domingo, 29 de março de 2015

Esboço do sonho do líder

Pib Pequeno Dilma insonia relogio cama
O sono do líder é agitado. A mulher sacode-o até acordá-lo do pesadelo. Estremunhado, ele se levanta, bebe um pouco de água, vai ao banheiro onde se vê diante do espelho. O que ele vê? Um homem de meia-idade. Ele alisa os cabelos das têmporas, volta a deitar-se. Adormece e a agitação do mesmo sonho recomeça. "Não! Não!", debate-se com a garganta seca.


É que o líder assusta-se enquanto dorme. O povo ameaça o líder? Não, se foi o povo que o elegeu como líder do povo. O povo ameaça o líder? Não, pois escolheu-o em meio de lutas quase sangrentas. O povo ameaça o líder? Não, porque o líder cuida do povo. Cuida do povo?

Sim, o povo ameaça o líder do povo. O líder revolve-se na cama. De noite ele tem medo. Mesmo que seja um pesadelo sem história. De noite vê caras quietas, uma atrás da outra. E nenhuma expressão nas caras. é só este o pesadelo, apenas isso. Mas cada noite, mal adormece, mais caras quietas vão-se reunindo às outras como na fotografia em branco e preto de uma multidão em silêncio. Por quem é este silêncio? Pelo líder. É uma sucessão de caras iguais como numa repetição monótona de um rosto só. Parece uma terrível fotomontagem onde a inexpressão das caras dá-lhe medo. Nesse painel monstruoso, caras sem expressão. Mas o líder se cobre de suores porque os milhares de olhos vazios não pestanejavam. Eles o haviam escolhido. E antes que eles enfim se aproximassem definitivamente, ele gritou: “Sim, eu menti!”
Clarice Lispector, 31 de maio de 1969 

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