quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Pandemia empurra economia do Brasil ao limite, indica o jornal Financial Times, em editorial

“Gastem o máximo que puderem.” A maioria dos países seguiu até certo ponto o conselho da chefe do FMI, Kristalina Georgieva, sobre a crise do coronavírus, mas poucos com tanto empenho quanto o Brasil. O presidente Jair Bolsonaro gastou mais que qualquer outro grande mercado emergente, segundo o Instituto de Finanças Internacionais, aumentando as despesas do governo federal em quase 40% entre janeiro e novembro.

A maior parte do dinheiro foi para “coronavouchers”, um reforço de renda temporário para quase um terço da população. A medida aumentou as vendas de cerveja – e a popularidade de Bolsonaro –, mas se mostrou ruinosa para as finanças já abaladas do Brasil.

A dívida pública hoje está em mais de 91% do PIB (Produto Interno Bruto), um dos níveis mais altos entre os mercados emergentes. Atingido pelo crescimento fraco, o Brasil não equilibra seu orçamento antes dos custos do serviço da dívida desde 2013.

Reformas vitais para reduzir salários ultragenerosos e benesses para o funcionalismo público continuam paradas no Congresso. Uma muito propalada reforma do complexo sistema tributário ainda não aconteceu. A privatização é frustrada por interesses escusos. O esquema de auxílio emergencial expirou no fim do ano passado, mas, com o novo salto das infecções pelo coronavírus, os políticos brasileiros pressionam para que recomece.



Paulo Guedes, o ministro da Economia, friedmanista, até agora resistiu. Mas ele tem as mãos atadas por um presidente cujos instintos são claramente populistas e cujo objetivo supremo é a reeleição no próximo ano. As promessas de Guedes de que as reformas estruturais estão a caminho soam cada vez mais ocas; vários de seus principais assessores já abandonaram o navio.

A comunidade internacional deve se importar? Cerca de 95% da dívida brasileira é interna, na maior parte em mãos de investidores locais. Poucos credores estrangeiros, privados ou multilaterais, perderiam dinheiro com uma moratória. O Brasil já esteve à beira do abismo fiscal muitas vezes, geralmente sem cair.

Desta vez os riscos são maiores. A maior parte da dívida do Brasil, de R$ 4,8 trilhões (US$ 878 bilhões), está em curto prazo e as maturidades estão encurtando: quase 30% vencem no próximo ano.

A inflação, um antigo monstro, sobe lentamente. Os mercados locais estão prevendo fortes aumentos das taxas de juros, a partir deste ano. E o próprio Bolsonaro declarou que o país está quebrado.

O Brasil foi um dos países mais atingidos pelo coronavírus, e a pandemia continua cobrando um alto preço, ajudada pela teimosa indiferença de Bolsonaro. Um recente surto de casos em Manaus, capital do Amazonas, superlotou os hospitais e causou tamanha falta de oxigênio que alguns pacientes foram deixados a se asfixiar. O governo revolucionário socialista da Venezuela montou um improvável golpe de propaganda despachando caminhões com oxigênio até a fronteira para ajudar.

O Brasil ainda pode recuar do buraco. Ao contrário de muitos países apanhados nas agonias econômicas do coronavírus, seu destino está principalmente em suas próprias mãos. O governo ainda pode se financiar. Não precisa haver conflito entre fornecer um apoio bem dirigido à economia e curar os problemas de longo prazo do setor público mimado, empresas estatais protegidas e uma elite privilegiada que não paga sua parcela justa de impostos em uma das sociedades mais desiguais do mundo.

Bolsonaro faria bem em lembrar a segunda parte do conselho pandêmico de Georgieva: “Mas guardem os recibos”. A prestação de contas e a transparência estão em falta há muito tempo no maior país da América Latina, e seus 210 milhões de cidadãos pagam o preço. A pandemia deveria forçar uma contabilidade há muito atrasada, não apenas das contas públicas, mas dos grotescos desequilíbrios econômicos que degradam sua sociedade. Folha SP 
Folha SP

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