Esse é o sentido da mobilização popular prevista para amanhã em todo o país, em defesa daquela operação e contra os Poderes que a intimidam. Os três. A semana foi decisiva para aprofundar o abismo entre sociedade e instituições, sobretudo a política.
As dez medidas encaminhadas pelo Ministério Público à Câmara, subscritas por dois milhões de pessoas, diluíram-se numa emenda que, a pretexto do abuso de autoridade, criminaliza investigações que não sejam confirmadas em instância recursal.
Em síntese, se, eventualmente, Sérgio Moro tiver uma sentença reformada, responderá – ele e a força-tarefa da Lava Jato – por crime de abuso de autoridade. Até aqui, mais de 94% de suas sentenças foram confirmadas, mas o percentual mínimo revisto – uma rotina processual no Judiciário – já o tornaria réu.
O senador Ronaldo Caiado, diante das manifestações de indignação que, a seguir, inundaram as redes sociais, advertiu: “Corremos o risco de desobediência civil”.
E o que é isso? Simples: o rompimento formal entre sociedade e instituições. Não se pagam mais impostos, faz-se greve geral e não se reconhece nenhuma autoridade formal.
É um movimento pacífico e, por isso mesmo, devastador, nos termos em que foi originalmente concebido pelo filósofo anarquista norte-americano Henry David Thoreau, que o propôs no século XIX como meio de reagir à cobiça fiscal do Estado. Gandhi o adotou, com sucesso, contra o Império Britânico, em prol da independência da Índia. Martin Luther King a propôs contra a segregação racial.
No Brasil da Lava Jato, isso não está distante de acontecer, e a internet é um facilitador da articulação desse processo. Já circula intensamente nas redes sociais o vídeo em que políticos da Ucrânia são jogados em latas de lixo por manifestantes. A expressão “tomataço” substitui o panelaço tradicional. Parte-se do protesto simbólico para o agressivo. Começa a ficar perigoso ser político.
Prendeu os maiores empresários do país, ex-governadores, um senador líder do governo, deputados, ex-governadores, depôs (por via indireta) uma presidente da República e um presidente da Câmara e já visualiza um espectro bem mais amplo de políticos (cerca de 200), em decorrência da delação da maior empreiteira do país, a Odebrecht, que inclui praticamente todos os postulantes à sucessão presidencial. Nenhum partido é poupado.
Foi nesse ponto que a operação italiana das Mãos Limpas foi revertida, em 1996. O Legislativo mudou a lei, restabeleceu o status quo anterior e paralisou juízes e investigadores, propiciando a ascensão de Sílvio Berlusconi, uma versão local de Paulo Maluf.
Foi o que a Câmara tentou, na madrugada de terça-feira, quando o país chorava a queda do avião que transportava o time da Chapecoense. Mas não funcionou. Na Itália dos anos 90, não havia a internet; aqui e agora, há. E faz toda a diferença.
A rigor, as dez medidas dos procuradores nem eram necessárias. Se, sem elas, a Lava Jato, já fez o que fez – e ainda fará bem mais -, por que provocar a onça (no caso, o Congresso) com vara curta? Se o combate à corrupção não funcionou no passado, foi menos por falta de leis e mais por falta de vontade de aplicá-las.
OAB e parte do Judiciário - e não apenas o Congresso - acusaram, com alguma razão, os procuradores de ativismo político. Mas o que poderia ser um desgaste, já que indispôs tanta gente graduada, não foi. Aumentou o prestígio da Lava Jato.
O desgaste não apenas da classe política, mas do conjunto das instituições, é tal que o tiro não saiu pela culatra. Acertou o alvo. O público entendeu o essencial: os corruptos estão reagindo.
E é para impedi-lo e mostrar que os tempos são outros que manifestações como a de amanhã devem ocorrer com mais frequência e intensidade. Pode não se chegar à desobediência civil, mas a desordem já se esboça e reclama uma palavra de orientação da autoridade maior do país, o presidente da República – que, no entanto, integra o bloco dos que estão sendo exorcizados.
Daí, talvez, o seu silêncio.