quinta-feira, 22 de setembro de 2016
Odeio você
No Citibank Hall, em São Paulo, Caetano e Gil conduziram a plateia numa versão de “Odeio você” que se completava com “Temer”. Há motivos para a indignação contra um governo recheado das velhas figuras do PMDB, assentado no chamado “Centrão” e salpicado pela gosma de preconceito dos pregadores-negociantes. Contudo, os dois músicos e seu público não apenas rejeitavam o presidente adventício como também se solidarizavam com a dissolvida ordem lulo-dilmista. O evento, um entre tantos que envolvem intelectuais e artistas, evidencia a eficácia da narrativa do “golpe parlamentar”. É mais uma volta no parafuso que prende a esquerda brasileira a lideranças e ideias regressivas. O fracasso não ensinou nada — e apagou as páginas de lições prévias.
Lula e Dilma, depois de tudo — é sério isso? Os heróis da esquerda são os compadres de Marcelo Odebrecht, os chefes dos gerentes-operadores da Petrobras, o óleo na engrenagem de um capitalismo de subsídios e sombrias negociatas. Na ordem lulo-dilmista, circulavam como aliados e associados os mesmos canalhas que rodeiam o atual governo. O que eles “odeiam” não é a presença perene dessa gente, mas a ausência de seus heróis sem nenhum caráter. O Temer que eles odeiam é a implicação necessária dos governos que eles amaram.
No campo político da esquerda, nada se aprendeu sobre uma política econômica amparada nas rendas extraordinárias do ciclo internacional da “globalização chinesa”, que nunca gerou ganhos de produtividade e se concluiu numa depressão tão profunda quanto à do colapso cafeeiro. E nada se aprendeu sobre políticas sociais referenciadas em estímulos conjunturais ao consumo e transferências diretas de renda, que se esgotaram sem reformas de fundo. Enquanto ainda cantam as glórias petistas, eles escondem de si mesmos a permanência de uma educação pública em ruínas e as carências humilhantes dos serviços públicos de saúde. Eles gostam de cotas, não de direitos universais.
O que sobra de uma esquerda cega à desolação das nossas metrópoles cindidas em guetos sociais e, portanto, estruturalmente violentas? Por que eles amam tanto o retrógrado Minha Casa Minha Vida, um programa que ergue habitações populares distantes dos centros das cidades, reiterando um padrão secular de segregação espacial? Copa, Jogos Olímpicos, Porto Maravilha: a roda da fortuna da especulação imobiliária.
Numa mesa-redonda, Guilherme Boulos, o líder do MTST, inverteu a sequência temporal dos eventos para justificar a falência econômica da Venezuela chavista pelo colapso das cotações do petróleo. A caravana do “Odeio você” avança, de olhos vendados, rumo ao passado. Eles não reconhecem que, sob Hugo Chávez, somente se aprofundou a histórica dependência venezuelana das rendas petrolíferas, nem que a “revolução bolivariana” implodiu sob o peso de seus próprios erros, degenerando num regime autoritário, repressivo e impopular. No século XXI, a esquerda brasileira ainda cultua a figura do caudilho latino-americano.
Podemos ter nosso próprio Che? Wagner Moura, cuja inteligência política é inversamente proporcional a seu talento dramático, clama por recursos públicos para um filme sobre Marighella. Ele quer cercar seu personagem com a auréola do romance, ajudando a convertê-lo em marco de memória. A luta armada, o “foco revolucionário”, ofereceu os pretextos ideais para a evolução da máquina repressiva, contribuindo involuntariamente com a sedimentação da ditadura militar. À luz da história, compreende-se o erro trágico dos militantes que se engajaram naquela aventura. Já a romantização da tragédia, tanto tempo depois, e na vigência das liberdades democráticas, deve ser classificada como o ato típico de um idiota.
Na Europa, as correntes principais da esquerda aprenderam com a experiência totalitária soviética o valor fundamental da democracia. Na América Latina, o percurso de aprendizado foi interrompido pela Revolução Cubana, com seu infindável cortejo de mitos. Cuba é o nome da caverna escura que aprisiona a esquerda brasileira. Um quarto de século atrás, o PT chegou a qualificar o regime castrista como uma ditadura indefensável. Hoje, celebra tanto o defunto “modelo socialista” cubano (isto é, o estatismo stalinista) quanto as reformas econômicas deflagradas por Raúl Castro (isto é, um sistema de mercado sem a contrapartida de direitos políticos e sindicais). Nesse pátio de folguedos do anacronismo ideológico, encontra-se com sua dissidência agrupada no PSOL.
“Odeio você, Cunha!”. A performance da esquerda apoia-se num álibi primário. Eles dizem, com razão, que Eduardo Cunha está no DNA do governo Temer. Porém, obliteram o fato de que, sem a engrenagem da corrupção partidária institucionalizada sob o lulo-dilmismo, Cunha seria apenas mais um corrupto de terceira classe. O ódio caetaneado, um produto político seletivo, opera simultaneamente nos registros da memória e do esquecimento. Cunha é Temer — mas é também Lula e Dilma.
Nos idos de junho de 1968, interpretando “É proibido proibir”, Caetano desafiou uma plateia que urrava contra as guitarras elétricas dos Mutantes, pateticamente identificadas ao “imperalismo americano”. Hipnotizados pelo romance da esquerda latino-americana, os jovens odiavam tudo que não fosse Vandré. O Caetano de hoje representa a negação do Caetano original: no Citibank Hall, ele arrependeu-se de si mesmo, curvou-se às vaias do passado, escreveu o epílogo de uma biografia autorizada.
Pablo Milanés desempenhou, ao longo de décadas, o triste papel de trovador oficioso de Fidel Castro. Caetano faz uma melancólica imitação tardia, candidatando-se a trovador de Lula e Dilma. Ninguém deveria odiá-lo por esse motivo. No fim, sua performance reflete os fracassos e as frustrações de uma esquerda enclausurada na gruta de seus mitos. O “velhote inimigo que morreu ontem” está entre nós, bem vivo.
Demétrio Magnoli
No campo político da esquerda, nada se aprendeu sobre uma política econômica amparada nas rendas extraordinárias do ciclo internacional da “globalização chinesa”, que nunca gerou ganhos de produtividade e se concluiu numa depressão tão profunda quanto à do colapso cafeeiro. E nada se aprendeu sobre políticas sociais referenciadas em estímulos conjunturais ao consumo e transferências diretas de renda, que se esgotaram sem reformas de fundo. Enquanto ainda cantam as glórias petistas, eles escondem de si mesmos a permanência de uma educação pública em ruínas e as carências humilhantes dos serviços públicos de saúde. Eles gostam de cotas, não de direitos universais.
O que sobra de uma esquerda cega à desolação das nossas metrópoles cindidas em guetos sociais e, portanto, estruturalmente violentas? Por que eles amam tanto o retrógrado Minha Casa Minha Vida, um programa que ergue habitações populares distantes dos centros das cidades, reiterando um padrão secular de segregação espacial? Copa, Jogos Olímpicos, Porto Maravilha: a roda da fortuna da especulação imobiliária.
Numa mesa-redonda, Guilherme Boulos, o líder do MTST, inverteu a sequência temporal dos eventos para justificar a falência econômica da Venezuela chavista pelo colapso das cotações do petróleo. A caravana do “Odeio você” avança, de olhos vendados, rumo ao passado. Eles não reconhecem que, sob Hugo Chávez, somente se aprofundou a histórica dependência venezuelana das rendas petrolíferas, nem que a “revolução bolivariana” implodiu sob o peso de seus próprios erros, degenerando num regime autoritário, repressivo e impopular. No século XXI, a esquerda brasileira ainda cultua a figura do caudilho latino-americano.
Podemos ter nosso próprio Che? Wagner Moura, cuja inteligência política é inversamente proporcional a seu talento dramático, clama por recursos públicos para um filme sobre Marighella. Ele quer cercar seu personagem com a auréola do romance, ajudando a convertê-lo em marco de memória. A luta armada, o “foco revolucionário”, ofereceu os pretextos ideais para a evolução da máquina repressiva, contribuindo involuntariamente com a sedimentação da ditadura militar. À luz da história, compreende-se o erro trágico dos militantes que se engajaram naquela aventura. Já a romantização da tragédia, tanto tempo depois, e na vigência das liberdades democráticas, deve ser classificada como o ato típico de um idiota.
Na Europa, as correntes principais da esquerda aprenderam com a experiência totalitária soviética o valor fundamental da democracia. Na América Latina, o percurso de aprendizado foi interrompido pela Revolução Cubana, com seu infindável cortejo de mitos. Cuba é o nome da caverna escura que aprisiona a esquerda brasileira. Um quarto de século atrás, o PT chegou a qualificar o regime castrista como uma ditadura indefensável. Hoje, celebra tanto o defunto “modelo socialista” cubano (isto é, o estatismo stalinista) quanto as reformas econômicas deflagradas por Raúl Castro (isto é, um sistema de mercado sem a contrapartida de direitos políticos e sindicais). Nesse pátio de folguedos do anacronismo ideológico, encontra-se com sua dissidência agrupada no PSOL.
“Odeio você, Cunha!”. A performance da esquerda apoia-se num álibi primário. Eles dizem, com razão, que Eduardo Cunha está no DNA do governo Temer. Porém, obliteram o fato de que, sem a engrenagem da corrupção partidária institucionalizada sob o lulo-dilmismo, Cunha seria apenas mais um corrupto de terceira classe. O ódio caetaneado, um produto político seletivo, opera simultaneamente nos registros da memória e do esquecimento. Cunha é Temer — mas é também Lula e Dilma.
Nos idos de junho de 1968, interpretando “É proibido proibir”, Caetano desafiou uma plateia que urrava contra as guitarras elétricas dos Mutantes, pateticamente identificadas ao “imperalismo americano”. Hipnotizados pelo romance da esquerda latino-americana, os jovens odiavam tudo que não fosse Vandré. O Caetano de hoje representa a negação do Caetano original: no Citibank Hall, ele arrependeu-se de si mesmo, curvou-se às vaias do passado, escreveu o epílogo de uma biografia autorizada.
Pablo Milanés desempenhou, ao longo de décadas, o triste papel de trovador oficioso de Fidel Castro. Caetano faz uma melancólica imitação tardia, candidatando-se a trovador de Lula e Dilma. Ninguém deveria odiá-lo por esse motivo. No fim, sua performance reflete os fracassos e as frustrações de uma esquerda enclausurada na gruta de seus mitos. O “velhote inimigo que morreu ontem” está entre nós, bem vivo.
Demétrio Magnoli
Chico Buarque canta para Lula. Ou do Bicho Papão ao Bicho Papuda
Ficou famosa a foto em que Chico Buarque aparece, ao lado de Lula, no Senado, de óculos escuros, acompanhando a sessão que cassou o mandato de Dilma Rousseff. Até hoje me pergunto por que o artista usava óculos escuros. Como poderia responder a dupla Paulo Coelho-Raul Seixas, vai ver era falta de colírio, não é mesmo? Pois bem: aquele Chico poderia se virar para o Apedeuta e cantarolar:
Eu bem que avisei, vai acabar
De tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar
Agora não sei como explicar
Eu bem que mostrei a ela
O tempo passou na janela
Só Carolina não viu.
Pois é… Todos os truques de Lula que eram antes alçados à condição de genialidade passaram a soar apenas bizarros. Vocês sabem que faço restrições à forma como a força-tarefa conduz as coisas. Os canalhas acham que estou dando uma colher de chá para a Lula. Quem sabe ler percebeu que se trata de advertência para evitar que erros processuais conduzam à impunidade daquele que eu considero ser o chefe de uma organização criminosa. Adiante.
Lula participou de um ato político no Crato, no Ceará. Em discurso a militantes petistas, ele se referiu ao processo em que se tornou réu na Lava Jato dizendo que “eles estão com medo de que o Lula volte à Presidência”. Afirmou também que há exatamente dois anos “uns jovens do Ministério Público, do Judiciário e da Fazenda” o investigam. Segundo o “companheiro”, “quem não pode falar bem de si fala mal dos outros”. Em outro momento, o ex-presidente voltou a repetir que, se encontrarem um centavo roubado por ele, pedirá desculpas publicamente. Para Lula, no entanto, se não encontrarem, ele quer que eles “tenham a mesma dignidade e peçam desculpas por desonrar um homem que teve a ousadia de tirar o povo do século 18″.
Que coisa! Houve um tempo em que essa bobajada parecia Schopenhauer a certos ouvidos, não é mesmo? É muito interessante este método: “Se encontrarem um centavo roubado…”. Bem, a força-tarefa julga ter encontrado bem mais do que isso, não é mesmo? Só da OAS, ela aponta R$ 3.738.738. Sim, as provas terão de ser apresentadas. Chamo a atenção para o fato de que Lula se coloca ele próprio como o único juiz capaz de julgá-lo. Ora, é evidente que, segundo seus critérios, ele é o homem mais honesto do mundo.
A conclusão de sua frase já diz bem segundo quais olhos e quais crivos ele gostaria de ser julgado: aquele que tirou os brasileiros do século 18… É mesmo? Que coisa! O Brasil só chegou ao século 21 na economia da informação, por exemplo, porque houve o ciclo de privatizações do governo FHC, ao qual o PT e Lula se opuseram. Ou estaríamos condenados à primeira metade do século 20. Acorda, Carolina! Ninguém mais cai nessa conversa.
Ah, sim: no Ceará, ele disse só respeitar presidente da República eleito pelo voto. É mesmo? Foi por isso que ele se fez um dos líderes da queda de Collor? Mais ainda: ele reconhece ou não a Constituição?
Lula, é evidente!, se disse indignado com o recebimento, pelo juiz Sergio Moro, da denúncia criminal contra ele e classificou como “farsa” e “grande mentira” a acusação feita pela força-tarefa da Lava Jato. A manifestação se deu em uma transmissão via Skype para um ato de apoio ao petista, organizado em Nova York pela CUT e alguns sindicatos americanos. No vídeo, o ex-presidente afirmou que, “no Brasil, nesse instante, o que menos importa é a verdade”.
Segundo o chefão petista, o que está estampado nas manchetes dos jornais é uma versão manipulada dos fatos, o que pode levar à condenação, pela opinião pública, de uma pessoa inocente. Sua defesa reagiu ao recebimento da denúncia contra o petista com ataques ao juiz, apontado como parcial pelos advogados. Em nota, Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira afirmam que “não causa surpresa” a decisão “diante de todo o histórico de perseguição e violação às garantias fundamentais pelo juiz de Curitiba em relação ao ex-presidente”.
O que vou dizer? O papel da defesa é, afinal, defender. Já afirmei aqui que, em termos estritamente técnicos, considero equivocada essa linha, que me parece ser ditada pelo desespero de quem não vê meios de enfrentar a acusação. Atacar o juiz pode fazer algum sucesso entre o público de esquerda e em alguns nichos ditos “progressistas” mundo afora, mas não resolve o problema de Lula.
Até as eventuais falhas da acusação se perdem nessa gritaria meio histérica, destinada, parece-me, originalmente, a criar uma grande mobilização popular. Que, no entanto, esqueceu-se de acontecer.
Acorda, Carolina! O tempo passou na janela.
Ninguém mais acredita em Bicho Papão. O que pode haver pela frente é o Bicho Papuda.
De tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar
Agora não sei como explicar
Eu bem que mostrei a ela
O tempo passou na janela
Só Carolina não viu.
Lula participou de um ato político no Crato, no Ceará. Em discurso a militantes petistas, ele se referiu ao processo em que se tornou réu na Lava Jato dizendo que “eles estão com medo de que o Lula volte à Presidência”. Afirmou também que há exatamente dois anos “uns jovens do Ministério Público, do Judiciário e da Fazenda” o investigam. Segundo o “companheiro”, “quem não pode falar bem de si fala mal dos outros”. Em outro momento, o ex-presidente voltou a repetir que, se encontrarem um centavo roubado por ele, pedirá desculpas publicamente. Para Lula, no entanto, se não encontrarem, ele quer que eles “tenham a mesma dignidade e peçam desculpas por desonrar um homem que teve a ousadia de tirar o povo do século 18″.
Que coisa! Houve um tempo em que essa bobajada parecia Schopenhauer a certos ouvidos, não é mesmo? É muito interessante este método: “Se encontrarem um centavo roubado…”. Bem, a força-tarefa julga ter encontrado bem mais do que isso, não é mesmo? Só da OAS, ela aponta R$ 3.738.738. Sim, as provas terão de ser apresentadas. Chamo a atenção para o fato de que Lula se coloca ele próprio como o único juiz capaz de julgá-lo. Ora, é evidente que, segundo seus critérios, ele é o homem mais honesto do mundo.
A conclusão de sua frase já diz bem segundo quais olhos e quais crivos ele gostaria de ser julgado: aquele que tirou os brasileiros do século 18… É mesmo? Que coisa! O Brasil só chegou ao século 21 na economia da informação, por exemplo, porque houve o ciclo de privatizações do governo FHC, ao qual o PT e Lula se opuseram. Ou estaríamos condenados à primeira metade do século 20. Acorda, Carolina! Ninguém mais cai nessa conversa.
Ah, sim: no Ceará, ele disse só respeitar presidente da República eleito pelo voto. É mesmo? Foi por isso que ele se fez um dos líderes da queda de Collor? Mais ainda: ele reconhece ou não a Constituição?
Lula, é evidente!, se disse indignado com o recebimento, pelo juiz Sergio Moro, da denúncia criminal contra ele e classificou como “farsa” e “grande mentira” a acusação feita pela força-tarefa da Lava Jato. A manifestação se deu em uma transmissão via Skype para um ato de apoio ao petista, organizado em Nova York pela CUT e alguns sindicatos americanos. No vídeo, o ex-presidente afirmou que, “no Brasil, nesse instante, o que menos importa é a verdade”.
Segundo o chefão petista, o que está estampado nas manchetes dos jornais é uma versão manipulada dos fatos, o que pode levar à condenação, pela opinião pública, de uma pessoa inocente. Sua defesa reagiu ao recebimento da denúncia contra o petista com ataques ao juiz, apontado como parcial pelos advogados. Em nota, Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira afirmam que “não causa surpresa” a decisão “diante de todo o histórico de perseguição e violação às garantias fundamentais pelo juiz de Curitiba em relação ao ex-presidente”.
O que vou dizer? O papel da defesa é, afinal, defender. Já afirmei aqui que, em termos estritamente técnicos, considero equivocada essa linha, que me parece ser ditada pelo desespero de quem não vê meios de enfrentar a acusação. Atacar o juiz pode fazer algum sucesso entre o público de esquerda e em alguns nichos ditos “progressistas” mundo afora, mas não resolve o problema de Lula.
Até as eventuais falhas da acusação se perdem nessa gritaria meio histérica, destinada, parece-me, originalmente, a criar uma grande mobilização popular. Que, no entanto, esqueceu-se de acontecer.
Acorda, Carolina! O tempo passou na janela.
Ninguém mais acredita em Bicho Papão. O que pode haver pela frente é o Bicho Papuda.
Quanto vale a Constituição?
O Supremo Tribunal Federal está para decidir se o Estado tem a obrigação de fornecer medicamentos não oferecidos pelo SUS, não importa o preço nem se é importado. Na verdade, a discussão é mais ampla: trata-se de saber se o Estado tem condições de cumprir a Constituição na prestação de saúde.
É de crucial importância. Por isso, volto ao tema já tratado aqui. Começa assim: pela Constituição, todo brasileiro tem direito de ser atendido de graça nos hospitais, ambulatórios e emergências do Sistema Único de Saúde, quaisquer que sejam sua doença, crônica ou aguda, simples ou grave; sua idade; sua renda; sua situação social e econômica (empregado, desempregado, patrão, rico ou pobre); e seu status civil (em liberdade, preso, em dia ou não com as Receitas).
A realidade e o simples bom senso dizem que não existe a menor possibilidade de se entregar essa proteção. Nunca haverá dinheiro para isso. Nem o Estado será capaz de montar um sistema eficiente desse tamanho e alcance.
A solução, praticada em diversos países com bom sistema de saúde pública, exige seleção e lista.
A seleção em quatro níveis: pessoas que serão sempre atendidas no SUS; as que serão atendidas prioritariamente; aquelas que serão recebidas no SUS apenas se tiver vaga sobrando; e, finalmente, as pessoas que não têm esse direito, a menos que paguem a preços de mercado. A regra, claro, vai do mais pobre ao mais rico.
A lista será de medicamentos e procedimentos. Uma primeira grande divisão: o que será de graça e o que será pago. Não faz sentido o Estado ficar sem dinheiro para vacinas enquanto paga uma cirurgia cardíaca no Hospital Johns Hopkins, isso por ordem judicial.
Ou comprar remédios não disponíveis na rede pública ou mesmo no país. A advogada-geral da União, Grace Mendonça, diz que a União gasta R$ 1 bilhão/ano com o fornecimento dos 20 medicamentos mais caros obtidos pelos cidadãos por via judicial.
Essas sentenças se baseiam na regra tão exaltada: a saúde é direito de todos e dever do Estado. Muitos entendem que o governo só tem a obrigação de prestar esse atendimento no SUS. Mas há juízes que pensam e decidem diferente: se o tratamento (ou o remédio) não está disponível no Sistema Único, deve ser prestado onde for possível, tudo por conta do Erário.
É o que o STF está por decidir.
Pela lógica econômica e social, as regras deveriam ser claras. Por exemplo, para os medicamentos: os básicos seriam de graça; os intermediários, com preço subsidiado; os demais, preço de mercado.
É preciso ainda especificar quais procedimentos o SUS faz e quais não vai fazer. E assim chegamos ao ponto mais dramático desta história. Em diversos países com bom sistema de proteção social, existem regras assim: pacientes idosos, com, por exemplo, um AVC grave, de baixo prognóstico, não vão para UTI. Leitores me desculpem, mas o argumento é clássico: a relação custo/benefício é desfavorável.
Sim, posso ouvir a indignação. Dirão que esse comentário prova a brutalidade do sistema de seleção e listas. E a vantagem moral do atendimento universal.
Falso. A seleção é praticada diariamente aqui no Brasil. A emergência tem quatro casos graves e só tem uma vaga na UTI. Quem decide? O plantonista, em geral um residente.
Além de errado, é ainda desumano colocar essa responsabilidade médica e ética nas mãos de rapazes e moças na casa dos 25 anos.
Seleção e listas elaboradas com critérios médicos, sociais e econômicos seriam infinitamente mais justas e eficientes.
Outra seleção, especialmente pelo interior do país, é feita por compadrio e política. Por que muitos políticos gostam de nomear diretores de hospitais, um cargo tão difícil? Porque gastam dinheiro e podem escolher os que serão atendidos na frente.
E há uma última e definitiva seleção, ou restrição de atendimento, essa ocorrida na crise do Rio, por exemplo. Hospitais simplesmente fecharam as portas, não entra ninguém. As farmácias declaram que não têm mais remédios — e pronto.
Cadê a Constituição?
Resumo geral: a Constituição promete o que o Estado não pode entregar. É preciso mudar a Carta para que os governos possam atender bem aqueles que precisam e não podem pagar. E abrir espaço, amplo espaço e facilidades, para a chamada Saúde Complementar — a privada, aquela dos planos e seguros de saúde e dos hospitais particulares — que se tornou mais que essencial.
Os governos Lula e Dilma impuseram regras e limitações a essa Saúde Complementar, muito além do que seria uma regulação correta. Também é mais que um desvio antiprivatizante. É uma reação tipo consciência culpada. Os 45 milhões de brasileiros que pagam planos e seguros privados estão gritando que o SUS é um falso universal. Estão mostrando a incapacidade dos governos de colocá-lo de pé.
Em vez de tentar reorganizar o SUS, com uma reforma na Constituição, admitindo as limitações, essa gente resolve pressionar o sistema privado. Nem conserta um e ainda estraga o outro.
Carlos Alberto Sardenberg
É de crucial importância. Por isso, volto ao tema já tratado aqui. Começa assim: pela Constituição, todo brasileiro tem direito de ser atendido de graça nos hospitais, ambulatórios e emergências do Sistema Único de Saúde, quaisquer que sejam sua doença, crônica ou aguda, simples ou grave; sua idade; sua renda; sua situação social e econômica (empregado, desempregado, patrão, rico ou pobre); e seu status civil (em liberdade, preso, em dia ou não com as Receitas).
A realidade e o simples bom senso dizem que não existe a menor possibilidade de se entregar essa proteção. Nunca haverá dinheiro para isso. Nem o Estado será capaz de montar um sistema eficiente desse tamanho e alcance.
A solução, praticada em diversos países com bom sistema de saúde pública, exige seleção e lista.
A seleção em quatro níveis: pessoas que serão sempre atendidas no SUS; as que serão atendidas prioritariamente; aquelas que serão recebidas no SUS apenas se tiver vaga sobrando; e, finalmente, as pessoas que não têm esse direito, a menos que paguem a preços de mercado. A regra, claro, vai do mais pobre ao mais rico.
A lista será de medicamentos e procedimentos. Uma primeira grande divisão: o que será de graça e o que será pago. Não faz sentido o Estado ficar sem dinheiro para vacinas enquanto paga uma cirurgia cardíaca no Hospital Johns Hopkins, isso por ordem judicial.
Ou comprar remédios não disponíveis na rede pública ou mesmo no país. A advogada-geral da União, Grace Mendonça, diz que a União gasta R$ 1 bilhão/ano com o fornecimento dos 20 medicamentos mais caros obtidos pelos cidadãos por via judicial.
Essas sentenças se baseiam na regra tão exaltada: a saúde é direito de todos e dever do Estado. Muitos entendem que o governo só tem a obrigação de prestar esse atendimento no SUS. Mas há juízes que pensam e decidem diferente: se o tratamento (ou o remédio) não está disponível no Sistema Único, deve ser prestado onde for possível, tudo por conta do Erário.
É o que o STF está por decidir.
É preciso ainda especificar quais procedimentos o SUS faz e quais não vai fazer. E assim chegamos ao ponto mais dramático desta história. Em diversos países com bom sistema de proteção social, existem regras assim: pacientes idosos, com, por exemplo, um AVC grave, de baixo prognóstico, não vão para UTI. Leitores me desculpem, mas o argumento é clássico: a relação custo/benefício é desfavorável.
Sim, posso ouvir a indignação. Dirão que esse comentário prova a brutalidade do sistema de seleção e listas. E a vantagem moral do atendimento universal.
Falso. A seleção é praticada diariamente aqui no Brasil. A emergência tem quatro casos graves e só tem uma vaga na UTI. Quem decide? O plantonista, em geral um residente.
Além de errado, é ainda desumano colocar essa responsabilidade médica e ética nas mãos de rapazes e moças na casa dos 25 anos.
Seleção e listas elaboradas com critérios médicos, sociais e econômicos seriam infinitamente mais justas e eficientes.
Outra seleção, especialmente pelo interior do país, é feita por compadrio e política. Por que muitos políticos gostam de nomear diretores de hospitais, um cargo tão difícil? Porque gastam dinheiro e podem escolher os que serão atendidos na frente.
E há uma última e definitiva seleção, ou restrição de atendimento, essa ocorrida na crise do Rio, por exemplo. Hospitais simplesmente fecharam as portas, não entra ninguém. As farmácias declaram que não têm mais remédios — e pronto.
Cadê a Constituição?
Resumo geral: a Constituição promete o que o Estado não pode entregar. É preciso mudar a Carta para que os governos possam atender bem aqueles que precisam e não podem pagar. E abrir espaço, amplo espaço e facilidades, para a chamada Saúde Complementar — a privada, aquela dos planos e seguros de saúde e dos hospitais particulares — que se tornou mais que essencial.
Os governos Lula e Dilma impuseram regras e limitações a essa Saúde Complementar, muito além do que seria uma regulação correta. Também é mais que um desvio antiprivatizante. É uma reação tipo consciência culpada. Os 45 milhões de brasileiros que pagam planos e seguros privados estão gritando que o SUS é um falso universal. Estão mostrando a incapacidade dos governos de colocá-lo de pé.
Em vez de tentar reorganizar o SUS, com uma reforma na Constituição, admitindo as limitações, essa gente resolve pressionar o sistema privado. Nem conserta um e ainda estraga o outro.
Carlos Alberto Sardenberg
Descrédito geral
Vai demorar
Depois que o juiz federal Sérgio Moro aceitou a denúncia contra o ex-presidente Lula, esta semana, a impressão de alguns é que estamos a poucos passos de sua sentença final. Ou seja, daquele momento que parecia que jamais chegaria desde que a Operação Lava-Jato começou, há mais de dois anos: o da prisão do líder mais popular da moderna história do país. O homem que associou sua imagem a uma política social que finalmente resgatou os pobres da miséria, algo que todos imaginavam impossível antes dos 13 anos e meio de era petista.
Como é comum nesses eventos que cruzam expectativas políticas e procedimentos judiciais, convém depurar bem os fatos e atentar para as fases processuais antes de projetar cenários alimentados por fantasias. Vai demorar a ficar claro qual será o futuro de Lula.
Na ação apreciada em Brasília, onde ele é acusado de obstrução à Justiça, dificilmente sua culpa, se provada, implicará privação de liberdade. No caso que corre em Curitiba, será necessário cumprir muitas etapas, entre elas, mostrar provas incontestáveis, proceder à oitiva de inúmeras testemunhas, fazer a apelação e, aí sim, condenar e, eventualmente, prender. Isso se o Supremo confirmar o dispositivo recém-adotado de que a partir da segunda instância o condenado já começa a cumprir a pena na cadeia. Na hipótese de derrota, o Ministério Público pode recorrer.
Quem julga que não há clima para punir Lula com os rigores da lei deve levar em conta que, além de prudente, Moro é um juiz bastante qualificado e não arriscaria a carreira por temer consequências políticas difusas. Até porque o carisma de Lula está derretendo na atual campanha eleitoral. Ou seja, o desencanto dos eleitores, que antecipam nas pesquisas que o PT só tem chances de vitória na disputa para prefeito em Rio Branco, já contaminou os simpatizantes dos segmentos em que a resistência petista montou barricadas: artistas, intelectuais, celebridades. A maioria cansou.
Esse súbito choque de bom senso parece ser fruto de teste com um kit de educação política que pode ser adquirido por qualquer alfabetizado num dos inúmeros canais de informação – família, rádio, TV, jornal, internet, rua, escola, igreja, sindicato. O kit traz as perguntas: 1) Alguém em sã consciência e sem paixão tem dúvida de que houve na Petrobras um saque de proporções cósmicas? Não; 2) Isso ocorreu por geração espontânea, cada um por si, tirando seu naco de patrimônio público? Claro que não; 3) Houve ou não uma organização criminosa dedicada a esse crime espantoso, mesmo para uma sociedade acostumada a conviver com a corrupção? Sim, óbvio que sim.
A repressão a esses crimes produziu mais de 76 prisões, 49 acusações, 1.397 procedimentos, 654 busca e apreensões, 174 conduções coercitivas, 106 condenações entre outras inúmeras estatísticas listadas em detalhes inacreditáveis pelo Ministério Público em sua página da internet sobre a Lava-Jato. A maioria está associada esmagadoramente ao PT, que, no entanto, alega ser vítima de uma conspiração política da mídia golpista associada a partidos de oposição.
Ainda que se possa, num ato de extravagância, acreditar no que o ex-presidente alega em sua defesa, é preciso levar em conta o seguinte: na cultura ocidental ainda é o juiz – e não o réu – que estabelece quem tem culpa.
Na ação apreciada em Brasília, onde ele é acusado de obstrução à Justiça, dificilmente sua culpa, se provada, implicará privação de liberdade. No caso que corre em Curitiba, será necessário cumprir muitas etapas, entre elas, mostrar provas incontestáveis, proceder à oitiva de inúmeras testemunhas, fazer a apelação e, aí sim, condenar e, eventualmente, prender. Isso se o Supremo confirmar o dispositivo recém-adotado de que a partir da segunda instância o condenado já começa a cumprir a pena na cadeia. Na hipótese de derrota, o Ministério Público pode recorrer.
Quem julga que não há clima para punir Lula com os rigores da lei deve levar em conta que, além de prudente, Moro é um juiz bastante qualificado e não arriscaria a carreira por temer consequências políticas difusas. Até porque o carisma de Lula está derretendo na atual campanha eleitoral. Ou seja, o desencanto dos eleitores, que antecipam nas pesquisas que o PT só tem chances de vitória na disputa para prefeito em Rio Branco, já contaminou os simpatizantes dos segmentos em que a resistência petista montou barricadas: artistas, intelectuais, celebridades. A maioria cansou.
Esse súbito choque de bom senso parece ser fruto de teste com um kit de educação política que pode ser adquirido por qualquer alfabetizado num dos inúmeros canais de informação – família, rádio, TV, jornal, internet, rua, escola, igreja, sindicato. O kit traz as perguntas: 1) Alguém em sã consciência e sem paixão tem dúvida de que houve na Petrobras um saque de proporções cósmicas? Não; 2) Isso ocorreu por geração espontânea, cada um por si, tirando seu naco de patrimônio público? Claro que não; 3) Houve ou não uma organização criminosa dedicada a esse crime espantoso, mesmo para uma sociedade acostumada a conviver com a corrupção? Sim, óbvio que sim.
A repressão a esses crimes produziu mais de 76 prisões, 49 acusações, 1.397 procedimentos, 654 busca e apreensões, 174 conduções coercitivas, 106 condenações entre outras inúmeras estatísticas listadas em detalhes inacreditáveis pelo Ministério Público em sua página da internet sobre a Lava-Jato. A maioria está associada esmagadoramente ao PT, que, no entanto, alega ser vítima de uma conspiração política da mídia golpista associada a partidos de oposição.
Ainda que se possa, num ato de extravagância, acreditar no que o ex-presidente alega em sua defesa, é preciso levar em conta o seguinte: na cultura ocidental ainda é o juiz – e não o réu – que estabelece quem tem culpa.
Sem lactose. E agora?
Sob a quase aurora do meu quebra luz os ponteiros irrompem afobados ferindo a inércia do dia, que já se ensaia lá fora se prenunciando nem tão radioso.
O vento como se travado por uma súmula qualquer de algum tribunal de Plutão ou da Via Láctea, talvez a sete, quem sabe, ignora solenemente o recurso. Sem lactose, não há falar.
Não se sabe por qual onda, se dos oceanos ou das lagoas, o vento mergulhou e sumiu como se dissesse agora me tira dessa. Súmula é uma injeção que se aplica não conforme a dor, mas quando convém.
Antigamente, nas barrancas do Itapecuru, as mulheres ficavam horas de molho no rio lavando trouxas de roupa suja. Batendo nos panos com um cacete e os esfregando com sabugo de milho e sabão.
Das profundezas do pré-sal toneladas de lama se achando o ouro negro formataram irresistíveis as milionárias propinas do petrolão.
Me tira dessa, me tira dessa, reclama o vento preguiçoso incapaz de mover, só por hoje, ainda bem, sequer uma folha nos arvoredos quase secos das beiradas do Lago do Paranoá.
A flatulência dos esgotos desemboca pelos arroios dos grandes rios em suas passagens suburbanas. Também pelos regatos das praias urbanas, inclusive a de Iracema no Ceará e a do Olho D água no Maranhão.
O vento, sempre disposto, tem forças para espraiar esses fedores. Mas hoje, não. Parece enojado com o que tem transcendido nas ultimas vésperas.
Quando o General Figueiredo trocou a farda por um terno e gravata e foi ao prédio do Congresso assinar a ficha de filiação à ARENA, sem o que não poderia ser o candidato então imbatível porque sob as regras especificas e direcionadas a favorece-lo, não sei já era uma jogada de marketing do Said Farah, o cobra da sua comunicação, mas vi que o cigarro que ele fumava era um Parliament. (Parlamento)
Naquele tempo ainda não havia o Serra para proibir fumantes nos aviões, nos prédios públicos e nos locais fechados de acesso público. O General fumou três Parliament`s. Estava disposto a fazer a abertura politica. “Quem for contra a abertura politica, eu prendo e arrebento”. Afirmou assim a sua convicção.
Não demorou e os bolsões radicais da linha dura fizeram explodir uma bomba num primeiro de maio no Rio Centro, pouco antes do começo da festa em celebração do dia do trabalhador.
A bomba parecia tão afobada que explodiu bem antes no colo de um sargento do Exército. Foi a senha para o Presidente Figueiredo esmorecer com a abertura. Golbery foi embora. Se quiseres saber mais, pergunta ao vento.
Me tira dessa, me tira dessa. O vento hoje não quer saber de nada. O vento hoje é até inocente. Não tem nada a ver com os incêndios que se espalham. Nem com as chuvas que causam alagamentos, desabamentos, esbarrei amentos, até afogamentos. Nem quando as chuvas não vêm.
Hoje, graças ao Serra, já não há mais cinzeiros nem pontas de cigarro atiradas nos tapetes do Congresso Nacional. No meio do caminho, entre o plenário da Câmara e o plenário do Senado, tinham muitas pontas de cigarro.
Drummond, o poeta, contou que nada lhe deu mais aporrinhação que o poema da pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tinha uma pedra. Aos vinte e poucos anos escreveu aquilo como diversão. Por brincadeira. Mas até o vento sabe o quanto o poema da pedra foi objeto de estudos, polêmicas, até de teses de mestrado.
Me tira dessa, pede o vento. Me tira...
Edson Vidigal
O vento como se travado por uma súmula qualquer de algum tribunal de Plutão ou da Via Láctea, talvez a sete, quem sabe, ignora solenemente o recurso. Sem lactose, não há falar.
Não se sabe por qual onda, se dos oceanos ou das lagoas, o vento mergulhou e sumiu como se dissesse agora me tira dessa. Súmula é uma injeção que se aplica não conforme a dor, mas quando convém.
Antigamente, nas barrancas do Itapecuru, as mulheres ficavam horas de molho no rio lavando trouxas de roupa suja. Batendo nos panos com um cacete e os esfregando com sabugo de milho e sabão.
Das profundezas do pré-sal toneladas de lama se achando o ouro negro formataram irresistíveis as milionárias propinas do petrolão.
Me tira dessa, me tira dessa, reclama o vento preguiçoso incapaz de mover, só por hoje, ainda bem, sequer uma folha nos arvoredos quase secos das beiradas do Lago do Paranoá.
A flatulência dos esgotos desemboca pelos arroios dos grandes rios em suas passagens suburbanas. Também pelos regatos das praias urbanas, inclusive a de Iracema no Ceará e a do Olho D água no Maranhão.
O vento, sempre disposto, tem forças para espraiar esses fedores. Mas hoje, não. Parece enojado com o que tem transcendido nas ultimas vésperas.
Quando o General Figueiredo trocou a farda por um terno e gravata e foi ao prédio do Congresso assinar a ficha de filiação à ARENA, sem o que não poderia ser o candidato então imbatível porque sob as regras especificas e direcionadas a favorece-lo, não sei já era uma jogada de marketing do Said Farah, o cobra da sua comunicação, mas vi que o cigarro que ele fumava era um Parliament. (Parlamento)
Naquele tempo ainda não havia o Serra para proibir fumantes nos aviões, nos prédios públicos e nos locais fechados de acesso público. O General fumou três Parliament`s. Estava disposto a fazer a abertura politica. “Quem for contra a abertura politica, eu prendo e arrebento”. Afirmou assim a sua convicção.
Não demorou e os bolsões radicais da linha dura fizeram explodir uma bomba num primeiro de maio no Rio Centro, pouco antes do começo da festa em celebração do dia do trabalhador.
A bomba parecia tão afobada que explodiu bem antes no colo de um sargento do Exército. Foi a senha para o Presidente Figueiredo esmorecer com a abertura. Golbery foi embora. Se quiseres saber mais, pergunta ao vento.
Me tira dessa, me tira dessa. O vento hoje não quer saber de nada. O vento hoje é até inocente. Não tem nada a ver com os incêndios que se espalham. Nem com as chuvas que causam alagamentos, desabamentos, esbarrei amentos, até afogamentos. Nem quando as chuvas não vêm.
Hoje, graças ao Serra, já não há mais cinzeiros nem pontas de cigarro atiradas nos tapetes do Congresso Nacional. No meio do caminho, entre o plenário da Câmara e o plenário do Senado, tinham muitas pontas de cigarro.
Drummond, o poeta, contou que nada lhe deu mais aporrinhação que o poema da pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tinha uma pedra. Aos vinte e poucos anos escreveu aquilo como diversão. Por brincadeira. Mas até o vento sabe o quanto o poema da pedra foi objeto de estudos, polêmicas, até de teses de mestrado.
Me tira dessa, pede o vento. Me tira...
Edson Vidigal
Música eterna
Irmãos Seeli Toivio (violoncelo) e Kalle Toivio (piano)
em "Liebestraum", de Franz Liszt (1811-1886)
Negócio olíimpico
Não temos nada contra as Olimpíadas, mas elas viraram um negócio. Não às Olimpíadas dos tijolos. Na prática, elas são uma espécie de cheque em branco assinado pelos países-sede. As Olimpíadas são um sonho que se torna pesadelo. É um negócio para os grandes lobbies, os grandes construtoresVirginia Raggi (38 anos), primeira prefeita de Roma, que abriu mão do evento em 2024
Cuidado com a gastança
Uma infeliz coincidência surpreendeu quem se deu ao trabalho de comparar os países cujos representantes abandonaram ou não compareceram ao plenário das Nações Unidas durante o discurso de Michel Temer, terça-feira. Com a exceção de Costa Rica, embora sem certeza, os demais tinham sido agraciados com dinheiro do governo brasileiro para variadas obras de infraestrutura. Quer dizer, Equador, Bolívia, Venezuela, Cuba e Nicarágua agradeceram os investimentos feitos pelos governos Lula e Dilma em seus respectivos territórios. Protestaram contra Michel Temer, acusando-o de responsável pelo que chamaram de golpe contra a democracia.
Poucos se deram conta de ser governados por ditadores ou candidatos a ditador, ou por regimes não propriamente democráticos. A proximidade desses governos com as benesses do PT também não deixam dúvidas.
Poucos se deram conta de ser governados por ditadores ou candidatos a ditador, ou por regimes não propriamente democráticos. A proximidade desses governos com as benesses do PT também não deixam dúvidas.
Foi um vexame, tão comum em décadas passadas, nos tempos da guerra fria, quando representantes da União Soviética tiravam os sapatos e batiam com eles nas bancadas onde deveriam prestar atenção nos discursos. Ou abandonavam o recinto para discordar de quem protestava contra a União Soviética.
Assistimos pela televisão, ao vivo, a repetição daqueles vexames de ontem, com vetustos senhores e madames empoadas saindo em fila do recinto, como forma de discordar de acontecimentos da economia interna do Brasil.
Não sabemos se Temer foi alertado antes, nem mesmo se reparou na pobre debandada, enquanto ela acontecia. Chefões como Raul Castro, Evo Morales, Nicolas Maduro e outros, tornando-se porta-vozes do lulopetismo, perderam a oportunidade de ouvir considerações sobre a prevalência da Constituição, entre nós. Quanto aos vultosos investimentos brasileiros em seus países, como portos, rodovias e usinas, fica a lição de termos assistido mais uma demonstração de ingratidão. Da próxima vez deveremos tomar cuidado com a gastança.
Assistimos pela televisão, ao vivo, a repetição daqueles vexames de ontem, com vetustos senhores e madames empoadas saindo em fila do recinto, como forma de discordar de acontecimentos da economia interna do Brasil.
Não sabemos se Temer foi alertado antes, nem mesmo se reparou na pobre debandada, enquanto ela acontecia. Chefões como Raul Castro, Evo Morales, Nicolas Maduro e outros, tornando-se porta-vozes do lulopetismo, perderam a oportunidade de ouvir considerações sobre a prevalência da Constituição, entre nós. Quanto aos vultosos investimentos brasileiros em seus países, como portos, rodovias e usinas, fica a lição de termos assistido mais uma demonstração de ingratidão. Da próxima vez deveremos tomar cuidado com a gastança.
Enciclopédia da corrupção
John Holcroft |
Já contei essa história. Há muitos anos, encontrei uma amiga poeta na avenida Rio Branco. Convidou-me a um café em seu escritório e, quando me dei conta, tinha me vendido uma "Encyclopaedia Britannica", com 32 volumes, um dicionário "Webster", também com três volumes — um deles incluindo um guia de pronunciação em sete línguas —, e um possante atlas já trazendo as novas nações africanas e asiáticas independentes. Eu não sabia que minha amiga se tornara vendedora de enciclopédias.
Detalhe: naquela época, as coisas andavam feias para o meu lado. As contas não fechavam e eu precisava tanto de uma "Britannica" quanto de contrair peste suína. Algumas semanas depois, recebi em casa aquela montanha de livros. E quer saber? Eles me ajudaram a sair do buraco e, nas décadas que se passaram, já se pagaram muitas vezes. Até hoje os conservo.
Reportagem no "Estado de S. Paulo", domingo último, falou de como as investigações em Curitiba estão gerando informações capazes de compor uma nova e hipotética enciclopédia — a da corrupção brasileira.
Seus verbetes tratariam de movimentação de propinas originárias de empreiteiras e órgãos públicos para aprovar medidas governamentais, contas em nome de empresas off shore e trustes, doações partidárias e eleitorais só aparentemente lícitas, aquisição suspeita de bens para lavar dinheiro, contratos de consultoria e de prestação de serviços simulados (palestras, por exemplo?), suborno para calar elementos que ameaçam aderir à delação premiada, abastecimento de doleiros, ocultação de patrimônio, criação de institutos fantasmas, empréstimos bancários fraudulentos, pedaladas fiscais etc. etc.
As grandes enciclopédias se propõem a abarcar todo o conhecimento do mundo. Mas uma enciclopédia da corrupção brasileira nunca poderá se dizer completa.
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