quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

De quem é a culpa?

Mais que uma pandemia biológica, o nosso mais desumano inimigo passou a ser a pandemia psicológica, a dos costumes. Ela vem ocupando espaço no pensar e no agir de boa parte da sociedade mundial. É bem verdade que em alguns países se fortalece ainda mais na falta de lideranças inspiradoras. Daquelas que se colocam como servas junto aos destinos dos seus liderados.

Em razão disso, decidi não assistir aos telejornais na mesma intensidade de tempos atrás. Eu os via a quase todos. Hoje, elejo aquele que melhor se adéqua às minhas tarefas diárias, sem fixar-me especialmente em nenhum. Tiro minhas conclusões solitárias e, em consequência, evito a estafa emocional que me tomava rotineiramente ao final de cada jornada de notícias.

Os telejornais mudaram, são repetitivos, a mesma matéria percorre toda a programação -, são maçantes – focam exaustivamente um tema -, são emocionais em demasia, algumas vezes apelativos.

Tenho optado pela leitura diária de jornais e revistas nos quais, na minha opinião, os articulistas têm mais tempo para pensar sobre o que escrevem, buscar informações junto às fontes e avaliar os reflexos da notícia para, só então, publicá-las.

Ainda assim, recentemente, assisti a um telejornal com desolação. Apresentava uma reportagem tratando das afrontas às regras do distanciamento social e dos cuidados sanitários individuais, que tinha como pano de fundo convencer ao seu público sobre a periculosidade da praga do coronavírus.

Uma enorme aglomeração, regada a música rave e bebidas diversas, demonstrações de alpinismo em teto de carro e competição de quem “detona” mais rápido os pneus de suas pequenas motos, possivelmente usadas em trabalhos de delivery.

O que pensar? O que dizer. São malucos incorrigíveis ou têm o direito de agir dessa maneira?



O escritor angolano, José Eduardo Agualusa, em sua crônica do sábado no jornal O Globo, referiu-se deste modo aos direitos individuais: “o livre arbítrio, ou seja, a liberdade, não é uma dádiva de Deus, mas uma conquista dos homens”.

Sendo uma conquista, exigiu esforço para tê-la e merece esforço para mantê-la. Por que deixá-la esvair-se entre os dedos?

A sociedade precisa respirar equilíbrio e bom senso. Respeitar o direito do beltrano e do sicrano, para ter o seu respeitado. Carece de compreender o que é o “livre arbítrio”.

Por exemplo, nesse tempo de coronavírus, que uma pessoa não queira se vacinar; que uma pessoa deseje tomar remédios não comprovados cientificamente; que uma pessoa não utilize as máscaras protetoras; que uma pessoa promova aglomerações; que uma pessoa burle a fila para vacinar-se antes, tudo é liberdade, ainda que usada de forma equivocada e até impiedosa.

Uma parcela majoritária de autoridades políticas, jurídicas, científicas, a imprensa e a sociedade em geral advogam em contra essas posturas. Defende, e eu defendo, que você se proteja para proteger os outros.

Entramos aqui, a meu ver, no terreno da legalidade e da moralidade. “A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem”. Tese defendida por Montesquieu, ilumina a necessidade de exercer controle dos ilegais, sob as barras da justiça dos legais.

Como fazê-lo diante de um mundo tão maniqueísta e distópico? O filósofo ainda professava na mesma linha: “se os bem-aventurados não fossem livres para pecar, nem os danados para fazer o bem, de que adiantariam castigos e recompensas?”

Somos livres para pecar e fazer o bem. Quem decide somos nós. E somente nosso é o ônus ou o bônus da nossa decisão. Entretanto, relembrando o Tratado da Tolerância, não se deve fazer aos outros o que não gostaríamos que fizessem a nós.

Portanto, é merecido reforçar. Se sofremos, a culpa é de todos que acoitamos o ilegal. Se eles, os amorais e insensatos, estão ultrapassando o nosso espaço vital, que se reclame, se conteste e até se busque o tribunal. A princípio, ao pé de ouvido, ao fim, aos gritos: não me ofendas, para não seres ofendido.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general do Exército e ex-porta-voz da presidência da República

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