segunda-feira, 1 de agosto de 2022

A origem

Imersos na desgraça perguntamos
Como deixamos isso acontecer.
Quando os bárbaros vieram, não notamos.
Estávamos já cegos sem saber.

Democracia

A política bolsonarista tem como característica principal estar baseada na distinção entre amigos e inimigos, os primeiros sempre sendo variáveis ao sabor das circunstâncias, enquanto os segundos têm demonstrado invariância, centrando-se nas urnas eletrônicas, no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os amigos mostram a volatilidade de suas alianças, sem nenhum princípio fundado em ideias ou valores morais, onde se encontra ausente qualquer noção de lealdade. Veja-se o que fez com aliados civis de primeira hora, depois abandonados, e com generais importantes que foram simplesmente descartados, segundo o seu arbítrio.

Os inimigos foram se afunilando, chegando à campanha eleitoral em posição de destaque as instituições democráticas. Seu discurso e suas ações decorrentes, em coerência, diga-se de passagem, concentraram-se nas urnas eletrônicas e na Justiça Eleitoral, sem deixar, porém, de atacar o Supremo. Se conseguiu cooptar – melhor dito comprar – o Legislativo, sobretudo a Câmara dos Deputados via orçamento secreto e outros tipos de emenda, num sequestro flagrante dos recursos públicos e das funções legislativas, o mesmo não aconteceu com o Judiciário. Ministros não se curvaram e souberam fazer frente aos seus arroubos.


Ocorre que seus arroubos não são mera retórica ocasional, mas fruto de uma política que tem o ódio e a morte como alicerces, algo que causou espanto no tratamento da pandemia de covid, em que sentimentos morais e compaixão não se fizeram presentes. Ora, tal tipo de política mira a democracia enquanto inimigo a ser aniquilado, como se qualquer crítica ou dissidência devessem ser sufocadas. Ela não se presta à escuta e ao diálogo visando ao bem comum. O autoritarismo é o seu cerne, e não qualquer efeito colateral.

Nessa perspectiva, o embate deixa de ser partidário para se tornar institucional. Num pleito partidário, democrático, partidos e candidatos se defrontam pela conquista do poder, disputando ideias e concepções, segundo regras reconhecidas por todos, situadas para além de qualquer agremiação partidária. Disputa-se segundo regras previamente estabelecidas e aceitas, e não conforme o questionamento das mesmas regras que tornam a disputa possível.

Na medida em que Bolsonaro foca a sua ação no questionamento destas regras suprapartidárias, ele se coloca numa posição antidemocrática e liberticida, nada reconhecendo senão o seu arbítrio e o seu próprio projeto de poder. A democracia torna-se uma palavra vazia, oca, visto que, para ele, unicamente conta o atendimento ou não de sua vontade. Se ela é atendida, considera a medida democrática; se não o for, é coisa de “comunista” ou outro bicho a ser inventado na ocasião.

Eis por que manifestos como o da Faculdade do Largo de São Francisco e outros que estão sendo lançados, com apoio de entidades empresariais, sindicais e profissionais, são da máxima importância, uma vez que se posicionam em defesa da democracia e de suas instituições. Não estão baseados em concepções partidárias, particulares nesse sentido, mas têm uma visão coletiva, institucional.

Nestas últimas semanas e, sobretudo, nestes últimos dias o Brasil está presenciando um despertar da sociedade civil, preocupada com questões atinentes à liberdade, aos ritos eleitorais e, principalmente, contra quaisquer tentativas de perturbação da ordem pública – tentativas essas cujos traços essenciais se voltariam contra o resultado das eleições. Na visão simplória dos bolsonaristas, se ganharem a eleição, é porque as regras democráticas foram observadas; se perderem, é porque houve fraude. Ou seja, só não haverá fraude se Bolsonaro for o vencedor! O resto é apenas areia nos olhos.

O grotesco foi simplesmente constrangedor quando o presidente chamou embaixadores para apresentar suas supostas provas de fraude. Primeiro, é propriamente inacreditável que um presidente, no exercício de suas funções, chame representantes de outros países para falar mal do seu próprio país. Certamente, ficaram estupefatos com tal atitude. Segundo, apenas reiterou suas teorias conspiratórias de supostas fraudes eleitorais, tanto mais que se elegeu, junto com seus filhos e apoiadores, segundo estas mesmas urnas eletrônicas que tanto abomina. De fato, não dá para entender! Terceiro, causou um imenso dano à imagem exterior do País, algo que foi sempre prezado por diplomatas e militares brasileiros. Por último, recebeu reações de autoridades americanas, inclusive militares, de que as urnas eletrônicas brasileiras são um exemplo para o mundo.

Vivendo em sua própria bolha e vendo a sua derrota se aproximar, conforme um movimento antibolsonarista equivalente ao movimento antipetista que o elegeu, o presidente lança ameaças de golpe. Ora, um golpe, para se materializar, precisaria, principalmente, do apoio da sociedade, do suporte internacional e da participação dos militares. Estando esses fatores ausentes, sobra-lhe uma ópera-bufa, com péssimos atores.

Pensamento do Dia

 


O Brasil é inexplicável

Como explicar que os neoliberais do governo atual estão fazendo a gastança, e os progressistas heterodoxos, se a oposição ganhar a eleição, terão de propor a austeridade para equilibrar as contas a partir de janeiro?

Numa tarde quente deste inverno paulistano, um amigo pediu ao colunista do Valor que explicasse o Brasil a um espanhol. Garcia, com interesses comerciais no Brasil, havia acabado de chegar a São Paulo.

Explicar o Brasil? Tarefa ingrata!

Naquele dia, os jornais contavam que um médico do Rio havia estuprado uma parturiente anestesiada em plena sala de parto. O ato, filmado pelos colegas do próprio médico, revelou uma das cenas mais estarrecedoras de abuso sexual das quais se tem notícia no país.

O ímpeto era de esquecer as explicações sobre a economia e dizer apenas que o Brasil é um país onde a violência e a barbárie são estimuladas pelo alto escalão do governo, que já sugeriu o fuzilamento de opositores, estimulou adultos e crianças a gostar de armas e defendeu tortura.

A vontade era de contar que o Brasil é um país onde uma vereadora do Rio, de oposição, foi executada há três anos e até hoje não são conhecidos os mandantes do crime. Que o Brasil é um país onde um indigenista e um jornalista estrangeiro, defensores dos povos indígenas, foram assassinados, esquartejados e enterrados na Amazônia. Onde um guarda municipal de Foz do Iguaçu, petista, foi assassinado por um agente penitenciário federal bolsonarista que invadiu sua festa de aniversário atirando e gritando “aqui é Bolsonaro”. Um país onde o próprio presidente incentiva a violência e enxovalha para o mundo as instituições democráticas e o processo eleitoral construídos com sangue, suor, lágrimas e competência nas últimas quatro décadas. Um país machista e racista, onde 3.878 mulheres foram mortas no ano passado, sendo 70,7% delas pretas.

Mas seria preciso falar de economia. O espanhol queria isso, embora tenha se espantado com os dados da insegurança e da violência. Então era preciso dizer que o Brasil é um país com 215 milhões de habitantes, a sétima maior população do mundo, onde 33 milhões de pessoas passam fome, 11 milhões estão desempregadas, 5 milhões desalentadas (não têm mais nem ânimo para procurar emprego). Um país onde a pandemia da covid matou quase 680 mil pessoas, tragédia que só não foi maior porque a sociedade pressionou o governo a agir. Onde a distribuição de renda é uma das piores do mundo, a inflação anual voltou a dois dígitos e há 66,6 milhões de inadimplentes. Ou seja, cerca de um terço das pessoas não conseguem pagar suas contas. Um país que foi um dos líderes do crescimento econômico global no século 20, até 1980, mas enfrenta agora um longo período de semiestagnação econômica - quatro décadas. Que teve no ano passado uma renda per capita igual à de 2007 (US$ 7.500 anuais) e 43% abaixo do pico de 2011 (US$ 13.226).

Seria preciso dizer que o país sofreu um processo acentuado de desindustrialização. Em meados dos anos 1980, a indústria respondia por 35% do PIB nacional. Hoje, responde por 10% a 11%. Em 1980, o país exportava US$ 9 bilhões por ano em manufaturados, mais que a China naquele ano (US$ 8,7 bilhões). Agora, passados 40 anos, exporta US$ 60,7 bilhões e a China, US$ 2,5 trilhões.

Para “explicar o Brasil”, seria necessário dizer por que tudo isso aconteceu. Garcia gostaria de saber como, afinal, um país que nunca deixou de ser pobre, mas que caminhava para a riqueza, sofreu tamanha desconstrução.

Os economistas de esquerda, autoproclamados progressistas, dizem que a origem de tudo está na dominação do pensamento neoliberal na economia, a partir dos anos 1980. As receitas de austeridade, Estado mínimo e privatizações, que podem ter funcionado para alguns países desenvolvidos, não ajudaram o Brasil. Essas ideias levaram à imposição de políticas equivocadas de juros sempre elevados e valorização cambial, não adotada por nenhum dos países que se industrializaram - todos mantiveram câmbio real competitivo.

O Brasil se tornou um país primitivo, um “fazendão” extremamente dependente de exportações de produtos agrícolas, cuja economia quase não cresce e nem cria empregos. Para o próximo governo, a principal recomendação dos progressistas se refere à reindustrialização do país, além de óbvias ações emergenciais para estancar a fome e a extrema pobreza. E a receita para reindustrializar passa por fortalecer a ação do Estado e estabelecer um projeto de desenvolvimento, com câmbio competitivo, muito investimento público em energia verde, descarbonização da economia, estímulo à pesquisa tecnológica e apoio maciço à educação.

Para os economistas liberais, mais ortodoxos, o Brasil se perdeu por causa de suas políticas fiscais irresponsáveis, que tiraram a credibilidade do país. Consideram que a austeridade é condição essencial para que os agentes econômicos tomem decisões de investir no país e, com isso, promover desenvolvimento. A receita, portanto, seria continuar com as reformas para reduzir a interferência do Estado na economia e privatizar estatais, inclusive a Petrobras. O papel do Estado indutor de desenvolvimento foi abertamente menosprezado pelo neoliberalismo nas últimas décadas, mas a ascensão da China e o impacto da pandemia mudaram um pouco o discurso e até mesmo as economias mais avançadas passaram apoiar intervenções estatais.

Garcia viu contradições nas explicações. Mas os liberais não controlam a economia no governo atual? Como explicar seu conservadorismo fiscal e, ao mesmo tempo, o festival de bondades que propuseram e aprovaram no Congresso, com gastos estimados em R$ 41,2 bilhões em cinco meses?

São gastos eleitorais, Garcia, porque o presidente quer se reeleger e está atrás nas pesquisas. A legislação proíbe esse tipo de gasto no período eleitoral, mas o Congresso aprovou um “estado de emergência” para garantir que os benefícios não violem a legislação.

A oposição de esquerda, Garcia, ficou encurralada. Não tinha como passar a defender austeridade, porque seria contra seus princípios, principalmente num momento em que 33 milhões de brasileiros passam fome. E aprovou a gastança, mesmo sabendo que a distribuição desses bilhões é um estelionato eleitoral do atual presidente.

Se estou entendendo bem, perguntou Garcia, os neoliberais do governo atual estão fazendo a gastança, e os progressistas heterodoxos, se a oposição ganhar a eleição, terão de propor a austeridade para equilibrar as contas a partir de 1º de janeiro? Como se explica isso?

O Brasil é inexplicável, Garcia.

Quando voltaremos a ser uma nação?

Nos países democráticos as eleições são o momento culminante da vida política. São um tempo de disputa e de competição, mas principalmente uma celebração da liberdade e da ordem. Quando este momento se converte num estado de apreensão e de incerteza é porque algo corrosivo está ocorrendo no interior da sociedade. Eleições são indispensáveis às nações civilizadas, necessariamente compostas por grupos com opiniões diferentes e com igual direito de chegar ao poder. Como disse o pensador francês Ernest Renan” uma nação é um plebiscito cotidiano”, no qual os cidadãos reafirmam diariamente sua vontade de constituir uma “unidade de destino”, como completa Mário Vargas Llosa.

As eleições que se aproximam aqui no Brasil , mais do que qualquer outra realizada após a volta da democracia em 1985, estão indicando que a nação brasileira está se tornando uma comunidade de tribos que se antagonizam e que não se reconhecem como partes de uma mesma sociedade. Não podemos cair na tentação de simplificar estas divisões, atribuindo o clima de polarização e de intolerância à simples manipulação por parte dos candidatos. Ninguém individualmente tem o poder dividir tanto uma grande e diversificada população, como é o caso da brasileira. As sementes desta divisão estão presentes faz muito tempo, embora só agora tenham ganhado massa crítica para dominar o espaço político.


O velho Aristóteles já ensinava há mais de dois mil anos que ” uma cidade é composta de diferentes tipos de homens; pessoas semelhantes não podem dar existência a uma cidade.” Conviver num mundo de diferentes não é portanto, uma livre escolha de nossa parte, mas uma exigência da própria natureza da vida humana, que abomina a homogeneidade e só se desenvolve na diversidade.

Uma sociedade que se segrega em grupos de iguais, que só é solidária com os seus e que rejeita e agride os que pensam ou são diferentes, está deixando de ser humana e regredindo à nossa mais longínqua pré história. Isto não corresponde absolutamente aos nossos instintos primordiais. Se a competição tivesse sempre abafado a cooperação a humanidade ainda estaria vivendo nas cavernas. Se não quisermos voltar ou estacionar no tempo, teremos que encontrar os meios de pacificar todos os brasileiros e desfazer os traços tribais que conspiram com a necessidade de aceitarmos “a unidade de destino”, único caminho para aspirarmos um futuro melhor para todos nós.

O Brasil não está condenado nem pela natureza, nem pela história, a ser um país irrelevante, atrasado e injusto. A verdade, no entanto, é que há mais de quarenta anos deixamos de crescer com regularidade e de diminuir a distância que nos separa dos países desenvolvidos. Não era isto que todos esperavam de nós, pois se mantivéssemos o ritmo médio de crescimento que experimentamos em todo o século XX até os anos 1980, estaríamos hoje com o nível de renda próximo ao da Espanha e de Portugal. O enigma que cerca esta mudança de trajetória só pode ser decifrado pelos erros da política, já que nenhum desastre de qualquer natureza se abateu sobre nós.

O fracasso na economia começou com a herança que nos legou o regime militar e prosseguiu com a Constituição que sacralizou os privilégios da alta burocracia do Estado, manteve um sistema político sem representatividade e proclamou direitos para todos, mas os assegurou efetivamente para muito poucos. A história desde então é uma história de Governos sem maioria própria, tentando mudar a Constituição para poder governar. O resultado tem sido quase sempre uma sucessão de crises, ausência de crescimento, corrupção e a frustração das grandes maiorias sociais. Aí estão as sementes da falta de esperança, da raiva e do medo, as verdadeiras fontes deste novo Brasil tribal.

Estamos num ponto em que as eleições não vão, por si só, pacificar o país e torná-lo de novo uma nação. Resta esperar que nossos erros tenham chegado ao limite e que um evento imprevisto e regenerador nos permita voltar a ser uma nação.

O fim da mamata dos super-ricos

O Poder Executivo vem sofrendo uma forte redução da sua capacidade de atuação como promotor do processo de desenvolvimento econômico do país. Desde a Constituinte muitos dos poderes quase imperiais dos tempos do presidencialismo militarizado foram derrubados por uma forte preocupação de se reequilibrar a correlação de forças com o Legislativo e o Judiciário. O sentido era o de se aumentar a margem de participação democrática no país, entendida como um aumento do poder dos partidos políticos.

Apesar disso, continuávamos em uma República de tipo presidencialista onde o executivo ainda tinha um peso desproporcional, quando comparamos o nosso caso com o de outros países presidencialistas democráticos. Com o tempo e a pulverização dos partidos políticos, passou a ser uma enorme dificuldade a construção de maiorias parlamentares. Isto coincidiu com uma perda significativa de conteúdo e de identidade dos partidos, com muitos deles se construindo sem qualquer programa ou proposta de projeto para o país.

As exceções a esta regra foram, por muito tempo, o PT e o PSDB. Ambos tinham projetos para o Brasil, um nacionalista/populista com espasmos de socialismo e outro neoliberal com espasmos social-democratas. Ambos se situaram no espectro político em oposição mútua radical, muito embora estivessem um no centro-esquerda e outro no centro-direita. É claro que havia um grupo de outros partidos mais definidos política e ideologicamente – PCdoB, Verde, PSOL, PSTU, PCO, PCB, UP –, mas com muito menos relevância. No poder, ambos os partidos tiveram que compor com o emaranhado de siglas sem conteúdo programático definido e que funcionavam cada vez mais como sanguessugas do Estado, buscando atender interesses individuais ou de bancadas temáticas. Tanto um como o outro tiveram que fazer concessões e distribuir benesses para grupos de lobby com representação no parlamento ou para senadores e deputados individualmente, cujo interesse específico é a mera reprodução de seus mandatos com recursos para suas bases eleitorais.

Este processo se intensificou com o golpe em Dilma Rousseff. O golpe mostrou ao Congresso sem norte e sem princípios que, como os personagens do Star Wars, eles tinham a força. E foram se apropriando de meios para dirigir os recursos do Estado para seus desígnios paroquiais. A fragilidade do governo do energúmeno a partir do momento em que teve que engolir as bravatas e ficou ameaçado por todos os lados o levou a uma total capitulação na relação com o que há de pior no parlamento, o chamado Centrão (na verdade um ultra-Direitão), que dá as cartas e comanda as duas casas.

No momento, o Centrão está no paraíso, dirigindo boa parte dos parcos recursos de investimento livre do executivo para seus projetos paroquiais e para cobrir os custos cada vez mais astronômicos das campanhas eleitorais. Por outro lado, a velha ocupação dos cargos por apaniguados se exacerbou, ao ponto do Centrão deter o controle da aplicação de R$ 150 bilhões em vários ministérios através de indicações de cunho político. Historicamente, estas indicações sempre foram sinônimo de uma ou todas das seguintes hipóteses: direcionamento de investimentos para bases específicas, independentemente de sua significância em um planejamento nacional; uso de organismos do Estado como cabides de emprego para cabos eleitorais; uso dos investimentos localizados para desvio de recursos; favorecimento de empresas privadas nas suas relações com o Estado, em troca, é claro, da velha propina.

O fato é que o orçamento público federal está travado por despesas impositivas, pelo teto de gastos e pelo uso dos poucos recursos disponíveis para os interesses menores de políticos. Quem ganhar as eleições, e eu creio e espero que seja o Lula, vai encontrar um Estado deteriorado, um orçamento amarrado e altamente insuficiente para as necessidades mínimas de um programa de salvação nacional. Vai ser preciso libertar o executivo dessas amarras. Não vai ser uma luta fácil pois tirar poderes do Centrão vai ser como tirar osso da boca de um pitbull, a não ser que a caterva que segue este bloco seja amplamente derrotada nas eleições para Câmara e Senado, junto com a derrota do seu aliado, o energúmeno, nas eleições presidenciais.

Teto de gastos é uma idiotice, uma jabuticaba que só se vê por aqui. Foi um artifício dos neoliberais na sua estratégia de paralisação do Estado para deixar que o mercado assumisse o poder sem intermediários. Ele não faz sentido, como já se viu na primeira emergência que teve que enfrentar, a pandemia de 2020. A questão não está em proibir o endividamento do Estado, mas em garantir que os empréstimos feitos pelo Estado possam ser pagos no futuro. Escolher bem os investimentos é mais importante do que ter saldos positivos no fim do ano e o país afundar em uma decadência econômico-social.

No Brasil sempre se fala em diminuir a carga fiscal, é um mantra dos neoliberais, mas o peso das isenções fiscais no orçamento da União é gigantesco e recompor a capacidade de investimento do Estado passa por suspender a grande maioria das renúncias fiscais concedidas por sucessivos governos, desde FHC, passando por Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Por outro lado, refazer totalmente a nossa estrutura tributária vai ser uma batalha fundamental para o presente e o futuro do país. Como todos sabem, há muito tempo, os pobres pagam mais do que os ricos, como porcentagem dos seus ingressos. Isto se deve ao predomínio dos impostos indiretos, incidindo sobre bens e serviços, em comparação com os impostos diretos, sobre a renda de cada brasileiro. No caso do IR, as formas pelas quais os mais ricos conseguem abater o que têm que pagar (sem falar nas formas de sonegação) asseguram que o grosso dos impostos recolhidos venham da classe média, cada dia mais empobrecida.

Discute-se cobrar imposto sobre as grandes fortunas e ele terá que ser adotado. Mas trata-se de um duplo movimento: cobrar uma taxa emergencial de 20% sobre a fortuna acumulada dos bilionários, de 10% sobre a dos milionários com valores superiores a R$ 100 milhões, de 5% sobre a dos milionários com valores acima dos R$ 10 milhões e 2% para os milionários com valores superiores a R$ 1 milhão. Estes serão os recursos para bancar as medidas emergenciais de um plano de salvação nacional, ao longo do primeiro ano de governo. O segundo movimento será o de alterar as alíquotas do Imposto de Renda, aumentando de 27,5 para 45% o imposto a ser pago pela camada mais rica, com renda (salários e outros ingressos) maior do que R$ 100 mil por mês, 35% para os que recebem mais do que R$ 50 mil e 27,5% para quem recebe mais do que R$ 30 mil. O piso da cobrança do IR deve ser o de três salários-mínimos e os valores cobrados a partir deste piso devem ser de 5% para rendas entre o piso e R$ 10 mil; 10% entre R$ 10 e 20 mil; e 20% entre R$ 20 e 30 mil.

Se isto parece arrancar o couro dos nossos lamentáveis ricaços quero lembrar que no coração do capitalismo, os EUA e a União Europeia, estas porcentagens são ainda mais altas e os grandes capitalistas do mundo estão fazendo manifestos para pedir que sejam cobrados mais impostos… deles mesmos. Lembro que estes impostos incidem sobre a totalidade da renda auferida, eliminando o privilégio atual que isenta o pagamento de dividendos e lucros de capital.