disso é que a gente navega no escuro, sem saber para onde está indo e com quem está lidando. O Depen estava numa mudança de método de coleta, mas o sistema estava praticamente pronto no ano passado já. Houve uma troca de equipe com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas essa equipe já está há mais de um ano aí. Já era para ter mostrado essas informações."

Segundo dados revelados há três anos, o Brasil tinha a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 622 mil pessoas em regime de prisão - sendo que 41% delas ainda aguardavam julgamento. O deficit de vagas do sistema à época já ultrapassava as 250,3 mil.

Para Valdirene Daufemback, que foi diretora de políticas penitenciárias do Depen até novembro do ano passado, "é fundamental ter informações para direcionar políticas públicas".

"Sem dados, a gestão pública, vai sempre atuar de maneira reativa, improvisada. As políticas não estão sendo planejadas a partir de informações fidedignas. Elas estão sendo ordenadas muito mais por providências que dão uma resposta imediatista, mas que não traz soluções a médio e longo prazo", afirmou.

Para especialistas, a falta de dados sobre as penitenciárias do país põe em questionamento, a eficácia do novo Plano Nacional de Segurança, lançado pelo governo após a sequência de massacres no início do ano no Norte e Nordeste, e de uma das principais medidas propostas pelo Ministério da Justiça à época: a construção de mais presídios.

"Sem ter os dados, você acaba percebendo o problema só quando está no meio da crise", observou Guaracy Mingardi, pesquisador em segurança pública, ex-subsecretário Nacional de segurança pública e ex-secretário de segurança de Guarulhos.

"E aí falam em construir mais presídio: é disso que gente precisa? Tudo bem, você parte do princípio que precisa mais, mas de que tipo? Onde? Qual é o estado mais problemático? Você precisa saber que tipo de preso você tem para poder alocar melhor o dinheiro, se não, você estará indo pelo impressionismo."

A ex-diretora do Depen ressalta ainda que, sem dados atualizados, é difícil avaliar se as políticas e soluções implementadas têm gerado resultado.

"Nossa resposta às crises têm sido o encarceramento em massa. Mas o encarceramento em massa tem tido efeito contrário, não está resolvendo. Só que sem dados, a gente não consegue ter resposta sobre qual seria a solução para o problema ou sobre o que já não está mais dando certo", afirmou Daufemback.

Continuam enganando

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Resultado de imagem para aspasEspantoso como os fanfarrões, os seus políticos, conseguiram tornar as palavras flexíveis e submissas. Eles diziam: "Com o terror, cresce a nossa segurança." Ou: " O progresso tem seu preço." Ou: "A evolução técnica não pode ser detida." Ou : "Afinal, não vamos querer voltar à Idade da Pedra." E essa linguagem enganadora era aceita
Günter Grass, "A Ratazana"

Preso pode fazer campanha?

Lula veio do Nordeste num pau de arara para se tornar o maior sindicalista que o país já viu e o líder mais popular desde Getúlio. Foi preso pela ditadura e enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Criou o primeiro partido operário do Brasil, com que pretendia superar a maneira corrupta e hipócrita de fazer política em nosso país. Incendiou o imaginário de dezenas de milhões de pessoas. Chegou a presidente da República, reelegeu-se, elegeu e reelegeu quem quis.

Com tanto carisma, poderia ter mudado a cara do Brasil e coberto a si mesmo de glória. No entanto, com o objetivo vil de manter-se no poder, montou o maior esquema de corrupção de todos os tempos e levou o país, e a si mesmo, à ruína. Está prestes a sair da vida pública pela porta dos fundos, de maneira ignominiosa, execrado pela esmagadora maioria da população. E tudo indica que será preso.

Como pôde ser tão estúpido?
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Na tragédia grega, o herói comete a hubris, a arrogância, ultrapassa sua própria medida, e é punido pelos deuses. Prometeu entregou à Humanidade o fogo do Olimpo e, em troca, foi condenado por Zeus a ter o fígado eternamente comido por um abutre.

Lula é arrogante e ultrapassou sua própria medida, mas não é exatamente trágico. Lula pegou para si mesmo um apartamento de uma empreiteira e foi condenado por um juiz de primeira instância. Lula está entre tragicômico e farsesco.
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A condenação de Lula é um passo necessário e importante no caminho de se fazer do Brasil um país decente, mas não é motivo de alegria: ter um criminoso como ex-presidente é motivo para consternação e vergonha. E reflexão.

Quem elegeu Lula, Dilma e Temer precisa botar a mão na consciência e admitir, sem autocomplacência e sem reservas, que errou feio. O que está acontecendo com vocês, turma?! Vocês lutam por um país decente há décadas, e agora, quando aparece uma chance, ficam contra? Acordem!

Nós, que nos opomos ao lulopetismo, precisamos entender por que o ex-presidente, apesar de seus 60% de rejeição, mantém espantosos 30% de intenção de voto. Não dá para atribuir 30 milhões de votos à burrice ou ao despreparo do eleitor e deixar para lá. Não dá pra dizer que o discurso sobre justiça social é só demagogia: o Brasil tem a 12ª pior distribuição de renda do mundo, o saneamento só chega à metade das residências, a educação e a saúde são um lixo. A questão social é grave e precisa ser uma preocupação de todos nós.

Afora a preferência política, precisamos enxergar que ser contra não constrói. Podemos ser contra o lulopetismo, Temer e a corrupção, mas o que vamos pôr no lugar? como? Não vamos chegar a uma conclusão enquanto estivermos brigando. A mais maldita das heranças de Lula é a cisão dos brasileiros entre “nós” e “eles”: precisamos deixar Lula e essa cisão para trás, senão não seguiremos em frente.
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Corta para 16 de agosto de 2018. O recurso não foi julgado, e a candidatura de Lula é um fato consumado. Semanas depois, o TRF-4 confirma a sentença de Moro: Lula é condenado e preso. Lindbergh diz que é golpe. Toffoli dá liminar soltando Lula, Barroso derruba.

A condenação proíbe lançamento de candidatura, mas não cassa candidatura já existente: Lula pode concorrer. Mas preso pode fazer campanha? Por que não? (Aliás, se preso pode ser deputado, claro que preso pode fazer campanha.)

A equipe de filmagem é barrada ao tentar entrar na prisão. Gleisi diz que é golpe. Marco Aurélio dá liminar permitindo a entrada. Lula grava os programas de dentro da cela e discursa contra as péssimas condições das prisões brasileiras.

Mas pode se eleger? O TSE decide que não, e determina a retirada do nome de Lula da cédula. Gilberto Carvalho diz que é golpe. O PT entra com mandado de segurança no STF, Lewandowski dá liminar mantendo Lula na cédula. O STF demora a julgar, ocorre o pleito, Lula e Bolsonaro estão no segundo turno!

Alguém propõe refazer o primeiro turno: Dilma e Bolsonaro dão entrevista conjunta: “é golpe!”. O TSE marca nova reunião para decidir o que fazer, mas a CUT e o MST promovem uma greve geral, bloqueiam as ruas de Brasília e impedem os ministros de chegar. Ocorre o segundo turno: Lula vence!

É o caos. Lula pode tomar posse ou não? Se não, vence Bolsonaro ou se repete o segundo turno? Ou anula-se a eleição inteira? Marcelo Freixo diz que é golpe. Humberto Costa diz que não se pode ignorar 54 milhões de votos.

O Supremo se reúne em clima de final de Copa do Mundo. A sentença do TRF-4, que condena e prende Lula, é confirmada. E a eleição, valeu? Sim, valeu. Mas... Lula pode ser empossado? Sim: a legislação proíbe réu de ser presidente, mas não fala nada de condenado, então pode. E... Lula deve ser solto? Não, por que seria?!

Lula toma posse na Papuda: nunca antes na história deste país (e do mundo), houve um presidente presidiário. Meses depois, vai fazer o discurso de abertura na assembleia da ONU com tornezeleira eletrônica (acompanhando-o, o japonês da Federal).

Não sei, não. Melhor essa turma do TRF-4 correr com o julgamento do recurso.

Ricardo Rangel

Diálogo das pombas

Imagine duas pombas dialogando na Praça dos Três Poderes.

– Viu só? Agora inventaram um Código de Ética.

– Triste país em que a ética precisa de um código para ser entendida.

– A culpa é de Brasília, que está distante de tudo. Aqui tudo precisa ser reinventado, até a ética. Aqui, o poder é apenas uma forma hierarquizada de solidão. Em Brasília nenhuma multidão é uma multidão, são vários solitários juntos.
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– Literatura. A culpa é de Brasília porque foi aqui que começou o Brasil moderno, ou o Brasil refém das empreiteiras. Juscelino inaugurou o regime sob o qual vivemos e do qual tudo o mais é decorrência: a ilicitocracia. O governo por licitação suspeita, o lobby como programa, o “quanto eu levo nisso” como lema e a propina como sistema. Ao mesmo tempo que desbravávamos o nosso oeste político, rompíamos a barreira moral que nos mantinha agropastoris e atrasados e nos privava da mola universal do progresso, que é o superfaturamento. E tudo continua igual. Só inovamos o processo: aqui, o refém é sempre o mesmo e mudam os bandidos.

– Não, não, é algo no ar. Algo na luz, algo no chão. A construção de Brasília mexeu com o que não era para ser mexido, despertou um monstro enterrado, furou um veio maligno. Isso que anda por aí não é mau caráter, é escapamento. Collor respirou essas emanações na adolescência. Era um filho da profanação. Aquilo não era falta de escrúpulos, era intoxicação.

– Mas o Temer, por exemplo, não é daqui.

– Mas foi aceito como um filho. Só a um filho se permitiria chegar tão longe, sabendo-se o que se sabia dele. Só uma mãe adotiva seria tão compreensiva.

– A culpa não é do chão, é da obra. Nenhum país se torna uma cleptocracia moderna e fica inocente ao mesmo tempo. Esse canteiro de transformações, em qualquer outro lugar, teria dado a mesma coisa. Todo o mundo sabe o que há num canteiro de obras: métodos pesados e muita lama. Não é um lugar para almas leves. É um lugar para tratores e Padilhas.

– A culpa é da luz! Razão teve o Jânio, que deu no pé. Não foi golpe mal dado nem ressaca, foi lucidez. Jânio encarou a luz de Brasília e decidiu que ela, sim, o enlouqueceria. Era ela ou ele. Fugiu.

– Jango chegou a Brasília com a pior ilusão que um presidente pode ter: a de que preside. Não soube administrar nem a sua solidão. Foi expulso.

– Os presidentes militares sobreviveram à luz, ao ar e ao sortilégio de Brasília porque souberam usar a principal virtude militar, que é a falta de imaginação. A solidão não os afetou porque mesmo o general mais sozinho tem a companhia das suas divisas e pelo menos uma presunção de tropa.

– Brasília não se contentou em repudiar Tancredo. Matou- o.

– A danação poupou Sarney.

– Tudo poupou Sarney. A vida, a história, a crítica literária, os eleitores... Sarney descobriu a camuflagem perfeita para passar por Brasília incólume. Se disfarçou de José Sarney.

– E Itamar?

– Itamar escapou porque, onde quer que ele estivesse, estava sempre em Juiz de Fora. É um caso raro em que a geografia acompanhou o homem.

– E chegamos a Fernando Henrique.

– O Surpreendido. Este descobriu um meio de conviver com Brasília, e com o Brasil no qual nenhum presidente desde Juscelino pensara.

– Qual?

– Não se envolver e fingir que nada era com ele.

– E nós, o que fazemos aqui?

– Somos parte da paisagem.

– Outra maneira de não se envolver.

– Isso.