sexta-feira, 14 de julho de 2017
O abismo que nos separa...
Trabalhar nós trabalhamos/Porém pra comprar as pérolas/Do pescocinho da moça/Do deputado FulanoMário de Andrade, ‘Acalanto do Seringueiro’, em ‘Clã do Jabuti’, 1927
Numa tarde de 2001, quando ainda morava perto do centro da cidade, um homem de uns 50 anos veio ao meu encontro: “Sou preto, mas não sou ladrão, doutor. Só quero o dinheiro do ônibus”.
Ele havia procurado emprego num supermercado, e queria voltar à sua casa. Nunca mais esqueci as frases desse brasileiro desempregado, frases que resumem o abismo que separa os pobres (afrodescendentes em sua maioria, mas também mestiços e brancos) da classe média e dos ricos. Claro: há razões históricas que explicam ou esclarecem isso. Quase quatro séculos de escravidão, e mais de um século de uma democracia manca, interrompida por várias ditaduras só poderiam gerar uma sociedade extremamente desigual.
A “democracia” brasileira, ou sua máscara caricata e grotesca, reproduz os privilégios do clientelismo, patrimonialismo, do mandonismo. Quando uma pessoa mais humilde nos chama de “doutor”, parece que todo o passado da escravidão reverbera nessa palavra, que só faz sentido se dirigida aos médicos.
Nosso ar de superioridade e petulância em relação aos pobres, nossa indiferença e desprezo pelos índios e pelos afrodescendentes inviabiliza qualquer projeto verdadeiramente democrático. Uma sociedade e um governo que toleram ou aceitam passivamente o assassinato de 50 mil jovens por ano não podem ser democráticos.
Depois de ter visitado presídios de várias capitais, a presidente do STF ficou estarrecida com as condições desumanas dos detentos. Apesar da sincera indignação da ministra, é provável que pouca coisa mude. Sabemos que uma mãe pobre foi condenada a quase dois anos de prisão por ter furtado ovos de Páscoa. Mulheres pobres que cometem um pequeno delito sofrem penas pesadas, enquanto esposas e irmãs de chefões do crime são brindadas com prisão domiciliar. A coroação da injustiça (ou da justiça assimétrica de uma parte do Judiciário) foi a sentença de prisão domiciliar do homem da mala.
Faz parte da desfaçatez nacional manter o conluio entre os três poderes. Sem isso, o País seria outro. E só um otimista ou ingênuo acredita que o próximo Congresso será plenamente renovado, e que uma maioria decente de deputados e senadores será eleita. Infelizmente, os chantagistas e corruptos serão maioria nas próximas eleições, apenas mudarão os nomes dos “doutores” e excelências. Como diz o sobrinho do príncipe Dom Fabrizio no romance de Lampedusa ('O Leopardo'): “Tudo continuará na mesma quando tudo tiver mudado”.
Uma reforma política profunda e investimentos maciços na educação pública são tão urgentes quanto necessários, mas não serão feitos. Os que usam (e usarão) tornozeleiras eletrônicas em sua confortável reclusão domiciliar abominam essas duas grandes questões. E a maioria dos deputados, senadores, prefeitos e governadores tampouco se interessa por essas duas grandes questões. Preferem mudanças superficiais, pois assim garantem que tudo continue na mesma.
O caminho que conduz à verdadeira democracia é longo e sinuoso. Os péssimos exemplos que vêm do alto da pirâmide política e econômica são nocivos a toda a sociedade. Mas afirmar que somos um povo corrupto é uma generalização absurda, uma autoflagelação moral tresloucada, inaceitável. É na base social – formada pelos desvalidos e a classe média – que as mudanças deverão ocorrer. O voto consciente, a pressão popular, os protestos e a indignação são os únicos vetores de uma verdadeira mudança política. Enquanto isso não ocorrer, a barbárie, movida pela impunidade e pela desigualdade, seguirá seu curso.
As frases do desempregado de algum modo dialogam com os versos da epígrafe de Mário de Andrade. No mesmo poema ('Acalanto do Seringueiro'), ele escreve:
“Você, seringueiro do Acre, brasileiro que nem eu”.
O seringueiro do rio Purus, ou de outras regiões da Amazônia, é o migrante nordestino, mestiço de várias origens: africana, indígena, europeia. Mas pode ser o índio escravizado, forçado a trabalhar nos seringais desde o século 19. Enquanto esses Outros não forem considerados brasileiros como nós por nós mesmos e pelos três poderes, o País continuará fraturado, incapaz de compreender a si mesmo. Este é o abismo que nos separa uns dos outros...
Ele havia procurado emprego num supermercado, e queria voltar à sua casa. Nunca mais esqueci as frases desse brasileiro desempregado, frases que resumem o abismo que separa os pobres (afrodescendentes em sua maioria, mas também mestiços e brancos) da classe média e dos ricos. Claro: há razões históricas que explicam ou esclarecem isso. Quase quatro séculos de escravidão, e mais de um século de uma democracia manca, interrompida por várias ditaduras só poderiam gerar uma sociedade extremamente desigual.
A “democracia” brasileira, ou sua máscara caricata e grotesca, reproduz os privilégios do clientelismo, patrimonialismo, do mandonismo. Quando uma pessoa mais humilde nos chama de “doutor”, parece que todo o passado da escravidão reverbera nessa palavra, que só faz sentido se dirigida aos médicos.
Nosso ar de superioridade e petulância em relação aos pobres, nossa indiferença e desprezo pelos índios e pelos afrodescendentes inviabiliza qualquer projeto verdadeiramente democrático. Uma sociedade e um governo que toleram ou aceitam passivamente o assassinato de 50 mil jovens por ano não podem ser democráticos.
Depois de ter visitado presídios de várias capitais, a presidente do STF ficou estarrecida com as condições desumanas dos detentos. Apesar da sincera indignação da ministra, é provável que pouca coisa mude. Sabemos que uma mãe pobre foi condenada a quase dois anos de prisão por ter furtado ovos de Páscoa. Mulheres pobres que cometem um pequeno delito sofrem penas pesadas, enquanto esposas e irmãs de chefões do crime são brindadas com prisão domiciliar. A coroação da injustiça (ou da justiça assimétrica de uma parte do Judiciário) foi a sentença de prisão domiciliar do homem da mala.
Faz parte da desfaçatez nacional manter o conluio entre os três poderes. Sem isso, o País seria outro. E só um otimista ou ingênuo acredita que o próximo Congresso será plenamente renovado, e que uma maioria decente de deputados e senadores será eleita. Infelizmente, os chantagistas e corruptos serão maioria nas próximas eleições, apenas mudarão os nomes dos “doutores” e excelências. Como diz o sobrinho do príncipe Dom Fabrizio no romance de Lampedusa ('O Leopardo'): “Tudo continuará na mesma quando tudo tiver mudado”.
Uma reforma política profunda e investimentos maciços na educação pública são tão urgentes quanto necessários, mas não serão feitos. Os que usam (e usarão) tornozeleiras eletrônicas em sua confortável reclusão domiciliar abominam essas duas grandes questões. E a maioria dos deputados, senadores, prefeitos e governadores tampouco se interessa por essas duas grandes questões. Preferem mudanças superficiais, pois assim garantem que tudo continue na mesma.
O caminho que conduz à verdadeira democracia é longo e sinuoso. Os péssimos exemplos que vêm do alto da pirâmide política e econômica são nocivos a toda a sociedade. Mas afirmar que somos um povo corrupto é uma generalização absurda, uma autoflagelação moral tresloucada, inaceitável. É na base social – formada pelos desvalidos e a classe média – que as mudanças deverão ocorrer. O voto consciente, a pressão popular, os protestos e a indignação são os únicos vetores de uma verdadeira mudança política. Enquanto isso não ocorrer, a barbárie, movida pela impunidade e pela desigualdade, seguirá seu curso.
As frases do desempregado de algum modo dialogam com os versos da epígrafe de Mário de Andrade. No mesmo poema ('Acalanto do Seringueiro'), ele escreve:
“Você, seringueiro do Acre, brasileiro que nem eu”.
O seringueiro do rio Purus, ou de outras regiões da Amazônia, é o migrante nordestino, mestiço de várias origens: africana, indígena, europeia. Mas pode ser o índio escravizado, forçado a trabalhar nos seringais desde o século 19. Enquanto esses Outros não forem considerados brasileiros como nós por nós mesmos e pelos três poderes, o País continuará fraturado, incapaz de compreender a si mesmo. Este é o abismo que nos separa uns dos outros...
Onde erramos, partidos e políticos social-democratas
O jornalista Paulo Guedes escreveu no jornal, em 19.6, que “os partidos social-democratas que nos dirigem há mais de três décadas devem explicar nossa degeneração política e o medíocre desempenho econômico”. Eu acrescento: a persistência da pobreza e da desigualdade, a desagregação social, a violência generalizada, o desencanto dos jovens com a política e a tolerância com a corrupção.
Uma explicação: não nos sintonizamos com o “espírito do tempo”, perdemos o vigor transformador. Enquanto a realidade se transformava, continuamos com as ideias do passado. Não entendemos que,hoje, a divisão entre presente e futuro é mais importante que entre capitalistas e trabalhadores; nem que estes se dividiram entre modernos, com bons padrões de consumo, e tradicionais, pobres e excluídos, com um “Mediterrâneo invisível” separando-os. Preferimos defender direitos dos servidores estatais em vez da qualidade dos serviços públicos; ignoramos que estatal não é sinônimo de público; sob o falso conceito de igualdade, abandonamos o reconhecimento ao mérito de alguns profissionais.
Optando pela disputa entre corporações, de capitalistas ou de trabalhadores, governamos sem buscar coesão social e rumo histórico. Substituímos propostas de um mundo melhor para as futuras gerações por promessas de maior poder de compra no presente; criamos consumidores, não cidadãos. Caímos no oportunismo eleitoral ao prometer que todos atravessariam o “Mediterrâneo invisível” apenas com “bolsas” e “cotas” para pobres e isenções fiscais para empresários. Não percebemos que o esgotamento dos recursos fiscais e naturais exige austeridade nos gastos e eficiência na gestão.
Não entendemos que a justiça social vem da aplicação correta e responsável dos resultados de uma economia eficiente; que no mundo global não há mais futuro para economias movidas por nacionalismos isolados; nem reconhecemos que o capital do século XXI está no conhecimento para inovar e usar as novas máquinas inteligentes. Faltou a compreensão de que a eficiência e a justiça não virão da ocupação do Estado para subordinar as economias sob controle dos partidos, mas da educação para todos, filhos de pobres e de ricos em escolas com a mesma qualidade. Não acreditamos que a igualdade educacional com qualidade teria sido nossa nova bandeira.
No lugar de gigante deitado em berço esplêndido, deixamos um Brasil amarrado em laços corporativos e antiquados. Nossos intelectuais ficaram acomodados em ideias antigas, filiações partidárias, fascínio por líderes. Substituímos ideias por slogans, filósofos por marqueteiros. Caímos em narrativas falsas e passamos a acreditar nas próprias mentiras. Prisioneiros de siglas partidárias sem ética e programas, trocamos princípios por preconceitos. Sem rumo, caímos no eleitoralismo populista e na corrupção, que mora a seu lado. E ainda não fizemos uma autocrítica nem pedimos desculpas à história e ao povo.
Cristovam Buarque
Uma explicação: não nos sintonizamos com o “espírito do tempo”, perdemos o vigor transformador. Enquanto a realidade se transformava, continuamos com as ideias do passado. Não entendemos que,hoje, a divisão entre presente e futuro é mais importante que entre capitalistas e trabalhadores; nem que estes se dividiram entre modernos, com bons padrões de consumo, e tradicionais, pobres e excluídos, com um “Mediterrâneo invisível” separando-os. Preferimos defender direitos dos servidores estatais em vez da qualidade dos serviços públicos; ignoramos que estatal não é sinônimo de público; sob o falso conceito de igualdade, abandonamos o reconhecimento ao mérito de alguns profissionais.
Não entendemos que a justiça social vem da aplicação correta e responsável dos resultados de uma economia eficiente; que no mundo global não há mais futuro para economias movidas por nacionalismos isolados; nem reconhecemos que o capital do século XXI está no conhecimento para inovar e usar as novas máquinas inteligentes. Faltou a compreensão de que a eficiência e a justiça não virão da ocupação do Estado para subordinar as economias sob controle dos partidos, mas da educação para todos, filhos de pobres e de ricos em escolas com a mesma qualidade. Não acreditamos que a igualdade educacional com qualidade teria sido nossa nova bandeira.
No lugar de gigante deitado em berço esplêndido, deixamos um Brasil amarrado em laços corporativos e antiquados. Nossos intelectuais ficaram acomodados em ideias antigas, filiações partidárias, fascínio por líderes. Substituímos ideias por slogans, filósofos por marqueteiros. Caímos em narrativas falsas e passamos a acreditar nas próprias mentiras. Prisioneiros de siglas partidárias sem ética e programas, trocamos princípios por preconceitos. Sem rumo, caímos no eleitoralismo populista e na corrupção, que mora a seu lado. E ainda não fizemos uma autocrítica nem pedimos desculpas à história e ao povo.
Cristovam Buarque
Comemorar o quê?
Lula, há uma enorme diferença entre concordar com a sentença do juiz Sergio Moro e sair por aí cantando, dançando e brindando com champanhe. Não comemoro.
Concordo inteiramente com a sentença e só lastimo o ritual que ainda teremos que enfrentar até ver esse assunto resolvido, quer dizer você enfim afastado da Política.
Você é incapaz de admitir os erros que cometeu, dentre eles colocar no Planalto aquela senhora que não soube nem governar, nem escolher um vice. Segundo você, todos erram, sobretudo a Justiça e os meios de comunicação, menos você e o PT.
No palavrório ontem à tarde na sede do Instituto Lula, rotulado inadequadamente de entrevista, você pediu aos membros da Casa Grande que permitissem que um homem da Senzala voltasse a governar o país. Verdade, foi o que você pediu!
Estava me arrependendo do tempo que perdia ouvindo o seu discurso até esse momento. Foi então que vi que valeu à pena, pois deu para compreender o espetáculo deprimente da véspera, o piquenique na Mesa Diretora do Senado Federal.
Ô Lula, como é que você tem a audácia de fazer um pronunciamento como o de ontem à tarde com a Gleisi Hoffmann sentada ao seu lado? Você deu a essa moça o título de presidente do PT! E estranha o PT estar perdendo tantos militantes?
Francamente, Lula, da ata que fundou o PT até hoje a decadência foi brutal, não foi não? Ou você imagina alguns dos signatários daquela ata pedindo marmita on deliveryna Mesa Diretora do Senado Federal?
Antes que eu me esqueça, você vê alguns dos fundadores do PT sequer admitindo que num momento assim grave como o da publicação da sentença do juiz Moro eles fossem ficar mais preocupados com a vitória do Corinthians sobre o Palmeiras? Quando a própria construção do estádio do Corinthians faz parte da lista de propinas que as empreiteiras deram a você e ao PT?
O que você e seu advogado deviam perseguir era a condenação dos outros políticos já réus de processos para provar que não são só os da Senzala que vão presos, mas os da Casa Grande também. A começar pela presidente do PT que acha que "Sergio Moro é covarde por dar essa sentença a Lula"’.
Isso, sim, seria a atitude de um homem que, embora tenha errado, sabe que errou e não quer continuar errando.
Você talvez não tenha se dado conta mas ofendeu muito os seus apoiadores ao julgar o triplex no Guarujá ruim para você e sua família, comparando-o a uma unidade Minha Casa, Minha Vida. Essa deve ter doído muito nos infelizes moradores das pífias casinholas das quais você e seu governo tanto se gabavam.
Sabe, Lula, tirando o grupelho que estava na sede do PT ontem, o povo anda atento e sabe muito bem o quanto você se afastou da Senzala!
Reafirmo que concordo com a sentença do juiz Sergio Moro, por quem tenho enorme admiração. Mas não posso comemorar pois o nosso país está numa situação periclitante, econômica e moralmente muito fragilizado. E isso devemos ao PT.
Aproveite o tempo que você ainda tem para reformular seu partido e fazer com que ele se torne o partido popular que seus marqueteiros venderam para o povo brasileiro e para o mundo.
Você diz ainda que a única prova que existe é a prova da sua inocência. Prove isso, Lula. Prove e comprove!
Concordo inteiramente com a sentença e só lastimo o ritual que ainda teremos que enfrentar até ver esse assunto resolvido, quer dizer você enfim afastado da Política.
Você é incapaz de admitir os erros que cometeu, dentre eles colocar no Planalto aquela senhora que não soube nem governar, nem escolher um vice. Segundo você, todos erram, sobretudo a Justiça e os meios de comunicação, menos você e o PT.
Estava me arrependendo do tempo que perdia ouvindo o seu discurso até esse momento. Foi então que vi que valeu à pena, pois deu para compreender o espetáculo deprimente da véspera, o piquenique na Mesa Diretora do Senado Federal.
Ô Lula, como é que você tem a audácia de fazer um pronunciamento como o de ontem à tarde com a Gleisi Hoffmann sentada ao seu lado? Você deu a essa moça o título de presidente do PT! E estranha o PT estar perdendo tantos militantes?
Francamente, Lula, da ata que fundou o PT até hoje a decadência foi brutal, não foi não? Ou você imagina alguns dos signatários daquela ata pedindo marmita on deliveryna Mesa Diretora do Senado Federal?
Antes que eu me esqueça, você vê alguns dos fundadores do PT sequer admitindo que num momento assim grave como o da publicação da sentença do juiz Moro eles fossem ficar mais preocupados com a vitória do Corinthians sobre o Palmeiras? Quando a própria construção do estádio do Corinthians faz parte da lista de propinas que as empreiteiras deram a você e ao PT?
O que você e seu advogado deviam perseguir era a condenação dos outros políticos já réus de processos para provar que não são só os da Senzala que vão presos, mas os da Casa Grande também. A começar pela presidente do PT que acha que "Sergio Moro é covarde por dar essa sentença a Lula"’.
Isso, sim, seria a atitude de um homem que, embora tenha errado, sabe que errou e não quer continuar errando.
Você talvez não tenha se dado conta mas ofendeu muito os seus apoiadores ao julgar o triplex no Guarujá ruim para você e sua família, comparando-o a uma unidade Minha Casa, Minha Vida. Essa deve ter doído muito nos infelizes moradores das pífias casinholas das quais você e seu governo tanto se gabavam.
Sabe, Lula, tirando o grupelho que estava na sede do PT ontem, o povo anda atento e sabe muito bem o quanto você se afastou da Senzala!
Reafirmo que concordo com a sentença do juiz Sergio Moro, por quem tenho enorme admiração. Mas não posso comemorar pois o nosso país está numa situação periclitante, econômica e moralmente muito fragilizado. E isso devemos ao PT.
Aproveite o tempo que você ainda tem para reformular seu partido e fazer com que ele se torne o partido popular que seus marqueteiros venderam para o povo brasileiro e para o mundo.
Você diz ainda que a única prova que existe é a prova da sua inocência. Prove isso, Lula. Prove e comprove!
Os efeitos da condenação de Lula
As considerações de ordem moral, a justiça ou os aspectos jurídicos a respeito da condenação do ex-presidente Lula ficam por conta do leitor. Cabe ao analista tatear as implicações políticas do fato: o simbolismo do veredito do juiz Sérgio Moro, suas consequências mais imediatas e seus efeitos sobre o processo eleitoral de 2018. Mesmo entre os especialistas do mundo das leis e das sentenças jurídicas há muita controvérsia a respeito, aponta-se acertos e deslizes de Moro; não será o comentarista político que dará a última palavra.
O que se pode dizer é que a condenação não compreende nenhuma surpresa, toda e qualquer araucária de Curitiba sabia que Moro condenaria Lula; Pule de dez, sequer cabia fazer apostas. Os próprios advogados de Lula compreendiam isto, tanto que desde sempre optaram pelo enfrentamento ao juiz, ressaltando haver no magistrado disposições e orientações de ordem política em oposição ao ex-presidente e seu partido. Verdadeiro ou falso, foi a linha de defesa nessa fase do processo.
Imaginava-se, como de fato ocorreu, que o juiz não mandaria o réu imediatamente para a prisão e sabia-se que Lula não se tornaria inelegível imediatamente. Segundo o ex-juiz Walter Maierovitch, havia mesmo base para que Moro não o fizesse, uma ''jurisprudência de remanso''— calma, tranquila, contra a qual não há indisposição. Chama atenção, no entanto, que Moro assinalasse em seu arrazoado que preferiu agir assim em virtude da condição política de Lula, compreendendo que pudesse, já nesta fase, causar comoção.
Com efeito, a prisão — se viesse ou se vier a ocorrer — teria esse efeito. Contudo, há um aspecto interessante em torno deste ponto: polêmica e ''comoção'' residirão tanto na prisão como também na eventual não prisão de Lula. Distante dos 83% de popularidade que um dia o abraçou, figura controversa, Lula divide o país entre os que o apoiam e o aprovam a despeito de qualquer coisa e aqueles que o desaprovam também a despeito de tudo. Da tensão e do desgaste de uma definição não haverá fuga, quando chegar, por fim, o momento.
Justamente por conta dessa natureza emocional e da capacidade de dividir opiniões, o veredito de Moro é carregado de paradoxos: como marco, significa exatamente o quê? O fim de uma era, em que Lula ocupou o centro da política nacional, o ocaso do discurso moral do PT, a emergência de um novo Brasil ''onde os poderosos vão para a cadeia'' — haveria ainda tantos poderosos soltos por aí… — ou a consolidação de juízes e promotores como agentes centrais no processo político nacional? Difícil saber, provavelmente só o tempo e a história dirão.
No curtíssimo prazo, a condenação de Lula significa uma enorme apreensão também para seus adversários: os riscos para tucanos e peemedebistas arrolados com a Lava Jato aumentam, é evidente. Haverá pressão de parte da opinião pública, tanto sobre o Judiciário quanto sobre o Ministério Público, para que também Aécio Neves e Michel Temer, por exemplo, sejam igualmente julgados e punidos com rigor. Certo ou errado, justo ou injusto, é o que menos importa: o ambiente entra no clima do ''olho por olho, dente por dente''.
Agudiza-se, assim, a polarização entre os ''pró'' e os ''contra'' Lula, simpáticos ou antipetistas. O debate político se dará em torno de sua figura, candidato ou não: algoz do Brasil ou vítima de perseguição política. Os ânimos e as ruas se dividirão ainda mais, portanto, e um debate racional e comedido será impossível. As dificuldades para construção do diálogo nacional aumentam — estando Lula preso, como também, sendo, por fim, absolvido em segunda instância.
No curto prazo, não haverá quadro bom, ainda que no médio e no longo a tendência seja mesmo de isolamento do PT. Mas, isto somente se definirá no pós-eleição, de 2018, a depender do resultado. Uma derrota acachapante da legenda colocará uma pedra sobre o assunto, reduzindo a base social do lulismo ao gueto. Mas, a eventual vitória — ou mesmo um desempenho extraordinário diante das circunstâncias — significará manter a chaga aberta, a ferida purulenta, o nervo e a fratura expostos.
O PT sabe disso e também por isso investirá na retórica da vitimização de seu principal líder. A tentativa de transformá-lo de réu/condenado em vítima; mais que um preso, um perseguido político — reduzindo a questão e desviando o debate a respeito dos fatos que fizeram explodir a Operação Lava Jato, Joesley Batista e outros tais que, na verdade, dizem respeito a todo o aparelhamento do Estado no Brasil realizado por grande parte de seu sistema político. Este será o cominho e a tangente eleitoral do PT.
Mas, é evidente que a estratégia da vitimização não é exclusividade do lulismo. Não se comportam de modo diferente tucanos e peemedebistas quando apontam nas acusações a Aécio Neves e a Michel Temer as digitais da politização, da armação e do ''golpe'' contra seus próceres. Curioso notar a euforia dos adversários de Lula ao comemorar a condenação: o raciocínio que desfilam diante das câmeras serve também contra eles e os seus; efeito Orloff, os Lulas de amanhã. Seriam todos vítimas do complô de um mundo injusto? A resposta fica para o leitor.
Carlos Melo
O que se pode dizer é que a condenação não compreende nenhuma surpresa, toda e qualquer araucária de Curitiba sabia que Moro condenaria Lula; Pule de dez, sequer cabia fazer apostas. Os próprios advogados de Lula compreendiam isto, tanto que desde sempre optaram pelo enfrentamento ao juiz, ressaltando haver no magistrado disposições e orientações de ordem política em oposição ao ex-presidente e seu partido. Verdadeiro ou falso, foi a linha de defesa nessa fase do processo.
Imaginava-se, como de fato ocorreu, que o juiz não mandaria o réu imediatamente para a prisão e sabia-se que Lula não se tornaria inelegível imediatamente. Segundo o ex-juiz Walter Maierovitch, havia mesmo base para que Moro não o fizesse, uma ''jurisprudência de remanso''— calma, tranquila, contra a qual não há indisposição. Chama atenção, no entanto, que Moro assinalasse em seu arrazoado que preferiu agir assim em virtude da condição política de Lula, compreendendo que pudesse, já nesta fase, causar comoção.
Com efeito, a prisão — se viesse ou se vier a ocorrer — teria esse efeito. Contudo, há um aspecto interessante em torno deste ponto: polêmica e ''comoção'' residirão tanto na prisão como também na eventual não prisão de Lula. Distante dos 83% de popularidade que um dia o abraçou, figura controversa, Lula divide o país entre os que o apoiam e o aprovam a despeito de qualquer coisa e aqueles que o desaprovam também a despeito de tudo. Da tensão e do desgaste de uma definição não haverá fuga, quando chegar, por fim, o momento.
Justamente por conta dessa natureza emocional e da capacidade de dividir opiniões, o veredito de Moro é carregado de paradoxos: como marco, significa exatamente o quê? O fim de uma era, em que Lula ocupou o centro da política nacional, o ocaso do discurso moral do PT, a emergência de um novo Brasil ''onde os poderosos vão para a cadeia'' — haveria ainda tantos poderosos soltos por aí… — ou a consolidação de juízes e promotores como agentes centrais no processo político nacional? Difícil saber, provavelmente só o tempo e a história dirão.
No curtíssimo prazo, a condenação de Lula significa uma enorme apreensão também para seus adversários: os riscos para tucanos e peemedebistas arrolados com a Lava Jato aumentam, é evidente. Haverá pressão de parte da opinião pública, tanto sobre o Judiciário quanto sobre o Ministério Público, para que também Aécio Neves e Michel Temer, por exemplo, sejam igualmente julgados e punidos com rigor. Certo ou errado, justo ou injusto, é o que menos importa: o ambiente entra no clima do ''olho por olho, dente por dente''.
Agudiza-se, assim, a polarização entre os ''pró'' e os ''contra'' Lula, simpáticos ou antipetistas. O debate político se dará em torno de sua figura, candidato ou não: algoz do Brasil ou vítima de perseguição política. Os ânimos e as ruas se dividirão ainda mais, portanto, e um debate racional e comedido será impossível. As dificuldades para construção do diálogo nacional aumentam — estando Lula preso, como também, sendo, por fim, absolvido em segunda instância.
No curto prazo, não haverá quadro bom, ainda que no médio e no longo a tendência seja mesmo de isolamento do PT. Mas, isto somente se definirá no pós-eleição, de 2018, a depender do resultado. Uma derrota acachapante da legenda colocará uma pedra sobre o assunto, reduzindo a base social do lulismo ao gueto. Mas, a eventual vitória — ou mesmo um desempenho extraordinário diante das circunstâncias — significará manter a chaga aberta, a ferida purulenta, o nervo e a fratura expostos.
O PT sabe disso e também por isso investirá na retórica da vitimização de seu principal líder. A tentativa de transformá-lo de réu/condenado em vítima; mais que um preso, um perseguido político — reduzindo a questão e desviando o debate a respeito dos fatos que fizeram explodir a Operação Lava Jato, Joesley Batista e outros tais que, na verdade, dizem respeito a todo o aparelhamento do Estado no Brasil realizado por grande parte de seu sistema político. Este será o cominho e a tangente eleitoral do PT.
Mas, é evidente que a estratégia da vitimização não é exclusividade do lulismo. Não se comportam de modo diferente tucanos e peemedebistas quando apontam nas acusações a Aécio Neves e a Michel Temer as digitais da politização, da armação e do ''golpe'' contra seus próceres. Curioso notar a euforia dos adversários de Lula ao comemorar a condenação: o raciocínio que desfilam diante das câmeras serve também contra eles e os seus; efeito Orloff, os Lulas de amanhã. Seriam todos vítimas do complô de um mundo injusto? A resposta fica para o leitor.
Carlos Melo
Lula acorrenta destino do PT ao seu futuro penal
“Se alguém pensa que com essa sentença me tirou do jogo, podem saber que eu estou no jogo”, disse Lula, em sua primeira manifestação depois de ser condenado a 9 anos e 6 meses de cadeia por corrupção. “Até agora, eu não tinha reivindicado, mas agora eu reivindico do meu partido o direito de ser candidato a presidente.” Com essas palavras, Lula acorrentou de vez os destinos do PT ao seu futuro penal.
O petismo aceita gostosamente a penitência de arrastar as correntes do seu líder messiânico. Por duas razões: 1) Falta ao partido uma alternativa. Lula não permitiu que ela surgisse. 2) O socialismo petista é movido por uma fé de inspiração cristã. O ingrediente da dúvida não faz parte do credo do PT. O partido se alimenta da certeza de que seu único líder é uma potência moral, que não deve contas senão à sua própria noção de superioridade. Tudo o que o contraria é ''lixo''.
Esse Lula mitológico é uma construção político-religiosa. O Lula de carne e osso perdeu a aura de vítima. A sentença de Sergio Moro apenas potencializou uma nova aparência que Lula já tinha. Precedido por um rastro de escândalos, o ex-mito se autoconverteu num político tradicional, suspeito de tudo o que se costuma suspeitar nessa fauna. E estão por vir novas condenações.
Rendido às conveniências de Lula, o PT vê-se impedido até mesmo de esboçar um Plano B em cima do joelho. O Plano B da legenda consiste basicamente em levar o Plano A às últimas consequências. O partido acha que vai à disputa de 2018 representado por um profeta.
E Lula, sob o risco real de se tornar um ficha-suja, trata decisões judiciais com descaso, administra sua moral transigente e se dedica com afinco à tarefa de ajudar afundar o partido que fundou.
O petismo aceita gostosamente a penitência de arrastar as correntes do seu líder messiânico. Por duas razões: 1) Falta ao partido uma alternativa. Lula não permitiu que ela surgisse. 2) O socialismo petista é movido por uma fé de inspiração cristã. O ingrediente da dúvida não faz parte do credo do PT. O partido se alimenta da certeza de que seu único líder é uma potência moral, que não deve contas senão à sua própria noção de superioridade. Tudo o que o contraria é ''lixo''.
Esse Lula mitológico é uma construção político-religiosa. O Lula de carne e osso perdeu a aura de vítima. A sentença de Sergio Moro apenas potencializou uma nova aparência que Lula já tinha. Precedido por um rastro de escândalos, o ex-mito se autoconverteu num político tradicional, suspeito de tudo o que se costuma suspeitar nessa fauna. E estão por vir novas condenações.
Rendido às conveniências de Lula, o PT vê-se impedido até mesmo de esboçar um Plano B em cima do joelho. O Plano B da legenda consiste basicamente em levar o Plano A às últimas consequências. O partido acha que vai à disputa de 2018 representado por um profeta.
E Lula, sob o risco real de se tornar um ficha-suja, trata decisões judiciais com descaso, administra sua moral transigente e se dedica com afinco à tarefa de ajudar afundar o partido que fundou.
Temer e Lula na traessia do túnel das evidências e do espelho das consciências
Como os fatos das últimas 48 horas revelaram e destacaram, o presidente Michel Temer e o ex-presidente Lula, acompanhados na viagem por aqueles que os apoiam, estão tentando em vão atravessar o túnel das evidências e o espelho das consciências. São dois obstáculos reflexivos e intransponíveis.
Evidências não faltam para estabelecer tanta a culpabilidade de Temer quanto a de Lula pelo comprometimento que mantém com personagens sinuosos nas delações e nas ações. O espelho das consciências ressalta o esforço exacerbado feito por aqueles que ainda tentam negar o envolvimento do ex-presidente e do atual presidente da República, tendo que buscar convencer a si mesmos de uma realidade que não existe e jamais poderá refletir a verdade dos fatos.
É como se os defensores de Lula e Temer tentassem atravessar um espelho num esforço para fugirem de si próprios encontrando do outro lado o reino da fantasia. Assim como no “Mágico de Oz”, filme famoso do início da década de 40.
Mariz de Oliveira insistiu em desfocar a questão que pesa sobre Michel Temer. O mesmo caminho dos que defendem Lula. A retórica passadista não convence. Michel Temer passa pela CCJ, porém não passa no seu julgamento perante a opinião pública do Brasil.
Para saltar por sobre a CCJ – reportagem de Letícia Fernandes, O Globo desta quinta-feira – Michel Temer lançou no cenário a liberação financeira de emendas a serem destinadas por deputados às respectivas bases eleitorais. E acrescentou uma ameaça reproduzida por Mariz de Oliveira de que uma condenação sua agora poderia abrir margem a condenações de vários deputados amanhã.
Amanhã será sempre outro dia, em que os fatos mudam rápida e frequentemente na política. Por seu turno, Lula lançou-se candidato à presidência da República em 2018. Sua estrada vai depender da decisão da segunda instância pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, que abrange as questões judiciais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
A candidatura de Lula depende do que a Justiça decidir. A permanência de Michel Temer depende dos ventos que chegarem ao Planalto. O túnel das evidências e o espelho das consciências serão decisivos para os destinos dos dois políticos.
Amanhã será sempre outro dia, em que os fatos mudam rápida e frequentemente na política. Por seu turno, Lula lançou-se candidato à presidência da República em 2018. Sua estrada vai depender da decisão da segunda instância pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, que abrange as questões judiciais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
A candidatura de Lula depende do que a Justiça decidir. A permanência de Michel Temer depende dos ventos que chegarem ao Planalto. O túnel das evidências e o espelho das consciências serão decisivos para os destinos dos dois políticos.
Um petardo contra Lula
Nunca antes neste país um presidente foi condenado por crime comum. A decisão do juiz Sérgio Moro é um novo e poderoso petardo contra a imagem de Lula. A biografia do ex-operário que venceu a miséria e subiu a rampa do Planalto passa a incluir uma sentença a nove anos e meio de prisão.
A condenação amplia o desgaste do petista. Lula deixou o poder com 83% de aprovação. Hoje quase metade da população o rejeita. O ex-presidente ainda é o líder mais popular do Brasil, mas a aura de mito se desmancha. Ele colaborou com isso ao se aliar a setores atrasados da política e abraçar o velho padrão de relacionamento com as empreiteiras.
A condenação amplia o desgaste do petista. Lula deixou o poder com 83% de aprovação. Hoje quase metade da população o rejeita. O ex-presidente ainda é o líder mais popular do Brasil, mas a aura de mito se desmancha. Ele colaborou com isso ao se aliar a setores atrasados da política e abraçar o velho padrão de relacionamento com as empreiteiras.
A sentença aumenta a incerteza sobre as eleições de 2018. Apesar do cerco judicial, o ex-presidente havia voltado a crescer nas pesquisas. Hoje ele lidera com folga todas as simulações, com 30% das intenções de voto. Se a condenação for confirmada em segunda instância, a lei da Ficha Limpa deve impedi-lo de concorrer.
O cenário sem Lula é desalentador para a esquerda. O PT não tem outro candidato viável, e Ciro Gomes enfrenta desconfiança pelo histórico de vaivém partidário. Marina Silva poderia ocupar o espaço vazio, mas seu apoio a Aécio Neves em 2014 tende a afastar os órfãos do lulismo. À direita, João Doria e Jair Bolsonaro tentam tirar proveito político da condenação. Eles comemoraram a notícia nas redes, mas ainda serão cobrados pelo silêncio sobre aliados acusados de corrupção.
A Lula, resta esperar a Justiça e repetir que querem barrá-lo no tapetão. Seu discurso ganhou um reforço inesperado nesta quarta. No mesmo dia em que Moro o condenou, outro juiz tirou da cadeia Geddel Vieira Lima, um dos homens de Michel Temer apanhados pela Lava Jato.
O cenário sem Lula é desalentador para a esquerda. O PT não tem outro candidato viável, e Ciro Gomes enfrenta desconfiança pelo histórico de vaivém partidário. Marina Silva poderia ocupar o espaço vazio, mas seu apoio a Aécio Neves em 2014 tende a afastar os órfãos do lulismo. À direita, João Doria e Jair Bolsonaro tentam tirar proveito político da condenação. Eles comemoraram a notícia nas redes, mas ainda serão cobrados pelo silêncio sobre aliados acusados de corrupção.
A Lula, resta esperar a Justiça e repetir que querem barrá-lo no tapetão. Seu discurso ganhou um reforço inesperado nesta quarta. No mesmo dia em que Moro o condenou, outro juiz tirou da cadeia Geddel Vieira Lima, um dos homens de Michel Temer apanhados pela Lava Jato.
Lula, condenado
A condenação em primeira instância a nove anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é uma boa notícia para o Brasil. Além do duro golpe à figura mais emblemática do gigante sul-americano nos últimos anos, aprofunda a situação de incerteza política e institucional em que o país se encontra e abre um complicadíssimo horizonte até as próximas eleições presidenciais, previstas para outubro de 2018.
Lula é uma figura-chave do passado recente de um país que conseguiu se tornar uma das principais economias do mundo em que 30 milhões de pessoas saíram da pobreza e passaram a fazer parte da classe média. À polêmica destituição da presidenta Dilma Rousseff – lembremos que não foi acusada de corrupção, mas de maquiagens contábeis –, junta-se agora a revelação de uma corrupção endêmica generalizada e uma nova tempestade institucional com a acusação de corrupção contra o atual presidente, Michel Temer.
Nesse contexto, Lula havia projetado seu retorno à política como uma operação de salvação nacional e também de resgate do seu debilitado partido. Agora esse projeto fica no ar e questionado em sua viabilidade.
Dado que a sentença é passível de recurso – ficando suspensa a partir desse momento e permitindo, assim, que o ex-presidente volte a se candidatar às eleições – o veredito não afasta Lula da cena política definitivamente. Mas é, sem dúvida, um duríssimo revés tanto para suas aspirações pessoais quanto para as de sua formação, o Partido dos Trabalhadores (PT), que tem a obrigação de continuar aspirando a representar legitimamente os interesses de uma proporção significativa de brasileiros. O problema é que o PT, que há anos vem sendo atingido por escândalos, havia recorrido a Lula quase como último cartucho e agora não tem um plano B. O fato de que os outros partidos importantes estejam quase igualmente debilitados, longe de ser um magro consolo, dá mostra do estado terrível em que se encontra o panorama político brasileiro.
A maioria esmagadora dos responsáveis políticos dos últimos anos operou uma máquina azeitada pela corrupção. Aqueles que não participaram diretamente disso olharam para o outro lado ou não fizeram o suficiente para combatê-la
O Brasil deu um salto de gigante, recebendo a admiração de todo o mundo e tornando-se um exemplo bem-sucedido para muitos países e sociedades. No entanto, a corrupção sempre acaba devorando os sistemas que parasita. Neste caso, além da ruína política e institucional, fez que a classe política ficasse completamente desacreditada perante a opinião pública. Um descrédito que, ao lado da estagnação econômica, em parte resultado da paralisia do processo de tomada de decisões políticas, pode contaminar rapidamente o próprio sistema democrático e ser aproveitado pelo discurso populista que já demonstrou sua eficácia em outras latitudes. E o Brasil não está imune a esse tipo de manipulações.
Lula é uma figura-chave do passado recente de um país que conseguiu se tornar uma das principais economias do mundo em que 30 milhões de pessoas saíram da pobreza e passaram a fazer parte da classe média. À polêmica destituição da presidenta Dilma Rousseff – lembremos que não foi acusada de corrupção, mas de maquiagens contábeis –, junta-se agora a revelação de uma corrupção endêmica generalizada e uma nova tempestade institucional com a acusação de corrupção contra o atual presidente, Michel Temer.
Nesse contexto, Lula havia projetado seu retorno à política como uma operação de salvação nacional e também de resgate do seu debilitado partido. Agora esse projeto fica no ar e questionado em sua viabilidade.
Dado que a sentença é passível de recurso – ficando suspensa a partir desse momento e permitindo, assim, que o ex-presidente volte a se candidatar às eleições – o veredito não afasta Lula da cena política definitivamente. Mas é, sem dúvida, um duríssimo revés tanto para suas aspirações pessoais quanto para as de sua formação, o Partido dos Trabalhadores (PT), que tem a obrigação de continuar aspirando a representar legitimamente os interesses de uma proporção significativa de brasileiros. O problema é que o PT, que há anos vem sendo atingido por escândalos, havia recorrido a Lula quase como último cartucho e agora não tem um plano B. O fato de que os outros partidos importantes estejam quase igualmente debilitados, longe de ser um magro consolo, dá mostra do estado terrível em que se encontra o panorama político brasileiro.
A maioria esmagadora dos responsáveis políticos dos últimos anos operou uma máquina azeitada pela corrupção. Aqueles que não participaram diretamente disso olharam para o outro lado ou não fizeram o suficiente para combatê-la
O Brasil deu um salto de gigante, recebendo a admiração de todo o mundo e tornando-se um exemplo bem-sucedido para muitos países e sociedades. No entanto, a corrupção sempre acaba devorando os sistemas que parasita. Neste caso, além da ruína política e institucional, fez que a classe política ficasse completamente desacreditada perante a opinião pública. Um descrédito que, ao lado da estagnação econômica, em parte resultado da paralisia do processo de tomada de decisões políticas, pode contaminar rapidamente o próprio sistema democrático e ser aproveitado pelo discurso populista que já demonstrou sua eficácia em outras latitudes. E o Brasil não está imune a esse tipo de manipulações.
Thoreau aos 200
Quem lê Henry David Thoreau? Passam 200 anos do seu nascimento. E os artigos da efeméride não são entusiastas. Thoreau parece "irrelevante", "anedótico", "adolescente". Para voltar ao início: quem lê Thoreau, hoje?
Resposta: eu. Poderia argumentar que a minha costela anarquista é a melhor da minha anatomia política –e uma fonte de equívocos para quem não entende direito o meu "conservadorismo".
Mas devo a Thoreau essa costela. Lembro-me de ler "Walden", pela primeira vez, em plena adolescência. Alguns dirão que "Walden" é, precisamente, um livro adolescente escrito para adolescentes. Ali temos o autor, na primeira pessoa do singular, a relatar dois anos e dois meses de vida no bosque. Afastado da "civilização", enfim, como um Rousseau americano.
A visão é superficial e ignora, pelo menos, duas coisas. A primeira é a beleza da prosa. Como são belas as manhãs em Thoreau –"a manhã traz de volta as eras heroicas" etc., cito de cor– e como são certeiras as suas observações mundanas. "Todos nos rimos das modas antigas", escreve ele, "e todos seguimos religiosamente as modas novas" (também cito de cor). É frase que fica gravada para sempre.
Por causa dele, aprendi a rir mais depressa das modas novas do que das antigas, o que me impediu de as seguir com um entusiasmo –agora, sim– adolescente. Falo de modas ideológicas ou indumentárias, tanto faz: o último grito não passa de um grito.
E também por causa dele, confissão pessoal, cheguei aos 41 sem nunca ter usado relógio. Somos escravos do tempo mas não precisamos exibir as correntes.
Mas leituras superficiais de Thoreau ignoram outro ponto: a escolha de viver junto ao lago Walden expressa um desejo nobre que define toda a sua obra. Qual? O desejo de ser deixado em paz.
Bem sei que, nas sociedades infantilizadas em que vivemos, exigimos da autoridade central uma companhia intrusiva. Não queremos o Estado nas suas funções básicas; exigimos um Estado máximo até para as coisas mínimas.
Na sua "A Desobediência Civil", o programa das festas é diferente para Thoreau: "o melhor governo é o que menos governa", diz ele, logo de início, na impossibilidade de ter governo nenhum.
O texto não se limita a uma condenação da escravidão e da guerra, promovida por um Estado imoral. Thoreau vai mais longe – e ocupa-se de questões pré-políticas que nunca verdadeiramente nos abandonam. Será que o Estado substitui a consciência individual? Ou esta pertence apenas aos homens, o que logicamente exclui um Estado moralista que determina como devemos viver ou morrer?
Cem anos antes das grandes carnificinas do século 20, Thoreau vislumbrou as consequências trágicas dessa transferência de responsabilidade moral do indivíduo para o Estado.
A primeira consequência é a atribuição de um poder abusivo a homens limitados e corrompíveis. A segunda é a transformação de uma sociedade de homens livres, moralmente livres, em uma organização de autômatos que se limitam a seguir ordens vindas de cima.
Quando escutamos as desculpas de Eichmann em Jerusalém, é impossível não lembrar as manhãs gloriosas de Thoreau.
O desejo de sermos deixados em paz é também o desejo de protegermos o nosso caráter.
Discórdias sobre o meu amigo? Várias. Não tenho da "civilização" a visão dantesca que ele cultiva. Digo mais: Thoreau só escreve como escreve porque ele é, acima de tudo, um homem civilizado.
Mas o essencial não mora aqui. Gosto de ler Thoreau nos momentos confusos, só para lembrar verdades límpidas como as águas do lago Walden.
A vida é minha. O tempo é escasso. As modas de hoje são gargalhadas futuras. Por vezes, a multidão que interessa é a multidão de um único homem. O poder político é necessário, mas não deixa de ser um mal necessário. E não assiste a nenhum político, a nenhum governo, a nenhum Estado, a condução da minha alma.
No bicentenário do nascimento, Thoreau simboliza a coragem da liberdade. Toda gente tem a palavra "liberdade" na boca. Mas raros são aqueles que possuem a coragem suficiente para a viver. Um adolescente? Engraçado. Não conheço autor mais exigente, mais indispensável –e mais adulto.
Resposta: eu. Poderia argumentar que a minha costela anarquista é a melhor da minha anatomia política –e uma fonte de equívocos para quem não entende direito o meu "conservadorismo".
Mas devo a Thoreau essa costela. Lembro-me de ler "Walden", pela primeira vez, em plena adolescência. Alguns dirão que "Walden" é, precisamente, um livro adolescente escrito para adolescentes. Ali temos o autor, na primeira pessoa do singular, a relatar dois anos e dois meses de vida no bosque. Afastado da "civilização", enfim, como um Rousseau americano.
A visão é superficial e ignora, pelo menos, duas coisas. A primeira é a beleza da prosa. Como são belas as manhãs em Thoreau –"a manhã traz de volta as eras heroicas" etc., cito de cor– e como são certeiras as suas observações mundanas. "Todos nos rimos das modas antigas", escreve ele, "e todos seguimos religiosamente as modas novas" (também cito de cor). É frase que fica gravada para sempre.
Por causa dele, aprendi a rir mais depressa das modas novas do que das antigas, o que me impediu de as seguir com um entusiasmo –agora, sim– adolescente. Falo de modas ideológicas ou indumentárias, tanto faz: o último grito não passa de um grito.
E também por causa dele, confissão pessoal, cheguei aos 41 sem nunca ter usado relógio. Somos escravos do tempo mas não precisamos exibir as correntes.
Mas leituras superficiais de Thoreau ignoram outro ponto: a escolha de viver junto ao lago Walden expressa um desejo nobre que define toda a sua obra. Qual? O desejo de ser deixado em paz.
Bem sei que, nas sociedades infantilizadas em que vivemos, exigimos da autoridade central uma companhia intrusiva. Não queremos o Estado nas suas funções básicas; exigimos um Estado máximo até para as coisas mínimas.
Na sua "A Desobediência Civil", o programa das festas é diferente para Thoreau: "o melhor governo é o que menos governa", diz ele, logo de início, na impossibilidade de ter governo nenhum.
O texto não se limita a uma condenação da escravidão e da guerra, promovida por um Estado imoral. Thoreau vai mais longe – e ocupa-se de questões pré-políticas que nunca verdadeiramente nos abandonam. Será que o Estado substitui a consciência individual? Ou esta pertence apenas aos homens, o que logicamente exclui um Estado moralista que determina como devemos viver ou morrer?
Cem anos antes das grandes carnificinas do século 20, Thoreau vislumbrou as consequências trágicas dessa transferência de responsabilidade moral do indivíduo para o Estado.
A primeira consequência é a atribuição de um poder abusivo a homens limitados e corrompíveis. A segunda é a transformação de uma sociedade de homens livres, moralmente livres, em uma organização de autômatos que se limitam a seguir ordens vindas de cima.
Quando escutamos as desculpas de Eichmann em Jerusalém, é impossível não lembrar as manhãs gloriosas de Thoreau.
O desejo de sermos deixados em paz é também o desejo de protegermos o nosso caráter.
Discórdias sobre o meu amigo? Várias. Não tenho da "civilização" a visão dantesca que ele cultiva. Digo mais: Thoreau só escreve como escreve porque ele é, acima de tudo, um homem civilizado.
Mas o essencial não mora aqui. Gosto de ler Thoreau nos momentos confusos, só para lembrar verdades límpidas como as águas do lago Walden.
A vida é minha. O tempo é escasso. As modas de hoje são gargalhadas futuras. Por vezes, a multidão que interessa é a multidão de um único homem. O poder político é necessário, mas não deixa de ser um mal necessário. E não assiste a nenhum político, a nenhum governo, a nenhum Estado, a condução da minha alma.
No bicentenário do nascimento, Thoreau simboliza a coragem da liberdade. Toda gente tem a palavra "liberdade" na boca. Mas raros são aqueles que possuem a coragem suficiente para a viver. Um adolescente? Engraçado. Não conheço autor mais exigente, mais indispensável –e mais adulto.
A eterna vítima
A trajetória de vida de Luiz Inácio Lula da Silva é marcada pela vitimização. Até certo ponto, a condição lhe teria sido determinada pelas adversidades que afligem tantos milhões de brasileiros como ele. Só mais tarde, quando a malandragem já estava suficientemente desenvolvida para capturar o potencial político daquela condição, é que nasceu a persona pública de Lula, a eterna vítima.
Ele é o sétimo de oito filhos de um humilde casal de lavradores analfabetos, o menino que passou fome e não teve acesso à plena educação formal. É o sertanejo forte descrito por Euclides da Cunha, o jovem que sobreviveu à inclemência do agreste pernambucano e veio fazer a vida na Grande São Paulo. É o metalúrgico que ousou enfrentar a ganância da burguesia e ascendeu como a maior liderança sindical do Brasil. É o político nato que lutou contra a ditadura e ajudou a escrever uma nova Constituição democrática. É o candidato que passou quatro campanhas presidenciais sendo achincalhado por não ter um diploma universitário, mas triunfou no final. “Fui acusado de não ter diploma superior. Ganho como meu primeiro diploma, o diploma de presidente da República do meu País”, disse ele, chorando, em dezembro de 2002. Agora, é o criminoso condenado injustamente a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Lula da Silva não existe na esfera pública se não estiver sendo vítima de alguma injustiça ou atacado pela força de uma arbitrariedade. Jamais é o sujeito ativo de seus próprios infortúnios, o único responsável pelas consequências das más escolhas que faz. Quando os fatos contradizem o mito, que se reescrevam os fatos.
No primeiro pronunciamento após a condenação histórica pelo ineditismo – Lula da Silva é o primeiro ex-presidente da República condenado por um crime comum –, a cantilena da vitimização deu o tom. O que se viu na manhã de ontem, no diretório do PT em São Paulo, foi o personagem de sempre, dizendo as platitudes de sempre. Durante o discurso, que durou pouco mais de meia hora, em nenhum momento Lula da Silva contestou objetivamente as razões de sua condenação, minuciosamente descritas ao longo das 238 páginas da sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro.
Sabedor de que a esmagadora maioria de sua audiência cativa não irá ler a peça condenatória – e aqueles que a lerem o farão com os olhos enviesados pela paixão que devotam ao demiurgo –, Lula se dedicou ao discurso político de candidato à Presidência, um recurso, aliás, que hoje lhe parece ser mais importante do que aqueles que seus advogados, certamente, irão interpor na Justiça.
O desapreço que Lula demonstra ter pelo Poder Judiciário é tal que o ex-presidente não se limitou a criticar o teor da sentença que o condenou, um direito legítimo que assiste a qualquer réu. No que chamou de “entrevista coletiva” – outra mistificação, pois não abriu espaço para perguntas dos jornalistas –, Lula foi além e questionou a própria legitimidade do Poder Judiciário para julgá-lo. “Só quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”, disse ele.
A fragilidade de Lula da Silva no campo jurídico é evidente. A sentença condenatória divulgada ontem corresponde apenas a um dos cinco processos a que o ex-presidente responde. Para ele e seus sequazes, a alternativa à cadeia é a aposta numa candidatura à Presidência em 2018. “Senhores da Casa Grande, permitam que alguém da senzala cuide deste povo”, disse o pré-candidato, agora condenado, transformando o que deveria ser um ato de contrição em um ato político-eleitoral.
A sentença do juiz Sérgio Moro expôs ao Brasil o verdadeiro Lula da Silva, não o personagem que ele criou para sua própria conveniência política, envernizado ao longo dos anos por marqueteiros contratados a peso de ouro.
Mantida a sentença condenatória da primeira instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região, Lula estará inelegível. Caso o tempo da Justiça não seja o mesmo da política, que as urnas sejam tão implacáveis quanto a sentença. Para o bem do Brasil e dos brasileiros.
Ele é o sétimo de oito filhos de um humilde casal de lavradores analfabetos, o menino que passou fome e não teve acesso à plena educação formal. É o sertanejo forte descrito por Euclides da Cunha, o jovem que sobreviveu à inclemência do agreste pernambucano e veio fazer a vida na Grande São Paulo. É o metalúrgico que ousou enfrentar a ganância da burguesia e ascendeu como a maior liderança sindical do Brasil. É o político nato que lutou contra a ditadura e ajudou a escrever uma nova Constituição democrática. É o candidato que passou quatro campanhas presidenciais sendo achincalhado por não ter um diploma universitário, mas triunfou no final. “Fui acusado de não ter diploma superior. Ganho como meu primeiro diploma, o diploma de presidente da República do meu País”, disse ele, chorando, em dezembro de 2002. Agora, é o criminoso condenado injustamente a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Lula da Silva não existe na esfera pública se não estiver sendo vítima de alguma injustiça ou atacado pela força de uma arbitrariedade. Jamais é o sujeito ativo de seus próprios infortúnios, o único responsável pelas consequências das más escolhas que faz. Quando os fatos contradizem o mito, que se reescrevam os fatos.
No primeiro pronunciamento após a condenação histórica pelo ineditismo – Lula da Silva é o primeiro ex-presidente da República condenado por um crime comum –, a cantilena da vitimização deu o tom. O que se viu na manhã de ontem, no diretório do PT em São Paulo, foi o personagem de sempre, dizendo as platitudes de sempre. Durante o discurso, que durou pouco mais de meia hora, em nenhum momento Lula da Silva contestou objetivamente as razões de sua condenação, minuciosamente descritas ao longo das 238 páginas da sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro.
Sabedor de que a esmagadora maioria de sua audiência cativa não irá ler a peça condenatória – e aqueles que a lerem o farão com os olhos enviesados pela paixão que devotam ao demiurgo –, Lula se dedicou ao discurso político de candidato à Presidência, um recurso, aliás, que hoje lhe parece ser mais importante do que aqueles que seus advogados, certamente, irão interpor na Justiça.
O desapreço que Lula demonstra ter pelo Poder Judiciário é tal que o ex-presidente não se limitou a criticar o teor da sentença que o condenou, um direito legítimo que assiste a qualquer réu. No que chamou de “entrevista coletiva” – outra mistificação, pois não abriu espaço para perguntas dos jornalistas –, Lula foi além e questionou a própria legitimidade do Poder Judiciário para julgá-lo. “Só quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”, disse ele.
A fragilidade de Lula da Silva no campo jurídico é evidente. A sentença condenatória divulgada ontem corresponde apenas a um dos cinco processos a que o ex-presidente responde. Para ele e seus sequazes, a alternativa à cadeia é a aposta numa candidatura à Presidência em 2018. “Senhores da Casa Grande, permitam que alguém da senzala cuide deste povo”, disse o pré-candidato, agora condenado, transformando o que deveria ser um ato de contrição em um ato político-eleitoral.
A sentença do juiz Sérgio Moro expôs ao Brasil o verdadeiro Lula da Silva, não o personagem que ele criou para sua própria conveniência política, envernizado ao longo dos anos por marqueteiros contratados a peso de ouro.
Mantida a sentença condenatória da primeira instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região, Lula estará inelegível. Caso o tempo da Justiça não seja o mesmo da política, que as urnas sejam tão implacáveis quanto a sentença. Para o bem do Brasil e dos brasileiros.
Reforma trabalhista espanhola faz cinco anos: uma geração de jovens desencantados
A espanhola Alba Nicolás (27 anos) formou-se em Publicidade e Relações Públicas em 2013. Ao concluir o curso, ela se mudou para Barcelona, onde fez uma especialização e depois uma pós-graduação. Lá começou a trabalhar como estagiária em empresa de marketing digital com um salário de 150 euros (cerca de 556 reais) por mês a título de “ajuda de transporte”. “Fui contratada para ser formada community manager, mas tudo o que aprendi foi por minha conta e na base da tentativa e erro. Tinha um tutor que corrigia o meu trabalho e o enviava ao cliente, mas ele nunca tinha tempo para me formar”, conta. Ela estava na empresa havia um ano e nove meses quando descobriu que não tinham pago a previdência social um único mês. Quando denunciou a empresa, seus chefes foram obrigados a oferecer-lhe um contrato permanente. “35 horas por semana, com um salário que continuava deixando muito a desejar e aguentando os maus modos no tratamento pessoal”. Nove meses depois, foi despedida.
Alba é uma millennial, geração dos nascidos entre 1981 e 1994 e tinha 22 anos quando seu país aprovou uma reforma trabalhista que mudou a relação de trabalho entre as empresas e os funcionários —boa parte deles jovens como ela. E é justamente esta reforma, aprovada em 2012 na Espanha, que o Governo do presidente Michel Temer usa como principal referência para a sua proposta de reforma trabalhista, que votada nesta terça-feira pelo plenário do Senado. A geração de Alba representará 35% da força de trabalho global em 2020, de acordo com o Manpower Group.
O conceito de millennial tornou-se uma marca global. Deles se disse que são a geração mais preparada da história; que estão permanentemente conectados porque cresceram com a Internet e as novas tecnologias; que o dinheiro não é sua prioridade; que o que buscam são experiências motivadoras com as quais possam crescer; que preferem trabalhar em empresas comprometidas com o meio ambiente e a sociedade; que não querem ouvir e nem falar de um horário das 9h às 18h, mas de modelos flexíveis e por resultados; que são empreendedores; que entendem como ninguém a nova economia, porque a vivem em primeira pessoa como consumidores do Uber, Airbnb, Wallapop...
Com tais credenciais, o normal seria que as empresas brigassem por esse talento emergente. De fato, esse é o discurso que muitas delas fazem com insistência. Numa pesquisa feita em 2015 pela Deloitte sobre a Geração do Milênio, Barry Salzberg, seu CEO, exortou a comunidade empresarial dos mercados desenvolvidos a “identificar as mudanças que necessitam fazer para atrair e se comprometer com essa geração”. E advertiu: “Caso contrário, corre-se o risco de perdê-los e ficar para trás”. No entanto, as taxas de desemprego que assolam os jovens na Espanha, de aproximadamente 40% (e de cerca de 27% no Brasil), indicam que, pelo visto, não há tanta pressa para seduzi-los. E isso tem outras consequências sociais: a idade média de emancipação é 29 anos (quase dez anos a mais que os suecos), sua situação pessoal não tem nada a ver com a de seus pais quando estes tinham a mesma idade e a idade média em que as espanholas são mães passou de 28,2 anos em 1980 para 32,2 em 2014.
Juan María González-Anleo, professor de Sociologia da ESIC Business & Marketing School e autor do livro Generación Selfie, lembra que millennial é um conceito importado dos Estados Unidos. “Talvez nos países anglo-saxões ou na Alemanhase aposte mais decisivamente nesse talento, mas na Espanha as empresas não estão muito empenhadas”, lamenta. Ana Sarmiento, especialista em estratégias de trabalho para a geração do milênio está de acordo. “Muito poucas empresas sabem o que fazer com esses jovens. E o mais triste é que muito poucas estão interessadas em saber”. No máximo, continua, começam a se se interessar agora por sua faceta de consumidores para tentar fidelizá-los. “Mas os millennials não só consomem, também são uma nova geração de profissionais livres, abertos e digitais. E poucas organizações tiveram a ideia de tentar fidelizá-los também como empregados.
Antes de se tornar empreendedor, o espanhol Luis Alberto Santos (27 anos) ouviu muitas histórias nas entrevistas de emprego que a realidade logo desmentiu. “Horários flexíveis que na prática eram horários fixos, lugares em que é mal visto sair no horário, normas de segurança que só são cumpridas caso haja uma auditoria ou uma visita importante”, enumera. A lista dos horrores também se estende à gestão de talentos. “Muitas empresas enchem a boca com a promoção ou a carreira profissional. Mas nunca me perguntaram o que eu mais gosto, quais tarefas eu executo melhor ou como poderia desenvolver meu talento”.
O discurso das empresas, no entanto, geralmente é outro. São frequentes as proclamações lembrando que muito em breve essa geração estará no comando: os millennials são chamados para acabar com os estilos autoritários de liderança, para impulsionar um novo modelo de trabalho colaborativo e digital... Mas por enquanto a “chamada” que parece chegar a eles com mais nitidez é a de ir tentar a sorte no exterior. Conforme dados do Instituto Nacional de Estatística, no primeiro semestre de 2016 emigraram da Espanha 47.784 pessoas. Boa parte dessa diáspora é de millennials. “É muito triste que as conversas que escuto dos meus alunos quando saio para fumar nos intervalos tratem sobre se o Chile é um bom lugar para trabalhar ou se as condições no Reino Unido pioraram muito para os espanhóis por causa do Brexit”, comenta o professor González-Anleo.
Alba é uma millennial, geração dos nascidos entre 1981 e 1994 e tinha 22 anos quando seu país aprovou uma reforma trabalhista que mudou a relação de trabalho entre as empresas e os funcionários —boa parte deles jovens como ela. E é justamente esta reforma, aprovada em 2012 na Espanha, que o Governo do presidente Michel Temer usa como principal referência para a sua proposta de reforma trabalhista, que votada nesta terça-feira pelo plenário do Senado. A geração de Alba representará 35% da força de trabalho global em 2020, de acordo com o Manpower Group.
O conceito de millennial tornou-se uma marca global. Deles se disse que são a geração mais preparada da história; que estão permanentemente conectados porque cresceram com a Internet e as novas tecnologias; que o dinheiro não é sua prioridade; que o que buscam são experiências motivadoras com as quais possam crescer; que preferem trabalhar em empresas comprometidas com o meio ambiente e a sociedade; que não querem ouvir e nem falar de um horário das 9h às 18h, mas de modelos flexíveis e por resultados; que são empreendedores; que entendem como ninguém a nova economia, porque a vivem em primeira pessoa como consumidores do Uber, Airbnb, Wallapop...
Com tais credenciais, o normal seria que as empresas brigassem por esse talento emergente. De fato, esse é o discurso que muitas delas fazem com insistência. Numa pesquisa feita em 2015 pela Deloitte sobre a Geração do Milênio, Barry Salzberg, seu CEO, exortou a comunidade empresarial dos mercados desenvolvidos a “identificar as mudanças que necessitam fazer para atrair e se comprometer com essa geração”. E advertiu: “Caso contrário, corre-se o risco de perdê-los e ficar para trás”. No entanto, as taxas de desemprego que assolam os jovens na Espanha, de aproximadamente 40% (e de cerca de 27% no Brasil), indicam que, pelo visto, não há tanta pressa para seduzi-los. E isso tem outras consequências sociais: a idade média de emancipação é 29 anos (quase dez anos a mais que os suecos), sua situação pessoal não tem nada a ver com a de seus pais quando estes tinham a mesma idade e a idade média em que as espanholas são mães passou de 28,2 anos em 1980 para 32,2 em 2014.
A reforma trabalhista espanhola prometia mais empregos o que, da fato, ocorreu. Entretanto, eles são mais precários
Juan María González-Anleo, professor de Sociologia da ESIC Business & Marketing School e autor do livro Generación Selfie, lembra que millennial é um conceito importado dos Estados Unidos. “Talvez nos países anglo-saxões ou na Alemanhase aposte mais decisivamente nesse talento, mas na Espanha as empresas não estão muito empenhadas”, lamenta. Ana Sarmiento, especialista em estratégias de trabalho para a geração do milênio está de acordo. “Muito poucas empresas sabem o que fazer com esses jovens. E o mais triste é que muito poucas estão interessadas em saber”. No máximo, continua, começam a se se interessar agora por sua faceta de consumidores para tentar fidelizá-los. “Mas os millennials não só consomem, também são uma nova geração de profissionais livres, abertos e digitais. E poucas organizações tiveram a ideia de tentar fidelizá-los também como empregados.
Antes de se tornar empreendedor, o espanhol Luis Alberto Santos (27 anos) ouviu muitas histórias nas entrevistas de emprego que a realidade logo desmentiu. “Horários flexíveis que na prática eram horários fixos, lugares em que é mal visto sair no horário, normas de segurança que só são cumpridas caso haja uma auditoria ou uma visita importante”, enumera. A lista dos horrores também se estende à gestão de talentos. “Muitas empresas enchem a boca com a promoção ou a carreira profissional. Mas nunca me perguntaram o que eu mais gosto, quais tarefas eu executo melhor ou como poderia desenvolver meu talento”.
O discurso das empresas, no entanto, geralmente é outro. São frequentes as proclamações lembrando que muito em breve essa geração estará no comando: os millennials são chamados para acabar com os estilos autoritários de liderança, para impulsionar um novo modelo de trabalho colaborativo e digital... Mas por enquanto a “chamada” que parece chegar a eles com mais nitidez é a de ir tentar a sorte no exterior. Conforme dados do Instituto Nacional de Estatística, no primeiro semestre de 2016 emigraram da Espanha 47.784 pessoas. Boa parte dessa diáspora é de millennials. “É muito triste que as conversas que escuto dos meus alunos quando saio para fumar nos intervalos tratem sobre se o Chile é um bom lugar para trabalhar ou se as condições no Reino Unido pioraram muito para os espanhóis por causa do Brexit”, comenta o professor González-Anleo.
Promessa de séculos
Falta o saneamento, aumentam as mortes
A cada vez que se divulgam números sobre os serviços de saneamento urbano no País, crescem as preocupações. Agora, as informações são (Estado, 10/7) de que quase metade da população nacional não é atendida pela rede de esgotos – ou seja, perto de 100 milhões de pessoas – e quase 20%, perto de 40 milhões, não tem fornecimento de água nos domicílios. Para completar, mais de um terço de toda a água distribuída se perde no meio do caminho. E a causa de todos os problemas é a falta de investimentos.
Tudo se complica ainda mais quando se é informado de que para universalizar até 2033 (daqui a 15 anos) os serviços de saneamento básico o País terá – ou teria – de investir mais de R$ 20 bilhões por ano. Mas entre 2010 e 2015 o investimento médio foi de R$ 11 milhões por ano, pouco mais de metade do necessário. Sem falar em redução ou eliminação das perdas. E para dificultar ainda mais as soluções, hoje boa parte do sistema é administrada por empresas dos Estados, em situação financeira difícil, com patrimônio líquido negativo, dívidas altas, problemas trabalhistas e serviços de má qualidade. Com isso, há dois anos o atendimento urbano de água só chegava a 83,3% do público total.
Entre 2014 e 2015 o investimento caiu até 27% – quando se sabe que cada R$ 1 investido em saneamento levará à economia de até R$ 4 no sistema de saúde. Mas o total investido em 2005, por exemplo, ficou entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões; mesmo em 2015 não passou de R$ 12,1 bilhões. Não se deve estranhar, assim, que em Rondônia só 2% da população urbana conte com coleta de esgotos; nada é tratado. Na Bahia, só 3,41% da população tem rede de coleta de esgotos; no Amapá, 3,71% . Onze Estados já contrataram estudos para a expansão, dez já assinaram contratos.
Há quem pense que pelo menos parte do problema poderá ser resolvida com a utilização de águas transpostas, por exemplo, do Rio São Francisco, que seriam utilizadas na irrigação de lavouras. João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, adverte, porém, que a expansão do agronegócio está exigindo mais irrigação, quando um pivô central pode consumir 2,6 metros cúbicos de água por hora; a captação de água diretamente nos aquíferos em geral envolve questões difíceis: entre 2015 e 2016 as disputas por água aumentaram 27%, segundo números da Comissão Pastoral da Terra (envolvendo 164 mil pessoas em 2007 ou 222 mil em 2016). As causas principais apontadas são a utilização da água como commodity, que leva a conflitos com grupos sociais que a encaram como bem essencial à vida. Há ainda quem aponte efeitos negativos em processos de privatização de sistemas de água. E até casos de conflitos muito graves, em que se tornou necessária a retomada das instalações pelo poder público. Outros críticos lembram, por exemplo, que em 2015 o BNDES entrou com R$ 57 bilhões em subsídios para privatizações (Folha de S.Paulo, 9/7). Há quem proponha que os processos de privatização e concessão de subsídios sejam obrigatoriamente aprovados pelo Congresso Nacional. O tema foi um dos centrais no 47.º Congresso Nacional de Saneamento, em junho. Nele a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) reafirmou seus “compromissos históricos” de luta contra a privatização do saneamento básico (boletim de 19 a 22 de junho), lembrando que “a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de saneamento básico não foi ainda alcançada em muitos municípios brasileiros”.
Nesse congresso se registrou ainda que o saneamento básico em áreas rurais também precisa ter prioridade nas políticas públicas de todos os municípios. E que a recuperação das nascentes, “já uma área prioritária em todo o mundo”, deve incluir “estratégias como o controle da erosão do solo e a minimização da contaminação química e biológica; para garantir a renovação das nascentes também é necessário o combate ao corte intensivo das florestas nativas, queimadas, pastoreio intensivo, mau planejamento na construção de estradas e loteamentos”.
O tema vai-se tornando cada vez mais candente com a gravidade da situação, exposta em relatórios oficiais, estudos universitários e outros. O senador José Serra, por exemplo, em artigo recente nesta página (22/6), reiterou que “a coleta de esgotos no País é de apenas 50% e apenas 43% dos esgotos coletados são tratados; na Região Norte essa proporção se reduz a 16%”. E acentuou: “A coleta de esgotos, seguida do seu tratamento, beneficia menos de um quarto da população brasileira”. Entre as consequências, indica: “Estimativas do Instituto Trata Brasil apontam que 340 mil internações anuais são causadas por infecções decorrentes da falta de saneamento básico. Entre as dez cidades brasileiras onde há menor cobertura, a média de internações é quatro vezes maior do que entre as dez cidades mais bem atendidas. Milhares de mortes ocorrem como consequência dessas enfermidades”.
Mesmo com tanta gravidade, a precariedade dos serviços básicos no Brasil está demonstrada pelos investimentos médios no setor, que correspondem a menos de dois terços das necessidades apontadas em estudos reconhecidos pelo poder público. A que se deveria isso? Há muitas respostas que atribuem a culpa à indiferença do poder público. E uma elas é do ex-ministro Delfim Netto (Folha de S.Paulo, 3/7): “O poder econômico controla o poder político no Brasil.”
Mas é preciso lembrar sempre um dos últimos relatórios da Organização Mundial da Saúde (Reuters, 7/3): “Ambientes poluídos e insalubres matam 1,7 milhão de crianças por ano, uma em cada quatro”, por causa de “riscos ambientais, poluição do ar e da água, falta de saneamento básico e de infraestrutura adequada de higiene”. A taxa de mortes no Brasil é de 41,38 crianças com menos de 5 anos por 100 mil habitantes, principalmente por falta de saneamento básico.
Tudo se complica ainda mais quando se é informado de que para universalizar até 2033 (daqui a 15 anos) os serviços de saneamento básico o País terá – ou teria – de investir mais de R$ 20 bilhões por ano. Mas entre 2010 e 2015 o investimento médio foi de R$ 11 milhões por ano, pouco mais de metade do necessário. Sem falar em redução ou eliminação das perdas. E para dificultar ainda mais as soluções, hoje boa parte do sistema é administrada por empresas dos Estados, em situação financeira difícil, com patrimônio líquido negativo, dívidas altas, problemas trabalhistas e serviços de má qualidade. Com isso, há dois anos o atendimento urbano de água só chegava a 83,3% do público total.
Há quem pense que pelo menos parte do problema poderá ser resolvida com a utilização de águas transpostas, por exemplo, do Rio São Francisco, que seriam utilizadas na irrigação de lavouras. João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, adverte, porém, que a expansão do agronegócio está exigindo mais irrigação, quando um pivô central pode consumir 2,6 metros cúbicos de água por hora; a captação de água diretamente nos aquíferos em geral envolve questões difíceis: entre 2015 e 2016 as disputas por água aumentaram 27%, segundo números da Comissão Pastoral da Terra (envolvendo 164 mil pessoas em 2007 ou 222 mil em 2016). As causas principais apontadas são a utilização da água como commodity, que leva a conflitos com grupos sociais que a encaram como bem essencial à vida. Há ainda quem aponte efeitos negativos em processos de privatização de sistemas de água. E até casos de conflitos muito graves, em que se tornou necessária a retomada das instalações pelo poder público. Outros críticos lembram, por exemplo, que em 2015 o BNDES entrou com R$ 57 bilhões em subsídios para privatizações (Folha de S.Paulo, 9/7). Há quem proponha que os processos de privatização e concessão de subsídios sejam obrigatoriamente aprovados pelo Congresso Nacional. O tema foi um dos centrais no 47.º Congresso Nacional de Saneamento, em junho. Nele a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) reafirmou seus “compromissos históricos” de luta contra a privatização do saneamento básico (boletim de 19 a 22 de junho), lembrando que “a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de saneamento básico não foi ainda alcançada em muitos municípios brasileiros”.
Nesse congresso se registrou ainda que o saneamento básico em áreas rurais também precisa ter prioridade nas políticas públicas de todos os municípios. E que a recuperação das nascentes, “já uma área prioritária em todo o mundo”, deve incluir “estratégias como o controle da erosão do solo e a minimização da contaminação química e biológica; para garantir a renovação das nascentes também é necessário o combate ao corte intensivo das florestas nativas, queimadas, pastoreio intensivo, mau planejamento na construção de estradas e loteamentos”.
O tema vai-se tornando cada vez mais candente com a gravidade da situação, exposta em relatórios oficiais, estudos universitários e outros. O senador José Serra, por exemplo, em artigo recente nesta página (22/6), reiterou que “a coleta de esgotos no País é de apenas 50% e apenas 43% dos esgotos coletados são tratados; na Região Norte essa proporção se reduz a 16%”. E acentuou: “A coleta de esgotos, seguida do seu tratamento, beneficia menos de um quarto da população brasileira”. Entre as consequências, indica: “Estimativas do Instituto Trata Brasil apontam que 340 mil internações anuais são causadas por infecções decorrentes da falta de saneamento básico. Entre as dez cidades brasileiras onde há menor cobertura, a média de internações é quatro vezes maior do que entre as dez cidades mais bem atendidas. Milhares de mortes ocorrem como consequência dessas enfermidades”.
Mesmo com tanta gravidade, a precariedade dos serviços básicos no Brasil está demonstrada pelos investimentos médios no setor, que correspondem a menos de dois terços das necessidades apontadas em estudos reconhecidos pelo poder público. A que se deveria isso? Há muitas respostas que atribuem a culpa à indiferença do poder público. E uma elas é do ex-ministro Delfim Netto (Folha de S.Paulo, 3/7): “O poder econômico controla o poder político no Brasil.”
Mas é preciso lembrar sempre um dos últimos relatórios da Organização Mundial da Saúde (Reuters, 7/3): “Ambientes poluídos e insalubres matam 1,7 milhão de crianças por ano, uma em cada quatro”, por causa de “riscos ambientais, poluição do ar e da água, falta de saneamento básico e de infraestrutura adequada de higiene”. A taxa de mortes no Brasil é de 41,38 crianças com menos de 5 anos por 100 mil habitantes, principalmente por falta de saneamento básico.
O poder, em vez da História
As redes sociais ficaram histéricas assim que foi divulgada a sentença do juiz Sérgio Moro. De um lado, choro, ranger de dentes — e ofensas ao juiz, odiado pelos defensores de Lula e do PT. De outro, alegria, comemoração — e ofensas ao ex-presidente, que desperta ainda mais paixões do que o juiz. Muitos gifs de garrafas de champanhe abertas, muitas palmas, bandeiras desfraldadas e fogos de artifício.
Estou entre os que concordam com a sentença do juiz Moro, mas não consigo comemorar a decisão. Como ele, acho lamentável que um ex-presidente da República seja condenado criminalmente, ainda mais quando este ex-presidente é uma figura como Lula que, durante tanto tempo, encarnou as esperanças de parte tão ponderável do país.
Lula teve tudo para ser o grande presidente que, em muitos momentos, pareceu ser. Biografia extraordinária e carisma inquestionável se uniram à sorte de pegar o mundo numa rara conjuntura econômica, e se refletiram numa aprovação popular sem precedentes. Vivemos o sonho da grande potência tendo um brasileiro ao mesmo tempo típico e excepcional no comando. Chances como essa não se repetem.
Infelizmente, Lula é em boa parte responsável pelo rancor que está se vendo nas redes, e que racha o país em dois. Mesmo no auge do poder, mesmo sendo adulado aonde quer que fosse, não foi capaz de descer do palanque de candidato para falar para todos os brasileiros, e para lançar das bases de uma conciliação nacional que só ele tinha o poder de promover. Ao contrário, ao dividir o Brasil para sempre entre “nós” e “eles”, e ao demonizar quem não votava no PT, abriu uma ferida que só faz crescer: essa, sim, é uma verdadeira herança maldita.
Lula também não foi capaz de perceber que era muito maior do que o cargo. Qualquer um pode ser presidente, mas apenas ele foi, durante um breve tempo, “o cara”. Em troca de umas poucas vantagens no curto prazo, perdeu no prazo infinito da História — e nós perdemos com ele.
Lula não foi condenado pelo juiz Sérgio Moro. Lula foi condenado pelo seu apego aos badulaques e mordomias do poder e, em última análise, pela sua falta de confiança em si mesmo e no seu papel.
Cora Rónai
Estou entre os que concordam com a sentença do juiz Moro, mas não consigo comemorar a decisão. Como ele, acho lamentável que um ex-presidente da República seja condenado criminalmente, ainda mais quando este ex-presidente é uma figura como Lula que, durante tanto tempo, encarnou as esperanças de parte tão ponderável do país.
Lula teve tudo para ser o grande presidente que, em muitos momentos, pareceu ser. Biografia extraordinária e carisma inquestionável se uniram à sorte de pegar o mundo numa rara conjuntura econômica, e se refletiram numa aprovação popular sem precedentes. Vivemos o sonho da grande potência tendo um brasileiro ao mesmo tempo típico e excepcional no comando. Chances como essa não se repetem.
Infelizmente, Lula é em boa parte responsável pelo rancor que está se vendo nas redes, e que racha o país em dois. Mesmo no auge do poder, mesmo sendo adulado aonde quer que fosse, não foi capaz de descer do palanque de candidato para falar para todos os brasileiros, e para lançar das bases de uma conciliação nacional que só ele tinha o poder de promover. Ao contrário, ao dividir o Brasil para sempre entre “nós” e “eles”, e ao demonizar quem não votava no PT, abriu uma ferida que só faz crescer: essa, sim, é uma verdadeira herança maldita.
Lula também não foi capaz de perceber que era muito maior do que o cargo. Qualquer um pode ser presidente, mas apenas ele foi, durante um breve tempo, “o cara”. Em troca de umas poucas vantagens no curto prazo, perdeu no prazo infinito da História — e nós perdemos com ele.
Lula não foi condenado pelo juiz Sérgio Moro. Lula foi condenado pelo seu apego aos badulaques e mordomias do poder e, em última análise, pela sua falta de confiança em si mesmo e no seu papel.
Cora Rónai
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