segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016


O processo de morrer

O “New York Times” revisou no domingo cinco livros que falam de morte. O tema voltou às livrarias americanas. Na verdade, volta e desaparece, com constância. Um desses livros, “Mortais”, de Atul Gawande, acabo de ler. Ele é um jovem médico filho de um médico indiano, que acompanhou, além da morte do próprio pai, outros processos delicados e dolorosos.

A tese básica do livro é a de que a sociedade tecnológica, talvez pela sua incrível capacidade científica, descuidou do processo de morrer, de como é importante para os doentes escreverem seu próprio capítulo final. Em vez de cuidados paliativos diante da morte próxima e inevitável, os médicos, às vezes, submetem os pacientes a longos processos extremamente dolorosos, caros e, no final das contas, inúteis. Durante a doença e morte de Tancredo Neves, cheguei a fazer um programa onde interrogava, com todo o cuidado, se não era melhor desligar os aparelhos e deixá-lo morrer em paz. O problema não se limita ao instante final. A medicina paliativa, segundo os exemplos que Gawande nos dá, não só evita inúteis processos de quimioterapia e operações dolorosas. Ela, efetivamente, ajuda as pessoas a escreverem o capítulo final de suas vidas, às vezes ir à formatura de um neto, rever um certo lugar do mundo, enfim, as escolhas dependem de cada pessoa. Em países pobres, com um sistema de saúde precário, quase não existe essa intensificação tecnológica diante do leito de morte. É um problema das classes médias e países desenvolvidos. O tema me interessa muito do ponto de vista humano. Mas, às vezes, sou tentado a extrapolar os limites do indivíduo e examinar o processo de morte no curso da história.


Na política, a morte é quase uma palavra proibida. Partidos se preparam para a longevidade no poder. Sérgio Motta, um ministro tucano, dizia que o projeto do PSDB era ficar 20 anos no governo. Quando o PT tinha as mesmas pretensões de tempo. Mas, rapidamente, caiu na tentação da eternidade. Para um pensamento rigoroso de esquerda, não havia, realmente, alternância no poder, mas uma simples troca de siglas, representando os interesses do mesmo grupo dominante. Como produzir uma ilusão de alternância e manter o poder para sempre? No caso da burguesia, a base fundamental de sua proeza era a propriedade dos meios de produção. É muito difícil estatizar tudo na economia. Mesmo não estatizando tudo, o pouco que se avança nesse caminho é suficiente para grandes tragédias econômicas, como a da Venezuela. Mas é possível criar uma burguesia amiga em torno do estado, comprar o Congresso, escolher juizes e procuradores e, com algum dinheiro, criar imprensa favorável. Mas um país não é feito apenas de corruptos e idiotas, embora no Brasil exista uma concentração respeitável que reúne essas duas condições. A experiência econômica fracassa, a corrupção torna-se um escândalo. Em princípio, o caminho é negar. Com o tempo, adota-se o argumento de que todos fazem. O partido que prometeu ética na política decadente procura se esconder nas dobras do sistema político que condenava. Ser igual aos corruptos tradicionais é, na verdade, uma atenuante, porque ele se sabe muito pior. Seu projeto não é apenas se corromper, mas tocar um universo corrompido como um grande maestro.

Os marqueteiros soam para mim como os médicos que dominam a tecnologia: sempre têm uma solução para retardar a morte, mesmo em detrimento da qualidade de vida. O PT e o sistema partidário no conjunto vivem uma vida miserável sob aparelhos: infusões, radioterapia, náuseas e vômitos, tudo isso porque são incapazes de escrever o seu próprio capítulo final. Um indivíduo diante da morte costuma revisitar lugares, cicatrizar feridas, reparar, dentro dos limites, alguns dos erros, admitir sua finitude e desaparecer com dignidade. Nada disso está em cena. Nem com o PT nem com os restantes partidos que perderam o contato com a seiva vital: a participação ativa da sociedade.

Essa incapacidade de reconhecer que os partidos são mortais, seria apenas mais uma ilusão, entres os milhares que povoam as modernas salas de cirurgia. No entanto, na busca desesperada de uma sobrevida, o PT e aliados não se importam em arrastar o país para o abismo. Se o Brasil aceitar isto, ele não morrerá. Mas as novas gerações terão seu futuro comprometido. Entre as ruínas, veremos a aliança de corruptos e babacas sustentar a presidente que sugere que saiamos por aí para destruir a “mosquita”.

De fato, é a fêmea que transmite zika, e, hoje, se produzem mosquitos estéreis exatamente para que, no contato com elas, inviabilizar seus ovos. Já imagino os domingos em que, seguindo a orientação da grande líder, sairemos às ruas para matar a “mosquita”, certamente com uma boa cartilha superfaturada. A política do Brasil tornou-se uma farsa. Balões de oxigênio, soro, macas, sedativos tarja preta — os partidos insistem em nos governar do seu hospital no planalto. O próprio ministro da Saúde se sentiu mais à vontade no hospício parlamentar do que nas ruas onde corre a epidemia. Simplesmente se recusam a morrer. Se passam na sua frente, você grita ladrão. Mas se não passam, é como se habitassem um mundo paralelo. É uma imagem imprecisa; paralelas só se encontram no infinito. Estamos sendo ferrados diariamente.

Imposto e princípios constitucionais

A Constituição da República Federativa do Brasil define os princípios e valores que devem ou deveriam nortear a vida nacional, tanto no âmbito do Estado quanto da sociedade. Embora nossa Constituição proporcione, ao contrário de outros textos constitucionais, longos detalhamentos do funcionamento das instituições e de particularidades da estrutura do Estado, ela se caracteriza por esses valores e princípios estarem ancorados na liberdade, na solidariedade, na igualdade perante a lei, na propriedade privada, nos valores sociais do trabalho. Leis, decretos e portarias são — ou deveriam ser — em vários níveis, Legislativo e Executivo, particularizações desta universalidade pretendida pelo arcabouço constitucional.


O que ocorre, contudo, quando leis, decretos e portarias, assim como atos administrativos dos mais diferentes tipos, falsificam, desviam e, mesmo, invalidam princípios e valores constitucionais? O ponto de partida é singelo: a Constituição da República não pode ser suprimida por normas, regras e atos infraconstitucionais e infralegais, pois a rigidez do texto constitucional não faculta que a legislação infraconstitucional se sobreponha aos princípios constitucionais, tomando o seu lugar. Se isto ocorrer, a própria Constituição tende a se tornar letra morta — deixando de orientar a vida nacional —, e as referências a ela tornam-se mera formalidade legal e burocrática.

Observemos que impostos são recursos de empresas, pessoas e famílias, que são canalizados para o funcionamento do Estado. A sua origem, portanto, é a sociedade, cabendo à instância estatal dar o melhor encaminhamento a este desde a perspectiva do bem coletivo. O Estado não é proprietário de impostos, pois são gerados na própria sociedade. O seu destino consiste — ou deveria consistir — em obras e condições que sirvam à sociedade como um todo, em casos como infraestrutura, saúde, educação e habitação, sobretudo aos mais desfavorecidos.

Impostos, como a própria palavra o expressa, são atos obrigatórios, e não de livre eleição. Impostos são “impostos”. O problema consiste, então, precisamente no limite desta imposição, podendo criar um divórcio entre o Estado de um lado; famílias, empresas e sociedade em geral, do outro. São benéficos quando equilibrados, seguindo os valores do que é melhor para a sociedade; tornam-se maléficos quando perdem o sentido da proporcionalidade e são utilizados para suprir as carências de uma burocracia estatal corrupta ou inepta.

O caso do tabaco é particularmente ilustrativo, por ser uma forma de “particularidade universalizável”. O Estado tornou-se uma espécie de acionista majoritário das empresas do setor via arrecadação tributária. Caberia, inclusive, a questão de se o Estado não é o verdadeiro “proprietário” delas, visto que os seus rendimentos são muito maiores do que os dos acionistas no sentido próprio do termo. Claro que, do ponto de vista legal, o Estado não seria “proprietário” no sentido estrito, mas esta fórmula retórica permite vislumbrar a anomalia do caso.

Ora, esse tipo particular de proprietário não parece estar preocupado com a sobrevivência da empresa, com a geração de lucro, com o desenvolvimento científico dos métodos industriais, com a geração de renda e de empregos e na realização de sua função social. O seu intervencionismo cessa de ser regulador. Os números são estarrecedores. Até o ano de 2014, a carga tributária de cigarros no Brasil era de 65%. Agora, com o Decreto nº 8.658, mediante o impacto de mais uma majoração de 15%, a carga tributária se elevará a 68%, número ao qual deve se acrescentar a elevação generalizada de ICMS nos mais diferentes estados. Dito de outra forma, conforme o caso, os impostos chegarão a mais de 70% do valor dos cigarros.

O paradoxo da voracidade tributária consiste em que o governo, à medida que aumenta os impostos visando a uma maior arrecadação, produz a consequência inversa, a saber, uma perda de arrecadação. As consequências sociais são também enormes, atingindo os mesmos princípios constitucionais de uma sociedade justa.

Se impostos inviabilizam empresas e se o contrabando aumenta, a arrecadação de impostos cai. No caso do contrabando, as suas consequências não se limitam a esse setor agrícola, industrial e comercial, mas produz efeitos também na área da segurança pública, pois vem acompanhado frequentemente pelo tráfico de armas e de drogas. São divisas que deixam de entrar nos cofres do Estado, e passam a irrigar a contabilidade do crime organizado e do mercado negro, com todos efeitos nefastos daí derivados.

O contrabando de cigarros chegou à estonteante cifra de 32% do mercado nacional. Em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, atinge, respectivamente, os estrondosos números de 34%, 32% e 37%. Desde 2011, houve um aumento extraordinário de impostos, quando da introdução de um novo modelo tributário. A Lei nº 12.546/11 estabeleceu um novo regime fiscal aos cigarros, aumentando fortemente o IPI, nos últimos quatro anos, em 110%.

Os efeitos do contrabando são perversos. Quanto maior a tributação, maior o contrabando, em um mercado cujo consumo permanece estável. Só que, agora, o produto é fruto do contrabando proveniente do Paraguai, em condições de produção e de higienes precárias. Contudo, tal produto tem um preço extremamente competitivo, sobretudo para as camadas de baixa renda. E isto se deve a que tal tipo de “comércio” não paga impostos.

As distorções do ponto de vista de uma economia de mercado e de defesa da livre iniciativa, em um Estado de direito, são evidentes. O país perde em todos os aspectos, inclusive no tributário. De um lado, o princípio constitucional da livre iniciativa, de outro o “princípio burocrático de sufocamento” desta mesma liberdade.

A questão que se impõe é a seguinte: onde ficam os princípios constitucionais frente a tal distorção, produzida por uma política governamental baseada no arbítrio e na desproporcionalidade tributária?

Denis Lerrer Rosenfield

Quem abrirá os trabalhos?


Pode o Governo, o Congresso e o Judiciário chegar a alguma solução, plano ou programa capazes não tanto de tirar o Brasil da crise, mas de apontar uma longínqua saída? Desde antes da reeleição da Dilma que alguém estudava algum mecanismo para conter o desemprego? Todos se davam conta dos números decrescentes mas não perceberam a necessidade de uma recuperação, de uma volta por cima. Estava na cara verificar o monte de operários, agricultores, comerciários, professores, servidores públicos e terceirizados diariamente postos da rua, mas imaginava-se que logo viria a contrapartida. Ou o PT não acabava de sair vitorioso pela quarta vez?

Por conta da inação geral, o mergulho permaneceu e ampliou-se. No fundo do poço ainda não estamos, mas falta pouco. De nada adiantam o aumento de impostos, taxas e tarifas, a elevação do custo de vida, a deterioração dos serviços, a saúde posta em frangalhos, a reforma da Previdência Social, a desindexação entre preços e salários e tudo o mais que o governo engendra sob a perplexidade de um país amorfo, insosso e inodoro.

Falta unidade ao setor financeiro, tanto quanto à indústria e ao comércio. Dos serviços, nem se fala, com os transportes públicos à frente. Os sindicalistas bancam o avestruz, enfiando a cabeça na areia em meio à tempestade. Os militares sustentam não ser chamados, muito pelo contrário. O mundo da juventude é outro, quem sabe outro seja o nosso, mas tanto faz. As igrejas, quando não em guerra, optam pela supremacia de cada credo ou dogma como a verdade absoluta a que todos devem submeter-se. As ideologias não buscam pontes, senão despenhadeiros.

A projeção de cada família transformou-se em pequena aldeia, tornou-se o retrato da mesma região conflagrada, na medida onde nela ninguém se entende. Imagine-se os países, as ilhas, os continentes.

Ou a Humanidade desperta ou desaparece. Começou a surgir na internet um estranha convocação. Não há ordem alfabética, até porque nenhum grupo respeita o outro, mas todos se propõem a uma reunião universal : o Padre Eterno, o Espírito Santo, Cristo, Jehová, Alá, Júpiter, Zeus, Tupã, Thor, Isis, Osiris e mais duzentos e quinquenta mil deuses aceitaram. Há mil anos discutem quem abrirá os trabalhos…

Lula foge da polícia

Salvo um fato novo, parece perto do fim o affair Fernando Henrique Cardoso-Míriam Dutra. Sobreviverá nas redes sociais alimentado por sites e blogs patrocinados pelo governo às claras ou às escondidas.

Como até aqui não se comprovou nenhuma agressão à lei, o Ministério da Justiça não terá a obrigação de investigá-lo. O próprio PT, pelo menos o oficial, prefere que o assunto esfrie.

Compreensível. As redes sociais que afagam são as mesmas que apedrejam.

Começaram a circular fotografias de Lula, Marisa e amigos tendo ao fundo um jatinho da Brasif, a empresa que administrava lojas nos aeroportos brasileiros.

Sim, a mesma Brasif que negou ter ajudado Fernando Henrique a sustentar Míriam no exterior mediante um fictício contrato de prestação de serviços.

Jonas Barcellos, dono da Brasif, tentou vendê-la para um grupo suíço durante o segundo governo de Fernando Henrique, seu amigo. Não conseguiu.

Conseguiria em março de 2006, ano da reeleição de outro amigo seu, Lula. Na época, travou-se um áspero combate no núcleo duro do PT.

Uma ala, liderada pelo ex-ministro José Dirceu de Oliveira e o ex-tesoureiro Delúbio Soares, era favorável à venda da Brasif.

Outra, liderada por Luiz Gushigen, então Secretário de Comunicação Social da Presidência da República, era contra.

Gushigen temia eventuais suspeitas que o negócio pudesse despertar em ano eleitoral. Elas recariam sobre um governo fragilizado pelo escândalo do mensalão, deflagrado um ano antes.

E, ao fim e ao cabo, prejudicariam Lula e o PT. Gushigen perdeu o combate. Os olhinhos de Delúbio brilharam.

O ex-governador de Pernambuco, Carlos Wilson Campos, Cali, acabou nomeado presidente da Infraero, a empresa federal responsável pela infraestrutura dos aeroportos.

E a venda de parte da Brasif consumou-se afinal. Por 500 milhões de dólares, o grupo suíço Dufry comprou dois negócios da Brasif: a operação de varejo e a Eurotrade, uma empresa de logística.

Na semana passada, tão logo repercutiu a entrevista de Míriam a Folha de S. Paulo contando detalhes do seu caso amoroso de seis anos com Fernando Henrique, líderes do PT apressaram-se em pedir que o Ministério da Justiça apurasse o possível ato criminoso embutido no contrato firmado por ela com a Brasif.

Sugeriram que Fernando Henrique usara a empresa para ocultar dinheiro transferido por ele à Míriam.

A Brasif pagou a Míriam depois de ter sido procurada pelo jornalista Fernando Lemos, cunhado dela. Míriam acusa Lemos, que morreu em 2012, e a irmã Margrit Dutra Schmid, com quem brigou há mais de 10 anos, de terem embolsado uma fatia do dinheiro do contrato.

Lemos achacou dinheiro de empresas a pretexto de ajudar Míriam a manter-se exilada na Europa como colaboradora da TV Globo.

A ordem, hoje, dentro do PT é esquecer Míriam para não lembrar o negócio da Brasif com o grupo suíço. O PT e Lula já enfrentam problemas em excesso com a Lava-Jato. Não querem arranjar mais um.

Procuradores vasculham negócios de empreiteiras brasileiras em Portugal e em países da África que poderiam ter beneficiado o PT e Lula. O silêncio de Lula é uma tática conhecida de defesa.

Vai que ele diz algo que possa amanhã ser contestado? É por isso que Lula evita depor no inquérito sobre o tríplex no Guarujá e o sítio em Atibaia. Está fugindo da polícia.

Vergonha desse país

A gente fica meio assim, encabulado, tímido, introspectivo. Às vezes nem comenta, porque já está até chato, mas fica ali matutando, com o assunto na cabeça. Tem sido assim nesse nosso país já faz mais de ano, parece que entramos numa espiral

Qual vai ser a próxima? Qual será a frase que nossa presidente dirá e que passaremos a semana inteira ironizando e sacaneando? Será que ela vai citar de novo a volátil mosquita?


Quem vai aparecer da tumba, para não morrer deitado, e virá com mais revelações picantes de caráter pessoal? A famosa Rose, do Lula? Daria tudo para conseguir essa entrevista, nesse momento o poço dourado dos jornalistas que cobrem política. Se pudesse estaria no rastro dela – instinto de repórter na veia.

Mesmo se eu não a encontrasse, tenho certeza que boas pistas no caminho não falhariam. Guerra é guerra e está visível que nesse momento está deflagrada uma fantástica batalha de ódio e comunicação, uma interessante maratona para ver quem consegue levar o Barba à linha de chegada, aliás, para bem além dela. Ou encontrar quem consegue anular a prova.

Será que essa semana, além do constrangimento de ver o senador Delcídio do Amaral, o preso-solto-morto-vivo, adentrar o Senado, vamos ter o Japonês da Federal lá dentro para buscar algum outro? Ou será que o Japonês da Federal vai ter o ego subindo pra cabeça e vai voltar lá só para fazer selfies, inclusive posando pimpão com os investigados?

Pode ser que na nossa tevê apareça algum comercial novo, vindo da lama, como se a lama envenenada já não falasse mais alto a cada dia que passa; comercial variado e com outros funcionários sorridentes, bonitinhos, assumindo a culpa e a desculpa. Não tem jeito: você também ainda vai ter de ouvir a propaganda de um vampiro de tez bem branca falar que não devemos aceitar propaganda enganosa dos partidos, e que o dele é que é legal. (!)

Por falar nisso, quantas criancinhas não estão comendo nem o lanche que atrai para a educação, porque alguém está abrindo a lancheira no caminho para surrupiar o leitinho, morder a maçã, quebrar o biscoito? Quantos olhinhos cabisbaixos eles mostrarão jurando que não, que merenda escolar é sagrada e aliás eles nem sabiam que existia, como é que iriam roubá-la? O que mais não vamos poder saber enquanto não se passarem 50 anos? Inovador: governo inventa Cápsula do Tempo. Um buraco, as informações dentro de uma caixa, e que só daqui a 50 anos será aberta. Imaginando, né? – a grande importância que coisas deste governo medíocre terão daqui a 50 anos. Ou mesmo hoje.

Vergonha.

Nós nos rebaixaremos tanto que mostraremos os fundilhos ao mundo que nos observa, num misto de pasmo com curiosidade? Quanto mais se abaixa, diz o provérbio português, mais o fundilho se lhe vê. Aliás, não é exatamente fundilho a palavra que usam. Nem mesmo muitos brasileiros temos ainda capazes de encantar. Jogadores também nos envergonham, e era uma de nossas artes.

Que números mostraremos às mães? Quantas serão as crianças doentes? Que acontece que somente agora viram o que a mosquita carregava em seus voos, sem ser incomodada por nada, nem fumaças, nem autoridades sanitárias, ou outra autoridade qualquer, e a lista aumenta, ameaçando severamente a nós todos? Qual bobagem dirá o ministro, se é que ele não vai precisar ir até ali por algumas horas participar de alguma votação importante – para ele?

Vergonha. Se não chove, não tem água. Se chove, acaba a luz. O lixo entope os bueiros, água sobe, as árvores caem, as pessoas se desesperam e nada acontece e assim por diante já sabemos o que vai acontecer assim que o céu ruge.

Que faremos? Se de um lado nos divertimos com os Trapalhões, de outro temos de ver como substituir esse espetáculo dantesco, e o que se vê diante de nós é tosco demais, filme-B, Z.

Marli Gonçalves

A fome e o consumo de batom

Dia desses li em um jornal africano um interessante relatório sobre a fome neste planeta. Decidi, a partir dele, buscar mais alguns dados que, isoladamente, pouco diriam - mas cuja mensagem, no conjunto, chega a ser chocante.

Vamos começar considerando que neste planeta 870 milhões de semelhantes nossos passam fome. Isto significa que uma a cada oito pessoas vão dormir com fome todos os dias - algumas delas ali na frente da gente, do outro lado da rua.

Em seguida, meditemos sobre o fato de que a fome ocupa o primeiro lugar na lista de riscos para a saúde - sozinha, ela mata mais gente que a AIDS, a malária e a tuberculose combinadas.

A estatística seguinte é especialmente dolorosa: um terço de todas as mortes de crianças abaixo de cinco anos nos países em desenvolvimento está relacionado à desnutrição. Mas pensemos nas que sobrevivem: os primeiros mil dias da vida de um ser humano são a fase crítica no que toca à nutrição. Uma dieta adequada ao longo deste período é fundamental para evitar uma série de males mentais e físicos na vida adulta.

Um problema sério, não? Mas vamos às soluções - e elas são muitas e simples. Para começar, se as mulheres que vivem nas áreas rurais tivessem o mesmo acesso que os homens a terra, tecnologia, serviços financeiros e educação o número de famintos seria reduzido em quase 150 milhões!

Para completar, custa apenas US$ 0,25 por dia alimentar uma criança com todas as vitaminas e nutrientes necessários a um crescimento saudável e regular - cálculos da WFP. Isto dá cerca de R$ 0,50. Cinquenta centavos! Calculou-se que com apenas US$ 50, uns R$ 100, dá para alimentar uma criança durante todo um ano escolar. É destes números tão simples que muitas verdades começam a aparecer.

Dizem que a corrupção, e só ela, custa ao Brasil R$ 83 bilhões a cada ano - dados da FIESP. Fiz algumas contas e concluí que com este dinheiro daria para nutrir adequadamente 454.794.520 crianças ao longo de todo um ano. Sim, só com o que se desvia no Brasil alimentaríamos quase a metade dos famintos do planeta todo.

Mudemos de escala: segundo cálculos do Banco Mundial, a corrupção custa ao mundo não menos que US$ 1 trilhão. Voltei à calculadora e concluí que com esta dinheirama resolveríamos o problema da fome de 10.958.904.109 pessoas - dá umas 12 vezes o total atual de famintos do mundo inteiro.

A conta é assustadoramente simples: se a roubalheira - e só ela - acabasse poderíamos eliminar os famintos deste planeta inteiro e ainda sobraria para atendermos outros onze, acabando com a fome das crianças de Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, Plutão e de mais dois de algum outro sistema solar. Seríamos os benfeitores da galáxia!

Há ainda o desperdício. Só com os alimentos desperdiçados nos EUA e Europa seria possível alimentar a humanidade inteira três vezes! Aqui mesmo no Brasil, segundo cálculos realizados pela ONU/FAO, 64% de tudo que é plantado se perdem na produção, distribuição e consumo.

Vejam que só falamos, aqui, do óbvio ululante - aliás, sobre este, é conhecida uma piada segundo a qual alguém procurava um objeto debaixo de um poste de iluminação, apesar de tê-lo perdido longe dali, em um canto escuro, por ser mais cômodo enxergar onde há luz.

Há alguns dias li uma propaganda segundo a qual com o preço de um batom dá para nutrir um refugiado lá do Quênia durante três semanas. Então é isso: a culpa da fome é dos consumidores de batom.

Pedro Valls Feu Rosa

Tanto burro mandando

Há tantos burros mandando
Nos homens de inteligência,
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma ciência.

Orlando Tejo

Estado de sítio

O Brasil é uma ilusão de ótica, uma miragem no meio de um deserto de homens, mulheres, LGBTs e ideias. Na verdade, o Brasil é uma novela da Globo disfarçada de país, onde tudo o que existe, com exceção do Projac, é de mentira. Tudo não passa de uma invenção da direita reacionária e da mídia golpista.

Mas que raciocínio complexo é este que ocupa a minha mente atormentada? Será que estou virando o Arnaldo Jabor? Será que sou homoafetivo e não sabia? E, neste caso, existe mesmo a cura gay? Vou ter que procurar o Secretário de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, o pastor Ezequiel, senão vou acabar dando a bunda.


Estes pensamentos vertiginosos assaltam a minha mente desde que passei uns dias em Atibaia, no sítio do Lula (que não é do Lula). Descobri que ao lado do terreno instalaram uma enorme torre de celular da Oi (que não é da Oi). E todo mundo sabe que o Lula não tem celular, não tem nem o dedo pra digitar um número no celular. E por que o Lula, que não tem celular, precisaria de uma torre de celular num sítio que nem é dele? Ninguém consegue explicar este mistério. Nem o Lula e nem a Agatha Christie.

Foi por isso que Luísque Inácio Lula da Silva e sua patroa, Dona Marisa Botox da Silva, não compareceram à delegacia da Barra Funda para depor. O casal matrimonial (e principalmente patrimonial) não foipara não ter que se ver cara a cara com o boneco Pixuleco (que não é ele vestido de presidiário). Sou amigo íntimo do casal Lula, por isso mesmo frequento o sítio de Atibaia (que não é deles), onde o Lula faz questão de me emprestar o seu celular particular, mesmo porque ele não tem nenhum. Quando não está lendo literatura russa, jogando xadrez ou resolvendo equações diferenciais parciais, Luísque Inácio gosta de sentar comigo para tomar uns gorós e lembrar dos velhos tempos em que ele era pobre e miserável. Hoje, graças a Deus e às “empresteiras ”, Lula só é miserável.

Outro dia mesmo lembrei quando ele foi presidente do Brasil. Lula tomou um susto, mas em seguida tomou mais um gole e reagiu: - Tá maluco, Agamenon? Eu, presidente do Brasil? Só se eu estivesse de porre...

Agamenon Mendes Pedreira também tem duas antenas de celular na testa. Quem instalou foi a Isaura, a sua patroa. 

Potemkin às avessas

Realidade tem se revelado tão distante da promessa quanto as estatísticas de casos de zika e síndrome de Guillain-Barré

Os marqueteiros encarregados de dar visibilidade ao mutirão de combate ao zika conseguiram inovar no gênero entretenimento: criaram uma ficção ruim para uma realidade que estava boa. Talvez nem Serguei Eisenstein, o revolucionário mestre do cinema mudo que criou uma obra-prima de ficção a partir de um fato histórico, ousasse tanto.

Eisenstein baseou-se na rebelião de marujos ocorrida a bordo do “Potemkin” na Rússia czarista de 1905 para fazer uma obra universal sobre poder coletivo. E até hoje seu filme de 1925 é debatido pelo arrojo de efeitos especiais, experimentações e montagem.

Já o mutirão zika, segundo revelou a “Folha de S.Paulo” desta sexta feira, submeteu um pacato cidadão brasileiro, além do presidente do Banco Central, e como coadjuvante o país inteiro, a uma encenação que alguns podem qualificar de apenas ridícula. Ou patética.

Mas ela é grave pelo que traz embutido.

Sábado, 13 de fevereiro, foi o dia em que a presidente Dilma Rousseff, 28 ministros, prefeitos e governadores, com suas respetivas comitivas, além dos 220 mil homens e mulheres das Forças Armadas, se espalharam país afora para deslanchar a Mobilização de Combate ao Aedes Aegypti nas capitais e grandes centros urbanos. Camiseta #ZikaZero no peito, folheto explicativo em mãos de assessores, os ocupantes do poder através do sacrifício coletivo de saírem às ruas contagiariam as massas na necessária mobilização popular de combate ao mosquito. Agenda positiva com farta cobertura da mídia nacional e internacional.

A “Folha” entrevistou Elder Fernandes, borracheiro de Brazlândia, cidade a 50 km de Brasília, que no dia da mobilização estava no roteiro do núcleo composto por Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, Renato Santana, vice-governador do DF, mais alguns secretários e deputados.

Dez minutos antes da passagem da comitiva, o borracheiro recebera a visita de pessoas que lhe perguntaram se tinha pneus para descartar. Respondera que sim, e mandaram que os colocasse do lado de fora para serem recolhidos. Por isso, havia perto de 20 pneus empilhados na rua quando as autoridades e o séquito de fotógrafos apareceram.

A partir daí, tudo só podia dar errado. Ao ser fotografado jogando um dos pneus numa escavadeira, para fazer algo útil para a campanha, o presidente do Banco Central da República do Brasil, à sua revelia, acabou desempenhando papel de coadjuvante da maquiagem. E o cidadão Elder, ao ser repreendido em público pelas autoridades, virar motivo de chacota na vizinhança e ter sido feito de bobo, foi dormir pior do que acordou.

O borracheiro mora numa região que concentra 26% dos casos de dengue do Distrito Federal, e sua filha já foi picada pelo mosquito. Seu cuidado de pai com águas paradas, portanto, já era anterior à campanha do governo.

O motivo da gravidade desse episódio está no que ele retrata de perverso: a manipulação do poder público, o descaso para com o cidadão comum, a confiabilidade de respostas à crise.

Ontem, sábado, houve novo mutirão nacional. Desta vez foram despachadas 35 autoridades para a malha escolar do país e envolveu estudantes tanto do ensino público como privado. Louvável, sem dúvida. Mas nesse ziguezague que vai de Petrolina a Juazeiro, de Palmas a Teresina, São José dos Campos a Pindamonhangaba, Campo Grande a Cuiabá, entre outros, não constava, pelo menos até sexta-feira, nenhuma passagem por Campina Grande, na Paraíba, onde está fincado o Isea, principal maternidade pública da cidade e onde atua a médica Adriana Melo, a quem o Brasil deve o estabelecimento da relação entre o zika e a má-formação do cérebro de bebês.

Apesar da garantia de amparo formulada pela presidente Dilma às grávidas e mães de crianças diagnosticadas com microcefalia ou problemas congênitos, a realidade tem se revelado tão distante da promessa quanto as estatísticas do Ministério da Saúde referentes a casos de zika e síndrome de Guillain-Barré.
Não deixa de ser surpreendente que nem a presidente nem o ministro da Saúde nem a ministra das Mulheres e dos Direitos Humanos tenham feito uma única visita oficial a uma unidade hospitalar com atendimento a mães de bebês microcéfalos, para embalar um deles no colo e sinalizar, aí sim, alto e bom som na presença ostensiva da mídia mundial, qual o rosto, o custo humano, a dor da doença. Sem maquiagem.

No GLOBO de 29 de janeiro deste ano, esse retrato apareceu pela primeira vez numa foto emocionante e corajosa de quase meia página. Um pai amoroso segurava seu bebê diminuto contorcido pelo choro interminável que, aprendemos, vem junto com a microcefalia. A partir dessa reportagem de Ana Lucia Azevedo e Renata Mariz, o dique se abriu, e a mídia tem mostrado bebês e suas mães saírem da clandestinidade.

Falta ao poder público fazer muito, senão tudo nessa parte da tragédia. Sem efeitos especiais baratos.

Dorrit Harazim