terça-feira, 31 de março de 2015

Dia 31 é dia de gritar

O grande culpado

A grave crise política e econômica na qual o País está mergulhado coloca Dilma Rousseff na berlinda. E não poderia ser diferente. Afinal, ela é a presidente da República e tem demonstrado uma inacreditável inépcia no exercício das funções de primeira mandatária. Mas uma análise conjuntural que amplie o foco de observação da cena política para além dos episódios do dia a dia e se projete sobre os 12 últimos anos expõe à luz o protagonista oculto, o ardiloso responsável maior pela tentativa de reinventar o Brasil – aventura que hoje custa caríssimo para cada um dos brasileiros: Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma das conhecidas habilidades políticas de Lula é desaparecer de cena, procurar as sombras, fingir-se de morto para o grande público quando o perigo ronda. Exatamente como está fazendo no momento. Outra é só dizer o que sabe que as pessoas querem ouvir. Faz isso desde os tempos em que frequentava o palanque sindical da Vila Euclides, no ABC. Outra ainda é ser um mestre em salvar aparências, mantendo, além de uma linguagem convenientemente popular, a pose de “homem do povo” que mora num modesto apartamento em São Bernardo, quando passa a maior parte do tempo voando de primeira classe ou em jatos executivos e hospedando-se em hotéis cinco-estrelas ou em mansões de amigos milionários.

Ao longo de mais de 20 anos na oposição “a tudo o que está aí”, Lula conduziu o PT na tentativa de impedir a aprovação, entre outras, de iniciativas de importância histórica como a Constituição de 1988, o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o programa de desestatização da telefonia que permitiu que praticamente todos os brasileiros disponham hoje de um telefone celular. E, depois de perder três eleições presidenciais consecutivas, chegou à conclusão de que precisava abandonar as velhas bandeiras para conquistar o poder, chegando ao Palácio do Planalto em 2003 graças à profissão de fé liberal contida na oportunista Carta aos Brasileiros.

Leia mais o editorial do Estadão
Diante da impossibilidade de um terceiro mandato, Lula tratou de selecionar a dedo seu sucessor. Dilma, a “gerentona”, a “mãe do PAC”, parecia a escolha perfeita. Mas já no primeiro ano de governo ela teve um assomo de autossuficiência ao promover uma “faxina” no Ministério que em boa parte herdara de seu mentor. Desde então Lula vem tendo dificuldades cada vez maiores para controlar a pupila. Foram quatro anos de dilapidação, não só da economia nacional, mas principalmente da moral e dos bons costumes na Administração Pública e na política. Essa razzia se deve à ação e omissão de Dilma. Mas quem armou o projeto de poder baseado na imoralidade e escalou a sucessora foi Lula. Cabe-lhe, portanto, prioritariamente, a culpa por “tudo o que está aí”.

Lebre por gato

A imprensa e algumas lideranças empresariais estimulam a cada minuto uma nova interpretação – na linha que mais lhes convém – de frase dita pelo ministro Joaquim Levy durante encontro com alunos da Universidade de Chicago, analisando as reações de Dilma Roussef no dia a dia, como chefe de governo. O ministro criticou Dilma pelo fato de que a presidente nem sempre se vale dos caminhos mais fáceis para resolver os problemas de nossa tão sofrida economia, mas que ela tem, nas suas decisões, um caráter genuíno de concepção das mesmas. Defende-se o ministro que sua fala fora mais ampla do que as expressões pinçadas, e que uma frase não poderia definir sua relação com o projeto de reversão do quadro de dificuldades para os quais opera soluções, sob a confiança da presidente.

O Brasil está num atoleiro. Somos uma nação que vive todos os dias o desafio de evitar que o barco se afunde irremediavelmente. O governo e nossas instituições suportam um desgaste político comandado por uma oposição errante, indigente de propostas, de ações e de exemplos. Apenas submergem, governo e toda nação, às manobras diárias de um Congresso comandado pela liderança do senador Renan Calheiros e do deputado Eduardo Cunha, que dispensam, ambos, por suas biografias e patrimônios pessoais, maiores apresentações.

Nosso empresariado se acostumou a transferir aos governos suas responsabilidades genuínas e reparar sua inércia com favores, renúncias e a ilusão de mercados criados artificialmente, de juros subsidiados, de anistias fiscais. Às representações sindicais, o governo responde com o afago de concessões desmedidas, acentuando uma realidade equivocada e abissal. Não há ações de geração de emprego, promoção e aperfeiçoamento das relações de trabalho. Empregar no Brasil é caríssimo, e, paradoxalmente, todos perdem – patrões e empregados – por falta de gestão e políticas públicas adequadas.

O processo generalizado de corrupção e fraude – presente em quase todo ato administrativo e que envolva o poder e o interesse público, com toda ação do Judiciário, da Polícia Federal, do Ministério Público – está longe de ser eficaz. Todos os dias, um escândalo maior sucede e supera o golpe em investigação. E, assim, vamos conhecendo novos larápios e suas contas no exterior, recheadas com o que arrecadaram como remuneração de sua corrupção.

Para não esquecer as “bolsas-tudo” – cujo passivo não está no que sangra do orçamento, mas na acomodação que gera, definitivamente, anestesiando o já precário esforço de parcelas da sociedade em buscar no trabalho o sustento de suas demandas.

Com esse tímido inventário de nossas falências, que importância tem a frase do ministro Joaquim Levy sobre o que é e como se comporta a presidente Dilma?

Luiz Tito

Um frei na contramão

Não tivemos em doze anos, nenhuma reforma de estrutura, nenhuma daquelas prometidas no documentos originais do PT. Nem a agrária, nem a tributária, nem a política. E aí poderíamos acrescentar nem a da educação, nem a urbana. Em suma, o que falta ao governo - e desde 2003 - é planejamento estratégico (...)
Governa-se na base dos efeitos pontuais, da administração de crises ocasionais, porque o PT trocou um projeto de Brasil por um projeto der poder
(...) Acabar não vai, porque tem tantos oportunistas que ingressaram no PT como rampa de acesso às benesses do poder, que o partido tende, inclusive, a inchar de gente que não tem nada a ver com as suas origens
Frei Betto ícone do PT, amigo de Lula há 30 anos e conhecido de Dilma desde a infância em Belo Horizonte

Parlamentares sem fronteiras

Depois de quase dois anos de esforço, conseguimos reunir um grupo de parlamentares de diversos países e lançar o movimento a partir de uma reunião no Nepal
Criança africana (Foto: Arquivo Google)
O mundo ficou global, os problemas planetários, as soluções exigem enfoque mundial e de longo prazo, mas a política continua presa do curto prazo entre eleições e dependente dos votos conforme os interesses locais.

Obama disse que "não há presidente do mundo", por isso, não há como chegar a um acordo global sobre o Meio Ambiente, a crise financeira, a migração, a pobreza. Os políticos agem para atender os desejos dos seus eleitores e limitam-se ao prazo da próxima eleição. Mas raros problemas podem ser enfrentados apenas dentro de cada pais e olhando-se apenas o interesse do eleitor no curto prazo. Pensando isto que desde 2013 venho tentando, junto com Kailash Satyarthi, que em 2014 recebeu o Nobel da Paz, criar um movimento Parlamentares sem Fronteiras pelos Direitos das Crianças do Mundo.

A idéia é universalizar o problema da infância, tanto por razões éticas, cada criança é primeiro um ser humano, só depois um cidadão de algum país; como também porque o futuro do mundo depende de como serão e agirão no futuro as crianças de hoje; e porque não há como enfrentar as necessidades de um bilhão de crianças carentes sem um esforço internacional.

Depois de quase dois anos de esforço, conseguimos reunir um grupo de parlamentares de diversos países e lançar o movimento a partir de uma reunião no Nepal, pequeno país que aceitou sediar o desafio. A partir de agora, a tarefa será ampliar o número de parlamentares sem fronteiras em torno dos direitos das crianças, para depois reunir parlamentares com outras vocações para formar outros grupos unificados na busca de soluções mundiais para outros problemas.

No Nepal, pioneiro da ideia, recebi a função de criar e coordenar o primeiro secretariado do movimento parlamentares sem fronteiras com o propósito de defender os direitos das crianças do mundo. Como eu disse na coletiva de imprensa final: não estávamos ali com o objetivo de tantos outros que dali partiam para escalar o Everest, nosso propósito exige menos resistência física, mas carrega mais idealismo: criar uma nova cultura na maneira de fazer a política parlamentar com a perspectiva da humanidade inteira e do longo prazo e usar esta nova cultura para salvar um bilhão de crianças das necessidades básicas, especialmente educação de qualidade. E por meio delas construir um mundo melhor.

O que você acha?

PT lembra aniversário da 'Redentora'?

Quando o PT anuncia passeatas para 1º de abril, sob o pretexto de "enfrentar os flertes de alguns setores com o golpismo”, como disse Rui Falcão, presidente do partido, há que nunca esquecer o quanto os petistas devem e ainda aplicam das jogadas ditatoriais. Querem fantasiar o ato - “O que defendemos é democracia sempre mais, ditadura nunca mais” - , mas soa por demais estranho que um partido que se vangloria de democrata até a raiz dos cabelos saia às ruas com seu "exército" e diga não querer linha dura. Há mais espírito de milico (soviético) sob as bandeiras vermelhas do que vê nossa inocência

Democracia, a invenção dos helenos

Dezenas de milhares protestaram, nas últimas manifestações, contra a política em geral, o PT, partidos políticos (da situação e, em alguns casos, também da oposição) e pediram uma “intervenção militar” ou o impeachment da Presidente Dilma, embora não exista, até agora, nenhuma possibilidade jurídica ou constitucional para de sua aprovação.

Querer derrubar Dilma, sem que esteja diretamente ligada aos crimes que foram cometidos na Petrobras, é o mesmo que pedir o impeachment de Fernando Henrique Cardoso na época dos escândalos do Banestado, da sua interferência pessoal (e telefônica) nos rumos da privatização, ou do afundamento da plataforma P-36.

Errado estava o PT à època, ao gritar Fora FHC, como estão agora os que bradam “Fora Dilma”, a chamam de vaca, e acham que vão obter o que querem na base da pressão.

É mais difícil, ainda, que aconteça uma “intervenção militar”. Primeiro, porque não existe mecanismo que a permita no texto constitucional. E também porque os militares da ativa não se moverão – a não ser que haja uma catástrofe – para tirar do poder o único governo que trabalhou, nas últimas décadas, para seu fortalecimento, com a Política Nacional de Defesa, a construção de novos satélites, bases e estaleiros de submarinos convencionais e atômicos, de caças de novíssima geração como o Grippen NG BR, de tanques como o Guarani, dos novos fuzis de assalto IA-2, de sistemas de mísseis como o Astros 2020, de misseis ar-ar como o A-Darter, de radares como os SABER, de aviões de transporte pesados, como o KC-390 da Embraer.

Depois das próximas manifestações, o que vai acontecer? Aumentará, continuamente, ainda mais, a pressão por um impeachment, por parte de pessoas que se recusam a aceitar que ele é inviável do ponto de vista da Lei?

O PT pedirá, em reação a isto, que seus eleitores desçam de seus apartamentos – muitos também de classe média – e venham da periferia e do campo, para defender o respeito aos votos que depositaram na urna há menos de cinco meses atrás ?

Até agora, graças a Deus, as manifestações dos dois lados foram pacíficas, mas o que garante que vai continuar assim? O que ocorrerá se houver confronto? E quando surgirem os primeiros feridos, cadáveres, bombas caseiras, tiros, como vai ficar a situação? Será possível voltar atrás, depois que o primeiro sangue tiver escorrido pelo chão?

Em uma democracia, o mais importante é o direito que cada um tem de pensar – ou gritar – o que quiser. Foi para dirimir as eventuais diferenças, que os gregos criaram, na antiguidade, para substituir o porrete, uma grande invenção. Nós só precisamos aprender a usá-la melhor, e não sair quebrando cabeça – ou cabeças – por aí, quando achamos que o fizemos mal.

Ela existe há pelo menos 2.500 anos – e teremos chance de recorrer a ela, daqui a pouco mais de dezesseis meses, para expressar a partidos e candidatos nossa vontade, nosso apoio ou repúdio, insatisfação ou indignação.

Ela significa escolha. E o seu nome é democracia. Mas pode chamar de eleição.

A Argentina para de contar seus pobres

.A Argentina é o único país da América Latina que deixou de medir a porcentagem de pessoas com renda abaixo do nível necessário para evitar a pobreza. Governo já não mede a pobreza porque diz ser “complexo” e “causar estigma”

O ministro da Economia da Argentina, Axel Kicillof, se meteu em uma confusão durante uma entrevista a uma emissora de rádio, na última quinta-feira, quando perguntado por que o Governo de Cristina Kirchner deixou de medir a porcentagem de pobres na população em 2014. Entre 2007 e 2013, os números oficiais foram criticados por subestimar o fenômeno. Kicillof, que se define como um economista da escola keynesiana e foi professor de marxismo na Universidade de Buenos Aires, respondeu: “A quantidade de pobres existente é uma pergunta muito complicada. Não tenho o número de pobres, me parece uma estatística que provoca muito estigma”. Não demorou para eclodir a polêmica com a oposição.

Na sexta-feira, o chefe do Gabinete de Ministros, Aníbal Fernández, defendeu o colega em sua conversa habitual com a imprensa na entrada de seu escritório: “Definir se um número a mais ou a menos nos diz qual é a quantidade de pobres... Não é tarefa do Governo a quantidade. A tarefa do Governo é cuidar do homem e da mulher de carne e osso, e de seus filhos, é cuidar de um país que tem que encontrar respostas para seu povo”. Ao mesmo tempo, Kicillof concedia uma entrevista a outra rádio para esclarecer: “Pegaram uma declaração isolada e armaram uma campanha contra mim e contra o Governo”.

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A responsabilidade da presidente Dilma

Apenas no Império, se estivesse no poder, Dilma Rousseff escaparia de perdê-lo, porque o artigo 99 da Constituição de 1824 determinava que “a Pessoa do 
Imperador é inviolável e sagrada. Não está sujeita a responsabilidade alguma”.

Com a República, Madame começaria a ter problemas. O capitulo V da Constituição de 1891, “Da Responsabilidade do Presidente”, dispunha que o próprio seria submetido a julgamento perante o Senado por uma série de crimes de responsabilidade, entre eles os referidos em sexto e sétimo lugares, se atentasse contra “a probidade da administração” ou contra “a guarda e emprego constitucional de dinheiros públicos”.

Já a Constituição de 1934 estabelecia a mesma coisa, no artigo 57, letras “f” e “g”: era crime de responsabilidade o atentado contra “a probidade da administração” e “a guarda ou emprego legal dos dinheiros públicos”.

Até a Constituição fascista de 1937 não perdoava. No artigo 85, “Da Responsabilidade do Presidente da República” lia-se na letra “d” que o personagem seria submetido a processo perante o Conselho Federal se atentasse contra “a probidade administrativa e a guarda e emprego dos dinheiros públicos”.

Restabelecida a democracia com a Constituição de 1946 e com a volta do Senado para julgar o Presidente da República, o conceito permaneceu, acrescido da suspensão das suas funções caso declarada a procedência da acusação por crime de responsabilidade. O artigo 89 autorizava o processo, entre outras situações, nos números “V” e “VII”, se incurso o Presidente contra “a probidade na administração” e “a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos”.

O modelo continuou no regime militar, pois a Constituição de 1967, Seção III do Capítulo VII, artigo 84, rezava ser crime de responsabilidade do Presidente da República atentar contra “a probidade administrativa”, ainda que ocultando a referência ao mau uso dos dinheiros públicos.

Manteve-se o texto na Constituição de 1969, denominada Emenda Constitucional, na mesma Seção III, Capítulo VII, “Do Poder Executivo”, artigo 82, ainda cabendo ao Senado julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade.

Chegamos à atual Constituição, de 1988, que tanto inovou em termos de direitos humanos mas preservou a teoria da primeira carta da República, fixando como crime do Presidente, entre outros, no artigo 85, número V, atentar contra a probidade na administração e entregando ao Senado seu julgamento, mesmo presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal.

Por que essas enfadonhas citações de nossas diversas leis fundamentais? Porque nessa roubalheira na Petrobras houve improbidade administrativa, além de mau uso dos dinheiros públicos. De quem terá sido a responsabilidade? 

segunda-feira, 30 de março de 2015

E dos ricos, o governo não vai tomar nada?

Na semana passada tratei da cota de sacrifícios que o governo deveria fazer e falei do que quer fazer contra os trabalhadores (nas pensões e no seguro-desemprego). Agora, vou tratar da parte que cabe aos ricos no ajuste fiscal. Esqueci-me, no entanto, do abono salarial que o governo também quer cortar: acho uma verdadeira crueldade mexer nesse benefício, que vai para quem menos ganha e que – pasmem! – foi criado por Médici no auge do arrocho salarial da ditadura.

Voltemos aos ricos. A gritaria agora é constante. E mostra direitinho o que separa cada fração da classe burguesa, essa nomenclatura tão desprezada hoje em dia, a ponto de alguém, nas recentes manifestações, ter desfilado com um curioso cartaz: “Prisão para Karl Marx”.

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Os grandes empresários industriais, que querem capital de giro em longo prazo, agora chiam por causa dos juros estratosféricos e do fim das desonerações. Cadê o projeto de taxação das grandes fortunas apresentado pelo ex-senador FHC? É preciso dizer em alto e bom som: os grandes empresários no país não pagam Imposto de Renda. Isso mesmo. É ridículo imaginar que sobre o que recebem devem pagar os mesmos 27,5%, a maior alíquota existente, que incide sobre a classe média de maiores rendimentos.

Só que o desconto da classe média – como de resto dos demais trabalhadores – já vem tungado no contracheque mensal. Ninguém tem como escapar. Eles, os ricos, por meio de vários mecanismos, acabam nada pagando ou pagando uma mixaria, como se pode ver em publicação dos procuradores da Fazenda nacional.

Em folder amplamente distribuído, os procuradores listam algumas das maneiras de sonegar: lavagem a frio (com a propina embutida no serviço ou produto), “off-shores”, “laranjas” e “fantasmas” (todos sabem o que significam esses nomes), “dólar cabo” (um doleiro daqui tem conta no exterior e um doleiro de lá deposita na conta e depois faz uma compensação paralela), e por aí vai. Além disso, a estrutura de impostos no Brasil é regressiva, e todos pagam mais impostos indiretos que diretos (o que vai onerar quem vive de arroz com feijão).

Os bancos, estes nem piam. Consultem seus balanços. Agora, o Banco Central anda preocupado com os bancos públicos porque todos tiveram de participar dos financiamentos para os grandes da construção civil e pesada, que agora estão dando o calote com a operação Lava Jato.

Já o problema dos pupilos de Kátia Abreu e Ronaldo Caiado é de outra fonte: a China, grande importadora das commodities agrícolas, decidiu fechar a torneira e não vai fazer jorrar grana para a conta deles. Concorrendo com os importados, a indústria nacional não consegue ter preços competitivos. A patuleia, que antes havia sido mimada com créditos de toda ordem, agora nem compra mais, e muitos já ficaram inadimplentes, tendo de cortar até na comida.

É justo que Joaquim Levy fique negociando sem parar com os grandes empresários e ainda não tenha se reunido com os trabalhadores?

Enquanto isso, aqui, ao lado de onde moro, em Brasília, o ronco do helicóptero continua…

A culpa vai ser de Pedro Álvares

O deputado Afonso Florence (PT_BA), na CPI do Petrolão, defendeu que os petistas querem apenas descobrir as raízes da corrupção na empresa. Enfatizou tanto que a causa ou o culpado seja FHC a ponto de se suspeitar que o PT pretende instalar uma sonda e revelar que a corrupção é causada por... Pedro Álvares Cabral. Nada mais do que o descobridor do Brasil seria também o marco inaugural da corrupção na Petrobrás. Como consequência, os diretores ligados aos petistas seriam apenas condicionados pela ignomía de Cabral.

Empresas recuperam até 39 vezes o valor doado a políticos

Estudo calculou relação entre financiamento a deputados petistas e contratos do Governo
“É política de boa vizinhança. Evidentemente quando você apoia um partido ou um candidato, no futuro eles vão procurar ajudá-lo”, afirmou o empresário Cristiano Kok, da empreiteira Engevix, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. A empresa está envolvida no esquema de corrupção investigado pela Lava Jato, e um dos sócios está preso há mais de três meses. Os números parecem concordar com o argumento de Kok: o estudo ‘The Spoils of Victory’ ('Despejos da Vitória', em tradução livre), feito por pesquisadores de três universidades dos Estados Unidos, concluiu que as empresas que financiaram candidatos a deputado federal do PT nas eleições de 2006 receberam entre 14 e 39 vezes o valor doado por meio de contratos com o poder público nos anos subsequentes.

Vigília em frente ao STF em Brasília pressiona pelo julgamento de
ação que pode vetar financiamento privado de campanha
A pesquisa, publicada em 2014, cruza os dados oficiais de doações para as campanhas e os contratos obtidos pelas empresas nos anos seguintes - sem levar em conta eventuais pagamentos ilegais. Segundo os autores, não foi possível estender o estudo para Governos anteriores por falta de dados públicos confiáveis, e não foi encontrada correlação entre doações e contratos envolvendo outros partidos. “Este modelo de financiamento de campanha que favorece doadores é comum em todas as nações em desenvolvimento”, afirma Taylor Boas, professor de ciência política na Universidade de Boston e um dos autores do estudo. Para ele, isso ocorre porque nestes países o Estado de Direito tende a ser mais fraco, e o processo de orçamento público mais facilmente manipulável, assim como as licitações, ainda que nenhuma grande democracia, quer a França ou os EUA, estejam a salvo das polêmicas e escândalos envolvendo doações de campanha e influência desproporcional no processo político.

MST ganha vitrine em museu de Direitos Humanos

O Movimento dos Sem Terra, comandado pelo “general” Stédile, é apresentado em museu de Direitos Humanos de Winnipeg, no Canadá. O destaque do MST, aberração de movimento de direitos humanos, no museu foi indicação do governo Lula, conhecido por usar o grupo como braço armado do PT. 

Defender que MST lute pelos direitos humanos é o mesmo que dizer que o grupo terrorista Isis luta pela liberdade religiosa. Mas o PT, como sempre com aquela aura de mocinho no faroeste, faz o diabo para colocar companheiros e instituições afiliadas no melhor da fita. É com divulgações desse tipo que pretendem passar para a história como um partido do bem. Confirma-se no museu canadense que os petistas, a qualquer custo, quer inscrever o nome no alto da história que querem deixar ao mundo. Não será a verdade, é claro, que essa dispensam.

Onde está a saída?

Levei a pergunta para uma dezena de políticos experimentados
Tirei terno e gravata do armário e fui a Brasília. Onde está a saída para a crise? Levei a pergunta para uma dezena de políticos experimentados. Nenhum deles apontou a saída imediata. É um cuidado razoável. O máximo que se consegue é apontar variáveis que possam definir os rumo da crise. Comportamento do governo, ajuste econômico, curso da Operação Lava-Jato são as mais citadas.
A sensação predominante é a de que algo vai acontecer, e ninguém sabe precisamente o que é. A hipótese de um governo sangrando até 2018 é a mais improvável, embora seja esse o desejo de uma parcela de observadores, dentro e fora do Congresso. Marchamos para o desconhecido. É uma fase delicada. Os conservadores tendem a achar que o diabo desconhecido é sempre pior do que o existente. Querem mudança, mas dentro de um quadro planejado, com resultados previsíveis. Mas, nesses casos, sempre existe o argumento de que, muitas vezes, é preciso caminhar, mesmo sem saber o que nos espera, com uma abertura para a novidade. Quanto ao ajuste econômico, deve ser objeto de muita discussão, basicamente sobre quem paga a conta. A tendência é de dias mais duros, com possibilidade de racionamento de energia. É o que os técnicos propõem. Não porque faltará energia para o consumo em 2015. Mas porque é preciso poupar, pois, sem oferta adequada de energia, não existe retomada em 2016.


De qualquer forma, o ajuste econômico passou a ser de interesse nacional, não só por causa da realidade interna, mas também da percepção externa. Graças à expectativa do ajuste, o Brasil não foi rebaixado à condição de país especulativo, com inevitável fuga do capital. Sou pessimista quanto aos passos do governo. O documento que vazou da Secretaria de Comunicação mostra como estão perdidos. Falam de tudo, de robôs, redes sociais, blogueiros, propaganda, mas não falam da mensagem. Dilma tem os microfones à disposição. Mas não sabe usá-los. Em alguns casos é possível aprender. Pessoas tímidas, executivos de grandes empresas fazem um treinamento, chamado media training. Mas não há treino que possa criar um líder para conduzir o país numa tempestade.

Não há mensagem nem presidente capaz de comunicá-la. O panelaço segue como a batida da temporada. A saída de Dilma é usar a tática de guerrilha: falar quando o adversário está desprevenido e recuar quando ele está atento. A outra variável é a Operação Lava-Jato, outro dado positivo que teve peso para que o Brasil não fosse rebaixado pelas agências internacionais. No momento, o foco é o PT.

Os políticos deram azar em ter o juiz Sérgio Moro pela frente. Especialista em lavagem de dinheiro, sabe que rastrear o curso da grana é o caminho real nas investigações. Com base na informação dos delatores e em recibos de empresas, as investigações demonstram o golpe do PT: transformar propinas em doações legais. Leio que o Planalto quer que o PT demita o tesoureiro. O PT hesita. É difícil passar a ideia de que foi tudo culpa de um só homem. É gente muito calejada para fingir que João Vaccari era uma fada de barba que produzia fortunas apenas com o toque de sua vara de condão. Isso irá parecer um pouco aquela lenda urbana da filha de família que trabalha fora e volta sempre com presentes caros para casa. E aí os parentes descobrem, um dia, que a menina faz programas.

A variável mais importante é pouco discutida em Brasília. Dois milhões de pessoas foram às ruas, sem nenhum incidente. A sociedade brasileira ganhou maturidade nas demonstrações e mantém-se vigilante porque sua sorte está em jogo. O agravamento da crise, a dureza do ajuste econômico e a mobilização social podem nos levar a um novo momento. Não ouso descrevê-lo. Sinto apenas que o dilema brasileiro poderá ser esse: fazer um omelete sem quebrar os ovos. Essa tarefa que parece impossível para os estrangeiros não é tão distante assim das soluções históricas no Brasil. Se os culpados pela corrupção na Petrobras forem punidos e chegarmos a um consenso mínimo sobre o ajuste econômico, abre-se a possibilidade de um governo de unidade nacional. O PMDB tem ocupado o lugar do PT. Mas está encalacrado na Operação Lava-Jato. Teria, em caso de sobrevida, a possibilidade de um aceno nacional. O PT, que sempre dividiu o país entre pobres e ricos, brancos e negros, reacionários e progressistas, não tem chance de tentar esse caminho.

O momento é verde-amarelo. Sem nenhum juízo de valor sobre símbolos históricos, quem o confundiu com o vermelho cometeu um erro decisivo. O Estado não é um partido, uma política externa não pode refletir a cabeça da minoria, os direitos humanos não englobam apenas os escolhidos. Quando desenharam uma estrela no jardim do Palácio e tiveram que removê-la, deveriam ter compreendido que é insuportável viver num país que tem dono, seja ele um partido ou um demagogo.

Não se conhecem os protagonistas do futuro. Mas já se sabe quem será atropelado por ele.

Fernando Gabeira 

O cão



É um cão negro. É talvez o próprio Cão 
assombrado e fazendo assombração.
Estraçalha o silêncio com seus uivos.
A espada ígnea do olhar na escuridão
separa a noite, abre um canal no escuro.
Cão da Constelação do Grande Cão,
tombado no quintal, espreita o pulo:
duendes, fantasmas de ladrão no muro.

O latido ancestral liberta a fome
de tempo, e o cão, presa do faro, come
o medo e a treva. Agita-se, devora

sua ração de cor. Pois, louco e uivante,
lambe os pontos cardeais, morde o levante
e bebe o sangue matinal da aurora.
Mauro Mota (1911-1984)

Reinar, mas não governar

Essa é a ameaça que paira sobre a cabeça de mandatários que não conseguem transformar o capital eleitoral obtido no pleito em capital político. Em termos práticos, tal ameaça significa enfrentar resistências da própria base aliada e obstáculos na passagem de interesses do Poder Executivo pelas Casas congressuais. É o que se vê hoje. O PMDB e os partidos aliados, mesmo com espaços na estrutura do poder, sentem-se alijados do processo decisório em torno das políticas públicas. Para complicar, o governo Dilma, nesse segundo mandato, tem sido ineficiente na frente da articulação política. E sofre muito.

Quem não se lembra de Fernando Collor de Mello? Sem capital político, foi empurrado para fora da Presidência da República por um impeachment. De lá para cá, as coisas mudaram. Os presidentes trataram de azeitar a máquina da articulação política. Com exceção da presidente Dilma Rousseff, que não convive bem com a esfera política. Uma questão de índole. 

Por isso mesmo, o Executivo começa a colecionar derrotas, uma atrás da outra. E não adiantará, a essa altura, tentar melhorar suas condições junto ao Congresso, eis que a administração atravessa um ciclo de má avaliação. Mais de 65% desaprovam o governo. O fato é que o chamado presidencialismo de coalizão tem base movediça e gera instabilidade. O relacionamento do Executivo com os partidos é frágil. Trata-se de um contato ortodoxo, unilateral, sem reciprocidade. O maior partido da base, o PMDB, põe o dedo na ferida quando insiste em dizer: ser governo é uma coisa, estar no governo é outra.

A diferença entre ser e estar conduz aos fundamentos do “presidencialismo de coalizão”, ancorados em três pressupostos: a constituição pelos partidos de uma aliança eleitoral e sua união em torno de um programa mínimo; a formação do governo, a partir do preenchimento de cargos e compromissos com a plataforma política; e a transformação da aliança inicial em coalizão governativa. Ser governo é assumir responsabilidades nesses três momentos. Sob essa perspectiva, o governo deveria amalgamar os programas dos partidos, contemplando-os na operação administrativa de acordo com a sua respectiva densidade política no Congresso Nacional e observando a identidade e as vocações de cada um. Não é o que se vê na vida administrativa. A disparidade no atendimento das demandas partidárias abre contrariedades e forma emboscadas.

As disputas por espaços se acirram sob o leque do fisiologismo. Estar no governo, eis a noção, restringe-se à simples ocupação de cargos sem competência dos ocupantes para interferir em linhas programáticas. Tal visão gera indignação de elos da corrente governista. Em suma, o Executivo despreza a modelagem do “presidencialismo de coalizão” e se vale do poder do hiperpresidencialismo.

O Poder Executivo ganhou força com a Constituição federal de 1988, que dotou o governo de extraordinário instrumento legislativo (a medida provisória). Outros meios expandem o cacife presidencial: a adoção do regime de urgência na tramitação de projetos de lei, o mecanismo de votação simbólica de lei pelos líderes partidários, a legislação tributária centralizadora e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com essa armação, o Palácio do Planalto passa a enquadrar as políticas do Estado em duas bandas: uma, com capacidade decisória sobre metas de câmbio, política de juros, cujos efeitos se fazem sentir nas políticas de emprego e renda; a outra, sem poder decisório central, repartida entre os apoiadores. Não por acaso, floresce no País um autoritarismo civil sem precedentes. O barão de Montesquieu, com seu sistema de pesos e contrapesos, fica apenas no registro necrológico.

Os sustos dos Executivos, exacerbados neste segundo mandato da presidente Dilma, demonstram que tal modelagem precisa de ajustes. O presidencialismo de coalizão, na forma atual, está saturado. A começar pela necessidade de aplicar o verbo ser em lugar do verbo estar. Ser governo e estar no governo. A tarefa é complexa. Exige realinhamento de ideário, desafio que pressupõe entendimento e plena aceitação do escopo do “presidencialismo de coalizão”. Sem essa condição, o que teremos é colisão, não coalizão.

A aprendizagem na cartilha da nova feição presidencialista demandará compromisso dos entes partidários com valores éticos e princípios morais, sem os quais os domínios administrativos se tornarão feudos de caciques e interesseiros. Posições transparentes, articulação das forças sociais para participar da formulação das políticas e calendário de implementação dos programas ajudariam a compor uma identidade governativa homogênea. Só não enxergam essa obviedade cegos políticos. Ou governantes autoritários.

Apertem os cintos: o piloto do Brasil sumiu

A situação é de descontrole na cabine de comando do Planalto, com queda abrupta em todos os níveis


Não há antídoto contra a loucura de quem pilota um avião ou um país. Podemos submeter um piloto de Airbus ou o presidente de uma nação a avaliações psicológicas e físicas periódicas, para tentar assegurar um certo equilíbrio e coerência nas decisões tomadas na cabine de comando. Mas nada é 100% garantido. Crises de depressão ou egocentrismo são especialmente perigosas para quem controla a vida de centenas de passageiros ou milhões de habitantes.

Vivemos uma situação de descontrole total na cabine de comando do Planalto. A queda do país é abrupta em todos os níveis – e já era esperada por quem não se deixou iludir em 2014. Está claro que a recessão começou no ano das mentiras. Desemprego sobe, renda tem a maior queda em dez anos, preços aumentam 7,9%. Trabalhadores são assaltados nos metrôs, nos pontos de ônibus, nas vias expressas congestionadas, nos túneis. Os Estados estão quebrados, os aliados voam como baratas tontas e moscas azuis, a “comandanta” é chamada de agiota por prefeitos muy amigos.

Só não sabemos ainda quem são hoje o piloto e o copiloto do Brasil – e qual deles é mais propenso a ataques de pânico ou de autoritarismo. Temos apenas duas certezas: uma é que tem gente demais empoleirada no comando, posando de bonzinho, mas querendo derrubar o Brasil de encontro às montanhas, estilhaçar qualquer possibilidade de ajuste de expectativas. A outra certeza é que nós somos os trancados do lado de fora, reféns de um bando de loucos mal-intencionados.

Quem são o piloto e os copilotos hoje responsáveis por nossa vida e a de nossos filhos e netos? Está difícil enxergar Dilma Rousseff sentada na poltrona de quem aperta os botões e define a direção e a velocidade do jumbo Brasil. Se traçarmos um paralelo com a tragédia do Airbus que provocou luto e estupor no mundo, Dilma hoje se parece mais com aquele que foi ao banheiro em hora imprópria, de aterrissagem, e não conseguiu retornar.

Ninguém escuta mais as broncas de Dilma, que estão virando sussurros. Ela pegou o machado para decepar a lei de novembro passado, que aliviava as dívidas dos prefeitos. O machado voltou como bumerangue. Não importa mais o partido político na hora em que o bolso aperta. Pode ser Eduardo Paes (PMDB-RJ) ou Fernando Haddad (PT-SP). Paes já entrou com ação contra Dilma. Haddad já disse que não vai deixar barato. Os calotes se ampliam nos Estados. A irresponsabilidade fiscal compromete o ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Trocando em miúdos, os únicos que precisam pagar as contas em dia somos nós, os contribuintes.

Ao enfrentar um clima adverso, nuvens negras e trovoadas, o pior conselheiro é a solidão – por isso, é tão crucial ter “alguém” com experiência, honestidade e credibilidade ao lado do comandante. Quem será?

O jumbo Brasil precisa do tecnocrata Levy como copiloto. Mas lhe faltam experiência e autoridade políticas para lidar com os abutres ou aplacar disputas. Quem teria de enfrentar as rebeliões dos aliados seria a “presidenta”. Não foi ela quem ganhou nas urnas? Só que Dilma foi ao banheiro e não conseguiu voltar, não abrem a porta para ela, não há mais cavalheiros, só cavaleiros do apocalipse, até em seu próprio partido, o PT.

O que parecia inacreditável aconteceu. Quem apoia hoje medidas de austeridade da presidente, quem é contra o impeachment, quem é a favor da governabilidade para não espatifar o Brasil no Planalto Central é uma das instituições mais criticadas por Lula, Dilma e sua turma: a imprensa.

O jumbo Brasil está sem rumo. E quem está aboletado na cabine de comando são os amotinados do PMDB, a dupla caipira Renan Calheiros e Eduardo Cunha, um alagoa­no e um carioca com milhares de fios de cabelos implantados e muitos delírios de Poder na cabeça. Ambos odeiam um tripulante da nave Brasil com fama de oportunista, Gilberto Kassab. A manobra de Kassab para criar mais um partido, o PL, é chamada por Renan de “molecagem” e por Cunha de “alopragem”.

Sob a pressão de moleques, aloprados e loucos, Dilma é a primeira refém da armadilha que Lulalá e ela criaram. Já não lhe compete demitir ou nomear. Dilma hoje é torpedeada até quando tenta acertar. Mas é impossível ter pena. Se a hora é de arrocho, Dilma, dê o exemplo, ceda à jogada do novo PMDB e comece a cortar seus 39 ministérios e seus 22 mil cargos de confiança. Porque é imoral o tamanho dessa máquina e das boquinhas públicas.

Confiança se ganha devagar e se perde muito rápido. Poucos de seus eleitores embarcariam hoje num avião pilotado pela senhora. Os maiores reféns somos nós. Apertem os cintos.

domingo, 29 de março de 2015

Esboço do sonho do líder

Pib Pequeno Dilma insonia relogio cama
O sono do líder é agitado. A mulher sacode-o até acordá-lo do pesadelo. Estremunhado, ele se levanta, bebe um pouco de água, vai ao banheiro onde se vê diante do espelho. O que ele vê? Um homem de meia-idade. Ele alisa os cabelos das têmporas, volta a deitar-se. Adormece e a agitação do mesmo sonho recomeça. "Não! Não!", debate-se com a garganta seca.


É que o líder assusta-se enquanto dorme. O povo ameaça o líder? Não, se foi o povo que o elegeu como líder do povo. O povo ameaça o líder? Não, pois escolheu-o em meio de lutas quase sangrentas. O povo ameaça o líder? Não, porque o líder cuida do povo. Cuida do povo?

Sim, o povo ameaça o líder do povo. O líder revolve-se na cama. De noite ele tem medo. Mesmo que seja um pesadelo sem história. De noite vê caras quietas, uma atrás da outra. E nenhuma expressão nas caras. é só este o pesadelo, apenas isso. Mas cada noite, mal adormece, mais caras quietas vão-se reunindo às outras como na fotografia em branco e preto de uma multidão em silêncio. Por quem é este silêncio? Pelo líder. É uma sucessão de caras iguais como numa repetição monótona de um rosto só. Parece uma terrível fotomontagem onde a inexpressão das caras dá-lhe medo. Nesse painel monstruoso, caras sem expressão. Mas o líder se cobre de suores porque os milhares de olhos vazios não pestanejavam. Eles o haviam escolhido. E antes que eles enfim se aproximassem definitivamente, ele gritou: “Sim, eu menti!”
Clarice Lispector, 31 de maio de 1969 

Dilma está mesmo numa sinuca de bico

A presidente Dilma Rousseff (PT) entrou numa espiral de desgaste que parece não ter fim. Para qualquer lado há desgaste. E o pior, apesar de o pano de fundo ser, sim, uma crise econômica internacional, o maior desafio da governabilidade do país é o isolamento total do Planalto. A opção dos últimos anos de abraçar ao mesmo tempo Deus e o diabo para se manter no poder cobra agora o seu preço. Dilma é pressionada pela base, pela oposição, pelos movimentos sociais, pelos empresários, pelos banqueiros, pelos estudantes e até pelo próprio PT. Se anda para a direita, para a frente, para trás ou para a esquerda, desagrada a alguém e se vê com a faca no pescoço. E, para quem está com popularidade na casa dos 10%, qualquer ruído de insatisfação pode se transformar num catalisador de aprofundamento da crise de representatividade pela qual passa o país.

Esta semana, por exemplo, dois projetos em tramitação no Congresso mostraram o tamanho da contradição e da cilada política na qual o governo Dilma se meteu. O pacote de ajuste fiscal apontado como a salvação ou única alternativa para as finanças da administração federal, neste momento, só agrada a agências internacionais, comentaristas econômicos e uma pequena parcela do empresariado. E não poderia ser diferente. Aumentar tributos, cortar benefícios, suspender isenções não são nem nunca serão medidas populares, ainda mais quando são tomadas por um partido autodenominado dos trabalhadores e logo após um pleito eleitoral no qual se prometia (ou se esperava) um governo mais voltado para o social.

E cobrar da oposição coerência chega a ser ridículo. Mesmo sendo em sua maioria tacanha, conservadora e raivosa, ela está no seu papel de criticar quem prometeu uma coisa e está entregando outra.

O problema de Dilma são seus aliados e sua própria indefinição de como governar. Enquanto ela e a equipe econômica maquinavam como protelar a regulamentação da entrada em vigor de um novo indexador para as dívidas do Estado com a União, a Câmara aprovava, com ampla maioria, um projeto obrigando o governo federal a aplicar uma nova taxa de juros justamente sobre essas dívidas dentro de 30 dias.

O ex-ministro e ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro, um dos fundadores do PT e defensor da renegociação da dívida dos governadores, definiu bem o atual momento. Segundo Tarso, essas ações do Planalto, rasgando promessas feitas anteriormente em nome da viabilidade econômica, conseguem em uma só tacada desagradar a todos e ainda fortalecer falsos aliados.

“O PT ficou inerte total, e o PMDB, ‘aliado’, já com projeto próprio, é claro, ‘esnucou’ o governo na questão da dívida dos Estados. Resultado: em face dessa inércia, aliado ‘mui amigo’ desgasta governo, que não reestrutura dívida, e partido da presidenta que emudeceu”.

Paim, o bravo?

Sou o último dos parlamentares do PT que participou da Constituinte e hoje ainda está em atividade, sempre em uma linha de coerência. Como é que a essa altura do campeonato eu vou votar contra pescador, contra a viúva, contra o trabalhador desempregado? Não tem sentido. Não tem como mexermos nesses direitos trabalhistas.
Petista histórico, o ex-deputado constituinte e senador Paulo Paim (RS) está prestes a deixar o partido a que se filiou há 30 anos

Os convencidos da vida

Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.


Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.

Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?

(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.

Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajetória, o convencido da vida farta-se de cometer gafes. Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das gafes, além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um "parvenu", a pior das gafes é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a "refaire surface". Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.
Alexandre O'Neill (1924-1986)

Agora só falta a Câmara querer um parque de diversões

É inacreditável, inaceitável e inviável a iniciativa da Câmara dos Deputados, que pretende construir mais três prédios e uma área de lazer e serviços, com orçamento de R$ 1 bilhão, incluindo lojas, restaurantes e tudo o mais, além de uma garagem subterrânea, para ocupar um gigantesco espaço de 332 mil metros quadrados.

O edital de consulta à iniciativa privada sobre interesse em construir os novos prédios já foi publicado no site da Câmara dos Deputados, com nome de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI).


Chamado de anexo IV-B, um dos prédios previstos irá abrigar um auditório para 700 pessoas, que poderá funcionar como plenário alternativo. Além disso, outros auditórios de menor capacidade e salas de reunião voltadas para o uso dos parlamentares estão previstas. Mas para que tudo isso? A Câmara já tem o auditório Ulysses Guimarães, de bom tamanho, e cada Comissão Técnica tem seu próprio salão de reuniões, e alguns são enormes, como o da Comissão de Relações Exteriores. Além disso, existe no Senado o imenso auditório Petrônio Portela, com 500 confortáveis poltronas, equipamento de tradução simultânea e tudo o mais.

O anexo IV-D será um edifício de 10 andares na superfície e três no subsolo, com 256 gabinetes parlamentares de 60 m² cada. O terceiro edifício, chamado de anexo IV-D, abrigará “órgãos” da Câmara e garagens para funcionários. A área de lazer, chamada no edital de “praça de serviços”, terá restaurantes, cafés, lojas e “áreas de convivência”. As garagens dos três prédios, juntas, conterão 4.400 vagas cobertas.

Para sair do papel, o projeto terá de ser desenvolvido por meio de Parceria Público-Provada (PPP), ou seja, os serviços seriam explorados por meio de concessão a uma empresa, em contrapartida, para recuperar o valor investido.

Este obra megalomaníaca e abusiva não é da atual gestão. Foi desenvolvida durante a presidência de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que acaba de ser agraciado com o cargo de ministro do Turismo. Mas se tornou mais uma mancada do atual presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que deveria simplesmente ter arquivado o projeto.

A justificativa é de que a ampliação é totalmente necessária, em função do gigantismo da Câmara, cujos funcionários não têm vagas para estacionar. Afinal, são mais de 15 mil servidores permanentes ou temporários na folha de pagamento e o Senado tem outros 9 mil funcionários, perfazendo 24 mil pessoas.

O que se espera dos políticos é que caiam em si e entendam que o poder público precisa economizar em custeio para poder investir. Mas quem se interessa? No Congresso há o exemplo do senador José Antônio Reguffe (PDT-DF), que reduziu de 55 para 12 a quantidade de assessores, abriu mão de 100% da verba indenizatória e da cota de atividade parlamentar. O impacto dessas duas medidas gera uma economia de quase R$ 17 milhões, isso sem contabilizar economias indiretas com custos de férias e encargos sociais de servidores que deixou de contratar. O senador recusou ainda carro oficial, consequentemente economizará com combustível e manutenção. E foi além, abrindo mão de plano de saúde que garantiria acesso a tratamentos médicos e odontológicos tanto dele (senador) quanto de toda família. E mais que isso, preferiu contribuir com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) do que ter direito à aposentadoria especial de parlamentar.

Outro exemplo é o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, que mostrou ao mundo a possibilidade de exercer o poder com simplicidade e ostentação. Sempre que o elogiamos, muitos comentaristas protestam, criticando Mujica por ser esquerdista. Mas não é este o caso, o que se discute é o poder público ser exercido ostensivamente, como ocorre no Brasil, cuja governanta se hospeda no exterior em hotéis de altíssimo luxo e frequenta os mais caros restaurantes com sua equipe, com tudo pago pelos cartões corporativos, cujos gastos são até secretos, vejam a que ponto vai a desfaçatez dessa gente.

Não devemos nos preocupar se Reguffe ou Mujica são do partido A ou B, se pertencem a esta ou aquela ideologia. O importante é o exemplo que nos dão, fazendo com que possamos cultivar um resquício de esperança, que dê algum sentido a nossas vidas neste país absurdo, onde predomina a falta de caráter, de ética e de espírito público nos três podres poderes da República, como diz Caetano Veloso.

Vitória dos outros

Nossa derrota sempre esteve implícita na vitória dos outros. Nossa riqueza sempre gerou nossa pobreza por nutrir a prosperidade alheia: os impérios e seus beleguins nativos. Na alquimia colonial e neocolonial o ouro se transfigura em sucata, os alimentos em veneno.
A chuva que irriga os centros do poder imperialista afoga os vastos subúrbios do sistema. Do mesmo modo, e simetricamente, o bem-estar de nossas classes dominantes - dominantes para dentro, dominadas para fora é as maldições de nossas multidões, condenadas a uma vida de bestas de carga.
Eduardo Galeano 

Dilma, Lula e o diabo

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Esperto e experiente, Lula faz o diabo sempre. E a altíssima conta que o capeta cobra ele empilha nos ombros dos outros
Em abril de 2013, durante encontro com prefeitos na Paraíba, Dilma Rousseff surpreendeu a todos com sua sinceridade: “Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição”. Confessou e fez, como é sabido. E o belzebu cobrou. Com juros e correção, sem carência ou parcelamento. Pior, encarnado em gente experiente nesse tipo de pacto.

Mais do que a paralisia do país, a economia estagnada, a inflação e o desemprego em alta, os demônios que assombram Dilma estão incorporados nos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), antigo desafeto, e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), fiel aliado até poucos dias. E em seu padrinho Lula.

Cunha e Renan têm se divertido em lançar chamas, assustar e pregar peças no governo.

Ainda que os objetivos de ambos não sejam nada republicanos, há muito não se via um Parlamento tão ativo. Até altivo. Câmara e Senado passaram a reivindicar suas prerrogativas, falar alto, questionar o governo.

Não há, no entanto, o que comemorar. O Legislativo só parou de dizer amém a partir das diabruras dos peemedebistas. E só se manterá assim enquanto for do interesse do PMDB, partido que mais do que qualquer um sabe o momento de aderir – e gozar as benesses do paraíso -, e a hora de escapar do incêndio, não raro colocando mais lenha na fogueira.

Mas é Lula quem melhor personifica o inferno de Dilma.

Safo como ninguém, Lula é senhor do bem e anjo do mal. Reúne-se com a afilhada, presta-lhe solidariedade, lhe acarinha o ego. Chegou a defender o ajuste fiscal proposto pela pupila, mesmo se o PT ficasse contra. E o fez na cerimônia de aniversário do partido. Registre-se: uma única, apenas uma vez.

Ao mesmo tempo, estimula a reação petista contra as medidas econômicas do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e incita o exército de Stédile a ir às ruas. Aposta na esquizofrenia de uma tropa comandada – e paga - que carrega cartazes de apoio a Dilma e grita contra o que o governo dela tem de fazer.

E vai além. Depois de cada encontro com a presidente, o ex faz a imprensa saber que Dilma insiste em não ouvi-lo. Uma suposta briga entre os dois, ocorrida no Planalto, ilustra bem isso. Lula teria perdido a paciência, batido os punhos na mesa, gritado, disparado palavrões.

Quer porque quer que o distinto público creia que os desacertos do governo devem-se ao fato de Dilma não seguir os conselhos dele. Que ele, só ele, é a salvação.

É perverso, diabólico.

Pior para Dilma, que nada aprendeu e acha que tudo sabe. Que não tem como quitar a dívida de um pacto que não é para iniciantes, mas que ela contraiu. Que colocou o coisa ruim na roda, admitindo fazer o diabo na hora de eleição.

Esperto e experiente, Lula faz o diabo sempre. E a altíssima conta que o capeta cobra ele empilha nos ombros dos outros.

Das corrupções de todo dia

Sempre que possível caminho pelo bairro onde moro ou pelas redondezas do trabalho. Gosto de perceber o modo como a cidade se movimenta, ver as cores que se formam conforme as horas correm, compreender os encontros ou – exatamente o oposto – notar a maneira como deixamos escapar sentimentos, projetos e pessoas quando as distâncias passam a ser longas demais.


Outro dia, alguns antes da braveza em verde e amarelo que tomou conta o país, resolvi contar: em menos de dois quilômetros, quatro motoristas estacionaram sobre a faixa de pedestres, dois cruzaram por ela apesar dos que aguardávamos para atravessar, uma jovem de corpo esguio e passos largos jogou seu lixo na calçada, uma mãe incentivou o filho pequeno a fazer o mesmo no jardim do parque e um homem de meia idade saudou um ciclista com buzina e palavrões. Na volta para casa, peguei um táxi, pensando naquilo tudo enquanto o taxista nervosinho acessava o Facebook pelo celular grudado no painel do carro.

[Pois é].

Sou a favor dos protestos, desde que os participantes, para um lado ou para o outro, de fato compreendam o contexto das manifestações e suas consequências, tratem as diferenças com respeito e acreditem nas bandeiras que carregam. Sou contra a corrupção, indiscutivelmente. Mas acho, para além do que temos assistido, que está na hora de combatermos também as pequenas contravenções de todo dia.

Por que aceitamos e às vezes até cometemos desvios no trânsito, no trabalho ou na praça? Por que não protestamos, igualmente, contra as pequenas corrupções cotidianas? Por que ainda há tanta gente que fura fila, paga propina, atrasa religiosamente os compromissos, mente para os amigos, investe em desestruturar uma família ou sacaneia o colega de trabalho? Ofender quem pensa diferente faz parte do pacote? O que cada um de nós realiza, efetivamente, na construção diária do país de riso e glória de que nos falava o mestre Drummond?

[Um mundo enfim ordenado, uma pátria sem fronteiras, uma terra sem bandeiras, sem igrejas nem quarteis, sem dor, sem febre, sem outro, um jeito só de viver].

Temos todos os nossos desgastes, íntimos e intransferíveis, feitos das ausências alheias, das saudades, do frio que não termina nunca, de um amor não correspondido, de arrependimento ou vontade de dizer o que não se pode, vazio ou falta de sentido, da Lei de Murphy ou da Teoria dos Seis Graus de Separação, do sufoco cotidiano, da profissão ou do casamento, do vizinho barulhento, do computador com vírus, do açúcar que o médico mandou cortar, do trânsito engarrafado, do sono acumulado ou da tensão de um dia inteiro de trabalho.

Mas há, de fato, cansaços que deviam ser igualmente combatidos: a violência nas ruas, pedir atestado médico sem estar doente, aceitar o trabalho infantil, trair, contribuir com a poluição e o desperdício de água, o analfabetismo, o atraso, o desrespeito no trânsito, o preconceito, o racismo, a competição desleal, o lucro a qualquer preço, aquele jeitinho para quase tudo que aprendemos que faz parte.

A verdade é que não faz.

Protestar contra o sistema, a política ou a corrupção, na maior parte das vezes, é mais fácil que mudar em nós mesmos comportamentos nocivos, mas o fato é que atitudes individuais externas às regras da boa convivência e do bem coletivo também fazem mal, e muito, à vida pública e ao país que nos abriga.

sábado, 28 de março de 2015

Reproclamar a República

Nos Estados Unidos, com quase o dobro da população brasileira, há 4 mil servidores comissionados; no Brasil petista, há 113 mil, além de 39 ministérios



A queda de governantes – ou a instabilidade crônica dos governos - é mais regra que exceção na História do Brasil. Dilma Roussef, pois, não tem do que se queixar: está em plena sintonia com o pior do passado político brasileiro.

Os dois imperadores, Pedro I e Pedro II, não concluíram seus reinados. O primeiro renunciou e o segundo foi renunciado pela proclamação da República, em 1889.

Entre a abdicação do primeiro e a coroação do segundo, período de uma década (1831 a 1841), o país teve cinco regências – nenhuma cumpriu seu mandato até o fim, o que levou à precoce (e inconstitucional) coroação de um imperador de 15 anos incompletos, o golpe de Estado da Maioridade.

O primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, não concluiu seu mandato. Governou dois anos e renunciou, sendo substituído por seu vice, o marechal Floriano Peixoto, que, em vez de convocar eleições, como mandava a recém-promulgada Constituição de 1891, governou até o fim de um mandato que não lhe pertencia.

A República, que entrara na história pela porta dos fundos, a bordo de um golpe militar, mostrava ao que vinha.

O primeiro presidente civil, Prudente de Morais (1894-1898), assumiu num ambiente de tensão militar e escapou de um atentado a bala, que, por falha de pontaria, matou seu ministro da Guerra, marechal Carlos Bittencourt. Chegou a se licenciar da presidência por razões de saúde e quase foi apeado do poder por seu vice, Manoel Vitorino, seu inimigo político.

Numa visão panorâmica, eis o que temos: dois presidentes que renunciaram - Deodoro e Jânio Quadros (1961); dois que morreram antes de assumir - Rodrigues Alves (em seu segundo mandato, em 1918) e Tancredo Neves (1985); dois mortos no exercício do mandato – Afonso Pena (1909) e Costa e Silva (1969); quatro depostos - Getúlio Vargas, Café Filho, João Goulart e Fernando Collor; um que não tomou posse - Júlio Prestes (1930), eleito com fraude, dando ensejo a uma revolução, que levou Getúlio, sem votos, à presidência.

Getúlio, o presidente que por mais tempo governou, não concluiu nenhum de seus dois mandatos: foi deposto em 1945 e suicidou-se em 1954. Na sequência do suicídio, o país, que teria eleições em novembro de 1955, teve, entre essa data e a posse (três meses), nada menos que três presidentes: Café Filho, o vice; Carlos Luz, presidente da Câmara; e Nereu Ramos, presidente do Senado. A posse de Juscelino foi garantida por intervenção militar.

Ao menos um presidente, Delfim Moreira (1918), enlouqueceu no cargo. Conta-se que chegou a uma reunião de ministros em cuecas. O caso foi abafado e quem de fato governou pelos oito meses que lhe restaram de governo, resguardando as aparências, foi seu ministro da Viação, Afrânio de Melo Franco.
Pontuando esse panorama, houve duas guerras civis: a Revolta da Armada (1891), que mobilizou unidades da Marinha contra Deodoro, que renunciou, e manteve-se contra o governo de Floriano Peixoto; e a revolução constitucionalista (1932), que mobilizou São Paulo contra o governo provisório (que se portava como permanente) de Vargas.

Golpes e tentativas não faltaram: o Movimento Tenentista da década dos 20 (com escaramuças em 22, 24 e 26, entre as quais a Coluna Prestes), a Intentona Comunista (1935), o Estado Novo (1937), os de Aragarças e Jacareacanga (contra o governo JK, em 1956), o de 1964 e o de 1968 (AI-5). Arthur Bernardes (1922-1926), que presidiu sob a ameaça dos tenentes (que seriam os generais de 64), governou sob Estado de Sítio.

Fechamento do Congresso houve vários: 1891, 1937, 1968, 1977. Constituições, nada menos que sete: 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 (considerando-se que a emenda da Junta Militar à Carta de 67, de tão ampla, configurava outra Carta) e a de 1988 (que já conta 79 emendas e tem 1.677 propostas de emenda na fila, aguardando avaliação).

Essa, em síntese, é a república que temos, à espera de reproclamação. Não resolveu os problemas (efetivos) que apontava na monarquia e agravou-os ao revogar o parlamentarismo e adotar o presidencialismo de formato norte-americano, que somente lá afinou-se com a democracia. Aqui, oscila entre a democracia corrupto-fisiológica (a que temos) ou o autoritarismo golpista.

A Nova República, inaugurada com a eleição indireta de Tancredo Neves em 1985, completou 30 anos, o mais longo período democrático da história republicana brasileira. Desaguou no PT, em Dilma, nos escândalos da Petrobras e no aparelhamento estatal.

Nos Estados Unidos, com quase o dobro da população brasileira, há 4 mil servidores comissionados; no Brasil petista, há 113 mil, além de 39 ministérios. JK governou com 12 ministros e Niemeyer fez construir 18 prédios na Esplanada dos Ministérios, menos da metade da cota petista.

As pesquisas mostram descrédito não apenas na presidente e em seu partido, mas no conjunto das instituições. Um ex-advogado do PT, Dias Toffoli, hoje ministro do STF, julgou os petistas do Mensalão, seus antigos clientes – e agora julgará os petistas do Petrolão. Os petistas do Mensalão estão soltos, o que não deixa otimista a sociedade em relação aos já citados do Petrolão. Multidões ocupam as ruas, pedindo a saída da presidente, de seu partido e exorcizando políticos e instituições em geral.

A república está no ralo. Os mais céticos pedem intervenção militar, esquecidos de que tudo começou com uma ação dos quartéis, há 126 anos. Pólvora não conserta nada e política é atribuição civil. O Brasil está, antes de mais nada, necessitado de uma Constituição como a proposta por Capistrano de Abreu há um século, que possuiria um único artigo:

“Todo brasileiro tem que ter vergonha na cara. Parágrafo único: Revogam-se as disposições em contrário.” Esse é o ponto de partida, sem o qual o de chegada será o de sempre. O quadro não é animador, mas não é imutável. A intensa participação popular é o dado novo – e imprevisível – da crise. Vejamos o que acontece.

Espécie nativa e invasora

Os robôs abandonam o barco

O documento que vazou do Planalto falando dos robôs usados nas redes sociais me fez lembrar de 2010. Foi a última campanha que fiz no Rio de Janeiro. Na época detectamos a ação de robôs, localizamos sua origem, mas não tínhamos como denunciar. Ninguém se interessou.

Os robôs eram uma novidade e, além do mais, o adversário não precisou deles para vencer. Tinha a máquina e muito dinheiro: não seriam mensagens traduzidas, grosseiramente, do inglês - contrataram uma empresa americana - que fariam a diferença. Essa campanha de 2010 pertence ao passado e só interessa, hoje, aos investigadores da Operação Lava Jato.

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Os robôs abandonaram Dilma Rousseff depois das eleições. E o Palácio dá importância a isso. Blogueiros oficiais também fazem corpo mole em defendê-la, por divergências políticas. Isso confirma minha suposição de que nem todos os blogueiros oficiais são mercenários. Há os que acreditam no que defendem e acham razoável usar dinheiro público para combater o poderio da imprensa.

Vejo três problemas nesse argumento. O primeiro é uma prática que se choca com a democracia. O segundo, o governo já dispõe de verbas para fazer ampla e intensa propaganda. E, finalmente, Dilma tem todo o espaço de que precisa. Basta convocar uma coletiva e centenas de jornalistas vão ao seu encontro. Se Dilma quiser ocupar diariamente cinco minutos do noticiário nacional, pode fazê-lo. O chamado problema de comunicação do governo lembra-me O Castelo, de Kakfa. A porta sempre esteve aberta e o personagem não se dá conta de que a porta está aberta.

O problema central é que Dilma não sabe tocar esse instrumento. Todos os presidentes da era democrática sabiam. Lembro-me apenas do marechal Dutra, no pós-guerra, mas era muito criança. Falava mal, porém fez carreira militar, era um marechal, que comprou muita matéria plástica. Mas era um outro Brasil comparado com o avanço democrático e a onipresença do meios de comunicação.

Os robôs que abandonaram o barco não me preocupam. Esta semana parei um pouco para pensar na terra arrasada que o PT deixará para uma esquerda democrática no País. Não só pelo cinismo e pela corrupção, pelas teses furadas, mas também pela maneira equivocada de defender teses corretas. Ao excluir dissidentes cubanos, policiais brasileiros, opositores iranianos da rede de proteção, afirmam o contrário dos direitos humanos: a parcialidade contra a universalidade.

Algo semelhante acontece com a política sobre os direitos dos gays, que apoio desde que voltei do exílio, ainda no tempo do jornal Lampião.

Ao tentar transformar as teses do movimento numa política de Estado, chega-se muito rapidamente à desconfiança da maioria, que aceita defesa de direitos, mas não o proselitismo. Tudo isso terá de ser reconstruído em outra atmosfera. Será preciso uma reeducação da esquerda para não confundir seus projetos com o interesse nacional.

Isso se aprende até nas ruas, vendo o desfile de milhares de bandeiras verdes e amarelas. Na sexta-feira 13 houve um desfile de bandeiras vermelhas. Essa tensão entre o vermelho e o verde-amarelo é expressão pictórica da crise política.

Se analisamos a política externa do período, vemos que o Brasil atuou lá fora como se sua bandeira fosse vermelha. Ignora a repressão em Cuba e na Venezuela, numa fantasia bolivariana rejeitada pela maioria do País.

Discordo de uma afirmação no documento vazado do Planalto: o Brasil vive um caos político. Dois milhões pessoas protestam nas ruas sem um incidente digno de registro. Existe maturidade para superar a crise, sem violência.

Bem ou mal, o Congresso Nacional funciona. O caos não é político. É um estado de espírito num governo e num partido que ainda não compreenderam seu fim. Nada mais cândido que a sugestão do documento: intensificar a propaganda em São Paulo.

Com mais propaganda, mais negação da realidade, o governo contribui para aumentar o som do panelaço. E exige muita maturidade da maioria esmagadora que o rejeita.

Li nos jornais a história de um deputado no PT reclamando de ter sido hostilizado em alguns lugares públicos. Se projetasse o que virá no futuro, teria razões para se preocupar.

A crise econômica ainda vai apresentar seus efeitos mais duros. Um deles é o racionamento de energia. Sem isso, acreditam os técnicos, não há retomada do crescimento em 2016. Como crescer sem dispor de mais energia?

As investigações da Lava Jato concentram-se no PT. Muitos depoimentos convergem para inculpar o tesoureiro João Vaccari Neto. Li que uma das saídas do partido seria culpar o tesoureiro, uma versão petista de culpar o mordomo.

Um governo que recusa a realidade, crise econômica que caminha para um desconforto maior e o foco da investigação da Lava Jato no PT são algumas das três variáveis de peso que conduzem a uma nova fase.

Diante desse quadro, não me surpreende que os robôs estejam pulando do barco do governo. Apenas confirmam minha suspeita de que se tornam cada vez mais inteligentes.

Eles continuam à venda no mercado internacional. O secretário da Comunicação recomendou ao governo dar munição a seus soldados na internet, Lula ameaçar com o exército de Stédile. Um novo exército de robôs seria recebido com uma gargalhada nas redes sociais.

Juntamente com os robôs, Cid Gomes saltou do barco. Ao contrário dos robôs, seu cálculo é político. Superou em 100 a marca de Lula sobre os picaretas no Congresso. Preservou-se com os futuros eleitores.

Mas, e aquela história da educação como o carro-chefe do projeto de Dilma? Confusão entre os estudantes que não recebem ajuda e o ministro contando picaretas no Congresso.

É tudo muito grotesco. Os partidos querem ver Dilma sangrando. Além de ser muito sangue o que nos espera pela frente, é preciso levar em conta que, de certa maneira, o Brasil sangra com Dilma. Arrisca-se a morrer exangue.