quinta-feira, 9 de março de 2017
E lá se vão três anos de uma ação que precisa ser transformadora
Sempre fui crítico do pessimismo. Na verdade, ele não constrói, só destrói. Enfrentei-o até na maturidade, quando esse mal se instala, regado pelo conhecimento da vida que os anos duros nos proporcionam, sobretudo para os que lutam desde muito cedo. Diria que, às vezes (ou quase sempre, dirão alguns de meus amigos…), seria ligeiramente cético, mas sem ser fiel à doutrina do ceticismo. Pois, para mim, não acreditar em nada é sem dúvida um exagero. Acredito, aliás, piamente, que o homem pode, com certeza, chegar ao conhecimento indubitável. Ou seja: valho-me de relativo ceticismo para me defender.
Refiro-me àquele ceticismo no qual se exercitam os jornalistas, que dificilmente concordam com a primeira versão. Isso corre, também, com os investigadores. Ou com os promotores públicos. Ou com os juízes, quaisquer que sejam as instâncias. Ou com qualquer um que persiga a justiça como seu único objetivo. Aqui o cético difere do pessimista. Este sempre espera pelo pior. Leva tudo pelo lado negativo. O cético não chega a tanto, mas poderá chegar lá se não se precaver.
Talvez seja, como todos nós, um pouco filósofo, que é aquele que procura refletir com sabedoria sobre tudo e, por isso mesmo, leva a alcunha, não raras vezes, de indivíduo esquisito ou excêntrico.
Hoje, seja no jornalismo ou fora dele, o que mais se faz é filosofar. Que acontecerá ao país depois que se revelar tudo sobre a operação Lava Jato? Quantos, finalmente, serão atingidos? Em qual proporção? Como se fará para se separar o joio do trigo? Alguém sabe?
De uma verdade ninguém duvida: desfechada pelo Ministério Público Federal, com o eficiente auxílio da Polícia Federal, mas, principalmente, com a determinação do juiz Sergio Moro, que é seu verdadeiro protagonista, a operação Lava Jato precisa ser transformadora, depois de desvendado o maior escândalo da história do Brasil.
Ou seja: Sergio Moro não pode terminar, amanhã, sozinho e apenas como reconhecido protagonista de um roteiro que não deu certo. Capaz de enfrentar os melhores advogados do país, pagos regiamente, como aconteceu, numa de suas últimas audiências, com o advogado do ex-ministro Antonio Palocci. Ao dizer ao juiz que discordava da pergunta porque “a testemunha não pode achar nada, nada opina, não vou aceitar essa violência”, o advogado José Roberto Batochio ouviu a seguinte resposta: “Faça concurso para juiz e assuma, então, a condução da audiência, mas quem manda na audiência é o juiz”. Moro precisa de mais. Precisa do apoio do STF e, mais que tudo, leitor, do seu.
Decorridos três anos do Posto da Torre, em Brasília, até hoje, a Lava Jato, talvez pela demora, talvez pelo processo coberto de recursos, talvez pela dificuldade de obtenção de provas definitivas, tem demonstrado que não acabará tão cedo. Essa demora não pode provocar cansaço, nem prejudicar o caminhar do país, nem agilizar a morte de empresas, nem impedir a retomada do desenvolvimento ou a criação de empregos (o desemprego é o lado mais cruel da crise). Não pode, de modo nenhum, fazer crescer o véu de pessimismo que o encobre.
Oxalá deixássemos de lado todas as ideologias, todas as crenças individuais, todas as diferenças, em favor de um pensamento único e capaz de aglutinar, doravante, gente disposta a trabalhar, em todo e qualquer cargo público, por nosso maior bem – o bem comum.
É por aí, pelo bem comum, que se transforma um país.
Haja esperança!
Talvez seja, como todos nós, um pouco filósofo, que é aquele que procura refletir com sabedoria sobre tudo e, por isso mesmo, leva a alcunha, não raras vezes, de indivíduo esquisito ou excêntrico.
Hoje, seja no jornalismo ou fora dele, o que mais se faz é filosofar. Que acontecerá ao país depois que se revelar tudo sobre a operação Lava Jato? Quantos, finalmente, serão atingidos? Em qual proporção? Como se fará para se separar o joio do trigo? Alguém sabe?
De uma verdade ninguém duvida: desfechada pelo Ministério Público Federal, com o eficiente auxílio da Polícia Federal, mas, principalmente, com a determinação do juiz Sergio Moro, que é seu verdadeiro protagonista, a operação Lava Jato precisa ser transformadora, depois de desvendado o maior escândalo da história do Brasil.
Ou seja: Sergio Moro não pode terminar, amanhã, sozinho e apenas como reconhecido protagonista de um roteiro que não deu certo. Capaz de enfrentar os melhores advogados do país, pagos regiamente, como aconteceu, numa de suas últimas audiências, com o advogado do ex-ministro Antonio Palocci. Ao dizer ao juiz que discordava da pergunta porque “a testemunha não pode achar nada, nada opina, não vou aceitar essa violência”, o advogado José Roberto Batochio ouviu a seguinte resposta: “Faça concurso para juiz e assuma, então, a condução da audiência, mas quem manda na audiência é o juiz”. Moro precisa de mais. Precisa do apoio do STF e, mais que tudo, leitor, do seu.
Decorridos três anos do Posto da Torre, em Brasília, até hoje, a Lava Jato, talvez pela demora, talvez pelo processo coberto de recursos, talvez pela dificuldade de obtenção de provas definitivas, tem demonstrado que não acabará tão cedo. Essa demora não pode provocar cansaço, nem prejudicar o caminhar do país, nem agilizar a morte de empresas, nem impedir a retomada do desenvolvimento ou a criação de empregos (o desemprego é o lado mais cruel da crise). Não pode, de modo nenhum, fazer crescer o véu de pessimismo que o encobre.
Oxalá deixássemos de lado todas as ideologias, todas as crenças individuais, todas as diferenças, em favor de um pensamento único e capaz de aglutinar, doravante, gente disposta a trabalhar, em todo e qualquer cargo público, por nosso maior bem – o bem comum.
É por aí, pelo bem comum, que se transforma um país.
Haja esperança!
Ladrões de boa-fé
Sempre que vejo falsos religiosos pregando nas tevês com a maior cara de pau, com a maior seriedade, como senhores absolutos da verdade, penso naqueles 300 picaretas que alguém disse existir no Congresso Nacional, antes de aderir ao grupo. Falsos pastores e falsos políticos são farinha do mesmo saco. Uns e outros sempre me remetem a Tartufo, um dos mais famosos personagens de Molière, o maior dramaturgo francês. Tartufo é, também, o nome da peça que ele protagoniza, das mais conhecidas do teatro.
Tartufo é fingido, hipócrita, mentiroso, corrupto, chantageador, desleal, falso religioso, interessado apenas em tirar dinheiro daqueles a quem faz as mais devotas pregações. A peça estreou em 1664, portanto há 352 anos, e continua atualíssima. São três séculos e meio de Tartufo, sem mudança do caráter humano – e sem perspectiva de melhora. Provocou violenta reação do clero da época, ficando proibida por alguns anos. Quem a visse ou encenasse foi ameaçado de excomunhão pelo arcebispo de Paris.
Leia Tartufo, para ver como a canalhice atravessa o tempo. Depois, ligue a tevê, escute atentamente os canais religiosos com apelo financeiro, analise as técnicas de dissimulação utilizadas, observe a sub-reptícia venda de Deus em prestações mensais. Em seguida, compare os debates no Congresso com a verdadeira atuação, nos bastidores, de deputados e senadores, da venda de emendas ao propinoduto descarado. O resultado é puro teatro, o teatro de Molière, a falsidade de Tartufo até a exaustão. Uma tartufada sem fim.
Acontece que Tartufo, no final da peça, é desmascarado. No Brasil, isso ainda está longe de acontecer. Ensaiamos apenas os primeiros passos. Nossos Tartufos continuam depositários da moralidade, ladrões da boa-fé. A cada dia que passa, Molière estremece no túmulo por nós. Ai de nós.
Leia Tartufo, para ver como a canalhice atravessa o tempo. Depois, ligue a tevê, escute atentamente os canais religiosos com apelo financeiro, analise as técnicas de dissimulação utilizadas, observe a sub-reptícia venda de Deus em prestações mensais. Em seguida, compare os debates no Congresso com a verdadeira atuação, nos bastidores, de deputados e senadores, da venda de emendas ao propinoduto descarado. O resultado é puro teatro, o teatro de Molière, a falsidade de Tartufo até a exaustão. Uma tartufada sem fim.
Acontece que Tartufo, no final da peça, é desmascarado. No Brasil, isso ainda está longe de acontecer. Ensaiamos apenas os primeiros passos. Nossos Tartufos continuam depositários da moralidade, ladrões da boa-fé. A cada dia que passa, Molière estremece no túmulo por nós. Ai de nós.
Brasil, terra de contrastes
Este poderia ser o enredo permanente para o desfile do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Pindorama. Durante o carnaval, as ruas abarrotadas de foliões, de norte a sul, comprovaram o que a pesquisa do Barômetro Global de Otimismo, feita pelo Ibope Inteligência, em parceria com a Worldwide Independent Network of Market Research (WIN), já havia captado: somos um povo afortunado. O estudo mostra que 70% dos brasileiros se consideram felizes, 18% neutros e 11% infelizes – o que nos coloca como a quinta nação mais otimista do mundo, atrás apenas de Bangladesh, Gana, Costa do Marfim e Fiji.
Por outro lado, conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 5,8% dos brasileiros sofrem de depressão, o maior índice da América Latina e o quinto maior do planeta. Além disso, segundo a mesma investigação, 9,3% da população possui algum tipo de transtorno de ansiedade – um número três vezes maior que a média mundial. A depressão, segundo a OMS, é a doença que mais contribui para a incapacitação pessoal e é a principal causa de morte por suicídio – 12 mil casos por ano, ou 32 por dia, no Brasil, que ocupa a 8ª posição no ranking mundial.
Análise da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), intitulada Mapa da Violência – Os Jovens do Brasil, aponta que a taxa de suicídios de jovens entre 15 e 29 anos aumentou 42% de 2002 a 2012. O índice de suicídios nesta faixa etária é de 6,9 casos para cada 100 mil habitantes – apenas acidentes de trânsito matam mais pessoas neste grupo. E, curiosamente, ao contrário do que ocorre na maior parte do planeta, o número de suicídios nesta faixa etária no Brasil é maior entre homens (10,7 por 100 mil habitantes) que entre mulheres (2,6 por 100 mil habitantes).
E realmente não é fácil ser jovem no Brasil. Pesquisa conduzida pela Fundação Varkey, organização que apoia a capacitação de educadores, criadora do prêmio Global Teacher Prize, espécie de Nobel dos professores, mostra que apenas 16% dos jovens brasileiros (entre 15 e 21 anos) se sentem emocionalmente bem e somente 34% acreditam que o país é um bom lugar para se viver. Este índice de desmotivação é o maior entre os 20 países consultados no estudo “Geração Z: Pesquisa da Cidadania Global”, que mapeou as prioridades profissionais, valores pessoais e de cidadania de 20 mil jovens. O sentimento que definia a satisfação era o de não pensar demais nos próprios problemas, a ausência de ansiedade, não se sentir intimidado, nem rejeitado ou solitário.
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense), publicados no 10º Anuário de Segurança Pública, mostram que 50,8% dos alunos do nono ano do ensino fundamental (ou seja, que possuem entre 14 e 15 anos) estudam em escolas localizadas em bairros violentos -34,5% na rede privada e 53,5% na rede pública. O estudo, realizado por amostragem, levou em consideração 2,6 milhões de entrevistas com estudantes de todo o país, e concluiu que 14,8% não haviam comparecido à escola em algum dia do mês anterior à pesquisa por falta de segurança no trajeto ou na escola e 8,6% tinham sido as aulas suspensas por motivo de segurança pelo menos uma vez nos 12 meses anteriores à pesquisa.
E, se a falta de segurança acomete a população em geral, faz mais vítimas, certamente, entre os jovens. De acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), das 59.627 pessoas assassinadas em 2014, 31.419 tinham idade entre 15 e 29 anos, ou seja, 53% do total. Enquanto a taxa geral de homicídios no Brasil subiu de 26,5 para 29,1 mortes por 100 mil habitantes, entre 2004 e 2014, o índice entre jovens cresceu mais que o dobro, atingindo 61 assassinatos por 100 mil habitantes em 2014. Um relatório da Flacso, Violência Letal contra as Crianças e Adolescentes do Brasil, mostra que, em 2013, 29 crianças e adolescentes (de zero a 19 anos) foram assassinados por dia, em um total de 10.520 vítimas, sendo metade delas jovens na faixa etária de 16 a 17 anos. As armas de fogo estiveram presentes em 78,2% dos homicídios.
E ainda somos muito felizes!
Por outro lado, conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 5,8% dos brasileiros sofrem de depressão, o maior índice da América Latina e o quinto maior do planeta. Além disso, segundo a mesma investigação, 9,3% da população possui algum tipo de transtorno de ansiedade – um número três vezes maior que a média mundial. A depressão, segundo a OMS, é a doença que mais contribui para a incapacitação pessoal e é a principal causa de morte por suicídio – 12 mil casos por ano, ou 32 por dia, no Brasil, que ocupa a 8ª posição no ranking mundial.
Análise da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), intitulada Mapa da Violência – Os Jovens do Brasil, aponta que a taxa de suicídios de jovens entre 15 e 29 anos aumentou 42% de 2002 a 2012. O índice de suicídios nesta faixa etária é de 6,9 casos para cada 100 mil habitantes – apenas acidentes de trânsito matam mais pessoas neste grupo. E, curiosamente, ao contrário do que ocorre na maior parte do planeta, o número de suicídios nesta faixa etária no Brasil é maior entre homens (10,7 por 100 mil habitantes) que entre mulheres (2,6 por 100 mil habitantes).
E realmente não é fácil ser jovem no Brasil. Pesquisa conduzida pela Fundação Varkey, organização que apoia a capacitação de educadores, criadora do prêmio Global Teacher Prize, espécie de Nobel dos professores, mostra que apenas 16% dos jovens brasileiros (entre 15 e 21 anos) se sentem emocionalmente bem e somente 34% acreditam que o país é um bom lugar para se viver. Este índice de desmotivação é o maior entre os 20 países consultados no estudo “Geração Z: Pesquisa da Cidadania Global”, que mapeou as prioridades profissionais, valores pessoais e de cidadania de 20 mil jovens. O sentimento que definia a satisfação era o de não pensar demais nos próprios problemas, a ausência de ansiedade, não se sentir intimidado, nem rejeitado ou solitário.
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense), publicados no 10º Anuário de Segurança Pública, mostram que 50,8% dos alunos do nono ano do ensino fundamental (ou seja, que possuem entre 14 e 15 anos) estudam em escolas localizadas em bairros violentos -34,5% na rede privada e 53,5% na rede pública. O estudo, realizado por amostragem, levou em consideração 2,6 milhões de entrevistas com estudantes de todo o país, e concluiu que 14,8% não haviam comparecido à escola em algum dia do mês anterior à pesquisa por falta de segurança no trajeto ou na escola e 8,6% tinham sido as aulas suspensas por motivo de segurança pelo menos uma vez nos 12 meses anteriores à pesquisa.
E, se a falta de segurança acomete a população em geral, faz mais vítimas, certamente, entre os jovens. De acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), das 59.627 pessoas assassinadas em 2014, 31.419 tinham idade entre 15 e 29 anos, ou seja, 53% do total. Enquanto a taxa geral de homicídios no Brasil subiu de 26,5 para 29,1 mortes por 100 mil habitantes, entre 2004 e 2014, o índice entre jovens cresceu mais que o dobro, atingindo 61 assassinatos por 100 mil habitantes em 2014. Um relatório da Flacso, Violência Letal contra as Crianças e Adolescentes do Brasil, mostra que, em 2013, 29 crianças e adolescentes (de zero a 19 anos) foram assassinados por dia, em um total de 10.520 vítimas, sendo metade delas jovens na faixa etária de 16 a 17 anos. As armas de fogo estiveram presentes em 78,2% dos homicídios.
E ainda somos muito felizes!
Cabe só ao cidadão eleger
O ministro Gilmar Mendes, com a responsabilidade de membro do Supremo Tribunal Federal (STF) e de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais uma vez levou água caudalosa para o moinho dos políticos inconformados com a proibição de doações eleitorais de empresas privadas. Em setembro de 2015, Mendes foi voto vencido na decisão da Suprema Corte que decretou a inconstitucionalidade das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Desde então, o ministro não tem perdido oportunidade para deixar claro que se mantém favorável às doações eleitorais de empresas. Não precisou ser explícito, portanto, quando defendeu, na segunda-feira, em São Paulo, a “urgente mudança” do sistema de financiamento de campanhas eleitorais.
O debate sobre o financiamento de campanhas eleitorais ganhou corpo em 2014, quando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs ao STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) sobre a validade das doações empresariais. O plenário do Supremo só conseguiu votar a matéria cerca de um ano e meio depois, em setembro de 2015, entre outras razões pelo fato de, em abril de 2014, Gilmar Mendes ter pedido vista do processo, o que na ocasião provocou críticas de que estaria tentando protelar a decisão. Retrucou afirmando que a Ação Direta de Inconstitucionalidade era uma tentativa de usar a Corte Suprema para “atuar no processo democrático à revelia do Congresso”.
O veto à ingerência de interesses corporativos no processo eleitoral, por meio de doações, mesmo que declaradas e registradas na Justiça Eleitoral, é um princípio básico do qual os sistemas democráticos de governo não podem abrir mão. A eleição para cargos executivos e legislativos é feita pelo voto popular, o que implica indissolúvel compromisso com o princípio de “um cidadão, um voto”. Quem vota são as pessoas físicas, no exercício da cidadania. As pessoas jurídicas não são “cidadãs”. Não têm nada que ver com cidadania, a não ser a obrigação de respeitar os direitos e deveres dos cidadãos.
A poucos meses do final do prazo – setembro deste ano – para a definição das regras que prevalecerão nas eleições de outubro do próximo ano, os políticos em geral estão alarmados com a perspectiva de disputar eleições majoritárias e proporcionais em todo o Brasil sem contar com os fartos recursos provenientes de empresas privadas para cobrir os habitualmente elevados custos das campanhas eleitorais.
Não passa pela cabeça dos dirigentes partidários habituados a relações promíscuas, principalmente, com os donos de empreiteiras públicas, que a nova realidade do veto às doações privadas impõe uma mudança de atitude em relação ao financiamento das campanhas. Em primeiro lugar, precisam persuadir sua militância e seus simpatizantes a colaborar, o que é prática habitual no exterior. Depois, adaptar o custo das campanhas às disponibilidades financeiras.
Por causa da ameaça de se repetir em 2018, em muito maior escala, o mesmo aperto financeiro que marcou as eleições municipais do ano passado, já se trama no Congresso Nacional a aprovação de proposta de multiplicar por quatro ou cinco os recursos do Fundo Partidário, que no ano passado foi de R$ 819 milhões.
Zelosos de seu poder, líderes partidários cogitam também de aprovar no Congresso o sistema de lista fechada para os candidatos a cargos legislativos: cada partido apresenta, por exemplo, para a eleição de deputado federal em cada Estado, uma lista de candidatos numa ordem que será respeitada para a definição dos eleitos. Assim, se a votação daquele partido no Estado for suficiente para eleger cinco deputados, os eleitos serão os cinco primeiros nomes da lista. Ou seja, elegem-se os principais líderes do partido, que terão sido colocados na lista numa ordem decidida por eles próprios. O cidadão vota e o político elege. O que não será muito diferente de o cidadão votar e o empreiteiro eleger.
O debate sobre o financiamento de campanhas eleitorais ganhou corpo em 2014, quando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs ao STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) sobre a validade das doações empresariais. O plenário do Supremo só conseguiu votar a matéria cerca de um ano e meio depois, em setembro de 2015, entre outras razões pelo fato de, em abril de 2014, Gilmar Mendes ter pedido vista do processo, o que na ocasião provocou críticas de que estaria tentando protelar a decisão. Retrucou afirmando que a Ação Direta de Inconstitucionalidade era uma tentativa de usar a Corte Suprema para “atuar no processo democrático à revelia do Congresso”.
A poucos meses do final do prazo – setembro deste ano – para a definição das regras que prevalecerão nas eleições de outubro do próximo ano, os políticos em geral estão alarmados com a perspectiva de disputar eleições majoritárias e proporcionais em todo o Brasil sem contar com os fartos recursos provenientes de empresas privadas para cobrir os habitualmente elevados custos das campanhas eleitorais.
Não passa pela cabeça dos dirigentes partidários habituados a relações promíscuas, principalmente, com os donos de empreiteiras públicas, que a nova realidade do veto às doações privadas impõe uma mudança de atitude em relação ao financiamento das campanhas. Em primeiro lugar, precisam persuadir sua militância e seus simpatizantes a colaborar, o que é prática habitual no exterior. Depois, adaptar o custo das campanhas às disponibilidades financeiras.
Por causa da ameaça de se repetir em 2018, em muito maior escala, o mesmo aperto financeiro que marcou as eleições municipais do ano passado, já se trama no Congresso Nacional a aprovação de proposta de multiplicar por quatro ou cinco os recursos do Fundo Partidário, que no ano passado foi de R$ 819 milhões.
Zelosos de seu poder, líderes partidários cogitam também de aprovar no Congresso o sistema de lista fechada para os candidatos a cargos legislativos: cada partido apresenta, por exemplo, para a eleição de deputado federal em cada Estado, uma lista de candidatos numa ordem que será respeitada para a definição dos eleitos. Assim, se a votação daquele partido no Estado for suficiente para eleger cinco deputados, os eleitos serão os cinco primeiros nomes da lista. Ou seja, elegem-se os principais líderes do partido, que terão sido colocados na lista numa ordem decidida por eles próprios. O cidadão vota e o político elege. O que não será muito diferente de o cidadão votar e o empreiteiro eleger.
Ou é de todos...
A nação é de todos. A nação tem de ser igual para todos. Se não é igual para todos, é que os dirigentes, que se chamam Estado, se tornaram quadrilha. Se não presta ouvido ao que eu penso e não me deixa pensar como quero, se não deixa liberdade aos meus atos, desde que não prejudiquem o vizinho, tornou-se cárcere.
Não, os serranos, mil, cinco mil, dez mil, têm tanto direito a ser respeitados como os restantes senhores da comunidade. Era a moral de Cristo: por uma ovelha... Se os sacrificam, cometem uma ação bárbara, e eles estão no direito de se levantar por todos os meios contra tal políticaAquilino Ribeiro, "Quando os lobos uivam"
O paraíso da meia galinha morta
Bastou chover um pouco mais que o esperado e parte da supersafra brasileira de soja “mica”, pois não consegue chegar ao porto de Belém, do qual 11 navios, sem poder mais esperar, se mandaram para embarcadouros mais ao sul, em Santos (SP) e Paranaguá (PR). A erva está encalhada em 100 quilômetros não asfaltados da BR-163, rodovia que é hoje a principal ligação entre uma grande zona produtora de grãos, em Mato Grosso, e os navios atracados no norte. Segundo reportagem de Lu Aiko Otta, do Estado em Brasília, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, lamentou: “Dinheiro que estava na mesa, de uma grande colheita, está indo para o ralo, nos buracos das estradas. Dá pena de ver.”
Os produtores tiveram prejuízo de US$ 6 milhões só com a “demourage”, taxa paga pela permanência das embarcações ancoradas. Caso consiga ser embarcada no Sudeste ou no Sul, a carga desviada poderá sobrecarregar as entradas desses portos, com mais despesas de espera. No total, o setor estima que nesta safra os sojicultores perderão R$ 350 milhões, segundo informou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Carlo Lovatelli. “Estamos queimando notas de cem dólares, uma atrás da outra”, afirmou o executivo. Segundo Maggi, o produtor que vende a leguminosa precisa entregar no prazo, no local definido pelo comprador. Diante do atraso no escoamento da produção local, a alternativa é, muitas vezes, adquiri-la de outros países produtores, como Estados Unidos e Argentina, para honrar o contrato.
A supersafra resulta da galinha dos ovos de ouro da economia brasileira, que é a agroindústria. Mas, como o casal da fábula que ganha a galinha miraculosa de um duende e a mata para não ter de esperar o dia seguinte para a postura de mais um ovo e retirar do ventre da ave todos os ovos de uma vez, em vez de um por um, dia a dia no que lhe restar de vida. O conto infantil termina com a seguinte moral: “Espreitando pela janela, o duende ria-se e abanava a cabeça, pensando que a verdadeira felicidade não está em ter ou não ouro, mas, sim, no coração de cada um.”
A pressa, que, como diziam nossos avós, é inimiga da perfeição, transforma o Brasil num imenso cadáver de galináceo. Aqui já houve ferrovias, e não há mais. A solução para o transporte da supersafra, que se tem repetido ano a ano, assim como o atoleiro na BR-163, seria ferroviária. Mas todo o transporte passou a ser feito por rodovias desde a instalação das montadoras de automóveis no Brasil, nos anos 50, no governo de Juscelino Kubitschek. Sessenta anos depois, a malha rodoviária está imprestável, porque o Estado não investe uma pataca nas vias de escoamento da safra, e o resultado é o que se vê em Mato Grosso. Assim como nos portos.
E a safra recorde que está micando é só uma das muitas outras evidências de que vai ser difícil dar um jeito no Brasil. Na semana passada, os habitantes de Campina Grande, no alto do Planalto da Borborema, e do sertão da Paraíba comemoraram a chegada da água da transposição do Rio São Francisco à represa de Barreiro, em Sertânia, no interior de Pernambuco. O reservatório fica a 100 quilômetros de Monteiro, às margens do rio Paraíba, que forma Boqueirão, açude que abastece a segunda maior cidade do Estado e que título a um romance regionalista do pioneiro José Américo de Almeida. Como lhe restam 3% do volume morto, a notícia provocou a euforia dos paraibanos sedentos. Infelizmente, contudo, a barragem, inaugurada no fim de fevereiro, vazou no começo de março. E agora todos estão à mercê de boas notícias sobre o estancamento desse vazamento.
Não podia haver retrato mais acabado da ironia do destino de galinha morta do Brasil. Em vez de ser levada para dar de beber ao interior do Nordeste, a água do Velho Chico invadiu propriedades e repetiu, em escala muito menor, a tragédia da lama que matou o Rio Doce, em Minas.
Bem mais distante de Sertânia, a população de Fortaleza, capital do Ceará, não tem água para beber e cozinhar, dependendo para isso do açude do Castanhão, também pela hora da morte, amém. Lá, a esta altura, mesmo com chuvas inesperadas e recentes, a dependência completa dos caminhões-pipa só será combatida se a promessa da transposição do rio da unidade nacional feita por Lula e Dilma for cumprida. Os dois compraram canecas para viajarem para o sertão e beberem a água do rio longínquo, mas agoram vem essa notícia desapontadora.
Construída no contorno da belíssima Baía de Guanabara, o Rio de Janeiro, cujos reflexos luminosos noturnos foram decantados num musical de Cole Porter, mas que também já foi definida numa marchinha de carnaval como “cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz”, não tem mais problemas para consumo humano de água potável. O melhor governante que já teve, Carlos Lacerda, resolveu o problema secular com o uso das águas do Guandu. No entanto, dá outros exemplos de como a galinha morta Brasil impera de norte a sul.
O jogo final da tradicional e charmosa Taça Guanabara, um Fla-Flu, tido e havido como o maior clássico do futebol mundial, foi jogado para um público reduzido para suas tradições, num estádio menor, porque o “gigante do Maracanã” está fechado por causa de um conflito judicial entre o Estado imprevidente e a iniciativa privada picareta. A Justiça e a polícia, incapazes de garantir a segurança do público pagante, exigiram que a final fosse jogada para torcida única. Fluminense e Flamengo puderam jogar para os torcedores dos dois times, que se arriscaram a ir ao subúrbio sem muita garantia, mas só puderam comprar ingressos depois da tardinha de sexta-feira, quando os clubes obtiveram a liminar para cancelar a estúpida decisão anterior.
Isso ocorreu uma semana depois do desfile das escolas de samba no sambódromo erguido na gestão de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro no Estado do Rio. No desfile de domingo, um carro alegórico da Paraíso do Tuiuti, guiado por um caminhoneiro que nunca havia dirigido um veículo na pista do samba, esmagou parte da multidão que se acotovelava para ver o desfile no setor 1, ferindo 20 pessoas. Na madrugada seguinte, a parte de cima da alegoria móvel da Unidos da Tijuca desabou por excesso de peso, levando foliões ao hospital.
Na Quarta-Feira de Cinzas, a Liga das Escolas de Samba – Liesa – concluiu que o primeiro desastre foi um “acidente” e o segundo teria resultado de uma falha no sistema hidráulico. Sem reconhecer que havia gente demais sambando em cima de um carro que não tinha condições técnicas para desfilar. No paraíso da galinha morta, esse senhor manteve as duas escolas trapalhonas no desfile do ano que vem, perdoando seus erros e exigiu da prefeitura do Rio que refaça o percurso da pista do samba.
Esse não será assunto para a sra. Luislinda Valois, ministra dos Direitos Humanos do governo Temer, levar no ano que vem ao debate na comissão temática das Nações Unidos, à qual em sabatina neste ano omitiu o desastre da lama matadora do Rio Doce na Minas histórica e os massacres de início de “ano novo, morte nova”, nos presídios de Manaus, Boa Vista e Nísia Floresta, na Grande Natal. Evoé, Momo Rei!
Capistrano de Abreu dizia que o primeiro artigo da Constituição ideal para o Brasil seria: “Todo brasileiro deve ter vergonha na cara”. E somente mais um: “Revogam-se as disposições em contrário”. Em seu livro Mau Humor – uma antologia definitiva de frases venenosas, Ruy Castro atribuiu ao jornalista Ivan Lessa, filho de Orígenes Lessa, autor deO Feijão e o Sonho, outra frase que servirá como uma luva (ou uma meia) para pôr fim a este artigo: “O brasileiro é um povo com os pés no chão. E as mãos também”. Ou seja: uma meia galinha morta.
José Nêumanne Pinto
Os produtores tiveram prejuízo de US$ 6 milhões só com a “demourage”, taxa paga pela permanência das embarcações ancoradas. Caso consiga ser embarcada no Sudeste ou no Sul, a carga desviada poderá sobrecarregar as entradas desses portos, com mais despesas de espera. No total, o setor estima que nesta safra os sojicultores perderão R$ 350 milhões, segundo informou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Carlo Lovatelli. “Estamos queimando notas de cem dólares, uma atrás da outra”, afirmou o executivo. Segundo Maggi, o produtor que vende a leguminosa precisa entregar no prazo, no local definido pelo comprador. Diante do atraso no escoamento da produção local, a alternativa é, muitas vezes, adquiri-la de outros países produtores, como Estados Unidos e Argentina, para honrar o contrato.
A pressa, que, como diziam nossos avós, é inimiga da perfeição, transforma o Brasil num imenso cadáver de galináceo. Aqui já houve ferrovias, e não há mais. A solução para o transporte da supersafra, que se tem repetido ano a ano, assim como o atoleiro na BR-163, seria ferroviária. Mas todo o transporte passou a ser feito por rodovias desde a instalação das montadoras de automóveis no Brasil, nos anos 50, no governo de Juscelino Kubitschek. Sessenta anos depois, a malha rodoviária está imprestável, porque o Estado não investe uma pataca nas vias de escoamento da safra, e o resultado é o que se vê em Mato Grosso. Assim como nos portos.
E a safra recorde que está micando é só uma das muitas outras evidências de que vai ser difícil dar um jeito no Brasil. Na semana passada, os habitantes de Campina Grande, no alto do Planalto da Borborema, e do sertão da Paraíba comemoraram a chegada da água da transposição do Rio São Francisco à represa de Barreiro, em Sertânia, no interior de Pernambuco. O reservatório fica a 100 quilômetros de Monteiro, às margens do rio Paraíba, que forma Boqueirão, açude que abastece a segunda maior cidade do Estado e que título a um romance regionalista do pioneiro José Américo de Almeida. Como lhe restam 3% do volume morto, a notícia provocou a euforia dos paraibanos sedentos. Infelizmente, contudo, a barragem, inaugurada no fim de fevereiro, vazou no começo de março. E agora todos estão à mercê de boas notícias sobre o estancamento desse vazamento.
Não podia haver retrato mais acabado da ironia do destino de galinha morta do Brasil. Em vez de ser levada para dar de beber ao interior do Nordeste, a água do Velho Chico invadiu propriedades e repetiu, em escala muito menor, a tragédia da lama que matou o Rio Doce, em Minas.
Bem mais distante de Sertânia, a população de Fortaleza, capital do Ceará, não tem água para beber e cozinhar, dependendo para isso do açude do Castanhão, também pela hora da morte, amém. Lá, a esta altura, mesmo com chuvas inesperadas e recentes, a dependência completa dos caminhões-pipa só será combatida se a promessa da transposição do rio da unidade nacional feita por Lula e Dilma for cumprida. Os dois compraram canecas para viajarem para o sertão e beberem a água do rio longínquo, mas agoram vem essa notícia desapontadora.
Construída no contorno da belíssima Baía de Guanabara, o Rio de Janeiro, cujos reflexos luminosos noturnos foram decantados num musical de Cole Porter, mas que também já foi definida numa marchinha de carnaval como “cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz”, não tem mais problemas para consumo humano de água potável. O melhor governante que já teve, Carlos Lacerda, resolveu o problema secular com o uso das águas do Guandu. No entanto, dá outros exemplos de como a galinha morta Brasil impera de norte a sul.
O jogo final da tradicional e charmosa Taça Guanabara, um Fla-Flu, tido e havido como o maior clássico do futebol mundial, foi jogado para um público reduzido para suas tradições, num estádio menor, porque o “gigante do Maracanã” está fechado por causa de um conflito judicial entre o Estado imprevidente e a iniciativa privada picareta. A Justiça e a polícia, incapazes de garantir a segurança do público pagante, exigiram que a final fosse jogada para torcida única. Fluminense e Flamengo puderam jogar para os torcedores dos dois times, que se arriscaram a ir ao subúrbio sem muita garantia, mas só puderam comprar ingressos depois da tardinha de sexta-feira, quando os clubes obtiveram a liminar para cancelar a estúpida decisão anterior.
Isso ocorreu uma semana depois do desfile das escolas de samba no sambódromo erguido na gestão de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro no Estado do Rio. No desfile de domingo, um carro alegórico da Paraíso do Tuiuti, guiado por um caminhoneiro que nunca havia dirigido um veículo na pista do samba, esmagou parte da multidão que se acotovelava para ver o desfile no setor 1, ferindo 20 pessoas. Na madrugada seguinte, a parte de cima da alegoria móvel da Unidos da Tijuca desabou por excesso de peso, levando foliões ao hospital.
Na Quarta-Feira de Cinzas, a Liga das Escolas de Samba – Liesa – concluiu que o primeiro desastre foi um “acidente” e o segundo teria resultado de uma falha no sistema hidráulico. Sem reconhecer que havia gente demais sambando em cima de um carro que não tinha condições técnicas para desfilar. No paraíso da galinha morta, esse senhor manteve as duas escolas trapalhonas no desfile do ano que vem, perdoando seus erros e exigiu da prefeitura do Rio que refaça o percurso da pista do samba.
Esse não será assunto para a sra. Luislinda Valois, ministra dos Direitos Humanos do governo Temer, levar no ano que vem ao debate na comissão temática das Nações Unidos, à qual em sabatina neste ano omitiu o desastre da lama matadora do Rio Doce na Minas histórica e os massacres de início de “ano novo, morte nova”, nos presídios de Manaus, Boa Vista e Nísia Floresta, na Grande Natal. Evoé, Momo Rei!
Capistrano de Abreu dizia que o primeiro artigo da Constituição ideal para o Brasil seria: “Todo brasileiro deve ter vergonha na cara”. E somente mais um: “Revogam-se as disposições em contrário”. Em seu livro Mau Humor – uma antologia definitiva de frases venenosas, Ruy Castro atribuiu ao jornalista Ivan Lessa, filho de Orígenes Lessa, autor deO Feijão e o Sonho, outra frase que servirá como uma luva (ou uma meia) para pôr fim a este artigo: “O brasileiro é um povo com os pés no chão. E as mãos também”. Ou seja: uma meia galinha morta.
José Nêumanne Pinto
Mudar o modelo
Baixou sobre o Brasil a sombra do Capeta, com a divulgação pelo IBGE da queda de 3,6% do PIB, em 2016. Foi a confirmação do caos que vínhamos sentindo desde a reeleição de Dilma Rousseff, que agora queima nas chamas do esquecimento. Aliás, por onde andará a ex-presidenta? Adianta muito pouco a esfarrapada contestação de Henrique Meirelles, a respeito de já termos voltado a crescer. Apenas se confirmou o mergulho no precipício, do qual emergiremos quando Deus quiser, e parece que ELE não quer.
Porque não será com as reformas da Previdência Social, trabalhista e outras mudanças favoráveis aos mesmos de sempre que o país se irá recuperar.
Do que necessitamos é quebrar as estruturas do modelo vigente há décadas, sempre fazendo os ricos mais ricos e os pobres, mais pobres. Para começar, imediatas eleições gerais, capazes de expelir os responsáveis pela débacle atual. Coisa que só acontecerá pela proibição de concorrerem quantos exercem mandatos eletivos. Mais a dissolução dos partidos políticos em funcionamento. E uma nova Constituição acorde com as necessidades da população carente, ou seja, a maioria dos cidadãos.
Utopia? Sonhos de noite de verão? Ilusões impossíveis de se materializar?
Do que necessitamos é quebrar as estruturas do modelo vigente há décadas, sempre fazendo os ricos mais ricos e os pobres, mais pobres. Para começar, imediatas eleições gerais, capazes de expelir os responsáveis pela débacle atual. Coisa que só acontecerá pela proibição de concorrerem quantos exercem mandatos eletivos. Mais a dissolução dos partidos políticos em funcionamento. E uma nova Constituição acorde com as necessidades da população carente, ou seja, a maioria dos cidadãos.
Utopia? Sonhos de noite de verão? Ilusões impossíveis de se materializar?
'Cultura da corrupção torna difícil mudar o sistema'
Quase três anos após seu início, a Operação Lava Jato ainda não conseguiu gerar uma mudança de comportamento dos políticos e partidos brasileiros, afirma o jurista alemão Jan Woischnik, diretor da Fundação Konrad Adenauer no Brasil.
Em entrevista à Deutschwelle, Woischnik diz que a cultura da corrupção está presente no cotidiano e que, num panorama assim, "onde todo o tempo as regras e leis são violadas", fica difícil mudar o sistema.
A Lava Jato está mudando o comportamento dos partidos e políticos brasileiros?
Na realidade, eu não vejo muita mudança. Os políticos estão tendo um comportamento muito defensivo frente às acusações que surgem com as investigações da Lava Jato, e não estão usando a crise como uma chance para impulsionar mudanças e discutir o problema da corrupção dentro de seus partidos. Eles estão tentando escapar do escândalo ou evitar as investigações, quer dizer, estão tentando sobreviver à turbulência. Eles estão quase todos no "survival mode" e não no "reform mode": cada um está pensando em si mesmo. A desconfiança da população, que já era grande, aumentou. E a única maneira de revertê-la seria assumir as consequências da crise e mostrar ativamente a vontade de reformar o sistema político.
Por que os partidos não aproveitam a Lava Jato para realizar uma limpeza em seus quadros?
Infelizmente, é um sistema tido como muito normal, que funciona há muito tempo e que faz parte do jogo. Portanto, é muito difícil mudá-lo. O político que não participa desse sistema corrupto não terá dinheiro para financiar sua campanha na próxima eleição e, consequentemente, não será eleito. Portanto, ninguém quer começar a mudar esse sistema. Os partidos têm associações de jovens, com membros com cerca de 20 a 30 anos. Muitas vezes, eles têm vontade de mudar o sistema, mas, por serem dependentes dos caciques, fica muito difícil alterar esse sistema tão velho e considerado normal. Não há um movimento de renovação política nos partidos e nenhum esforço significativo para evitar tais escândalos no futuro, embora esses sinais fossem necessários para a população brasileira. Parece que falta também um sentimento de culpa nos políticos envolvidos no escândalo.
Por que a Lava Jato ainda não resultou no surgimento de um novo movimento político e de novos líderes no país?
De fato, isso é muito estranho e atípico. Normalmente, se partidos tradicionais têm problemas graves, a exemplo da corrupção que está sendo investigada no país, surgiriam novos movimentos políticos ou, ao menos, novos líderes nos partidos tradicionais. Mas, infelizmente, isso não está acontecendo no Brasil. À medida que a democracia é corrompida, somado à falta de novos líderes em partidos tradicionais, cria-se um terreno fértil para candidatos populistas que poderão se aproveitar da crise. Eu vejo um risco, e as maiores legendas deveriam tentar evitar a ascensão de populistas de outras legendas fazendo a renovação de seus quadros políticos.
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Em entrevista à Deutschwelle, Woischnik diz que a cultura da corrupção está presente no cotidiano e que, num panorama assim, "onde todo o tempo as regras e leis são violadas", fica difícil mudar o sistema.
A Lava Jato está mudando o comportamento dos partidos e políticos brasileiros?
Na realidade, eu não vejo muita mudança. Os políticos estão tendo um comportamento muito defensivo frente às acusações que surgem com as investigações da Lava Jato, e não estão usando a crise como uma chance para impulsionar mudanças e discutir o problema da corrupção dentro de seus partidos. Eles estão tentando escapar do escândalo ou evitar as investigações, quer dizer, estão tentando sobreviver à turbulência. Eles estão quase todos no "survival mode" e não no "reform mode": cada um está pensando em si mesmo. A desconfiança da população, que já era grande, aumentou. E a única maneira de revertê-la seria assumir as consequências da crise e mostrar ativamente a vontade de reformar o sistema político.
Por que os partidos não aproveitam a Lava Jato para realizar uma limpeza em seus quadros?
Infelizmente, é um sistema tido como muito normal, que funciona há muito tempo e que faz parte do jogo. Portanto, é muito difícil mudá-lo. O político que não participa desse sistema corrupto não terá dinheiro para financiar sua campanha na próxima eleição e, consequentemente, não será eleito. Portanto, ninguém quer começar a mudar esse sistema. Os partidos têm associações de jovens, com membros com cerca de 20 a 30 anos. Muitas vezes, eles têm vontade de mudar o sistema, mas, por serem dependentes dos caciques, fica muito difícil alterar esse sistema tão velho e considerado normal. Não há um movimento de renovação política nos partidos e nenhum esforço significativo para evitar tais escândalos no futuro, embora esses sinais fossem necessários para a população brasileira. Parece que falta também um sentimento de culpa nos políticos envolvidos no escândalo.
Por que a Lava Jato ainda não resultou no surgimento de um novo movimento político e de novos líderes no país?
De fato, isso é muito estranho e atípico. Normalmente, se partidos tradicionais têm problemas graves, a exemplo da corrupção que está sendo investigada no país, surgiriam novos movimentos políticos ou, ao menos, novos líderes nos partidos tradicionais. Mas, infelizmente, isso não está acontecendo no Brasil. À medida que a democracia é corrompida, somado à falta de novos líderes em partidos tradicionais, cria-se um terreno fértil para candidatos populistas que poderão se aproveitar da crise. Eu vejo um risco, e as maiores legendas deveriam tentar evitar a ascensão de populistas de outras legendas fazendo a renovação de seus quadros políticos.
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O Estado inchado e os 'bobos da corte'
O depoimento do empreiteiro Marcelo Odebrecht à Justiça Eleitoral, na semana passada, chamou mais a atenção pela afirmação de que a campanha da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer em 2014 teria recebido dezenas de milhões de reais não registrados – o conhecido “caixa dois”, que pode ser visto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como motivo para cassar a chapa, resultado na saída de Temer do Planalto. Mas outras afirmações do empreiteiro mostram que dimensão ganharam, no Brasil, as relações entre governo e grandes empresas, expondo as entranhas do “capitalismo de compadres” que caracteriza nosso país.
Marcelo Odebrecht fez de tudo, em seu depoimento, para minimizar a responsabilidade pelos atos de corrupção de que é acusado. “Eu não era o dono do governo, eu era o otário do governo. Eu era o bobo da corte do governo”, afirmou. Em outras palavras, ele e a empreiteira só fizeram o que fizeram – o que inclui a montagem de um “departamento de propina” dentro da empresa – porque foram forçados a tal, porque o governo exigia os acertos para que a Odebrecht conseguisse bons e milionários contratos, que iriam para a concorrência caso a empreiteira não aceitasse entrar no jogo da roubalheira e do saque à Petrobras, e por isso a Odebrecht assumiu até mesmo projetos nos quais não tinha interesse.
Ora, o empreiteiro não tem como bancar o coitado quando as delações premiadas mostram que a Odebrecht tomou a iniciativa em diversas situações de corrupção. Assim como na expressão que virou clichê na boca de jogadores de futebol, também neste jogo é óbvio que não há bobo nenhum. A questão de fundo é outra, e as declarações do empresário preso em Curitiba deixam entrever um problema mais amplo que a corrupção, mas que está intrinsecamente ligado a ela.
Um esquema do tamanho daquele que está sendo investigado pela Lava Jato, que atinge não apenas a Petrobras, mas outras estatais e um sem-número de obras, só é possível em um país no qual o Estado assume dimensões mastodônticas, chamando para si a responsabilidade em inúmeros setores, consequentemente administrando um orçamento que atrai os olhares cobiçosos de políticos e empresários inescrupulosos. Em novembro de 2016, a força-tarefa da Lava Jato estimou em R$ 42 bilhões o prejuízo da Petrobras com propinas, superfaturamentos e fraudes em licitações, o que dá uma ideia do valor estratosférico dos contratos envolvidos. É neste ambiente que floresce o “capitalismo de compadres”, que se manifesta não apenas na corrupção pura e simples, mas também em aspectos mais “inocentes”, como o uso da política fiscal ou de bancos de fomento para privilegiar os “amigos do rei”.
A Lava Jato está fazendo um trabalho fundamental para o país ao escancarar os esquemas de corrupção que dizimaram a Petrobras e afetaram outras estatais. Propostas como as Dez Medidas Contra a Corrupção têm a intenção de aprimorar o arcabouço legal brasileiro e combater a impunidade que, em muitos casos, ainda é a regra. Mas, ainda que a Lava Jato consiga a punição de todos os envolvidos, ainda que tenhamos leis melhores, se o Estado seguir inchado, continuará oferecendo inúmeras oportunidades para conluios e desvios nos quais não haverá bobo nenhum – à exceção, claro, do cidadão brasileiro.
Marcelo Odebrecht fez de tudo, em seu depoimento, para minimizar a responsabilidade pelos atos de corrupção de que é acusado. “Eu não era o dono do governo, eu era o otário do governo. Eu era o bobo da corte do governo”, afirmou. Em outras palavras, ele e a empreiteira só fizeram o que fizeram – o que inclui a montagem de um “departamento de propina” dentro da empresa – porque foram forçados a tal, porque o governo exigia os acertos para que a Odebrecht conseguisse bons e milionários contratos, que iriam para a concorrência caso a empreiteira não aceitasse entrar no jogo da roubalheira e do saque à Petrobras, e por isso a Odebrecht assumiu até mesmo projetos nos quais não tinha interesse.
Ora, o empreiteiro não tem como bancar o coitado quando as delações premiadas mostram que a Odebrecht tomou a iniciativa em diversas situações de corrupção. Assim como na expressão que virou clichê na boca de jogadores de futebol, também neste jogo é óbvio que não há bobo nenhum. A questão de fundo é outra, e as declarações do empresário preso em Curitiba deixam entrever um problema mais amplo que a corrupção, mas que está intrinsecamente ligado a ela.
Um esquema do tamanho daquele que está sendo investigado pela Lava Jato, que atinge não apenas a Petrobras, mas outras estatais e um sem-número de obras, só é possível em um país no qual o Estado assume dimensões mastodônticas, chamando para si a responsabilidade em inúmeros setores, consequentemente administrando um orçamento que atrai os olhares cobiçosos de políticos e empresários inescrupulosos. Em novembro de 2016, a força-tarefa da Lava Jato estimou em R$ 42 bilhões o prejuízo da Petrobras com propinas, superfaturamentos e fraudes em licitações, o que dá uma ideia do valor estratosférico dos contratos envolvidos. É neste ambiente que floresce o “capitalismo de compadres”, que se manifesta não apenas na corrupção pura e simples, mas também em aspectos mais “inocentes”, como o uso da política fiscal ou de bancos de fomento para privilegiar os “amigos do rei”.
A Lava Jato está fazendo um trabalho fundamental para o país ao escancarar os esquemas de corrupção que dizimaram a Petrobras e afetaram outras estatais. Propostas como as Dez Medidas Contra a Corrupção têm a intenção de aprimorar o arcabouço legal brasileiro e combater a impunidade que, em muitos casos, ainda é a regra. Mas, ainda que a Lava Jato consiga a punição de todos os envolvidos, ainda que tenhamos leis melhores, se o Estado seguir inchado, continuará oferecendo inúmeras oportunidades para conluios e desvios nos quais não haverá bobo nenhum – à exceção, claro, do cidadão brasileiro.
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