quarta-feira, 19 de julho de 2017

Preso pode fazer campanha?

Lula veio do Nordeste num pau de arara para se tornar o maior sindicalista que o país já viu e o líder mais popular desde Getúlio. Foi preso pela ditadura e enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Criou o primeiro partido operário do Brasil, com que pretendia superar a maneira corrupta e hipócrita de fazer política em nosso país. Incendiou o imaginário de dezenas de milhões de pessoas. Chegou a presidente da República, reelegeu-se, elegeu e reelegeu quem quis.

Com tanto carisma, poderia ter mudado a cara do Brasil e coberto a si mesmo de glória. No entanto, com o objetivo vil de manter-se no poder, montou o maior esquema de corrupção de todos os tempos e levou o país, e a si mesmo, à ruína. Está prestes a sair da vida pública pela porta dos fundos, de maneira ignominiosa, execrado pela esmagadora maioria da população. E tudo indica que será preso.

Como pôde ser tão estúpido?
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Na tragédia grega, o herói comete a hubris, a arrogância, ultrapassa sua própria medida, e é punido pelos deuses. Prometeu entregou à Humanidade o fogo do Olimpo e, em troca, foi condenado por Zeus a ter o fígado eternamente comido por um abutre.

Lula é arrogante e ultrapassou sua própria medida, mas não é exatamente trágico. Lula pegou para si mesmo um apartamento de uma empreiteira e foi condenado por um juiz de primeira instância. Lula está entre tragicômico e farsesco.
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A condenação de Lula é um passo necessário e importante no caminho de se fazer do Brasil um país decente, mas não é motivo de alegria: ter um criminoso como ex-presidente é motivo para consternação e vergonha. E reflexão.

Quem elegeu Lula, Dilma e Temer precisa botar a mão na consciência e admitir, sem autocomplacência e sem reservas, que errou feio. O que está acontecendo com vocês, turma?! Vocês lutam por um país decente há décadas, e agora, quando aparece uma chance, ficam contra? Acordem!

Nós, que nos opomos ao lulopetismo, precisamos entender por que o ex-presidente, apesar de seus 60% de rejeição, mantém espantosos 30% de intenção de voto. Não dá para atribuir 30 milhões de votos à burrice ou ao despreparo do eleitor e deixar para lá. Não dá pra dizer que o discurso sobre justiça social é só demagogia: o Brasil tem a 12ª pior distribuição de renda do mundo, o saneamento só chega à metade das residências, a educação e a saúde são um lixo. A questão social é grave e precisa ser uma preocupação de todos nós.

Afora a preferência política, precisamos enxergar que ser contra não constrói. Podemos ser contra o lulopetismo, Temer e a corrupção, mas o que vamos pôr no lugar? como? Não vamos chegar a uma conclusão enquanto estivermos brigando. A mais maldita das heranças de Lula é a cisão dos brasileiros entre “nós” e “eles”: precisamos deixar Lula e essa cisão para trás, senão não seguiremos em frente.
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Corta para 16 de agosto de 2018. O recurso não foi julgado, e a candidatura de Lula é um fato consumado. Semanas depois, o TRF-4 confirma a sentença de Moro: Lula é condenado e preso. Lindbergh diz que é golpe. Toffoli dá liminar soltando Lula, Barroso derruba.

A condenação proíbe lançamento de candidatura, mas não cassa candidatura já existente: Lula pode concorrer. Mas preso pode fazer campanha? Por que não? (Aliás, se preso pode ser deputado, claro que preso pode fazer campanha.)

A equipe de filmagem é barrada ao tentar entrar na prisão. Gleisi diz que é golpe. Marco Aurélio dá liminar permitindo a entrada. Lula grava os programas de dentro da cela e discursa contra as péssimas condições das prisões brasileiras.

Mas pode se eleger? O TSE decide que não, e determina a retirada do nome de Lula da cédula. Gilberto Carvalho diz que é golpe. O PT entra com mandado de segurança no STF, Lewandowski dá liminar mantendo Lula na cédula. O STF demora a julgar, ocorre o pleito, Lula e Bolsonaro estão no segundo turno!

Alguém propõe refazer o primeiro turno: Dilma e Bolsonaro dão entrevista conjunta: “é golpe!”. O TSE marca nova reunião para decidir o que fazer, mas a CUT e o MST promovem uma greve geral, bloqueiam as ruas de Brasília e impedem os ministros de chegar. Ocorre o segundo turno: Lula vence!

É o caos. Lula pode tomar posse ou não? Se não, vence Bolsonaro ou se repete o segundo turno? Ou anula-se a eleição inteira? Marcelo Freixo diz que é golpe. Humberto Costa diz que não se pode ignorar 54 milhões de votos.

O Supremo se reúne em clima de final de Copa do Mundo. A sentença do TRF-4, que condena e prende Lula, é confirmada. E a eleição, valeu? Sim, valeu. Mas... Lula pode ser empossado? Sim: a legislação proíbe réu de ser presidente, mas não fala nada de condenado, então pode. E... Lula deve ser solto? Não, por que seria?!

Lula toma posse na Papuda: nunca antes na história deste país (e do mundo), houve um presidente presidiário. Meses depois, vai fazer o discurso de abertura na assembleia da ONU com tornezeleira eletrônica (acompanhando-o, o japonês da Federal).

Não sei, não. Melhor essa turma do TRF-4 correr com o julgamento do recurso.

Ricardo Rangel

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