No atual momento de falta de lideranças políticas abrangentes e esgarçamento do tecido institucional prevalece quem tem um mínimo de organização e objetivos comuns bem delineados. É o caso da consolidação das forças do Centrão em torno das ferramentas de poder (orçamento secreto) – que o STF parece pouco propenso a enfrentar de verdade.
Há integrantes do STF que se queixam de “ingratidão” por parte dos políticos. “Afinal, nós devolvemos a política aos políticos”, dizem, nutrindo esperanças de retribuição pela obra de liquidação da Lava Jato.
Mas onde estão esses ingratos, na hora em que o STF precisa de artilharia amiga no embate com um presidente que tem como principal tática político-eleitoral peitar os tribunais superiores e o sistema eleitoral?
Ora, fazendo política. No momento, isso significa fazer nada. Da perspectiva de agentes políticos como o presidente da Câmara, Arthur Lira, as coisas estão muito bem. O presidente da República é fraco e vulnerável e nem sabe mandar. O STF perdeu há tempos a noção de conjunto, está isolado e seus defensores apenas conseguem dizer “seria pior sem ele”.
O Centrão fez de conta que respeitou o Supremo na questão da “transparência” das emendas parlamentares, um gênio que, até aqui, nem Lula nem Bolsonaro disseram como pretendem que volte para a garrafa. E mandou recados duríssimos para os dois lados da polarização eleitoral.
“Eu fui eleito seis vezes, essas urnas funcionam”, disse Lira, dirigindo-se a Bolsonaro. “O Brasil continuará um país de centro-direita independentemente do resultado das eleições presidenciais”, foi o recado dele a Lula, em nome do Centrão. Que terá a partir de 2 de outubro, anunciou, cerca de 300 deputados (entre 513) identificados com “essa corrente”.
Essas palavras foram ditas diante de plateia composta pela fina flor de agentes de mercado internacionais e nacionais e de líderes de relevantes segmentos da economia, à qual garantiu-se que o Legislativo está aprovando matérias que garantem uns R$ 800 bilhões em investimentos.
Por esses cálculos, que unem os “profissionais” da política e vastos setores dos mercados, o cenário pós-eleitoral já está dado nas linhas acima. O resto é reality show de campanha. Não há indicações de como o Brasil sairá da desigualdade, estagnação e atraso em relação às economias centrais.
Nem como vai enfrentar seus dilemas fiscais e tributários de curto prazo. Sim, repete-se à exaustão como são imensas nossas oportunidades. Mas só se veem oportunistas.
segunda-feira, 16 de maio de 2022
O Estado de Bolsonaro
Desde 19 de março de 2019, quando mandou o Ibama exonerar José Augusto Morelli, que 7 anos antes o multara por pesca ilegal em Angra dos Reis, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que governaria só para si e os seus. De lá para cá, o uso escancarado do Estado e os desmandos para proteção pessoal, de sua prole e de alguns agregados do peito só cresceram.
A inusitada defesa da Wal do Açaí pela Advocacia-Geral da União é só mais um episódio dessa série nefasta. Terrível, chocante – mas é só mais uma.
Funcionária fantasma do então deputado federal Jair Bolsonaro, Walderice Santos da Conceição admitiu em depoimento à Polícia Federal que jamais foi a Brasília. Durante 15 anos recebeu como secretária de gabinete na Câmara, mas vendia açaí na praia de Angra enquanto seu marido prestava serviços na casa de veraneio do capitão.
Além de pagá-la com o dinheiro dos impostos dos brasileiros – com ou sem rachadinha, prática que parece usual no clã mas que ainda não foi comprovada neste caso -, Bolsonaro despachou Wal para a AGU, que passou a defendê-la com argumentos para lá de esdrúxulos. O principal deles, o pedido de rejeição da ação por ausência de dolo, invenção da nova lei de improbidade, fórmula de impunidade gerada no umbigo do Centrão, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente em 2021.
Fora o despautério de a AGU defender alguém que nada tem a ver com o poder público, a não ser o fato de ter recebido dinheiro do povo sem trabalhar, tem-se outro: para a Advocacia da União, nem Bolsonaro nem Wal teriam utilizado de má-fé para processar o trambique.
A mesma lei foi usada na semana passada para livrar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e outros cinco acusados por falha no fornecimento de oxigênio ao Amazonas – mesmo tendo conhecimento prévio do colapso -, provocando mortes por asfixia. A ação foi julgada improcedente.
Seguindo o novo regramento, não foi possível atestar improbidade porque não teria havido intenção do ministro e sua trupe pró-cloroquina de matar os doentes. Resta saber em que casos a lei de 2021 será aplicada, porque se as mortes no Amazonas fossem intencionais o processo não seria por improbidade, mas por homicídio deliberado.
Os dois casos ilustram bem o poder da nova ferramenta pró-impunidade. E Bolsonaro não desistiu de anexar outra: o excludente de ilicitude, que voltou a frequentar o discurso do presidente na sexta-feira. Diante dos oficiais formandos da PM paulista da Academia Barro Branco, ele se referiu ao instrumento, tido como uma licença prévia para matar, como seu “grande sonho como presidente”.
Em três anos e meio, a maioria dos atos de Bolsonaro tem como objeto não o bem comum, mas o dele, de sua família ou de um grupo restrito. Dos decretos e portarias para multiplicar a venda de armas e munições a isenção de impostos para a importação de jet ski, motocicleta aquática que o presidente adora. Das mudanças no Coaf, depois de o conselho incomodar seu filho Flávio com revelações de transações financeiras suspeitas, a mexidas no primeiro escalão do governo. Não em busca de mais qualidade técnica, mas para afastar gente incômoda que, embora fiel, provocou dissabores políticos, a exemplo dos ex-ministros Ernesto Araújo e Pazuello, além dos “traidores” que ele enxerga em todas as partes.
Investigadores que investigam são degolados ou afastados quando chegam perto de podres do governo ou dos zerinhos do presidente. O Superintendente da PF do Amazonas, Alexandre Saraiva, foi removido para Volta Redonda depois de apresentar notícia-crime contra o ex-ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles. O delegado Federal Franco Pezzani pagou um preço ainda mais alto por chefiar a operação de buscas na casa do mesmo Salles: foi sumariamente demitido. Mais recentemente, o delegado Hugo de Barros, ex-superintendente da PF no Distrito Federal, acabou rebaixado para serviços burocráticos, castigo imposto pelas corretas diligências conduzidas por ele nas investigações sobre Jair Renan e o inquérito das fake news.
Na sexta-feira, 13, o STF formou maioria para considerar inconstitucional a produção dos relatórios do Ministério da Justiça sobre a vida de 587 desafetos do presidente, identificados como integrantes do “movimento antifascismo”. Produzidos sob a batuta do então ministro André Mendonça para satisfazer a obsessão persecutória de Bolsonaro, os documentos que esmiuçaram os costumes de servidores – entre eles professores universitários e pesquisadores -, compõem o rol de escândalos suplantados por outros que, de tantos e tão frequentes, ganham status de normalidade.
Esse é o perigo. Ao acumular barbaridades em cima de barbaridades, usar e abusar do Estado e desconstruí-lo a seu bel prazer, Bolsonaro está tendo êxito em encobrir seu péssimo desempenho e desviar a atenção dos malfeitos de seu governo. Pior: tem conseguido amortecer, quase anestesiar, o sentimento de indignação, um dos mais fortes combustíveis de reação do indivíduo e da coletividade.
Passa da hora de pôr fim ao Estado de Bolsonaro, essa “normalidade” anormal e hedionda.
A inusitada defesa da Wal do Açaí pela Advocacia-Geral da União é só mais um episódio dessa série nefasta. Terrível, chocante – mas é só mais uma.
Funcionária fantasma do então deputado federal Jair Bolsonaro, Walderice Santos da Conceição admitiu em depoimento à Polícia Federal que jamais foi a Brasília. Durante 15 anos recebeu como secretária de gabinete na Câmara, mas vendia açaí na praia de Angra enquanto seu marido prestava serviços na casa de veraneio do capitão.
Além de pagá-la com o dinheiro dos impostos dos brasileiros – com ou sem rachadinha, prática que parece usual no clã mas que ainda não foi comprovada neste caso -, Bolsonaro despachou Wal para a AGU, que passou a defendê-la com argumentos para lá de esdrúxulos. O principal deles, o pedido de rejeição da ação por ausência de dolo, invenção da nova lei de improbidade, fórmula de impunidade gerada no umbigo do Centrão, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente em 2021.
Fora o despautério de a AGU defender alguém que nada tem a ver com o poder público, a não ser o fato de ter recebido dinheiro do povo sem trabalhar, tem-se outro: para a Advocacia da União, nem Bolsonaro nem Wal teriam utilizado de má-fé para processar o trambique.
A mesma lei foi usada na semana passada para livrar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e outros cinco acusados por falha no fornecimento de oxigênio ao Amazonas – mesmo tendo conhecimento prévio do colapso -, provocando mortes por asfixia. A ação foi julgada improcedente.
Seguindo o novo regramento, não foi possível atestar improbidade porque não teria havido intenção do ministro e sua trupe pró-cloroquina de matar os doentes. Resta saber em que casos a lei de 2021 será aplicada, porque se as mortes no Amazonas fossem intencionais o processo não seria por improbidade, mas por homicídio deliberado.
Os dois casos ilustram bem o poder da nova ferramenta pró-impunidade. E Bolsonaro não desistiu de anexar outra: o excludente de ilicitude, que voltou a frequentar o discurso do presidente na sexta-feira. Diante dos oficiais formandos da PM paulista da Academia Barro Branco, ele se referiu ao instrumento, tido como uma licença prévia para matar, como seu “grande sonho como presidente”.
Em três anos e meio, a maioria dos atos de Bolsonaro tem como objeto não o bem comum, mas o dele, de sua família ou de um grupo restrito. Dos decretos e portarias para multiplicar a venda de armas e munições a isenção de impostos para a importação de jet ski, motocicleta aquática que o presidente adora. Das mudanças no Coaf, depois de o conselho incomodar seu filho Flávio com revelações de transações financeiras suspeitas, a mexidas no primeiro escalão do governo. Não em busca de mais qualidade técnica, mas para afastar gente incômoda que, embora fiel, provocou dissabores políticos, a exemplo dos ex-ministros Ernesto Araújo e Pazuello, além dos “traidores” que ele enxerga em todas as partes.
Investigadores que investigam são degolados ou afastados quando chegam perto de podres do governo ou dos zerinhos do presidente. O Superintendente da PF do Amazonas, Alexandre Saraiva, foi removido para Volta Redonda depois de apresentar notícia-crime contra o ex-ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles. O delegado Federal Franco Pezzani pagou um preço ainda mais alto por chefiar a operação de buscas na casa do mesmo Salles: foi sumariamente demitido. Mais recentemente, o delegado Hugo de Barros, ex-superintendente da PF no Distrito Federal, acabou rebaixado para serviços burocráticos, castigo imposto pelas corretas diligências conduzidas por ele nas investigações sobre Jair Renan e o inquérito das fake news.
Na sexta-feira, 13, o STF formou maioria para considerar inconstitucional a produção dos relatórios do Ministério da Justiça sobre a vida de 587 desafetos do presidente, identificados como integrantes do “movimento antifascismo”. Produzidos sob a batuta do então ministro André Mendonça para satisfazer a obsessão persecutória de Bolsonaro, os documentos que esmiuçaram os costumes de servidores – entre eles professores universitários e pesquisadores -, compõem o rol de escândalos suplantados por outros que, de tantos e tão frequentes, ganham status de normalidade.
Esse é o perigo. Ao acumular barbaridades em cima de barbaridades, usar e abusar do Estado e desconstruí-lo a seu bel prazer, Bolsonaro está tendo êxito em encobrir seu péssimo desempenho e desviar a atenção dos malfeitos de seu governo. Pior: tem conseguido amortecer, quase anestesiar, o sentimento de indignação, um dos mais fortes combustíveis de reação do indivíduo e da coletividade.
Passa da hora de pôr fim ao Estado de Bolsonaro, essa “normalidade” anormal e hedionda.
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