segunda-feira, 28 de maio de 2018

A Venezuela é aqui

Para que serve uma empresa estatal? De que adianta ao Estado brasileiro deter o controle da Petrobras? Se for apenas para obter lucro, melhor privatizar. Depois desse colapso nas estradas brasileiras, o argumento de que é importante manter sob o controle do Estado setores estratégicos da economia não cola mais. Se o governo não quer ou não consegue privatizar a Petrobras, e tampouco pode usar seu poder regulador na empresa, que quebre seu monopólio no refino, sua hegemonia na exploração e incentive a concorrência na distribuição.

Se fosse um indivíduo, a Petrobras sofreria de distúrbio bipolar. Durante os governos do PT foi controlada com mão de ferro, vilipendiada e assaltada vergonhosamente. Perdeu mais de US$ 150 bilhões em 13 anos. No governo do MDB, viu-se absolutamente livre e fez o que bem entendeu, como se fosse uma empresa cem por cento privada. Em 2017, voltou a lucrar na casa dos bilhões. Nada contra o lucro, mas a Petrobras passou a viver o melhor dos mundos, usufruindo os benefícios das empresas públicas e atuando com a liberdade do setor privado.



O Brasil ficou parecido com a Venezuela nestes últimos dias. Supermercados e farmácias racionaram artigos ou tiveram estoques esgotados. Prateleiras vazias foram o segundo retrato da crise, depois das estradas paradas. Hospitais tiveram dificuldade de se abastecer de insumos e oxigênio. Não era falta ou pouco dinheiro no bolso do comprador. Produtos ficaram retidos nas barreiras ou não conseguiram ser escoados dos locais em que foram produzidos. Faltaram hortaliças, carnes, ovos, remédios. Faltou água. E aqui, ao contrário da Venezuela, também faltou combustível.

Se visto por outro ângulo, o Brasil lembrou os tempos do Plano Cruzado do governo Sarney, quando o congelamento forçado de preços fez sumir alimentos dos supermercados, sobretudo proteína animal. E os aumentos da gasolina, que eram anunciados à noite para valer a partir do dia seguinte, produziam filas quilométricas de carros nos postos. Mas o que as prateleiras vazias e as filas nos postos de hoje provaram de forma cabal é que somos um país muito frágil.

Somos vulneráveis porque o governo é fraco, imprevidente e parece não enxergar à frente. Era claro que os preços dos combustíveis, sobretudo do óleo diesel, estavam acima do suportável. Para o transporte de cargas era impeditivo. O Brasil está superpovoado de caminhões graças ao crédito facilitado no governo Dilma como instrumento para manter o crescimento da economia, que não ocorreu. Com muito mais oferta do que procura, os caminhoneiros perderam poder de negociação e não conseguem melhorar o valor do frete.

Nossa malha rodoviária é obsoleta porque mais de 60% das cargas do país são transportadas por estradas. A opção rodoviária brasileira jamais foi acompanhada de políticas adequadas para o setor. Os últimos governos do Brasil, Sarney, Collor, Itamar, FH, Lula, Dilma e Temer, nunca cuidaram das estradas do país e tampouco investiram em ferrovias ou hidrovias para mudar o modal dos transportes do país. Deu no que deu, nessa total dependência no óleo diesel.

A rodovia Presidente Dutra, a estrada que une Rio a São Paulo, as duas maiores cidades do país e as suas regiões metropolitanas, tem apenas quatro pistas, duas de cada lado. Sem poder de barganha e com estradas fáceis de serem obstruídas, como a Dutra, os caminhoneiros conseguiram uma mobilização inédita e estão transferindo para o bolso de todos nós o custo do seu ofício. Todos pagamos pelo combustível mais alto, agora vamos arcar também com a redução dada aos caminhoneiros.

Municípios pra quê?

Caro leitor, você sabia que o Brasil tem 5570 municípios? Que 3121 municípios têm até 10 mil habitantes e 4890 até 20 mil habitantes, ou seja, 87,7% do total? Que Serra da Saudade (MG) tem 825 habitantes, Borá (SP), 834 e, pelo menos, mais 6 não chegam a 1500 habitantes (Fonte: IBGE, estimativas de 2013)?

Pois bem, tramita, em regime de urgência, o Projeto de Lei Complementar 137/2015 que regulamenta o parágrafo 4o Art.18 da CF cujo teor versa sobre sobre estudos de viabilidade, criação, fusão e desmembramento de municípios.


Longe de mim, um federalista fervoroso, paciente leitor dos artigos subscritos por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, na obra magna – O Federalista (85 artigos), fundadores do federalismo americano, confrontar as intenções descentralizadoras do projeto. Suspeito dos efeitos práticos.

Dois projetos semelhantes foram vetados pela Presidente Dilma. E sou capaz de superar a síndrome de São Tomé caso haja uma, unzinha fusão diante do reiterado furor emancipacionista que divide os pobres recursos do FPM com miseráveis municípios e enche de votos seus padrinhos de batismo.

O Município, unidade na diversidade, base da política de proximidade, mereceu referência de Tocqueville como escola de civismo, de democracia e, de fato, é a organização político-admistrativa apropriada para ações criativas, simples, baratas e transformadoras da vida das pessoas.

Ora, uma das mais relevantes reformas institucionais de que carece o Brasil é a refundação do nosso federalismo que é espécime único: federalismo trino que obriga o município, ente federativo, adotar o mesmo modelo de organiização política. Tema oportuno para o debate nas eleições presidenciais. Que a autonomia legitime o governo sub-nacional a se organizar de acordo com suas possibilidades e peculiaridades. Borá, Serra da Saudade, Manari, e tantas outras municipalidades paupérrimas não precisam de uma Câmara de Vereadores com nove representantes remunerados e penduricalhos administrativos

É por aí que se esvaem os recursos públicos: hipertrofia dos meios e atrofia das políticas públicas em benefício dos cidadãos. São ralos e históricos esqueletos que vão sendo armazenados e um dia surgem como se fossem assombração. Isto sem falar dos maus costumes no trato da coisa pública

Insisto: o federalismo cooperativo é o grande desafio das nossas reformas institucionais e tem como fundamento o princípio da subsidiariedade segundo o qual o que uma autoridade menor pode executar não há porque ser realizada por uma autoridade maior.

E chega de municípios!

Pensamento do dia

Brasileiro continuará desabastecido de governo

Além da falta de gêneros alimentícios, remédios e combustíveis, o caos que motoristas e empresas transportadoras produziram no país expôs um desabastecimento adicional: faltou governo. Quando os caminhões voltarem a circular, logo haverá mantimentos na gôndola, medicamentos na prateleira, gasolina na bomba e querosene nos aeroportos. Mas contra o desgoverno não há solução. Faltam 217 dias para Temer desocupar o Planalto. Acompanhar cada manhã do seu derretimento será um martírio.

Temer viveu a crise dos caminhões em dois estágios. Atravessou a fase da inação e a etapa da rendição. O presidente deu de ombros para a encrenca ao ser alertado, em outubro de 2017, sobre os riscos da paralisação. Voltou a subestimar o problema quando recebeu dois ofícios ameaçadores nos dias 14 e 16 de maio. “Imagine o Brasil ficar sem transporte por uma semana!”, anotava o primeiro aviso. “O Estado de fragilidade financeira que se encontra o setor (de transportes) é altamente inflamável”, ecoava o segundo.

Cinco dias depois da última advertência, os caminhões foram atravessados nas rodovias. Em 48 horas, o caos estava esboçado. E Temer, depois desperdiçar todas as oportunidades que teve para compreender o problema, amarelou três vezes em uma semana:

1) Na última terça-feira, o presidente pediu “trégua” aos caminhoneiros sublevados, acenando com o tabelamento do diesel por 15 dias.

2) Na quarta-feira, cedeu 12 reivindicações sem obter nenhuma garantia de desobstrução das estradas. O congelamento do diesel passou para 30 dias.

3) Neste domingo, Temer protagonizou uma rendição humilhante. Depois de acionar com atraso os órgãos de segurança, incluindo as Forças Armadas, o presidente içou a bandeira branca e entregou aos grevistas um pacote de vantagens que vira do avesso a própria filosofia liberal do seu desgoverno. Incluiu no embrulho uma mágica que fará sumir do preço do diesel a Cide, o PIS e a Cofins. O truque resultou num desconto de R$ 0,46 por litro. E Temer ainda esticou a vigência do tabelamento do óleo para 60 dias.


Dias depois de ter participado de ato partidário em que o MDB lançou a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirellles ao Planalto e divulgou um programa de governo ortodoxo, Temer plagiou a heteroxia de Dilma Rousseff. Ao acomodar a política de preços da Petrobras em cima do telhado, interferindo nas relações de mercado da estatal com distribuidores e transportadores, Temer assumiu o risco de ser processado pela antecessora por plágio.

Com sua inação, Temer ignorou os efeitos da gangorra do câmbio e da alta internacional do petróleo no bolso do consumidor. E estimulou os caminhoneiros a sequestrarem a rotina da sociedade. Diante do fato consumado, Temer ficou sem margem de manobra. Não lhe restou senão a opção de pagar o resgate exigido por autônomos e empresários que querem tudo, menos iniciativa privada.

Um dos auxiliares de Temer previa desde sexta-feira que, com mais uma semana de desabastecimento, o asfalto roncaria. E junho de 2018 seria uma reedição de junho de 2013. Um governador praguejava em diálogos privados: “Se o Temer não se acertar rapidamente com os caminhoneiros, não terminará o mandato.” Neste domingo, enquanto o inquilino do Planalto falava na TV, as panelas voltaram a soar nas janelas e varandas.

O governo já havia sofrido uma pane moral em 17 de maio de 2017, quando o grampo do Jaburu escalou as manchetes. Mas muita gente ainda alimentava a ilusão de que Temer seria campeão da austeridade porque patrocinara a emenda constitucional do teto de gastos. Essa lorota ruiu. O que leva um governo a economizar dinheiro é a decisão de não gastar. E sempre que um presidente interfere nas relações do mercado com as empresas privadas e de economia mista, o contribuinte paga contas amargas.

Por ora, o espeto dos caminhoneiros foi orçado em R$ 10 bilhões. É uma exorbitância. Mas a conta será bem mais salgada. O Tesouro Nacional ainda voltará a ser importunado. E o PIB de 2018, cuja previsão oficial já havia deslizado de 3% para 2,5%, começa a ser projetado abaixo dos 2%.

Temer já não dispunha de base parlamentar. Estilhaçou o restinho de confiança que o pedaço mais otimista do mercado ainda nutria por ele. Generalizou-se a sensação de que o Brasil encontra-se irremediavelmente desabastecido de governo.

Problema insolúvel no Brasil


Não espere que a solução venha do governo. O governo é o problema
Ronald Reagan, ex-presidente dos EUA

Casa da Mãe Joana Brasil

A expressão Casa da Mãe Joana se atualizou total esses dias. Na verdade, se instalou de vez. Igual àquela que diz (ou pelo menos dizia, porque a coisa está tão preta que há muito não ouço nem ninguém citar) que Deus é brasileiro. Até Ele tem limites e deve ter se mudado de mala e cuia. Aqui não só entra quem quer, como faz o que quer e, enfim, quando tenta se impor, declara e manda fazer o que não tem a menor ideia de como será cumprido. Casa da Mãe Joana é uma expressão popular, “o lugar onde todos mandam”, sem organização, onde cada um faz o que quer, uma baguncinha, enfim.

Reuniões longas, horas, documentos e documentos, contas que depois se mostram absolutamente erradas, anúncios de decisões que na manhã seguinte não surtiram qualquer efeito. A paralisação dos caminhoneiros apenas nos demonstrou de forma radical e até cruel o desatino e despreparo que enfrentamos há anos, em todas as direções para as quais olhamos.

Em algum momento o trem descarrilou. Inclusive, trilhos dos quais agora nos lembramos saudosamente e que tanta falta nos fazem na logística de distribuição nacional desse país de dimensões tão complexas, e que se inclinou para a indústria automobilística, para a fonte petróleo, entre outros erros estruturais que vemos se repetindo anos a fio.

Na Casa da Mãe Joana todo mundo invade a cozinha e quer tirar um proveito, mexer na receita, tacar a colher na sopa, entornar o caldo. Se a comida sai ruim, os dedinhos de todos se apontam uns para os outros levianamente, não fui eu, foi ele. Como crianças birrentas e marotas. Esse é o cardápio completo que estamos vendo. Pratos postos numa mesa que ressuscita até os zumbis que já governaram e desgovernaram, e que voltam para nos assombrar com suas declarações toscas e buscando isentar-se do estado a que as coisas chegaram.

Em casa, seja da Mãe Joana ou de qualquer outra, onde falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão; imaginem quando falta pão, gasolina e vergonha na cara.

Surgem, de um lado, os salvadores da pátria e suas ideias birutas; de outro os vilões que não têm nome nem cara, mas sabem remarcar preços como ninguém para se dar bem, não poupar ninguém. Sabem fazer sumir e aparecer produtos, mágicos. Gasolina a dez reais o litro, alface murcha, 10 reais a unidade, batatas de ouro puro, todos viram aparecer. Mais os oportunistas políticos que surgem para o banquete onde esperam lugar à mesa, sentados na cabeceira, inclusive. Só que precisarão pagar a conta.

Mas não se preocupem. Como disse o presidente ao mandar as Forças Armadas acabarem com a movimentação dos caminhoneiros, falando do púlpito, sem combinar com os goleiros, agora “o Governo terá coragem”. Faz lembrar a coragem da intervenção federal do Rio de Janeiro quase esquecida nas calendas. Temer, inclusive, se mostrou bem preocupado com os frangos que, segundo ele, estariam já se canibalizando. Sem comentários, por favor.

De soquinho em soquinho, vamos indo esperando o próximo round, quem vai bater à porta, a próxima crise. Tanto falam em militares, tanto falam em intervir que conseguiram botar o bloco verde para dissipar o azul de nosso céu. Por enquanto, e espero que pare aí, para desobstruir os canais por onde corre o nosso sangue. Os combustíveis, os alimentos, e tudo o mais que nos mantêm vivos.

Marli Gonçalves

Que a política não envenene o Brasil na alegria da Copa

É sabido que o futebol, como a religião, no Brasil e no mundo, na democracia e na ditadura, é usado pelos políticos como trampolim para seus cálculos de poder. Nunca vou esquecer aquela vez que ainda em vida do ditador espanhol Franco a seleção da Rússia jogou em 21 de junho de 1964 em Madri contra a Espanha. O caudilho e seu regime, campeões do anticomunismo, tinham lançado uma campanha para apresentar os jogadores russos como pouco menos do que monstros. Franco quis assistir à partida. Lembro de um grupo de senhoras bem curiosas por ver os jogadores soviéticos que exclamavam decepcionadas: “Mas são homens normais e bonitos!”. A tensão no estádio era grande. A Espanha franquista tinha de ganhar da Rússia comunista. Quando chegou o gol de Marcelino aos 35 minutos do segundo tempo, que daria a vitória à Espanha, houve alguns segundos de silêncio e, em seguida, o estádio, de pé, gritou: “Franco! Franco! Franco!”. O Caudilho tinha vencido a Rússia.

“Que o Brasil perca a Copa, que a greve dos caminhoneiros não pare e que o país exploda de uma vez”, ouvi um jovem brasileiro desiludido, funcionário dos Correios, dizer esta manhã. A política também acabará envenenando o Mundial de futebol? Li que existe um movimento para boicotá-lo. Imagino que se trate de quem deseja manter vivo o mau-humor de uma sociedade descontente com seus governantes. É o demônio do derrotismo que aparece justamente no momento em que este país precisa de algo que o unifique e o entusiasme, que o faça acreditar que até as piores derrotas podem ser superadas.


Como jornalista fui testemunha em minhas viagens pelo mundo da simpatia que sempre despertou nos cinco continentes o futebol brasileiro, metáfora de beleza e fantasia. E sou testemunha, desde que cheguei a este país, que se há algo capaz de congregar todos os brasileiros, de todas as classes sociais, econômicas e intelectuais, é o futebol. O clássico e popular grito: “Brasil! Brasil!”, lançado diante do gol ressoa desde a Bolsa de Valores de São Paulo até a última das favelas. E com ritual idêntico. Do sério presidente de empresa ao último peão, do analfabeto ao catedrático, diante do gol, pulam da cadeira, erguem os braços e acabam abraçando o primeiro que cruzarem a seu lado.

No Brasil, a Copa costuma coincidir com as eleições presidenciais e sempre se discutiu se uma vitória ou uma derrota da seleção nacional as influencia positiva ou negativamente. Não sei se há estatísticas sobre isso. No entanto, este ano o resultado da Copa poderá condicionar o ânimo dos eleitores. Poucas vezes, de fato, os brasileiros chegaram tão perto das eleições com tanta apatia, incerteza e irritação. A conquista do hexacampeonato poderia ajudar a recuperar parte dessa confiança que foi por água abaixo pela desilusão com os políticos e governantes?

Desde 1930, quando se realizou a primeira Copa do Mundo, no Uruguai, somente oito países ganharam a competição e apenas o Brasil o venceu cinco vezes. E este ano, segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas que envolveu um milhão de simulações, o favorito volta a ser o Brasil, com a Espanha, França e Alemanha. Meus amigos brasileiros já começaram a me perguntar se ficarei feliz se o Brasil conquistar o hexa ou prefiro que perca, seguindo a onda de descontentamento que açoita o país. Não. Eu aposto na vitória do Brasil precisamente para ir contra o derrotismo, um luxo que talvez se possam permitir aqueles a quem não falta nada ou os que apostam em manter o país dividido e irritado. O hexa seria a melhor metáfora de que o Brasil pode sair da crise política e de confiança em suas instituições usando a fórmula do treinador, Tite, uma mescla de seriedade, confiança, esforço e imaginação, talvez o que está faltando à política.

Torço para que o Brasil traga da Rússia seu sexto troféu mundial como presságio de que nas urnas saberá marcar também o melhor gol de sua democracia. Um gol contra a impunidade e a corrupção e em favor de uma época de prosperidade econômica e de tranquilidade social. Um gol capaz de devolver às pessoas a alegria que lhe roubaram. E que o triunfo na Copa e o resultado das urnas possam ser celebrados em um clima menos hostil, voltando a se olhar nos olhos em paz, sem ódios.