O problema sempre está em fazer a realidade caber dentro dos planos de um governo sem noção. Difícil imaginar, nesse caso, que a troca do fusível vai levar a luz a acender. Já ficou claro para a maioria da população que Pazuello é Bolsonaro, e Bolsonaro é Pazuello. A frase do ministro em outubro, após ser desautorizado pelo presidente no compromisso de compra de vacinas Coronavac — que o governo acabou querendo — colou os dois para sempre: “Aqui, um manda e o outro obedece. Simples assim…”.
Simples assim, portanto, é deduzir que o inquérito aberto no STF para investigar a omissão do ministro da Saúde no caos em Manaus, e a ação do TCU para apurar o uso indevido dos recursos do SUS na compra da cloroquina deveriam incluir como alvo o próprio Jair Bolsonaro. Sua insistente defesa do remédio ineficaz, por exemplo, antecede a ida de Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde. É óbvio que a compra e a distribuição do medicamento foram feitas em obediência ao chefe, e o TCU tem amplas formas de provar isso — assim como se pode demonstrar que o vaivém no caso da vacina “chinesa” foi conduzido segundo as mudanças de humor de Bolsonaro.
Nomeado para a função à revelia da lista da categoria, e com alguma chance de chegar um dia ao STF pelas mãos de Bolsonaro, o PGR Augusto Aras parecia não ter vontade de investigar ninguém pelos desmandos da pandemia. Pressionado depois de uma nota desastrada em que jogou no colo do Congresso a missão, pediu ao Supremo abertura de inquérito contra Pazuello — livrando, é claro, a cara de Bolsonaro. Se as investigações prosseguirem seriamente, porém, será inevitável esbarrar na digital presidencial em algum ponto do caminho de desídia, inépcia, incompetência e insensibilidade que levou brasileiros a morrer por falta de oxigênio em Manaus.
Em qualquer lugar do mundo democrático, a responsabilidade, ainda que culposa, por mortes que poderiam ser evitadas, e o uso de recursos públicos para iludir a população com medicamentos ineficazes são crimes graves, suficientes para derrubar governantes. A pergunta que se faz agora é por que não serão aqui, perante instituições que já afastaram uma presidente da República por “pedaladas fiscais”…