terça-feira, 16 de agosto de 2016

A vida é de direita

A primeira vez que vi a luz foi num botequim, tomando um cafezinho com o chefe teórico de minha base no Partido Comunista, um excelente stalinista com um nariz inchado em “couve-flor”. Ele me disse a frase decisiva: “O comunista não morre. Só quem morre é o individuo iludido. O comunista se sabe um ser social. Ele faz parte de uma coisa maior, logo, comunista não morre”.

E eu, emocionado, sonhei com a vida eterna. Vi a luz. A partir daí, eu era parte de um processo histórico inelutável, muito mais importante que meus anseios burgueses.

Mas confesso que, para atingir a verdade ideológica, percorri um labirinto de dúvidas. Desviei-me da pequena burguesia, evitei as teses reacionárias dos social-democratas.

A fé entrou em mim como uma água santa. Um batismo. Contra todos os obstáculos, chegaríamos ao futuro. Mesmo os erros nos levariam a um acerto final, como ensina a dialética materialista.

Daí para a frente vivi com fé e força. Minha vida seria salvar o Brasil. Quando conquistamos o poder com Lula, eu pensei: vamos fazer agora o que não conseguimos em 63. Agora é o trem em direção ao fim da história, ao paraíso social.

No entanto, hoje exalo uma cava depressão, à beira do impeachment de nossa presidenta! Que horror esse golpe!... A direita neoliberal imperialista burguesa, a oligarquia alienada e aliada à mídia conservadora conseguiram destruir nosso grande projeto histórico.

Não viemos para essa piadinha de “democracia representativa”, não; a gente tomou o poder para mudar o Estado.


Em 2010, o presidente seria o Dirceu, mas a direita conseguiu expulsar nosso guerreiro do povo. Que pena... Fomos tão sérios em nosso projeto, fizemos tudo certo, sempre seguimos a “linha justa”, sempre soubemos usar os meios para nossos fins. Os inimigos dizem que os fins não justificam os meios, mas nós – vamos botar a bola no chão, amigo leitor –, nós somos pessoas especiais, superiores mesmo à estupidez geral das classes médias, essa gente horrenda, burra, que deveria ser apunhalada ou enterrada viva, como bem disseram dois professores de São Paulo e Rio. Fins justificam meios, sim. Por exemplo, dizem que roubamos, mas nunca usamos essa palavra. Sim, “desapropriamos” empresas burguesas para montar nosso pecúlio para o socialismo bolivariano.

Alguns neoliberais dirão: “E a Petrobras?”. Muito simples. A Petrobras é uma empresa do povo brasileiro, e seu capital pode ser usado para o bem do mesmo povo. Foi tudo dentro de um projeto progressista.
Por exemplo, qual o problema de comprar a refinaria de Pasadena, no Texas (apelidada de “lata-velha”, rs, rs) por um preço 30 vezes maior do que ela valia? US$ 800 milhões não foram desviados por acaso; nossa presidenta fez olhos de cabra-cega para o memorando do Cerveró porque essa grana seria para vencermos a luta entre opressores e oprimidos. Só a luta de classes nos explica.

Agora, está na moda uma visão crítica do patrimonialismo brasileiro, invenção daqueles revisionistas Sérgio Buarque e Gilberto Freire. Quiseram explicar o Brasil por complexidades sociais e psicológicas. Mas onde está a opressão, a injustiça que tanto gostamos de lembrar e de sofrer? Eles já estão sendo denunciados por nossos intelectuais. Criticar a injustiça nos enobrece.

Vejam aquela festa de abertura das Olimpíadas, por exemplo. Foi uma coisa sórdida embelezar nossa vida, sob aquela ladainha política de “país tropical”, abençoado por Deus.

O show uniu a favela e o asfalto, numa falsa conciliação multicultural, mas no fundo para silenciar nossas contradições e a violência dos conflitos. Dizem que foi belíssima a apresentação para 3 bilhões de pessoas no planeta, mas não me deixo enganar: a beleza pode ser reacionária. Foi um show de direita, para uma Olimpíada reacionária.

Não vi nenhum jogo, a não ser da Venezuela e Coreia do Norte, bastiões de defesa contra o imperialismo norte-americano, que será destruído. Os sinais estão no ar.

Acho até bom que o Trump seja eleito presidente dos Estados Unidos – aí fode tudo logo e arrasa aqueles gringos, responsáveis por nossa desgraça. O próprio Estado Islâmico é culpa dos norte-americanos; são a consequência do imperialismo na Ásia.

Ouso dizer mesmo que todo o desmanche que aconteceu com o Brasil teve um lado, digamos, “progressista”. Desorganizou a oligarquia capitalista, uma coisa que é sempre boa. Temos de avacalhar o capitalismo, mesmo sem ter o que botar no lugar.

Fizemos muito pelo povo, mas agora fomos barrados pela direita mais sórdida: os fascistas que só pensam em equilibrar as contas do país. Mas que contas? Estávamos no poder e resolvemos distribuir grana para o povo porque o apoio popular era mais importante que uma contabilidade certinha de armazém. Chávez quebrou a Venezuela, mas, como um passarinho no ouvido do Maduro, detém o poder com ajuda de juízes e militares dominados.

Talvez nosso maior erro, como disse brilhantemente a direção do PT, tenha sido não termos nos aproximado mais dos militares. Fico olhando o povo. É minha única delícia ainda. Amo sua ignorância, sua simplicidade, sua obediência fácil. Sou um homem bom. E hoje minha consciência está tranquila. Sempre lutei pelo povo, mas sobretudo por minha própria boa consciência. A pobreza seria nossa bússola para salvar a sociedade. Um grande Estado regulando tudo e nosso povo pobre, mesmo analfabeto, mas todo arrumadinho, regido por um Comitê Central esclarecido.

Claro que minha vida pessoal melhorou com algumas sobras de campanha, caixas 2 etc. Menti sobre isso, sim, mas o que tem mentir? São mentiras revolucionárias. Mas estou muito triste porque esse sonho ficou impossível. Eles, os neoliberais, os cães capitalistas, desfizeram todas as nossas grandes obras. A vida social hoje é um caos, sem a tranquilidade do ritmo socialista de viver. Chego a ter inveja da vida arrumadinha da Coreia do Norte. Não aceito a vida como ela é hoje no Ocidente. O presente não presta; só existe o futuro. O certo está no avesso de tudo. A vida é de direita.

O golpe da ideologia

Do ponto de vista do marketing, faz todo o sentido a narrativa de que o impeachment da presidente Dilma seria um golpe. Com essa interpretação, o PT ganha fôlego ao jogar sobre o novo governo a responsabilidade por todos os problemas que os governos Lula-Dilma criaram nos últimos anos, ficando livre para lembrar as boas políticas que fez e tendo a bandeira da vitimização.

Tanto no caso de Dilma, quanto de Collor, o impeachment é uma violência constitucional e pode-se duvidar se os crimes identificados seriam suficientes para justificar a destituição de presidentes eleitos. No caso de Collor, o crime teria sido enriquecimento ilícito, sem crime de responsabilidade contra a Constituição; e mesmo desse crime comum, não de responsabilidade, ele foi posteriormente inocentado pelo STF.


No caso de Dilma, o uso de banco estatal para financiar programas do governo e a assinatura de decretos orçamentários sem autorização do Congresso são crimes de responsabilidade que ferem a Constituição. Mesmo assim, faz sentido duvidar se essas ilegalidades seriam suficientes para sua destituição. Incomoda a falta de dosimetria para a sentença.

Mas o que não pode ser aceito racionalmente é a falsa narrativa de que as pessoas se dividem em direita, se querem o impeachment, e esquerda, se defendem a volta da presidente Dilma. Nada mais falso. Ser de esquerda significa: em primeiro lugar, sentir inconformismo com a realidade social, política, econômica e ética do país; em segundo, ter expectativa de que é possível um mundo melhor, alguma forma de utopia; e terceiro, que este mundo melhor não ocorrerá naturalmente, por regras de mercado. Ele só será construído pela prática política progressista ou revolucionária.

É certo que muitos dos que defendem o impeachment são notórios conservadores, saídos do próprio bloco de apoio à presidente Dilma. Mas aqueles que se opõem ao impeachment são em geral acomodados politicamente em relação ao presente, comemoram pequenas conquistas sociais, perderam a capacidade de sonhar uma sociedade utópica, como, por exemplo, os filhos dos pobres estudarem em escolas tão boas quanto às dos ricos, e abriram mão do vigor transformador da sociedade. Além disso, ficaram coniventes com a ideia de que se todos roubam, não há porque exigir honestidade dos aliados. Ainda mais, olham pelo espelho retrovisor da história, sem perceberem que a realidade mudou e que as propostas e os processos políticos precisam levar em conta as mudanças.

A esquerda do retrovisor não percebe, por exemplo, que o aumento na esperança de vida e o esgotamento fiscal do Estado exigem reformas nos fundamentos do sistema previdenciário; que a globalização apresenta limites à autonomia das decisões nacionais; que a revolução científica e tecnológica, junto com a informática e a robótica, exige um aperfeiçoamento das leis trabalhistas. Não percebe que a economia tem limites fiscais e ecológicos; que o estatismo muitas vezes se divorcia do interesse público, do povo; que a democracia com liberdades plenas deve ser um compromisso absoluto, inegociável, e que a política de esquerda não pode ser feita com a arrogância de donos da verdade, nem pode tolerar corrupção, ou aceitar que os fins justificam os meios.

Com um mínimo de seriedade, não é possível dividir as posições sobre esse impasse como um debate entre esquerda e direita: há muitos direitas entre os que defendem o impeachment, mas também muitos esquerdas do retrovisor entre aqueles que se opõem ao impeachment, porque não querem fazer a história avançar. Mas, sobretudo, há muitos de esquerda que olham para frente, pelo para-brisa e consideram necessário o impeachment para virar a página e avançar em direção a um novo tempo.

Não é difícil entender que a volta da presidente Dilma seria um gesto de retrovisor e não de avanço; e que sua substituição pelo vice conservador que ela escolheu, desde que seguindo os ritos constitucionais, possa possibilitar uma travessia para que a esquerda do para-brisa entenda as mudanças, se sintonize com o futuro e leve adiante a luta que os acomodados não fizeram nem farão. E que tentam impedir o impeachment com o golpe da ideologia, sabendo das dificuldades políticas, econômicas, sociais, éticas que este acomodamento conservador da esquerda retrovisor provocaria.

O 'trouxa' e a 'inocenta'

Ela se considera vítima do próprio partido e da oposição, traída pelos aliados e até hoje perseguida pelos assassinos e torturadores da ditadura acabada 31 anos atrás. Ele se acha “trouxa”, otário, simplório, fácil de ser enganado.

Foi dessa forma que a ex-presidente Dilma Rousseff e o pecuarista José Carlos Bumlai se apresentaram nos últimos dias.

Dilma, em defesa prévia, culpou o PT por “responsabilidade” no pagamento ilícito de US$ 4,5 milhões aos publicitários João Santana e Mônica Moura para saldar dívidas da sua campanha presidencial de 2010.


O dinheiro teve origem em propinas cobradas pelo ex-secretário de Finanças do PT João Vaccari sobre os contratos da Petrobras com o um estaleiro de Cingapura, Keppel Fels — contou no tribunal o engenheiro Zwi Skornicki, intermediário de repasses mensais de US$ 500 mil para Santana, via Suíça, entre setembro de 2013 e outubro de 2014, quando Dilma foi reeleita.

Era um segredo das campanhas presidenciais de 2010 e 2014: “Achava que isso poderia prejudicar profundamente a presidente Dilma”, disse Santana, em juízo, ao explicar por que não contara antes. “Eu que ajudei, de certa maneira, a eleição dela, não seria a pessoa que iria destruir a presidente. Nessa época (da sua prisão, em fevereiro deste ano), já se iniciava um processo de impeachment”.

Há mais coisas ocultas. Envolvem o fluxo de dinheiro da Odebrecht para campanhas de Dilma, Lula e outros do PT. Ficaram reservadas à colaboração premiada cujo desfecho talvez coincida com o impeachment no Senado.

Nesse outro processo, a “presidenta inocenta” — segundo o golpismo gramatical da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) — apresentou sexta-feira uma defesa de 675 páginas. Nela se definiu como vítima de uma “farsa” marcada pelo “desvio de poder, pela traição, pela desonestidade e pela ilegalidade”. Amaldiçoou quem discorda: “Nunca poderão afastar das suas mentes a lembrança dos que morreram e foram torturados.”

Se confirmado o epílogo, Dilma estará fora do baralho, inelegível aos 68 anos de idade. E, sem imunidade, passa ao centro das investigações sobre corrupção na Petrobras. Isso porque os publicitários confirmaram seu aval para operações ilegais com fornecedores da estatal.

Como Dilma, o pecuarista Bumlai também culpa o PT por suas dores. Apresentou uma defesa em 70 páginas na sexta-feira. Delas emerge como o “amigo de Lula” que aos 72 anos coleciona doenças, carros (23) e imóveis (23) — entre eles, uma fazenda de R$ 90,4 milhões. Bumlai se define, literalmente, como “um trouxa usado pelo PT e pelo Banco Schahin” na lavagem de R$ 12 milhões.

Esse dinheiro teria sido usado, em parte, para pagamento de uma suposta chantagem sobre Lula, quando era presidente da República. O objetivo era evitar revelações sobre o sequestro, a tortura e o assassinato do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, no ano eleitoral de 2002. A vítima teria descoberto desvio dos cofres municipais para o caixa do PT.

O caso permaneceu à sombra por 14 anos. Ressurgiu no juízo de Curitiba pela voz de Bumlai, agora no improvável papel de “trouxa” — confissão que lhe abriu o caminho para um acordo de delação premiada.

José Casado

Imagem do Dia

Becky Cloonan

Só sobrou a fúria

A platinada exibiu neste domingo de madrugada um “desenho desanimado” genuinamente brasileiro. É um longa lançado há pouco tempo, no auge da ditadura do proletariado possível, instalada por aqui por aquela fraude chamada PT.

Eu tinha um professor acometido de um tipo de paralisia que lhe tirou os movimentos das rótulas dos joelhos. Tal deficiência não o impedia de fazer qualquer coisa na vida – exceto se abaixar para pegar alguma coisa – e não causava qualquer comoção ou constrangimento, mas era evidentemente engraçada de experimentar, com seus passinhos duros de RoboCop e a necessidade de afrouxar os parafusos de uma prótese para o cara “parecer sentado” enquanto lecionava.

Lembrei dele porque o resultado é semelhante. De “animação” a coisa passa longe: tecnicamente, é uma sucessão de “ilustrações movimentadas” semelhantes as dos desenhos do Hulk dos anos sessenta. A limitação técnica empurrada para o público como “linguagem” só não é uma fraude pior que o próprio roteiro e o argumento. É aí que mora a sacanagem propriamente dita.

Os recursos técnicos de hoje acabam permitindo que coisas primitivas e sem fundamentos se mimetizem naquilo que não são, como os discursos de Dilma do Chefe, o partido dos trabalhadores que não trabalham, os cultos nas igrejas fast food da fé e a bancada da chupeta. São fraudes, brandindo a máxima de que eles também detém o direito de terem um lugar ao sol na confraria, sem pagar pelo assento.

As citações aos filmes que o autor viu – Blade Runner, Minority Report, Forrest Gump, Highlander, The Day After, Matrix, entre tantos – são escancaradas tentativas de revestir com um verniz tecnológico uma cartilha vagabunda de curso primário, onde uma improvável dupla de Ceci e Peri com deslavada orientação de esquerda trafegam enfadonhos pelo roteiro que mistura balaiada, militarismo e canibalismo tupinambá.

Isso só para ressaltar um heroísmo discutível frente “ao sistema opressor e injusto” que os obriga a tornar-se assaltantes de bancos para promoverem “uma retomada” do dinheiro que eles fingem que lhes pertence. E a “atriz principal”, até bem pouco tempo, era protagonista de anúncios da “Nossa Caixa”. Uma salada.

O velho de 600 anos tentando encontrar três mulheres que são uma só é um caso a parte no romantismo pilantra do projeto. É o “amor de aparelho”, no jargão da macacada que não comia ninguém na época, mas fazia um barulho danado para chamar a atenção de suas vítimas, como seus colegas símios fazem na jaula, quando confinados.

Confesso que de “amor” e “fúria” só sobrou esta última, depois de ter engolido o filme inteiro sem maionese nem salgadinhos. Impressionante saber que uma aberração audiovisual como esta – como outras tantas outras “obras” paridas do mesmo jeito – teve o apoio improvável do nosso próprio dinheiro para se concretizar contra nós mesmos, pagantes de toda sorte de impostos indecorosos,

Essa é a fraude. Usando o jargão do Bernardinho do vôlei, eu diria que é o dá pra jogar sem atentar para os fundamentos. Tal como andar sem joelhos, a coisa fica esquisita. Animação sem animadores parece que é, mas passa longe.

Indo aonde?

O Brasil está crescendo em que direção? Para onde? Para ser celeiro do mundo ou para ser uma pátria sem fome? O Brasil está dando prioridade para quê? Para que cada família tenha um poder de compra mínimo para sua dignidade? Isso significa gerar empregos para os brasileiros. Eu não sei qual é a prioridade do crescimento brasileiro pelo simples fato de que ele não está explicitado 
Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES

A carta de Dilma

Cabeçalho: Brasília, (__) de agosto de 2016. Destinatário: Ao Povo Brasileiro. "Desculpem qualquer coisa. Sei que estou sendo afastada pelo conjunto da obra e de minha teimosia, que acabaram desenhando os acontecimentos que vivemos. Grata pela compreensão, e um pedido: não gostaria que se associasse isso tudo ao fato de eu ser mulher. Não tem nada a ver. Apenas me uni a um projeto de poder político que se mostrou patético e falido". Assinado, Dilma.

Pronto, estava dito.

Mas não. Quer porque quer causar. Sair batendo o pé. Agora a coisa está piorando e a tal missiva ameaça até ser uma espécie de carta-testamento, tipo a de Getúlio Vargas - sem o suicídio, esperamos, claro, que ninguém quer sangue. Dá para acreditar? Mais, a ameaça continua: poderá não ser só uma carta, mas duas! Mais ainda: ameaça listar as lutas da esquerda brasileira que acredita encarnar contra os contrários ao Deus Supremo Lula. Coisa mais antiga, démodé. Fico preocupada se ela não vai acabar fazendo logo um livro capa tão dura quanto sua cintura. Novela a história toda já virou. Toques venezuelanos emocionantes.

Mártir de si mesma, a presidente afastada sugere que não viu que foi quem montou o jogo que perdeu, o mundo se desmoronando à sua frente em erosão constante, promessas e mentiras desmascaradas. Que não ouviu os primeiros berros à sua porta em junho de 2013. Não admite que a cada passo que se revela da mangueira de sucção instalada na Petrobras vem à tona sua cegueira, incompetência de gestão. Ou, o que tem hora que até eu acredito, que foi feita de otária - e o que deve ser duro para a valenta admitir - as coisas correram ali nas suas barbas. Barbas, não, melenas caprichosamente cultivadas na sua visível transformação nos últimos anos.

O mesmo com relação ao partido, o PT e seus radicais livres, muitos que inclusive agora não mais o são, e estão ou foram presos, com o quais ela nunca pareceu ter afinidade mesmo, mas fazer o quê? Vivem ranhetando entre si. Mas poste não tem vez, nem voz. O problema maior é que caiu a lâmpada que iluminava o poste e o fazia imprescindível.

Igual soluço, a palavra golpe está até cansada de tanto senta e levanta, de tanto que entrou e saiu dessa tal carta que já marcou várias datas para nascer de cesariana, e deu para trás até agora em todas. Parto difícil, alto risco.

Outro dia dessa semana, pelo que se deu a entender, Lula foi até Brasília para conhecer a tal pecinha. Vocês conhecem o Lula? Conseguem imaginar o que é que ele realmente pensa dessa ideia de escrever cartinha, como deve se referir com desdém, o que será que acha? Do papelzinho? O intuitivo Lula deve achar uma papagaiada, entre outros termos menos airosos.

Fora que pelo que se ouve por aí, na tal epístola ela quer - e se voltar, garante que o fará - chamar o povo - esse arrepiante coletivo - para opinar em plebiscito. Um eufemismo para admitir sua própria derrota.

Não quero ser chata, tinha até pensado em ajudar a escrever uma minuta completa para abreviar a angústia que essa carta, ao fim e ao cabo a nós endereçada, deve causar a Dilma. Será que ela levanta de madrugada pensando nela? Será que é ela mesma que a está escrevendo sentada em sua penteadeira, com caneta bico de pena (imagem romântica)? Qual a cor da tinta? Ou escreverá a lápis, apagando detalhes com borracha cheirosa? Usará branquinho?

Se perde pensativa, desenha casinhas no papel? Escreve os palavrões que pensa? Ou teclará catando milho palavra por palavra? Tira cópias? Parece a carta mais vazada e aberta do mundo, mais que obra de Umberto Eco. Imprime para ler? Destrói no triturador as partes que despreza? Deixa guardada em um pendrive que mantém junto a si, amarrado em uma corda no pescoço?

Escreveu não leu, o pau comeu.

Marli Gonçalves

A nação sobreviverá à decadência do Estado?

NAÇÃO é um conjunto de indivíduos que normalmente falam a mesma língua, habitam o mesmo território, possuem passado, cultura e costumes comuns, assim como um mesmo objetivo e, acima de tudo, dispõem da vontade de continuar juntos. ESTADO existe quando uma nação se organiza politicamente, adotando instituições capazes de gerir e ordenar a nação. GOVERNO é o grupo de cidadãos que, pela força ou pelo consenso, dirigem o estado. PAÍS é o território de uma nação. PÁTRIA, apenas uma projeção sentimental do conjunto.

Os rótulos, no entanto, não são mandamentos. De vez em quando enrolam-se e se atropelam, misturando-se e confundindo quantos imaginam exprimir a sua exegese uma ciência exata.

Paul Kuczynski
Vale referir que de quando em quando nos deparamos com nações que falam diversas línguas e mantém costumes diferentes, como a Rússia e a China. Existem nações que habitam territórios distintos e separados, como o Paquistão e Bangladesh, ou a Inglaterra e as Ilhas Malvinas, a França e o Suriname. Notam-se até nações sem território, como os judeus durante dois mil anos, antes da criação do estado de Israel. Também surgem nações divididas em dois estados, a exemplo das Coréias do Sul e do Norte e, até pouco, o Vietnã, a República Democrática da Alemanha e a República Federal da Alemanha.

Essas simples e mal alinhadas referências nos conduzem a uma pergunta crucial: será o Brasil uma nação, ou melhor, continuará sendo?

A mesma língua caminha para tornar-se uma ficção, porque um gaúcho posto no Nordeste faz-se entender com dificuldade. Pronúncia, conceitos, cultura e costumes continuam se afastando, apesar dos esforços das novelas da Rede Globo. Claro que existe um sentimento de unidade em todo o território nacional, por ação inicial do colonizador português. No empenho de ganhar dinheiro, os lusitanos realizaram esse milagre, ao tempo em que a América Espanhola fracionou-se em diversos estados e países. O passado, assim, costuma sinalizar as fraquezas de nossa formação, do Bequimão à Confederação do Equador e aos Farrapos até a predominância econômica e política de São Paulo, sem esquecer o sacrifício e a distância do Nordeste.

Tendo em vista a calamitosa situação em que nos encontramos pela existência de dois Brasis, o formal e o real, que não adianta negar, o risco é flagrante. Já que com a evidência de a pátria só aparecer nos desfile militares e de o governo haver perdido a confiança e o respeito, conclui-se que o estado vem sendo posto em frangalhos. E a nação, sobreviverá?

Crise boa

É bom ver como artistas e cronistas apoiadores do poder, durante décadas, agora contorcem a boca e suas palavras se retorcem para inexplicar o fracasso de suas crenças ou conveniências.

A direita era ruim e a esquerda não é melhor, finalmente chegamos ao empate para começar um novo jogo.

Afinal, porque direita ou esquerda se temos dois olhos, duas pernas e dois braços? Ninguém anda só com uma perna ou vê bem só com um olho – e pouco podemos fazer só com uma das mãos.

Não quero me guiar nem por direita nem por esquerda, quero é ver governo funcionando bem e custando pouco.

O movimento para enxugar as câmaras municipais começou em pequenas cidades, mas pode ser o grande sinal de que começamos a enxergar o Mal.

O Mal, senhores padres, pastores, pais, patriotas, cidadãos e irmãos, o Mal é serviços públicos custando tanto e servindo tão pouco, Estado castigando a nação.

Mas que bom: isso gerou a crise em que tanto se purga e tanto se aprende.

A água, por exemplo, começou a ter a atenção que sempre mereceu. Talvez até aprendamos, com a crise, a apagar a luz e acender a mente.

Que seria de nós sem crises? O vento que castiga a planta também espalha suas sementes.

Embora ache (“e quem acha pode se perder”, já ensinou Noel) que o melhor para o Brasil seria Dilma fora, mas também acho que só pela lei. A esta altura, rua deve voltar a servir apenas ao trânsito.

Conforme a Constituição, Temer será o presidente. Se não puder ou não quiser, será Cunha, se ainda for presidente da Câmara, ou então Renan ou, em pela ordem, o presidente do Supremo (artigo 80) Isso, enquanto se organiza nova eleição, pois “vagando os cargos de Presidente e vice-presidente da República, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional” (artigo 81).

Fora da Lei de novo, jamais! Precisamos da Constituição – e de sua renovação – se quisermos continuar em frente.

Enquanto isso, no mundo de quem trabalha e sustenta o Estado, grandes e pequenas empresas crescem e prosperam ou micham e quebram, driblando ou sofrendo a crise, que bom.

A Crise é um jogo, e pode apostar que vai render melhoramentos para a Civilização, time do meu coração.

Com a Crise, veja que bom, a arrogância entra em crise e a criatividade se atiça!

Quem dança com a nova música, cresce; quem não cresce, dança com qualquer música.

As crises derrubam, elevam, incubam, cevam, amadurecem, a felicidade das crises é mexer com o mundo, senão apodrece!

E só a Crise ensina direitinho que numa república temos de ter direitos e também deveres.

Não vamos sair da crise maiores, mas melhores com certeza. Então vivamos a crise!

Domingos Pellegrini

Volta ao mundo em 50 escolas inovadoras

A criança que foi Alfredo Hernando não se parece em nada com o aluno que ele mesmo encontrou, infalivelmente, em todas as escolas que viu. Em seu primeiro dia de aula, com dois anos, foi levado a um pátio onde apenas conseguia ver três grandes muros e um enorme bueiro que era apenas três palmos menor que ele. “Mas o que é isso? Como podem nos trazer aqui?”, lembra-se que pensou. Aquele outro aluno, que sempre encontra, nem repara no recreio. “Me chamou muito a atenção. Em uma escola, em outra, em outra... sempre há alunos que ficam na sala de aula e não fazem distinção entre tempo livre e aula”, explica.

Hernando, de 34 anos, é um pesquisador que deu a volta ao mundo visitando escolas com projetos inovadores, centros onde professores sozinhos, com as famílias ou com o apoio de seus governos conseguiram ensinar e estimular seus alunos. Durante quase um ano – com alguma pausa – este psicólogo de Aranda de Duero (Burgos) andou por escolas nos Estados Unidos, Colômbia, Peru, Chile, Brasil, Gana, Indonésia, Bangladesh, Japão, Itália, Finlândia, Espanha... Tudo começou, recorda, “como surgem esse tipo de projetos que unem o vital com o profissional”.

Enquanto estudava psicologia pensou que estava mais interessado na educação do que em montar uma clínica. Também suas viagens tinham outro tom vital. Em vez de um mapa de monumentos e montanhas, Hernando fez um das escolas inovadoras que queria visitar. “A primeira semana que passei em Nova York ia todas as manhãs às oito ver uma escola. E no sábado, eu me perguntava: Mas o que estou fazendo?”, lembra ele com uma risada.

Aproveitou congressos e férias para visitar por conta própria todos os selecionados. Ele as chama de Escuelas21 e estão registradas em um livro recém publicado com a Fundação Telefônica, Viaje a la escuela del siglo XXI. Así trabajan los colégios más inovadores del mundo (Viagem à escola do século XXI. Assim trabalham as escolas mais inovadoras do mundo), que apresentou em Madri na última quarta-feira e, no dia seguinte, em Barcelona. O documento, que pode ser baixado gratuitamente na internet e já teve mais de 25.000 downloads, é um manual para transformar as escolas e “ajudar para que todos os alunos tenham sucesso”, promete Hernando.

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Em seu livro registra a experiência de escolas espanholas como o centro de formação de Padre Piquer de Madri, que usa classes cooperativas, onde professores e alunos trabalham juntos. Ou o colégio Montserrat de Barcelona, que aplica a teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner, entre outras inovações. É com ele que Hernando ficaria se tivesse que escolher apenas um de todos que visitou.

Se a questão fosse apontar um único professor de todos que conheceu, escolheria Morten Smith-Hansen, professor de Espanhol e História no centro Ørestad Gymnasium de Copenhague. Smith-Hansen, que veio a Madri para a apresentação do livro, explica como trabalha. “Tenho uma classe com 28 crianças, de filhos de imigrantes desempregados a alunos com famílias de muitos recursos. E tudo que há entre os dois. Não faz sentido que eu fique na lousa divulgando uma verdade acadêmica que é para três pessoas”. A solução que encontrou foi se tornar uma espécie de professor particular para cada um de seus alunos com a ajuda das novas tecnologias. Para ensinar gramática, por exemplo, cada aluno deve abrir um documento na nuvem (um texto compartilhado na rede ao qual diferentes usuários podem ter acesso). Ali contam o que sabem de gramática, ele responde, abre-se um diálogo e ele consegue que cada um melhore sobre sua própria base.

É fácil mudar uma escola? Hernando acha que sim. “Há muitas escolas com muita vontade de fazer coisas e que abrem suas portas. Os professores se sentem atraídos por outros que têm sucesso com seus alunos. Aqueles que estão criando a mudança na Espanha são professores que estão interessados. Muitas pessoas já perceberam que precisamos de outra escola. Esse é o primeiro passo. A segunda é saber como queremos que ela seja e isso não se para”, explica. E conclui com um sorriso: “A educação está na moda”.