sábado, 23 de abril de 2016

Quem amaldiçoou o Brasil?

Faltava somente o desmoronamento da ciclovia Tim Maia, na zona nobre do Rio de Janeiro, para completar e transmitir ao mundo, às vésperas dos Jogos Olímpicos, essa nova imagem de um país que parece estar sendo amaldiçoado pelos demônios.

A simbólica queda da ciclovia ocorreu em pleno feriado nacional de Tiradentes e enquanto a presidente da República, prestes talvez a ser deposta, se encontra em Nova York para denunciar que o Brasil está sofrendo um golpe político.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, tampouco estava em sua cidade no momento da tragédia: viajara para a Grécia para receber a tocha olímpica. Outro simbolismo.

Os brasileiros estão abatidos diante de tantas notícias negativas acumuladas. Veem a imagem do Brasil –que se sonhou grande, um jogador importante no xadrez do poder mundial– e da cidade maravilhosa do Rio ofuscada hoje pela sombra da nova tragédia.

Tudo isso, dias depois do vexatório espetáculo de circo apresentado pelo Congresso brasileiro durante a noite da votação sobre o processo de destituição de Dilma Rousseff, onde ressoaram, arrepiantes, até elogios aos torturadores da ditadura.

Será que o Brasil está necessitando de algum exorcista que expulse de uma vez os demônios que parecem ter-se apropriado deste grande país? Será que eles têm nomes e sobrenomes?

Melhor chamar algum orixá para que benza o Brasil e o país possa quanto antes voltar a ter o sossego que sua gente merece.

Os demônios não vivem para sempre. Acabarão indo, embora sobretudo se a sociedade se transforma, ela toda, em um grande exorcista que proclame que esta é uma terra onde se prefere a felicidade à dor, e a honradez à corrupção.

Os políticos também morrem, os Governos passam, e o Brasil e a bela cidade do Rio continuarão inspirando sonhos de beleza e calor humano ao redor do mundo.

Troca de baralho

Uma das perguntas preferidas, entre tantas que são feitas em momentos de desastre, é: “Por que, no fim de todas as contas, deu nisso?”. Há pelo menos umas boas 25 opções de resposta para explicar a liquidação da presidente Dilma Rousseff e seu governo, colocados agora na reta final com a decisão da Câmara dos Deputados. De todas as respostas possíveis, uma das mais acertadas está provavelmente entre as mais simples: ao longo de toda a sua agonia, Dilma jamais conseguiu se defender com coerência das acusações que recebeu. Em vez de buscar ajuda nos fatos para fazer sua defesa, foi procurar salvação numa frase de palanque: “Impeachment é golpe”. O resultado concreto desse esforço foi a derrota que acaba de sofrer no plenário da Câmara. Seu grito de combate convenceu os que não precisavam ser convencidos de nada, e que são os mesmos de sempre ─ intelectuais etc., mais os “movimentos sociais” que vivem de dinheiro público e movimentam basicamente a si próprios. Mas não convenceu a única plateia que interessava, por ser a única capaz de resolver o seu problema: os deputados federais brasileiros. Fim da conversa.


Parece claro, em todo caso, que nunca existiu dentro dos limites da força humana nenhuma possibilidade de fornecer a Dilma uma defesa minimamente razoável. A presidente está sendo deposta, do ponto de vista técnico, por fraude nas contas públicas, e por nada mais. É rigorosamente fora de propósito, ao mesmo tempo, esperar que na hora do julgamento alguém consiga esquecer o monumento histórico à corrupção, à incompetência e à insensatez que foram os seus cinco anos e tanto de governo. Dilma não praticou todos os erros, é claro ─ aliás, ninguém tem tempo para errar tanto, e além do mais a desgraceira geral começou nos governo do seu antecessor. Mas ela é a responsável, sim, pelos erros cometidos. Quem esteve no comando do barco durante todo esse tempo? Foi ela, e mais ninguém. Não dá para dizer, agora, “eu não sabia”, ou “não era isso que eu queria”, ou “não fui eu” quem roubou, quem arruinou a Petrobras, quem criou 10 milhões de desempregados, quem levou a indústria brasileira a seu estágio de setenta anos atrás, quem transformou os fundos de pensão das estatais em atividade criminosa, e por aí afora. Defender-se como, desse jeito?

O que lhe ocorreu, a ela e sua tropa, foi ficar dizendo “não vai ter golpe”. Fora isso, o governo limitou-se a praticar truques. Mandou ministros se licenciarem para votar contra o impeachment na Câmara. Tentou-se colocar Lula na Casa Civil. A um certo momento pensaram em baixar o preço da gasolina. Cargos públicos foram postos em venda aberta em troca de votos. Quiseram jogar a culpa de tudo em Michel Temer e Eduardo Cunha, esquecidos de que o vice, ainda faz pouco tempo, era o grande “coordenador político” do governo ─ chegou-se a garantir que ele ia “liquidar a fatura” em favor de Dilma. E Cunha? Jamais se menciona que foi nos governo do PT, e não durante o reinado de dom Pedro II, que o deputado praticou todos os delitos de que é acusado. A cada dois ou três desses espasmos, anunciavam que a situação estava “virando”. Virava, virava ─ e voltava ao ponto de partida. Também não funcionou, pelo jeito, a genialidade política que se atribui a Lula, e que iria “mudar tudo” no fim do jogo. O ex-presidente bem que tentou. Deu, e deu, e deu na chave de partida ─ só que o motor não pegou. Lula já foi capaz de eleger postes como Dilma Rousseff, mas não é curandeiro de pacientes desenganados. Dizem que consegue dar nó em pingo de água ─ poder ser, mas precisa de água. Além disso está ocupado, acima de tudo, em salvar a si próprio.

Hora de trocar o baralho.

Os últimos instantes

O tempo chega para todos. Só por milagre a presidente Dilma escapará da degola pelo Senado. Terá tempo de sobra para lembrar-se do que fez e do que não fez. No caso, ficou seis anos desligada da população, julgando-se acima do bem e do mal, dona de todas as verdades, prepotente e tratando até seus ministros como serviçais. Nem se fala de seu relacionamento com o Congresso, que agora recupera o tempo perdido.

Ainda que numa reviravolta inesperada Madame conseguisse escapar da condenação dos senadores, não encontraria o que fazer até 2018. Nem ânimo para dar o braço a torcer, reconhecendo haver jogado o país no abismo. Continuaria imaginando-se plenamente certa em seus desatinos econômicos, políticos e administrativos. Se alguém errou, foi o povo.

Só as dezenas de infelizes que aceitaram ser seus ministros podem dar conta de todos os episódios onde foram humilhados, ofendidos e substituídos.

Charge do dia 23/04/2016

Dilma colhe o que plantou, talvez pela impossibilidade de ouvir, até mesmo o Lula. Está sendo dispensada por conta de sua empáfia. Faltou-lhe humildade para imaginar o governo como um time. Mesmo o PT foi tratado a ponta-pés.

Imagina-se o que fará quando tornar-se ex-presidente, coisa que não demora. Arrependimento parece longe de seus sentimentos. Tentar retornar ao lugar que não conseguiu ocupar, pior ainda. Há quem suponha vê-la escrevendo suas memórias. Será difícil encontrar quem a ajude, pelo risco a correr: Sua Majestade não precisa da colaboração de ninguém.

O retorno de Dilma dos Estados Unidos está previsto para amanhã. Terá sido essa sua derradeira viagem ao exterior, antes de caracterizado o impeachment. De seus encontros com Barack Obama, François Hollande e outros chefes de governo sobrarão constrangidas fotografias.

Fica o exemplo para futuros presidentes, a começar por Michel Temer. Ninguém sobrevive apoiado exclusivamente em sua própria força.

Os 'bicicletas'

Espanta-me que as pessoas não entendam um raciocínio simples: de onde sai o dinheiro das propinas das obras superfaturadas Brasil afora? Evidente que sai do cimento necessário para fazê-las, ou alguém aqui acha que essas grandes empreiteiras que nos assolam com seus petrolões só são vigaristas no trato da grana?

O show de obras caindo na cabeça dos cidadãos iludidos desta terrinha de idiotas úteis é motivo para termos uma agência reguladora só para estes cretinos, não é mesmo? E o que dizer da agência responsável pela disseminação da internet que, em conluio com as operadoras, pretendem dar mais um golpe no coitado cidadão digital? Num país que a propagação do conhecimento e da informação deveriam ser políticas de Estado, temos que conviver mesmo com políticos que vão a um processo de impeachment achando que estão no programa da Xuxa, com direito a beijinho nos colegas e nos familiares. Tenha paciência.

Já disse aqui mesmo que, como engenheiro que sou, não passo debaixo de várias obras recém construídas por esses calhordas das tetonas públicas. Estão condenadas pela vigarice rumbeira, pela picaretagem profissional, pela falta de material com um mínimo de qualidade para suas devidas execuções, todos também devidamente desviados para o fundo das piscinas e para os pedalinhos em forma de pato que ostentam estes carcamanos, todos reunidos.

Não há ideologia que suporte a falta de cimento, meus caros. Simples assim. Radade, o panaca, empurrou goela abaixo de seus munícipes otários alguns baldes de tinta vermelha superfaturada como se fossem ciclovias – as mais caras do mundo – do arco da velha de um futuro incerto e pilantra. Já no Rio, a ciclovia mal construída acaba de mostrar a que veio e quanto são irresponsáveis os seus idealizadores e construtores.

O Brasil está inexoravelmente condenado. Suas obras de fachada, cuja vida útil deveria durar ao menos um mandato, nem isso duram. Caem como moscas mortas enfiadas no dejeto. Ao me deparar hoje com a cena da ciclovia destruída, logo lembrei daquela foto fatídica, onde três patetas se preparavam para dar umas pedaladinhas inocentes em volta da lagoa, antes da eleição que os pulverizariam. E logo me lembrei do quanto custa fazer este proselitismo barato, que começa com ciclovias superfaturadas e termina com o déspota de plantão proibindo o uso de secadores de cabelo e sugerindo aos famélicos que criem galinhas em seus apartamentos.

Contratos de leniência nunca me enganaram. Lenientes, coniventes, convenientes e convincentes, num país onde a idiotia campeia solta em todos os matizes.

Vai indo, Brasil. Vai pela ciclovia. Pedala pro abismo, otário.

A ladainha ridícula e falsa de golpe contra as instituições

O Brasil e os brasileiros têm sofrido com os severos danos infringidos pelo lulopetismo e, antes dele, com o que sofreu nas últimas décadas. Durante esse ciclo, só fomos correspondidos pelo período comandado por Fernando Henrique Cardoso, assim mesmo debitando-se-lhe o instituto da reeleição, inteiramente estranho a nossas tradições políticas, inadaptável aos nossos costumes político-partidários e verdadeiro desastre para o funcionamento do regime democrático representativo.

Ora, quem se expõe ao risco dele padece quando surge a primeira oportunidade. Foi o que aconteceu na práxis política brasileira quando, ocorrendo a virada de 2002, o petismo tomou conta do poder sem qualquer credencial para seu exercício. Daí ao passo seguinte, o mais temerário da história política do país não passou de mera consequência, cujos traços eram facilmente visíveis nos horizontes das catástrofes.

Infelizmente, não deu outra. As temeridades cometidas logo assaltaram a nação; o despreparo geral, a fome pelo gozo, tão largo quanto possível, das benesses e dos furtos resultantes do poder exercido sem limites, sem travas morais que detivessem os crimes praticados ritualmente, se tornaram as vertentes mais visíveis da aventura em busca dos produtos da roubalheira que cobriu a administração do Estado brasileiro.

Fizeram o inimaginável durante os saques; a onda criminosa atingiu tais proporções que acabou derrubando as proteções jurídicas, construídas pelo sistema jurídico-legal. O tsunami legal pouco resistiu à violência das ondas assassinas. Foi então que, a partir do saque contra a maior empresa do país, foi deflagrado o combate aos saqueadores. Cínicos, sem qualquer argumento para ser contraposto a indícios e evidências das ações criminosas e de seus autores, entraram em cena, com absoluta consciência de seus deveres e responsabilidades, as instituições nacionais, nomeadamente o Judiciário, representado por extraordinário juiz, o Ministério Público e a Polícia Federal, que, em pouco tempo, em dedicação integral, foram desvendando os mistérios que ninguém dava mostras de dar combate. O crime, muito à vontade, entrou e invadiu até o palácio do governo central. Tudo se mostrou tão escandaloso que, chegando às pegadas da presidente da República, expuseram até a chefe do governo, atualmente submetida a uma ação de impeachment.

Este, vale explicar, é mecanismo constitucional de controle sobre os atos e as omissões do chefe de Estado, em regime presidencialista de governo. Sem ele, perde eficácia a punição jurídico-política do presidente da República, anulando-se o esquema de “check and balances”, pela primeira vez previsto na carta dos “founding fathers”. No Brasil, adotado com a fundação da República, só foi aplicado uma vez (não considerando, como legítimo, o episódio das novembradas, tisnado pelo golpe de Estado cristalino ministrado por militares rebelados em 1955 para impedir o exercício de dois presidentes, suspeitos de serem golpistas).

Uma ignorante como a atual presidente pode até incorrer nesse tipo de erro. Mas o advogado geral da União não poderia cometê-lo, simplesmente porque todos os cânones constitucionais, legais e regimentais estão sendo observados. Talvez de um pleiteante da carta de advogado se tolerasse tal bobagem. Mas, de um “soi disant” professor e ocupante de alto cargo federal não é possível ouvir calado. Perdoe-me o falastrão, mas absurdo desse tamanho só nos grotões africanos.

Agarrados ao poder

“Obstruir é crime. Obstruir, afetar a economia popular é crime.” São palavras de Dilma Rousseff em novembro do ano passado, durante uma greve de caminhoneiros. O então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, acrescentou que o protesto dos caminhoneiros era “uma manifestação claramente política” e que isso “nos demonstra claramente que é inaceitável, que esse tipo de situação não pode ocorrer”. Pois é exatamente uma “manifestação claramente política” que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e a Frente Povo sem Medo pretendem realizar nos próximos dias, bloqueando 30 estradas em dez estados, segundo informações do jornal Folha de S.Paulo. O MTST é aquele grupo comandado por Guilherme Boulos, que prometeu não haver “um dia de paz no Brasil” caso Dilma caísse ou Lula fosse preso.

Mas quem não disse um pio quando Boulos e outros líderes de “movimentos sociais” e centrais sindicais fizeram ameaças semelhantes, ou quando o Movimento dos Sem-Terra (MST) também bloqueou estradas na sexta-feira que antecedeu a votação do impeachment na Câmara, provavelmente não verá crime algum quando seus aliados provocarem caos nas estradas – e aqui está a chave para compreender a moral petista. Os caminhoneiros, afinal, protestavam contra o governo. Nessas horas, sim, bloquear estradas é crime. Mas, quando as mesmas rodovias têm o fluxo interrompido pelos amigos do governo, subitamente o protesto se transforma em manifestação democrática legítima.

Reações como essas são o que podemos esperar daqui em diante, com a cumplicidade – se não a coordenação – de um governo que se vê na iminência de cair. Mas esta é apenas a face mais visível das providências que o petismo toma para se agarrar ao poder. Ainda que a estratégia da intimidação não funcione e Dilma sofra o impeachment no Senado, há outros meios de perpetuar a permanência do partido nas estruturas governamentais, meios tornados possíveis pelo próprio gigantismo estatal.

A saída de partidos da base aliada deixou abertos vários cargos nos mais diversos escalões da administração pública. O governo recorreu até a edições extraordinárias do Diário Oficial da União para anunciar nomeações e exonerações de dezenas de servidores, como parte do feirão montado por Dilma e Lula para conquistar votos contra o impeachment, abstenções e ausências – e indicações feitas para agradar deputados que “traíram” o governo na última hora já foram revertidas com a mesma rapidez. Fato é que o partido que promoveu o maior aparelhamento da máquina pública já visto no país terá, até o momento final, a caneta na mão. O petismo pode estar de saída do Planalto, mas tentará deixar os seus em diretorias, gerências, departamentos, assessorias e o que mais houver disponível. O Diário Oficial terá de ser lido com lupa nas próximas semanas pela equipe de Michel Temer.

Vários petistas ilustres já classificaram um eventual governo Temer como “ilegítimo” – isso apesar de estarem sendo observadas a Constituição e toda a legislação existente sobre o impeachment, bem como o rito desenhado pelo STF, e apesar da existência concreta de crime de responsabilidade que justifique a cassação do mandato de Dilma. Isso mostra o apreço dos líderes do partido pela democracia e ajuda a entender o que afirmou Kevin Zamora, ex-secretário de assuntos políticos da Organização dos Estados Americanos, que em entrevista à BBC disse que Lula e o PT “podem fazer o país ingovernável”.

Dilma pode ter desistido, no último minuto, de usar a tribuna da ONU para denunciar um “golpe”, escapando, assim, de um vexame de dimensões globais. Mas que ninguém se iluda: o petismo que fez o diabo para ganhar uma eleição não pensará duas vezes antes de fazer o diabo para se manter no poder ou, pelo menos, continuar a imprimir sua marca mesmo depois de perder a Presidência.

A presidenta zumbi e a verdade sobre o impeachment

"Não vai ter golpe". "São 54 milhões de votos desrespeitados". "O impeachment é uma vingança pessoal do Cunha". "É uma ameaça á democracia". "A Câmara dos Deputados é um lixo". São algumas das afirmações que se ouvem sobre o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff. Isso mostra que o Brasil precisa falar (sério) sobre o impeachment. Vamos lá...

Primeiro, é verdade que a presidente Dilma Rousseff teve 54 milhões de votos, ou 51,64% dos votos válidos em 2014. Ninguém questiona. Mas o tamanho da votação, por si só, não é antídoto anti-impeachment. Até porque Fernando Collor, com seus 35 milhões de votos em 1989, teve proporcionalmente um apoio ainda maior de brasileiros: 53,03%. Isso não impediu o PT de lutar legitimamente pelo afastamento do presidente. Faz parte do jogo democrático, constitucional, republicano.


Na chamada "Era Collor", o PT se escorava nos 46% de brasileiros que tinham votado em Lula contra o "caçador de marajás" para ir às ruas e justificar o impeachment. Agora, tenta desqualificar os 48% de brasileiros que votaram em Aécio Neves, mais o percentual de eleitores arrependidos de Dilma que caíram no estelionato petista, tachando a todos como "golpistas". Ora, ora...

Ah, mas a Câmara é composta por uma grande maioria de deputados inexpressivos, despreparados, suspeitos de cometerem crimes etc. Pode ser. Porém, aquele processo de afastamento de Collor em 1992, com 85% dos deputados pró-impeachment (ou 441 votos), numa época em que Lula afirmava ver 300 picaretas na Câmara, foi tão legalista quanto o atual, quando 71% (ou 367 deputados) acabam de votar pelo encaminhamento da denúncia contra Dilma ao Senado.

Que o nível da Câmara dos Deputados (e dos políticos, em geral) é baixíssimo, todos nós sabemos. Afinal, não foi à toa que saímos às ruas desde 2013 pedindo uma reforma política profunda, apontando a falência do atual sistema eleitoral e partidário, além da nossa insatisfação com essa democracia representativa que, de fato, pouco nos representa. Mas é o que temos. Todos foram eleitos democraticamente. Ou não?

Curioso que os petistas e defensores da presidente Dilma Rousseff só tenham notado a má qualidade da Câmara agora que perderam a maioria e caminham como mortos-vivos para o fim. Nestes 13 anos em que cooptaram e controlaram deputados, para manter o chamado "presidencialismo de coalizão", por acaso o nível era melhor? Cadê as reformas estruturais prometidas? Por que quase nada avançou nas mãos de Lula e Dilma?

Petistas e pseudo-esquerdistas também criticam o vice-presidente Michel Temer e o PMDB, que, segundo eles, não teriam legitimidade para assumir a Presidência da República. Mas, queridos, foram vocês que por duas vezes consecutivas escolheram Temer para vice de Dilma. Vocês que mantiveram o PMDB no centro do poder. E o vice, cá entre nós, além de legitimamente eleito (com os mesmíssimos 54 milhões de votos da presidente) só existe para uma única função: substituir a titular do cargo. Oh! Surpresa!

Outros esclarecimentos necessários, dando nomes, para não restarem dúvidas: nós apoiamos o impeachment, mas abominamos políticos como Jair Bolsonaro, por exemplo, que dedica o seu voto a torturadores da ditadura. Isso é uma excrescência da democracia. Também lutamos juntos pelo afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o "malvado favorito" de uns e outros, escolhido a dedo como antagonista de Dilma, até porque assim seria mais cômodo e emblemático. Mas não cola! Não é porque estamos contra Dilma que seremos a favor de Cunha. Jamais!

Queridos, escutem: não temos indignação seletiva. Defendemos a apuração de todos os casos de corrupção, doa a quem doer. Pode ser do PT, do PSDB, do PMDB, do PP, do PCdoB, do PSB, do PPS, da "pqp"! Não temos corruptos de estimação. Não jogamos na polarização "nós" x "eles" tentando salvar o lado mais conveniente dos bandidos. Queremos todos os políticos corruptos cassados e na cadeia! TODOS!

De resto, não queiram jogar a pecha de "golpistas" em quem defende o processo de afastamento da presidente Dilma por crime de responsabilidade e incapacidade política de gerir o país. É o que determina a lei. É a repetição do processo que vocês também participaram contra Collor. É um instrumento constitucional, legitimado pelo Congresso Nacional, pela Procuradoria Geral da República e pelo Supremo Tribunal Federal. Simples assim. Ou vocês querem nos convencer que todos fazem parte de um conluio contra o PT, e o seu (des)governo é a vítima inocente de uma conspiração golpista?

Ai, ai... Acorda, Brasil!

Maurício Huertas