quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Pensamento do Dia



O planeta das peúgas rotas

Caros amigos:

Referi a ideia de má ou boa sorte como algo que mata a capacidade empreendedora, como algo que consolida o espírito de vítima. Referi esse convite constante para pensarmos que, para melhorar o mundo, a única coisa que nos resta é pedir, lamentar e reclamar.

Faço uma outra confidência. A empresa em que trabalho abriu um concurso para jovens que fizessem inquéritos nos bairros de Maputo. Concorreram centenas de jovens e parecia claro que as duas dezenas que conseguiram o lugar o defenderiam com unhas e dentes.

Logo no primeiro ensaio, porém, uma meia dúzia se apresentou cheia de queixas e reivindicações: que não podiam trabalhar ao sol, que o trabalho era muito cansativo e necessitavam de mais repouso, que precisavam de um subsídio para comprar chapéus e sombreiros… Este espírito, meus amigos, é o de uma nação doente. Um país em que os jovens pedem antes de dar qualquer coisa, é um país que pode ter hipotecado o seu futuro.

O que eu noto é que, a par de uma abnegação ilimitada, nós sofremos ainda do complexo de que merecemos mais que os outros porque sofremos no passado. “A História está em dívida conosco”, é isso que pensamos. Mas a História está em dívida com todos e não paga a ninguém. Não houve povo que não sofresse, em algum momento, terríveis martírios e prejuízos. Nações inteiras foram reduzidas a escombros e renasceram por causa do trabalho e esforço de gerações. O nosso próprio país foi capaz de se afastar das cinzas da guerra. Invocar o passado para que se tenha pena de nós e ficar à espera que alguém nos compense é pura ilusão.


A lógica é, afinal, uma extensão do individual para o colectivo. Como sobrevivemos pessoalmente à custa de favores, pedimos ao mundo que nos conceda privilégios e compensações especiais. Esse posicionamento de vítimas a quem o mundo tem de pagar uma dívida sucede como nação e como cidadãos. A verdade é esta: nunca nos darão essas condições. Ou nós as conquistamos ou nunca chegaremos lá. O valor de Lurdes Mutola deriva de ela ter vencido todo um historial de dificuldades. Imaginemos que Lurdes Mutola, em lugar de treinar a sério, faria a exigência de partir uns metros à frente das suas adversárias, argumentando que era pobre e vinha de um país martirizado. Mesmo que ela ganhasse, a sua vitória deixaria de ter qualquer valor. O exemplo parece ridículo mas refere o exercício de coitadismo que praticamos vezes sem conta. A solução para o desfavorecido não é pedir favores. É lutar mais do que os outros. E lutar sobretudo por um mundo onde não seja preciso mais favores.

Um outro buraco nas nossas peúgas (este é um buraco do tamanho da própria peúga) é a nossa tendência para culpabilizar os outros pelos nossos próprios erros. Perdemos o emprego não porque faltamos consecutivamente sem justificação. Perdemos a namorada (ou namorado) não porque amamos pouco e mal. Reprovamos no exame, mas não foi nunca por falta de preparação. Esses deslizes são por nós explicados pela evocação de demônios cuja existência é profundamente cômoda. A construção de diabos é, afinal, um investimento a prazo: a nossa consciência pode dormir à sombra dessas ilusões.

Esta não é uma doença exclusivamente nossa. Nos dias de hoje, estamos assistindo a um dramático exemplo dessa fabricação de fantasmas: diariamente no Iraque se matam civis inocentes em nome de Deus, em nome da luta contra um demônio que são os outros, de outra crença. José Saramago disse: “Matar em nome de Deus faz desse Deus um assassino”.

E regressamos à questão da pessoa humana. Ao longo da História, as operações de agressão aos outros começam curiosamente por despessoalizar esses mesmos outros. Por assim dizer, esses — os inimigos — não são pessoas humanas como nós. A primeira operação na guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã não foi de ordem militar. Foi de ordem psicológica e consistiu em desumanizar os vietnamitas. Eles já não eram humanos: eram “amarelos”, eram seres de outra natureza sobre os quais não haveria problema de ética em lançar bombas, o agente laranja e napalm.

O genocídio no Ruanda foi aqui perto e não muito distante no tempo.

Comunidades que conviviam em harmonia foram manipuladas por elites criminosas ao ponto de se ter cometido o maior massacre da História contemporânea. Se antes de 1994 perguntássemos a um tutsi ou a um hutu se acreditava que aquilo poderia acontecer no seu país eles declarariam que isso era inimaginável. Mas sucedeu. E sucedeu porque a capacidade de produzir demônios é ainda muito grande nos nossos países. Quanto mais pobre é um país maior é a capacidade de se destruir a si mesmo.

A partir de abril de 1994 e durante cem dias consecutivos mais de 800 mil tutsis foram assassinados pelos seus compatriotas hutus. Machados e catanas foram usados para chacinar 10 mil pessoas por dia, o que dá uma média de dez pessoas por minuto. Nunca na História humana se matou tanto em tão pouco tempo. Toda esta violência foi possível porque se tinha trabalhado para provar, uma vez mais, que os outros não eram pessoas humanas. O termo escolhido pela propaganda hutu para falar dos tutsis era cockroaches, baratas. A matança estava assim isenta de qualquer objecção moral, estava-se matando insectos e não pessoas humanas, compatriotas falando a mesma língua e vivendo a mesma cultura.

No vizinho Zimbábue, o discurso da unidade que marcou o início de uma sociedade multirracial foi, de súbito, alterado para uma agressão marcadamente racista. O vice-presidente do Zimbábue, Joseph Msika, num comício na cidade de Bulawayo disse textualmente: “Os brancos não são seres humanos”. Ele apenas estava repetindo o que Robert Mugabe já havia proclamado. E eu cito as palavras de Mugabe: “O que odiamos nos brancos não é a sua pele mas o demônio que emana deles”. Os dirigentes da Z anu tinham-se distinguido, poucos anos antes, como defensores de uma nação multirracial. O que tinha mudado? Mudara o jogo de forças. A ambição pelo poder provoca mudanças surpreendentes nas pessoas e nos partidos.

Estamos certos de que, em Moçambique, essas nuvens sombrias são distantes e pouco prováveis de alguma vez acontecerem. Esse é um motivo de orgulho no presente e de confiança no futuro. Mas esta certeza necessita de que não esqueçamos as lições de uma história que é também a nossa.


Pediram-me que falasse da pessoa humana. É um universo vasto, sem limites, do qual ninguém se pode dizer especialista. Fui forçado a escolher uma pequena parcela dessa tela infinita. Falei deste mal que é a demissão das nossas responsabilidades, da deserção das nossas capacidades. Falei da dependência de um modo de vida, em que tudo se consegue por favores, por cunhas e benesses. Falei de tudo isto porque o sistema bancário é profundamente vulnerável e permeável a este tipo de situações.

A nossa verdadeira questão enquanto nação é sermos capazes de produzir mais riqueza. Mas não confundirmos riqueza com dinheiro fácil. Certa vez fiz uma intervenção sobre essa obsessão de enriquecer rapidamente e de qualquer maneira. Fui atacado pelo argumento demagógico de que eu não queria ver moçambicanos ricos. Termino hoje reiterando aquilo que sempre defendi.

O meu anseio não é apenas ver moçambicanos ricos no verdadeiro sentido da palavra riqueza. O meu anseio é ver todos os moçambicanos partilhando de uma mesma riqueza. Só essa riqueza nos fará mais pessoas e mais humanos.
Mia Couto, Encontro sobre Pessoa Humana na Conferência no Millenium BIM (2008)

Israel usa estratégia 'render-se ou morrer de fome' em Gaza

A última invasão militar israelense em Jabalia, no norte de Gaza, não poderia ser mais catastrófica para os moradores, que já lidam com os bombardeios e as dificuldades da guerra entre Israel e Hamas há mais de um ano.

"Aqui é perigoso. Ninguém pode se mover. É arriscado e inseguro. Eles nos pediram para sair, mas não havia tempo. De repente, a área estava cercada e sob fogo", disse Mohammed, que não quis dar seu sobrenome, por telefone.

Há quase duas semanas, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) lançaram uma nova ofensiva terrestre no campo de refugiados de Jabalia e ordenaram que as pessoas deixassem a área, mais uma vez. As IDF disseram que a inteligência israelense detectou esforços do Hamas, o grupo radical que comanda o enclave, para se restabelecer e se reagrupar na área.

Os palestinos e as Nações Unidas temem que a última invasão seja parte de uma implementação mais ampla de uma estratégia de "render-se ou morrer de fome" por parte de Israel, para deslocar à força os residentes do norte e isolar essa região de Gaza – planos que o governo israelense nega.

"O Exército israelense parece estar isolando completamente o norte de Gaza do resto da Faixa de Gaza", disse o Escritório de Direitos Humanos da ONU em comunicado.


Mohammed, 41 anos, disse que sua esposa e três filhos estavam visitando parentes na vizinha Cidade de Gaza, quando tanques avançaram, e os ataques aéreos se intensificaram em Jabalia. Ele pediu para que ficassem por lá.

"Meus vizinhos e eu ficamos próximos uns dos outros, tentando compartilhar o que restou de comida e água. Não sei quanto tempo isso vai durar", disse.

O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) estima que 50 mil pessoas foram deslocadas de Jabalia nas últimas duas semanas, enquanto outras permanecem presas em suas casas devido aos fortes combates ao redor. De acordo com a OCHA, cerca de 84% do território está sob "ordem de evacuação" pelos militares israelenses.

No início do mês, o Exército israelense publicou um mapa mostrando novas ordens de evacuação em várias áreas da Faixa de Gaza, incluindo Beit Hanoun, Jabalia e Beit Lahiya, no norte do enclave. Moradores foram instados a sair imediatamente usando a rota Salah al-Din, uma das principais estradas do norte ao sul, para uma "zona humanitária" designada – uma área superlotada no sul de Gaza que carece de serviços básicos e que também foi alvo de Israel no passado.

Mas muitos estão cansados de serem deslocados e parecem buscar abrigo no norte de Gaza em meio ao aumento dos bombardeios e combates. Aya Tawfik, uma enfermeira voluntária, fugiu com seus irmãos e seu pai de Jabalia para Sheikh Radwan, um bairro no norte da Cidade de Gaza.

"Não queremos ir para o sul", disse Tawfik à DW por mensagem de texto. "As condições são difíceis. Não queremos viver em uma barraca, e lá também há bombardeios e mortes."

Ela descreveu a situação em Jabalia como "aterrorizante", pois os combates também se aproximaram da área onde sua família está agora.

"Estamos hospedados em uma casa perto da nova área de evacuação. Podemos ouvir as explosões, os sons de tanques e drones acima de nós. Não sabemos se podemos ficar aqui ou não", disse Tawfik, acrescentando que as pessoas estavam constantemente se deslocando em busca de segurança.

Os serviços de emergência de Gaza afirmam que não podem se deslocar em áreas de combates pesados e têm que deixar pedidos de ajuda sem resposta.

"É um grande risco para a segurança dos paramédicos e da defesa civil chegar perto dessas áreas", disse Fares Afana, chefe dos serviços de ambulância no norte de Gaza. "Há um grande número de feridos e há mártires [cadáveres] espalhados pelas ruas."

A OCHA estima que pelo menos 400 mil pessoas permanecem no norte de Gaza, inclusive na Cidade de Gaza, a maior do território. Apesar das repetidas ordens militares desde o ano passado para que partissem para o sul, há diversas razões para os que decidiram ficar.

Alguns estão cuidando de parentes idosos e doentes. Outros simplesmente se recusam a ser arrancados de suas casas ou se sentem inseguros para ir a qualquer lugar sob a constante ameaça de ataques aéreos. Muitas famílias estão separadas e espalhadas por toda Gaza.

Tanto Mohammed quanto Aya Tawfik temem que nunca mais possam voltar para casa, no norte de Gaza. O pequeno território agora é dividido pelo corredor Netzarim, uma nova estrada controlada por Israel que vai de leste a oeste, no centro de Gaza. Os moradores dizem que a estrada tornou quase impossível o retorno ao norte.

O Ministério do Interior de Gaza, dirigido pelo Hamas, instruiu os civis a ignorarem o aviso para se deslocarem para outras áreas no norte da Faixa e a evitarem ir para o sul. O Exército israelense afirmou, em comunicado na segunda-feira (14/10), que militantes do Hamas estavam impedindo ativamente algumas pessoas de sair.

Os últimos movimentos militares e as ordens de evacuação levaram à especulação entre palestinos, a imprensa e organizações de ajuda humanitária de que o governo israelense está implementando gradualmente no norte de Gaza uma estratégia de "render-se ou morrer de fome", também conhecida como "plano do general".

O plano foi proposto por um grupo de oficiais superiores reformados, liderados pelo major-general aposentado Giora Eiland, ex-conselheiro de segurança nacional. De acordo com relatos da mídia israelense, o gabinete israelense discutiu recentemente várias opções, mas ainda não está claro se alguma delas foi adotada.

A estratégia teria o objetivo de forçar o Hamas e seu líder, Yahya Sinwar, a se renderem, ao pressionar a população remanescente no norte. Há muito tempo, Israel acusa o Hamas e outros grupos militantes de se esconderem entre a população. De acordo com o plano, civis seriam obrigados a sair por corredores de evacuação no sul de Gaza, e a parte norte seria formalmente isolada. Qualquer pessoa que permanecesse seria considerada um combatente inimigo, e todos os suprimentos seriam bloqueados, em um cerco completo.

O jornal israelense de esquerda Haaretz noticiou nesta semana que altos funcionários da defesa indicaram que a liderança política do país está pressionando pela anexação de partes da Faixa de Gaza. Isso ocorre em meio a novos pedidos de políticos e ministros de ultradireita para o reassentamento em Gaza.

Grupos de ultradireita anunciaram uma grande reunião nos próximos dias para "treinar" o reassentamento em Gaza. No entanto, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu negou qualquer plano para permitir a entrada de colonos israelenses no território palestino.

Embora não esteja claro se os militares adotaram algum componente do plano em sua invasão atual, autoridades das Nações Unidas soaram o alarme.

"Desde 1º de outubro, as autoridades israelenses têm cortado cada vez mais o acesso a suprimentos essenciais no norte de Gaza", disse Muhannad Hadi, coordenador humanitário para o Território Palestino Ocupado, em um comunicado no domingo. A declaração acrescentou que as operações militares forçaram o fechamento de padarias, postos médicos e abrigos, enquanto "hospitais registraram um fluxo de feridos por trauma".

Para pessoas como Tawfik, sobreviver a essa última incursão israelense é tudo o que importa. "Essa invasão é mais difícil do que a anterior", disse. "Não temos mais energia. Estamos completamente exaustos. Estamos lutando constantemente para nos mantermos vivos e não enlouquecer."
Tania Krämer

Destruir, o mandamento

O essencial da guerra é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas de produtos do trabalho humano. A guerra é um meio de despedaçar, ou de libertar na estratosfera, ou de afundar nas profundezas do mar, materiais que de outra forma teriam de ser usados para tornar as massas demasiado confortáveis e, portanto, com o passar do tempo, inteligentes

George Orwell

Usando o Manual de Gaza no Líbano

Perpetuar mentiras israelenses é perigoso, não apenas porque dizer a verdade é uma virtude, mas também porque palavras matam, e reportagens desonestas podem, de fato, justificar o genocídio.

A versão oficial do exército israelense sobre o motivo de ter atacado áreas civis durante o intenso e mortal bombardeio de 20 de setembro no sul do Líbano é que os libaneses estão escondendo lançadores de mísseis de longo alcance em suas próprias casas.

Esta explicação oficial do exército israelense tinha como objetivo justificar a morte de 492 pessoas e o ferimento de 1.645 em um único dia de ataques israelenses.

Esta explicação pronta para servir nos acompanhará durante toda a guerra israelense no Líbano, não importa o tempo que leve. A mídia israelense agora está citando pesadamente essas alegações e, por extensão, a mídia dos EUA e ocidental estão seguindo o exemplo.


Tenha isso em mente ao refletir sobre declarações anteriores feitas pelo presidente israelense Isaac Herzog em 13 de outubro, quando ele argumentou que não há civis em Gaza e que "há uma nação inteira lá fora que é responsável".

Israel faz isso em todas as guerras que lança contra qualquer nação palestina ou árabe. Em vez de remover civis e infraestruturas civis de seu banco de alvos, ele imediatamente transforma a população civil nos principais alvos de sua guerra.

Uma rápida olhada no número de civis mortos na guerra e no genocídio em andamento em Gaza deveria ser suficiente para demonstrar que Israel tem como alvo pessoas comuns como algo natural.

De acordo com o Ministério da Saúde Palestino em Gaza, crianças e mulheres constituem a maior porcentagem de vítimas da guerra, 69 por cento . Se levarmos em conta o número de homens adultos que foram mortos — um número que inclui médicos, paramédicos, trabalhadores da defesa civil e várias outras categorias — ficará óbvio que a vasta maioria de todas as vítimas de Gaza são civis.

Somente a mídia israelense e seus aliados no Ocidente continuam a encontrar justificativas para o motivo pelo qual civis palestinos, e agora libaneses, estão sendo mortos em grande número.

Compare as duas declarações a seguir, que receberam muita atenção na mídia, do porta-voz militar israelense Daniel Hagari, sobre Gaza e o Líbano.

“O Hamas usa sistematicamente hospitais para travar guerras e usa consistentemente o povo de Gaza como escudos humanos”, disse Hagari em 25 de março.

Então, “a sede terrorista do Hezbollah foi construída intencionalmente sob prédios residenciais no coração de Beirute, como parte da estratégia do Hezbollah de usar escudos humanos”, disse ele em 27 de setembro.

Para aqueles que estão dando o benefício da dúvida a Hagari, basta rever o que aconteceu em Gaza no ano passado.

Por exemplo, Israel alegou que o massacre do Hospital Batista Al-Ahli não foi obra sua, e que foi um foguete palestino que matou quase 500 refugiados deslocados e feriu centenas de outros em 17 de outubro.

Todas as evidências, incluindo investigações de grupos de direitos humanos muito respeitados, concluíram o oposto. Ainda assim, no entanto, as falsas alegações israelenses receberam muita cobertura na mídia.

O episódio do Hospital Batista foi repetido inúmeras vezes. Na verdade, as mentiras começaram em 7 de outubro, não em 17 de outubro, quando Israel fez alegações sobre bebês decapitados e estupro em massa. Embora muito disso tenha sido provado conclusivamente como errado, alguns na mídia e autoridades pró-Israel continuam a falar disso como um fato comprovado.

E embora nenhuma sede do Hamas tenha sido encontrada sob o Hospital Al-Shifa, as alegações israelenses infundadas continuam a ser repetidas como se fossem toda a verdade.

A mesma lógica está sendo aplicada agora ao Líbano, onde Israel alega que não tem civis como alvos e, quando civis são mortos, são os próprios libaneses que devem ser culpados por supostamente usar civis como escudos humanos.

O manual de Gaza é agora o manual do Líbano. Claro, muitos estão jogando junto, não porque sejam irracionais ou incapazes de chegar a conclusões adequadas com base nas evidências óbvias. Eles fazem isso porque são parte da narrativa israelense, não contadores de histórias neutros ou repórteres honestos.

Até mesmo a BBC faz parte dessa narrativa, pois usa as alegações israelenses como ponto de partida para qualquer conversa sobre a Palestina ou o Líbano. Por exemplo, "Israel disse que realizou uma onda de ataques preventivos no sul do Líbano para frustrar um ataque de foguetes e drones em larga escala pelo Hezbollah", informou a BBC em 26 de agosto.

Israel consegue escapar impune de suas mentiras sobre os assassinatos em massa em Gaza, e agora, infelizmente, no Líbano, porque a propaganda israelense é bem-vinda, na verdade, abraçada por autoridades e jornalistas ocidentais.

Assim, quando o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, descreveu os ataques aéreos de 20 de setembro no Líbano como “justiça feita”, ele estava indicando à grande mídia que sua cobertura deveria permanecer comprometida com essa avaliação oficial.

Imagine a indignação se a situação fosse invertida, como milhares de civis israelenses sendo massacrados em suas próprias casas por bombas libanesas. Não haveria necessidade de elaborar sobre as reações da mídia dos EUA ou ocidental, pois isso deveria ser óbvio para qualquer um que esteja prestando atenção.

O Líbano é um estado árabe soberano. Gaza é um território ocupado, e seu povo é protegido sob a Quarta Convenção de Genebra. Nem as vidas libanesas nem palestinas são sem valor, e seu assassinato em massa não deve ser permitido por nenhuma razão, especialmente com base em mentiras absolutas comunicadas por um porta-voz militar israelense.

Perpetuar mentiras israelenses é perigoso, não apenas porque dizer a verdade é uma virtude, mas também porque palavras matam, e reportagens desonestas podem, de fato, justificar o genocídio.
Ramzy Baroud, editor do The Palestine Chronicle