sexta-feira, 7 de maio de 2021

Acabou a paciência

No início, quando o bolsonarismo ainda era jovem, eu achava difícil ter paciência. Para mim, parecia absurdo, uma insanidade, que houvesse realmente brasileiros que quisessem tornar seu presidente um homem com tal biografia – sem méritos políticos, mas com muito barulho, que expressava publicamente fantasias violentas e tinha uma estranha propensão a falar constantemente de homossexuais.

Depois de quase 58 milhões de brasileiros terem discordado de mim, mudei minha postura. Eu queria entender o que havia acontecido. E comecei a ouvir bolsonaristas, acompanhando seus grupos e conversando com eles, sem sair imediatamente de mim quando eles apresentavam suas opiniões radicais e teorias grosseiras.

Essa fase, agora, acabou de vez. Quem pensa democrática e humanisticamente e leva a ciência mais a sério do que a religião; quem considera a solidariedade mais importante do que o egoísmo; quem acredita que a Floresta Amazônica vale mais a longo prazo do que as pastagens de gado e os campos de soja; quem não quer que o Brasil se torne um país cheio de gente armada; quem quer um Brasil que seja levado a sério internacionalmente; quem é contra a corrupção e as milícias; quem acredita que o Brasil deve tirar as consequências do desastre do coronavírus, que este governo causou e custou ao país quase meio milhão de vidas; quem, simplesmente, quer a civilização e o progresso em vez da barbárie e da regressão, não pode mais ter a mínima compreensão por esse movimento.

O bolsonarismo tornou-se uma seita perigosa. Ele disse adeus à realidade e vive em um universo onde o presidente é um semideus. Ele pode fazer o que quiser, ele está sempre certo. E qualquer um que o critique vira inimigo.


O deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, deixou claro o caminho que está sendo seguido: em direção à América Central. Ele elogiou Nayib Bukele, o homem forte de El Salvador, que já enviou soldados à Assembleia Legislativa para ameaçar os parlamentares. Bukele conseguiu a destituição de juízes da Suprema Corte e do procurador-geral da República por obstruir sua agenda.

Eduardo Bolsonaro retuitou um post de Bukele que dizia: "Estamos limpiando nuestra casa". Não importa que Bukele tenha mandado depor os juízes para impor um duro lockdown contra a pandemia (Eduardo, é claro, esconde esse fato). Mais uma vez, o pensamento autoritário e antidemocrático do bolsonarismo foi revelado como o núcleo deste movimento.

O bolsonarista já não é capaz de ver o mundo objetivamente. 2 + 2 não é 4 para ele, mas qualquer número que encaixe na narrativa bolsonarista. Se o ídolo afirma que o governo levou a pandemia a sério desde cedo e se esforçou para obter vacinas, acredita-se. Quando se apresenta citações e fatos que provam o contrário, se é ignorado. O semideus está sempre certo, não importa quão errado ele esteja. Não há mais nenhuma base para negociação com essas pessoas porque não há mais nada para negociar.

São pessoas que ainda afirmam que essa pandemia que parou o mundo inteiro foi inventada para prejudicar o semideus deles; que as mais de 400 mil mortes foram inventadas pela mídia. Portanto, se acham no direito de destruir as cruzes que foram erguidas para lembrar os mortos. Andam de metrô e em shoppings sem máscara, e se você chamar a atenção deles, se tornam violentos ou fazem piadas.

O potencial de violência inerente a este culto não deve ser subestimado. É possível supor que os caras que sacam armas para ameaçar outros no trânsito, por exemplo, votaram em Bolsonaro. Os guarda-costas de Bolsonaro tentam intimidar jornalistas com suas armas. Também não acho que seja meramente uma coincidência que o suspeito de matar o menino Henry Borel, o vereador Dr. Jairinho, seja bolsonarista. Ele foi eleito na onda bolsonarista, apesar de ser acusado de diversos crimes violentos que vão desde agressões contra mulheres e crianças até envolvimento com milícia e tortura de jornalistas. Quem votou nele aprovou essa violência.

No início, eu pensava que o bolsonarismo era uma reação radical, mas de alguma forma compreensível, aos enormes escândalos de corrupção que vieram à tona nos últimos anos e causaram indignação. Hoje é claro que o bolsonarismo nunca foi uma questão de combate à corrupção.

O bolsonarismo surgiu das entranhas da história brasileira, na qual os mais fortes sempre enriqueceram pela força e defendem esse status até hoje – também pela força, se necessário. E não é mais uma ameaça abstrata. Aqueles que acompanham os grupos bolsonaristas sabem que eles não aceitarão resultado que não seja a vitória bolsonarista nas eleições de 2022. É certeza para eles que a vitória de outro candidato só pode acontecer por meio de fraude eleitoral. A suposta prova: não há voto impresso. A narrativa já está definida antes da eleição e fornece a justificativa para uma possível explosão de obstruções e violência.

Quem ainda não se afastou do "mito" após dois anos e meio, com todos os absurdos e delírios diários, a destruição das instituições estatais e da Floresta Amazônica, o irracionalismo radical, a corrupção dentro da família B., e mais de 400 mil mortes por coronavírus, não pode mais ser ajudado. É uma perda de tempo dialogar com pessoas que justificam o injustificável.
Philipp Lichterbeck 

Autoincriminação

Já se disse que o único trabalho da CPI da Pandemia será o de organizar as inúmeras evidências de que o governo de Jair Bolsonaro comportou-se de maneira irresponsável e muitas vezes criminosa em relação à pandemia de covid-19. E o presidente Bolsonaro colabora, diariamente, com novas provas.


Quarta-feira, Bolsonaro chegou a ponto de produzir essas provas no exato momento em que o ex-ministro da Saúde Nelson Teich prestava depoimento à CPI. Enquanto o ex-ministro confirmava aos senadores que deixou o Ministério da Saúde, depois de menos de um mês no cargo, porque descobriu que não teria autonomia e porque foi pressionado a estimular o uso de medicamentos inúteis contra a covid-19 a título de “tratamento precoce”, Bolsonaro discursava fazendo violenta defesa desses remédios.

“Canalha é aquele que critica o tratamento precoce e não apresenta alternativa. Esse é um canalha”, disse o presidente ao mesmo tempo que seu ex-ministro da Saúde dizia que o “tratamento precoce” é um erro – tal como já fizera na CPI outro ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, anteontem. Esse erro recebeu vultoso investimento do governo federal, ao passo que a compra de vacinas foi deixada até recentemente em segundo plano.
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Em outubro de 2020, quando o País já contabilizava quase 160 mil mortos, Bolsonaro questionou a ânsia por uma vacina. “Não sei por que correr”, declarou na época. No mês seguinte, disse que “o povão parece que já está mais imunizado” porque não ficou em casa, sugerindo que a vacina era desnecessária.

O presidente desestimula sistematicamente a vacinação, dizendo que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, e espalha suspeitas sobre efeitos colaterais do imunizante. Ao mesmo tempo, Bolsonaro e seu governo fazem forte campanha pelo uso de cloroquina.

No discurso de ontem, o presidente chegou a sugerir que a oposição ao uso da cloroquina contra a covid-19 é motivada por interesses comerciais dos laboratórios que produzem vacinas. “Por que não se investe em remédio? Porque é barato demais”, disse Bolsonaro.

Mas o pronunciamento delirante não parou aí. Bolsonaro insinuou, à sua maneira trôpega, que os chineses produziram o vírus em laboratório para ter ganhos econômicos: “É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu porque um ser humano ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu o seu PIB? Não vou dizer para vocês”.

Ou seja: não contente em sabotar a vacinação e estimular o consumo de remédios sem eficácia, o presidente insiste em hostilizar a China, inventando uma mirabolante “guerra bacteriológica” que só existe nas postagens de lunáticos das redes sociais.

A histeria bolsonarista denota desespero. O presidente parece intuir que sua situação política ficará a cada dia mais insustentável diante da exposição pública, na CPI, das extravagâncias, todas fartamente documentadas, cometidas por seu governo ao longo da pandemia. E estamos apenas no segundo dia de depoimentos na comissão, que certamente ainda reservará muitos dissabores para o governo – especialmente quando o ex-ministro Eduardo Pazuello resolver dar o ar da graça.

Totalmente à mercê da insanidade das redes sociais, Bolsonaro imagina que o País se intimidará com seus arreganhos. Tornou a dizer que editará um decreto para restabelecer “a liberdade para poder trabalhar” e “nosso direito de ir e vir”, em referência às medidas de restrição adotadas em Estados e municípios. E acrescentou: “Se eu baixar um decreto, vai ser cumprido, não será contestado por nenhum tribunal”.

Bravatear é o que resta a Bolsonaro, já que seu governo, incompetente para conter a pandemia, foi igualmente incompetente para esvaziar a CPI. Sua única competência parece ser a de produzir provas contra si mesmo. Um presidente que, cobrado a usar máscara, diz que “já encheu o saco isso, pô”, como fez em seu discurso, não precisa de detratores.