quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Bolsonaro põe e tira a faixa

Jair Bolsonaro acordou, ontem, em Davos como presidente da República, e foi dormir como pai de Flávio. Ainda desajeitado no papel que desempenha há menos de 25 dias, ele havia dito de manhã em entrevista à agência de notícias Bloomberg: "Se por acaso ele errou, e isso for provado, eu lamento como pai, mas ele terá que pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar."

Acostumado ao papel do pai que carrega os filhos nas costas, arranja empregos para eles e orienta suas ações, disse à noite à TV Record: "Acredito nele [Flávio]. A pressão enorme em cima dele é para tentar me atingir. Ele tem explicado tudo o que acontece com ele nessas acusações infundadas."

A banda inteligente e sensata do governo, militares à frente, celebrara a encarnação de Bolsonaro como presidente da República, assim como os políticos que o apoiam, preocupados com o próprio futuro. Todos foram dormir aflitos com mais uma fraquejada do capitão, especialmente o general Hamilton Mourão, presidente da República em exercício.

Um dia antes de Bolsonaro acordar menos pai e mais presidente, o general dissera que os rolos de Flávio e Queiroz deveriam ser apurados e, se fosse o caso, punidos os responsáveis por eventuais erros.

Bolsonaro, pai, acabou comprando o falso argumento de defesa de Flávio de que o Ministério Público do Rio de Janeiro tenta culpá-lo para atingir a figura do presidente da República. Ora, o Ministério Pública investiga 27 deputados.

É truque velho usado por políticos em dificuldades valer-se da respeitabilidade do cargo que ocupam para tentar se proteger. Quantas vezes, por exemplo, Lula não fez isso, Dilma, Renan Calheiros e outros famosos?

Quando alcançados por denúncias, disseram que a presidência da República (Lula e Dilma) e a presidência do Congresso (Renan) estavam sendo enlameadas e coisas afins. Enlameados eram eles.

Mas esta é a primeira vez que o truque é usado não por um potentado, mas pelo filho de um (Flávio). E o potentado em questão (Bolsonaro) dá razão ao filho. E para isso desqualifica uma instituição (o Ministério Público).

Ao fazê-lo, Bolsonaro, ora presidente, ora refém dos garotos, fornece munição aos seus críticos para que o ataquem. E para que possam dizer que o seu temor é de ser envolvido nas investigações. Não faltariam motivos para isso.

Foi Bolsonaro quem empregou Queiroz no gabinete de Flávio. Tanto quanto o filho, empregou parentes de Queiroz. Emprestou dinheiro a Queiroz e parte do dinheiro devolvido foi parar na conta de sua mulher.

É o que se sabe até agora, e não é tudo.

Pensamento do Dia


Fazendo a coisa pequena

Pode parecer coisa pequena – isso de ambiente de negócios – mas consideremos o seguinte: o desenvolvimento depende da existência de boas empresas produzindo mercadorias, serviços e empregos; logo, facilitar a vida das empresas equivale a sustentar o desenvolvimento.

Óbvio.

E se é óbvio, dirão, por que se ocupar desse tema?

No caso brasileiro, por uma razão muito simples: leis, normas, regras, além de uma certa cultura, são hostis ao empreendimento privado.

E não deve ser por acaso que os países mais ricos e/ou que se desenvolvem mais depressa tem legislação e práticas que favorecem a vida de quem ganhar dinheiro honestamente.

Aqui, a inflação está muito baixa, os juros estão caindo, o dólar comportado, há uma certa retomada, mas tente abrir uma empresa para participar dessa história. Você vai entender o que é burocracia e má vontade das autoridades.

O Banco Mundial pesquisa anualmente o ambiente de negócios de 190 países. O trabalho chama-se Fazendo Negócios e o último ranking colocou o Brasil em 109º.

Mas no item “Abertura de empresas”, o Brasil consegue ser pior que a nota média. Aparece em 140º. A pesquisa, considerando empresas privadas médias, em São Paulo e no Rio, avalia coisas assim: quanto custa abrir uma empresa; quantos procedimentos são necessários; quantos documentos; com quantas autoridades se lida; quanto tempo leva.

Outros itens em que o Brasil vai mal: obtenção de alvarás para funcionamento de qualquer coisa, posição 175ª; registro de propriedades, 137º.

Mas é excepcionalmente ruim a posição brasileira no quesito “Pagando impostos”. Reparem. Não se trata de carga tributária – quanto imposto se paga – mas o tempo de trabalho e os custos que uma empresa tem para manter em dia suas obrigações tributárias. O Brasil fica em 184º, em 190 países. Considerando que os seis últimos são puro desastre – como a Venezuela – pode-se dizer que o sistema tributário brasileiro é simplesmente o pior do mundo.

Por isso foi muito importante que o presidente Bolsonaro abordasse o tema em Davos e firmasse uma meta ambiciosa: colocar o Brasil entre os 50 melhores países para se fazer negócios.

As dificuldades impostas às empresas têm duas principais causas. Uma é a burocracia governamental que, em todo lugar do mundo, tem uma tendência “natural” de estender suas amarras por toda parte. É o ambiente dos alvarás, da cópia xerox autenticada, da assinatura com firma reconhecida.

A segunda causa é uma cultura hostil ao empreendedor privado, ao cara que se arrisca para ganhar dinheiro corretamente. Essa cultura tem um viés que vem lá do mundo ibérico – nobres não trabalham, encostam-se no Estado – e um lado religioso, católico – lucro é quase um pecado.

Acrescentou-se de uns tempos para cá uma visão esquerdista, anti-capital. Uma coisa às vezes implícita, muitas vezes escancarada. Os governos petistas, por exemplo, contestavam os estudos do Banco Mundial, considerando-os neoliberais, de gente que queria criar por aqui uma selva capitalista.

Claro, não precisam me dizer que o Estado tem que regular as atividades econômicas. Quando se fala de liberdade de empreender, não se trata de permitir rolos ou transporte sem normas no Rio das Pedras, as conhecidas vans clandestinas.

Aliás, essas atividades ilegais aparecem, entre outras coisas, dada a dificuldade de fazer a coisa certa.

Tudo considerado, facilitar o ambiente de negócios exige um conjunto de pequenas ações direcionadas para diminuir as burocracias federais, estaduais e municipais, além de uma lenta e segura mudança de cultura.

Estudos do Banco Mundial confirmam que não se trata de coisa pequena. Ou melhor, que o conjunto de pequenas ações pode trazer enormes resultados, como dobrar a capacidade de crescimento do país. Hoje, se estima que o crescimento potencial do PIB brasileiro é de 2,5% ao ano. Com melhor ambiente de negócios, poderia chegar a 5% em médio prazo.

Faz diferença.

Governo brasileiro liberou registros de agrotóxicos de alta toxidade

Quarenta novos produtos comerciais com agrotóxicos receberam permissão para chegar ao mercado nos próximos dias. O Ministério da Agricultura publicou no Diário Oficial da União de 10 de janeiro o registro de 28 agrotóxicos e princípios ativos. Entre eles um aditivo inédito, o Sulfoxaflor, que já causa polêmica nos Estados Unidos. Os outros são velhos conhecidos do agricultor brasileiro, mas que agora passam a ser produzidos por mais empresas e até utilizados em novas culturas, entre elas a de alimentos.


Na edição des sexta-feira do Diário Oficial, a Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério Agricultura publicou lista com mais 131 pedidos de registro de agrotóxicos solicitados nos últimos três meses de 2018. Eles ainda passarão por avaliações técnicas de três órgãos do governo.

Especialistas ouvidos pela reportagem apontam uma aceleração na permissão de novos registros, que estaria em “nível desenfreado”.

As autorizações publicadas em 10 de janeiro foram aprovadas no ano passado, ainda durante o governo de Michel Temer (MDB). Nas duas primeiras semanas do Governo Bolsonaro, mais 12 produtos receberam registro para serem comercializados, segundo apuraram a Agência Pública e a Repórter Brasil. A aprovação sairá no Diário Oficial nos próximos dias, diz o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Dos 28 produtos já publicados, um é considerado extremamente tóxico, o Metomil, ingrediente ativo usado em agrotóxicos indicados para culturas como algodão, batata, soja, couve e milho. Além dele, quatro foram classificados como altamente tóxicos. Quase todos são perigosos para o meio ambiente, segundo a classificação oficial. Quatorze são “muito perigosos” ao meio ambiente, e 12, considerados “perigosos”.


Os mais tóxicos são o Metomil e o Imazetapir, o qual foi emitido registro para quatro empresas. Eles são princípios ativos, ou seja, ingredientes para a produção de agrotóxicos que serão vendidos aos produtores rurais.

Apenas três fazem parte do grupo de baixa toxicidade, o menor nível da classificação toxicológica: o Bio-Imune, Paclobutrazol 250 e o Excellence Mig-66, indicados para culturas de manga e até mesmo para a agricultura orgânica.

Segundo o Ministério da Agricultura, os produtos não trazem riscos se usados corretamente. “Desde que utilizado de acordo com as recomendações da bula, dentro das boas práticas agrícolas e com o equipamento de proteção individual, a utilização é completamente segura”, afirmou a assessoria de imprensa do órgão.

Dos 28 produtos com o registro publicado na última semana, 18 são princípios ativos e serão usados na produção de outros defensivos agrícolas. Vinte e um deles são fabricados na China, país que vem se consolidando como um dos maiores produtores, exportadores e usuários de agrotóxicos do mundo.

No ano passado, 450 agrotóxicos foram registrados no Brasil, um recorde histórico. Destes, apenas 52 são de baixa toxicidade.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões

Estreia cautelosa

Jair Bolsonaro tentou lentamente desconstruir em Davos, na Suíça, no World Economic Forum, uma imagem que ele mesmo passou décadas para criar. Ao estrear de fato na cena internacional (e uma de considerável relevância), o presidente brasileiro parecia empenhado em fugir da caricatura cujos principais elementos – truculência, destempero verbal, radicalismo – vive de elementos fornecidos pelo candidato.

Bolsonaro não empolgou no discurso pois, de fato, não empolga ninguém quando discursa formalmente. O forte dele como figura política está na rapidez e “gaiatice” de algumas respostas – como a que resumiu a condição de seu adversário nas últimas eleições ao mencionar a razão de não topar duelos verbais: “quem conversa com poste é bêbado”. Mas nada disso no discurso formal, que parece melhor lido do que ouvido.

No que ele não disse, ou não se referiu diretamente, vislumbra-se o reconhecimento de alguns dados da realidade. O primeiro é o fato de que o público clássico de Davos (justamente os tais “globalistas” apegados à globalização que Bolsonaro tanto detesta) pouco se deixa levar por histrionismos, piadas, frases de efeito e oratória exacerbada. Quer linhas mestras – de preferência, com detalhes que, no caso, o presidente brasileiro não tinha para fornecer ou não achou necessário.

Bolsonaro falou dos grandes temas caros para esse público (que é o público que, mal ou bem, comanda a ampla agenda internacional): meio ambiente, segurança jurídica, abertura da economia, desregulação, diminuição de carga tributária, combate à corrupção. Falou talvez para o público interno quando se referiu à defesa dos “verdadeiros direitos humanos”. Os estrangeiros não devem ter entendido: lá fora o conceito de direitos humanos é um só.

Outro reconhecimento implícito, no tom (e também na forma do discurso) cordato, morno, pausado, é o de que a eleição de Bolsonaro foi um fato que uniu boa parte da imprensa internacional em severas críticas ao personagem político, e não estamos falando de órgãos da mídia claramente com posturas editoriais de esquerda. Esse é um dado concreto da realidade: nenhum governo brasileiro recente assumiu com uma imagem lá fora tão avariada como o de Bolsonaro. Marcar e desmarcar coletivas, com queixas fundamentadas ou não sobre o comportamento da imprensa, só vai piorar um quadro ruim.

O abandono de algumas posturas que costumam gerar muitos aplausos nas redes de apoio bolsonaristas – principalmente ligada a costumes e combate ao crime – indica também a admissão de que essas posturas (a “lacração” na internet) não são conteúdo capaz de gerar simpatias internacionais que ele, implicitamente, pareceu empenhado em conquistar. E há o reconhecimento explícito que o conjunto de regras multilaterais do comércio merece ser reformado para coibir “práticas desleais” (o velho protecionismo aplicado sem dó e defendido hoje sobretudo por Trump, que Bolsonaro tanto admira).

Bolsonaro passou ao largo ou foi genérico em relação às principais questões internacionais mais relevantes (como a crescente tensão geopolítica entre Estados Unidos e China, por exemplo), mas indicou que o Brasil pretende entrar para o clube da OCDE – o seleto grupo de economias que prosperou e parece razoavelmente interessado na tal “ordem liberal internacional” tão criticada por inspiradores de discursos do presidente.

No fundo, o que o estilo dessa estreia internacional traduz é o mais importante reconhecimento de um fato fundamental para esse novo governo. Bolsonaro deve se sentir aliviado constatando que será julgado não pelo que disser, mas pelo que fizer.

O mito do Brasil Novo


Situação agravada

O caso que começou com uma suspeita de que o motorista Queiroz fosse seu “laranja” para receber parte do salário de seus funcionários da Assembleia Legislativa do Rio chega a um ponto de maior gravidade com o envolvimento de Flávio Bolsonaro com milicianos.

Deu medalhas a dois policiais acusados de serem milicianos, um dos quais preso terça-feira, e, para ajudar um deles, deu emprego à mãe e à filha no seu gabinete, a pedido de seu assessor Fabrício Queiroz. Já fizera, por sinal, vários discursos a favor de milícias, que definiu como organizações que atuam com base em técnicas militares e “ajudam a combater” o crime, como se não fossem criminosos.

O pai, hoje presidente, Jair Bolsonaro, também já fizera discurso na Câmara dos Deputados defendendo o papel das milícias. O motorista Queiroz, que deu início a todo esse imbróglio, foi quem pediu o emprego para os parentes do miliciano, justificando como uma ação humanitária.

Sabe-se agora, graças a Ancelmo Gois, que a família de Queiroz tem vans ilegais em Rio das Pedras, comunidade controlada pelas milícias onde, aliás, como informou Lauro Jardim, ele se escondeu no período inicial dessa confusão, quando deixou de comparecer duas vezes a audiências marcadas para ouvir oficialmente suas explicações.

Se fosse possível, o 01 já teria explicado, com documentos, todas as dúvidas sobre suas movimentações atípicas flagradas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ). Recusou-se a comparecer às audiências do Ministério Público, que investiga o caso, e, quando foi forçado a pronunciar-se, deu meias verdades como verdades inteiras fossem, misturando fatos reais com os criados por sua defesa, mas deixando sempre mais dúvidas no ar.

Atribuiu o dinheiro fracionado que recebeu em sua conta, indício de lavagem para o Coaf, à venda de um imóvel, no que foi confirmado pelo comprador. Mas os depósitos foram feitos muito depois que o negócio foi fechado.

Disse que ganha mais com a franquia de venda de chocolate do que como deputado estadual, mas donos de franquias como da Kopenhagen estranham que ele consiga tirar R$ 35 mil por mês. E os apartamentos que comprou são anteriores a essa franquia, quando Flávio era apenas um político estadual.

Finalmente, ao falar a uma televisão amiga, Queiroz disse que fazia muitos negócios de venda de automóveis usados. Mas os depósitos mensais em sua conta bancária feitos todo início de mês por funcionários do gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro não têm explicação, a não ser que todos tenham comprado carros com ele.

Um dos milicianos homenageados por Flávio está preso pela recente operação do Ministério Público contra milícias de Rio das Pedras e adjacências, suspeito de ter participação no assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes.

Esse é o momento em que uma ilegalidade comum a muitos parlamentares, em todos os níveis de representação, se transforma em um ponto de inflexão. Pode passar a ser uma ligação direta com milicianos do Estado do Rio.

Evidentemente, a situação é constrangedora para o ex-juiz, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, mas seu alcance é limitado por suas novas funções. Ele já não é o juiz da Operação Lava-Jato. Cabe ao Ministério Público do Rio de Janeiro investigar e, se for o caso, denunciar os culpados. Ele já demonstrou que é eficiente e ágil no combate à corrupção, e tem atuado com firmeza na investigação do caso Marielle, que pode acabar se imbricando com esse caso do senador eleito Flávio Bolsonaro.

O que está na sua alçada, Sérgio Moro está fazendo: anunciou que tratará as milícias na legislação que proporá ao Congresso como organizações criminosas, como o PCC ou o Comando Vermelho. E o Coaf, agora sob sua gestão, não parou de trabalhar no caso.

O presidente Bolsonaro já disse em Davos: se ficar provado que o filho errou, terá que pagar pelo que fez. Afinal, é sabido que o presidente, equivocadamente, acha que esse assunto não lhe diz respeito.

As agruras do senhor Messias

O governo ainda não tem um mês e já coleciona histórias mal contadas suficientes para dez legislaturas na Finlândia. A internet não tem sossego — mal absorve um escândalo e lá vem outro. Tenho pena do Queiroz, que anda tão doente: esse tipo de situação não faz bem à saúde. Chego a temer pela vida do rapaz.

Tenho pena também do senhor Messias, que deu um passo maior do que a perna, e que agora se mostra tão pouco à vontade nas suas novas funções. Tudo o que ele queria era fazer churrasco à beira da piscina e passar o fim de semana de sunga; agora é obrigado a trabalhar, a viajar para lugares onde jamais pensaria em pôr os pés se pudesse escolher por si mesmo e a fugir da imprensa, que insiste em fazer perguntas.


O senhor Messias não tem mais sossego, e basta olhar para o seu perpétuo ar contrafeito para perceber que não era bem isso que ele tinha em mente quando se lançou a essa aventura.

Aquelas fotos do senhor Messias comendo no bandejão do supermercado, por exemplo. Todas as sumidades reunidas ali ao lado, aproveitando os parcos e preciosos momentos em que se encontram para trocar ideias e fazer negócios, almoçando com um olho na comida e outro no futuro, e o senhor Messias sozinho, com os seguranças, tentando vender como humildade o seu tédio e falta de entrosamento.

Nem Temer se viu tão sozinho no mundo.

Em 2009, em Copenhague, Dilma, que ainda não era presidenta e, a bem dizer, não era ninguém na fila do pão, ficou mortalmente ofendida com a ideia de comer no bandejão da Conferência do Clima, e despachou uma de suas assessoras para a fila — onde Angela Merkel conversava, descontraidamente, com Nicolas Sarkozy.

No mundo dos tubarões, até bandejão tem seu modo de usar.

Luís Inácio, aquele, tinha muitos defeitos, mas tinha a manha. Não cometeria um erro bobo desses. Chegava no estrangeiro e, onde quer que fosse, era logo rodeado por gente ansiosa em tirar uma casquinha da sua imbatível popularidade. A elite tem má consciência, e Luís Inácio sabia disso: ele, homem do povo, era um passaporte político e emocional para os poderosos.

O senhor Messias não. Não só não sabe como o mundo gira, como está pessimamente assessorado. Está criando um legado de imagens risíveis e constrangedoras, confiando num populismo pão com Leite Moça que pode ter funcionado na campanha, mas que não ajuda em nada a sua imagem como presidente.

Como Flávio Bolsonaro ocupou um cargo na Câmara enquanto fazia faculdade e estágio no Rio

Entre 2000 e 2002, Flávio Bolsonaro, então com 19 anos, acumulou três ocupações em duas cidades diferentes: faculdade presencial diária de Direito e estágio voluntário duas vezes por semana no Rio de Janeiro, e um cargo de 40 horas semanais na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Ocupadas ao mesmo tempo por quase um ano, todas essas atividades exigiam a presença física do primogênito do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e hoje senador eleito pelo PSL-RJ, segundo as instituições ouvidas pela BBC News Brasil.


A faculdade e o estágio integram o histórico de Flávio Bolsonaro tanto no LinkedIn quanto no site da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Não há referência, no entanto, ao cargo parlamentar em seus dois currículos disponíveis na internet.

A ocupação na Câmara consta, entretanto, na declaração do Imposto de Renda dele de 2001 entregue à Justiça Eleitoral, no portal de transparência da Casa e no Diário Oficial da União.

Procuradas, a assessoria de imprensa de Flávio Bolsonaro afirmou que não iria responder aos questionamentos da BBC News Brasil e a assessoria do presidente Jair Bolsonaro não respondeu até a publicação desta reportagem.

O posto de assistente técnico de gabinete foi ocupado por Flávio na liderança do PPB, partido pelo qual Jair Bolsonaro havia sido eleito para seu terceiro mandato na Câmara. Esse mesmo posto comissionado foi ocupado antes por outro membro da família de Jair Bolsonaro: a então mulher dele, Ana Cristina Siqueira Valle, deixou o cargo uma semana antes de ser substituída por Flávio.
Presença obrigatória

Não há informações públicas disponíveis sobre os salários pagos a Flávio e Ana Cristina à época. Mas, segundo declaração do Imposto de Renda de Flávio, o cargo de assistente técnico de gabinete rendeu em 2001 o equivalente a R$ 4.712 por mês, ou R$ 13,5 mil em valores corrigidos.

Esses cargos comissionados alocados nas lideranças de partidos na Câmara (considerados cargos de natureza especial, ou CNE) são ocupados a partir de indicações por critérios políticos e/ou técnicos. Em geral, os escolhidos são militantes ligados ao comando do partido; servidores concursados em outros órgãos públicos que recebem um adicional para trabalhar no Congresso; ou apadrinhados dos deputados da sigla, que em alguns casos loteiam os cargos do escritório da liderança entre si.

As normas da Câmara determinam que essas funções só podem ser exercidas pelos funcionários em Brasília. Questionada pela BBC News Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação sobre a norma vigente à época, a Câmara dos Deputados afirmou que os cargos de natureza especial, como o ocupado por Flávio nos anos 2000, "têm por finalidade a prestação de serviços de assessoramento aos órgãos da Casa, em Brasília. Desse modo, não possuem a prerrogativa de exercerem suas atividades em outra cidade além da capital federal".

No mesmo período em que ocupava esse cargo em Brasília, Flávio relata em suas páginas no LinkedIn e no site da Assembleia Legislativa fluminense que exercia outras duas atividades: faculdade de Direito na Universidade Candido Mendes e estágio na Defensoria Pública do Rio de Janeiro.