sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Brasil na bola de cristal


As quimeras do PT

“Por que a verdade não seria mais estranha do que a ficção? A ficção, afinal, precisa fazer sentido.” O chiste acima, atribuído ao escritor norte-americano Mark Twain, faz todo o sentido. Quem cria uma história precisa curvar-se às exigências da estrutura narrativa e da verossimilhança; já quem se limita a relatar fatos corre maior risco de parecer caótico e contraditório.

Gosto de Fernando Haddad. Considero-o um dos melhores quadros do PT. Mas a história que ele e o partido estão contando nesta campanha é quimérica demais para passar sem reparos.

Na narrativa petista, o país ia bem sob as administrações da legenda. Havia forte crescimento com distribuição de renda. As elites, porém, não podiam admitir que pobres enriquecessem e, por isso, decidiram desferir um golpe para tirar Dilma Rousseff do poder. Ao fazê-lo, destruíram a economia, nos lançando numa das piores recessões da história.


​E, para assegurar que o PT não voltaria, essas mesmas elites deram um jeito de montar uma farsa judicial para colocar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cadeia. Eleger Haddad seria a única forma de resistir a esse ataque à democracia.

Simples demais para ser verdade. Entre os muitos furos na história, destaco os dois que me parecem mais graves. Não há alusão ao fato de que foram erros, alguns deles grosseiros, na política econômica de Dilma que precipitaram a crise.

Também não se menciona que o PT, ao lado de outros partidos, se envolveu em enormes esquemas de corrupção e que Lula foi sentenciado no curso de um processo regular, que correu num ambiente democrático. Mesmo que existam dúvidas sobre a suficiência das provas que o condenaram, não há como contestar que ele se meteu numa relação para lá de promíscua com empreiteiros, o que já basta para comprometê-lo no campo ético.
Sempre que a história contada por um candidato for muito redondinha, desconfie.
Hélio Schwartsman

A paz sem vencedor e sem vencidos

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos 


A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor paz que vos pedimos 


A paz sem vencedor e sem vencidos

Sophia de Mello Breyner Andresen

Sem povo é melhor

Uma constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo
General Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, sobre nova Carta Magna elaborada por conselho de notáveis escolhido pelo presidente

Tanques e togas tentam cercar a democracia brasileira

Tanques e togas tentam cercar a democracia brasileira. Há um esforço deliberado para tratar o eleitor como um débil mental. Generais, juízes e procuradores se arvoram em consciência crítica da brasileirada incapaz. Aos 57 anos, incomoda-me o assédio que ofendia meu senso de autonomia adolescente. Desculpem-me por um tantinho de memória privada a unir setembros. Como naquele filme, sei que a história de uma pessoa “vale menos do que um punhado de feijão neste mundo louco”, mas é a minha história — ou a infância afetiva de um liberal. Entre togas e tanques.

Eu tinha 15 anos quando o DOPS (Departamento da Ordem Política e Social) encostou as mãos sujas em mim. Passei por um interrogatório informal na escola. A denúncia partira de um professor infiltrado. Eu havia vencido um concurso estadual de redação cujo tema era “O Dia da Árvore”. Associei a agressão à natureza à incúria do governo, ao egoísmo humano e ao lucro irresponsável. E o fiz com a ambição condoreira que têm os candidatos a mau poeta na periferia do mundo...

Bastou para que os arautos de então de uma “escola sem partido dos adversários” se assanhassem. De onde eu havia tirado aquelas ideias? Vinham de algum professor? De qual? O que eu entendia por “lucro”? E por “egoísmo”?

Engrolei irrelevâncias. Era só um garoto inocente, óculos fundo-de-garrafa, barba nascente, voz ainda desengonçada, meio gordo, ruim de bola, mas bom de amigos — afinal, eu tinha cigarros e dividia com eles os arcanos do Movimento Retilíneo Uniformemente Variado (MRUV) e da Oração Subordinada Adverbial Temporal Reduzida de Particípio. Terminado o interrogatório, concluí em silêncio que a ditadura tinha de acabar. No tempo da memória, como no do cinema, que furta detalhes em benefício da síntese, fui ser condoreiro da periferia do trotskismo. Até os 21 anos. Nas ditaduras, não há lugar para míopes inocentes.

Paisagem brasileira

Manaus (AM)

Astral eleitoral

Os astros não mentem: a coisa está feia no céu de outubro. Entre os principais candidatos, dois são do temido e perigoso signo de escorpião, Geraldo Alckmin e Ciro Gomes, dois são típicos aquarianos visionários, Marina e Haddad, e Bolsonaro é um ariano impetuoso e passional.

O signo de escorpião deve sua má fama à confusão da constelação que lhe dá nome com o venenoso e traiçoeiro aracnídeo, inspirando fábulas como a do escorpião que atravessa o rio nas costas do sapo e depois lhe dá uma picada mortal, dizendo que é da sua natureza.


Mas os astros dizem que são pessoas corajosas e apaixonadas, determinadas e assertivas, que têm seus pontos fracos no ciúme, na desconfiança e na violência. É o signo mais sensual do zodíaco; por isso, desperta atração e temor. Quando se apaixonam, são dedicados e fiéis, mas quando odeiam...

Alckmin é um escorpião tipo light, e Ciro, heavy, mas são todos escorpiões como Lula, o scorpius maximus, que recentemente deu uma ferroada em Ciro. Com sensualidade zero, Alckmin é o típico escorpião frio e cerebral.

João Amoêdo e Henrique Meirelles são virginianos trabalhadores e práticos, obcecados com ordem e organização.

Como primeiro signo do zodíaco, áries — o regente de Bolsonaro — quase sempre marca o início de algo enérgico e turbulento. É um signo de fogo, está em sua natureza tomar medidas e ações, mesmo às vezes sem pensar. São corajosos, determinados e confiantes. Seus pontos fracos são a impaciência, a agressividade e o pavio curto. Raramente temem julgamentos e riscos.

Aquarianos, como Marina e Haddad, são visionários com uma natureza tímida que, às vezes, se tornam agressivos. São capazes de perceber o futuro e detestam a sensação de estarem limitados ou restringidos. Esse desejo de liberdade e igualdade para todos faz com que sempre lutem pela inclusão social e a liberdade de expressão.

Como Raul Seixas em “Al Capone”, “Eu sou astrólogo/ Vocês precisam acreditar em mim/ Eu sou astrólogo/ E conheço História do principio ao fim”.

Onde o SUS adoece

O paciente que, na quinta-feira (12/09), deu entrada na Santa Casa de Juiz de Fora recebeu dos médicos o alerta de urgência máxima para o atendimento. Exatos 15 minutos depois começou a operação de emergência que salvou a vida do candidato à Presidência Jair Bolsonaro, ferido com uma facada. O médico que o atendeu receberá R$ 367,06 do SUS pelo seu trabalho. O hospital, R$ 1.090,80.

O SUS garante um atendimento gratuito para todos e é extremamente importante num país onde a maioria da população não pode se dar o luxo de ter um plano de saúde privado. Governo federal, estados e municípios arcam com os custos.

"A ideia do SUS, que atinge toda a população, é muito boa", diz a médica radiologista Flávia Engel Aduan. Mas, apesar de bom no conceito, na o SUS sofre com a falta de recursos em muitas regiões, um reflexo do deficit orçamentário de estados e municípios.


Todas as quartas-feiras, a radiologista realiza biópsias no Hospital do Câncer 3, uma das quatro clínicas especializadas do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro. Atrás das instalações, no bairro Vila Isabel, está o Morro dos Macacos. Quando chove, a água não canalizada que desce do morro entra no hospital, uma das unidades mais modernas do SUS graças a investimentos diretos do Ministério da Saúde.

Nos corredores do Hospital do Câncer 3, Kátia Aparecida está aliviada, pois finalmente a mãe dela será submetida a uma biopsia para identificação de câncer de mama. "Não podemos mais esperar", comenta. Em Santa Cruz, na periferia do Rio, onde ela mora, não há clínica da família. O pai dela, que tem câncer na próstata, espera há um ano por uma consulta com um urologista. Kátia já pagou R$ 2.700 do próprio bolso para exames em clínicas privadas. Mas, com os dois pais doentes, ela não pode mais trabalhar, e o dinheiro está escasso.

Tido como único no mundo, o SUS é um sistema tripartite. A base é formada pelas clínicas da família e pelos postos de saúde, que oferecem atendimento básico em bairros de cidades grandes e nos municípios menores. Os hospitais da assistência secundária tratam doenças comuns e realizam cirurgias menores. O terceiro nível é formado pela clínicas especializadas, como o Inca.

"Bom, assim é na teoria. Mas na prática, não funciona assim", diz Flávia. O atendimento básico muitas vezes carece de ataduras, medicamentos e também de médicos, o que reflete a falta de dinheiro dos municípios. Por isso, muitos pacientes vão aos hospitais da assistência secundária, onde o atendimento de emergência é sobrecarregado com casos que não são de emergência. "Isso sobrecarrega o sistema secundário, e o sistema terciário vai na mesma onda. Vira um efeito cascata."

Na zona sul do Rio, as unidades do SUS estão sobrecarregadas com pacientes da periferia da cidade e do interior. "Em muitos municípios do estado do Rio, a política de saúde pública se limita à compra de ambulâncias. Pega uma ambulância e despeja o paciente no sistema da capital", diz Flávia.

O mesmo acontece em todo o Brasil. Como as unidades primárias não funcionam, pacientes costumam ser transportados de ambulância, por centenas de quilômetros, para capitais ou outras grandes cidades. Em clínicas especiais de Teresina, por exemplo, há pacientes de todo o Nordeste, e em Goiânia, de todo o Centro-Oeste. Como consequência dessa concentração, o governo acaba destinando mais recursos para esses locais, e as condições precárias nas unidades primárias não se alteram.

O programa Mais Médicos, iniciado em 2013, deveria preencher essa lacuna e enviar médicos para as regiões onde há carências de profissionais. Como havia poucos candidatos, a saída encontrada foi contratar médicos cubanos. "Não é só que os médicos brasileiros não querem ir. O problema é que lá não tem recursos nas clínicas, não tem medicação, não tem equipamento", afirma Flávia.

Ela trabalhou durante anos no Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj. Nos dois anos finais, pagou do próprio bolso as agulhas necessárias para a biópsia. "Dinheiro até tinha, mas faltava gestão", comenta. A burocracia sobrecarregava os médicos que cuidavam da administração do hospital e os transformava em vítimas fáceis da corrupção. Hoje, o ex-secretário da Saúde do Rio Sérgio Côrtes é acusado de fraude em licitações.

Também as listas de espera dão margem à corrupção. Há algumas semanas, a imprensa carioca noticiou que o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, ofereceu cirurgias de catarata para pastores em até duas semanas. O tempo normal de espera é de vários anos.

O sistema central de distribuição de consultas tem problemas bem maiores. "Encaixar o paciente onde tem vaga é um ideia linda, só que não funciona", afirma Flávia. E exemplifica: um cirurgião não necessariamente vai confiar no raio-x feito por um radiologista que ele não conhece num outro hospital. "Agora multiplica isso por milhões de pacientes. Acabou a troca de informações entre as unidades, as clínicas não se comunicam mais." O resultado é uma situação caótica.

Flávia decidiu abrir a própria clínica no zona sul do Rio, mas continua fazendo biópsias no Inca por se sentir ligada ao SUS. "Saúde é um direito de todos e um dever do Estado. É uma ideia genial e maravilhosa, e seria maravilhoso se funcionasse, principalmente esse tapete da assistência básica."

Bolsonaro, poucas horas depois de ser atendido de forma bem-sucedida pelo SUS, foi transferido para um dos hospitais privados mais caros de São Paulo.

Deutsche Welle

UTI desperta ímpeto intervencionista de Mourão

O drama clínico de Jair Bolsonaro gera dois tipos de sentimento. O primeiro é de solidariedade. O segundo, de apreensão. Sua candidatura oferece um bom resumo da fragilidade institucional do país. Enviado ao topo das pesquisas pela raiva do eleitor, Bolsonaro consolida sua liderança mesmo estando na UTI. E a prosperidade eleitoral produziu um racha na microcoligação do paciente.

Há em torno de Bolsonaro dois partidos. O dele é o PSL, Partido Social Liberal. Todos sabem que não é social. E muitos duvidam que seja liberal. A legenda do vice, o general Hamilton Mourão, é o PRTB, Partido Renovador Trabalhista Brasileiro. De renovador não tem nada. De trabalhista, muito menos. Bolsonaro é praticamente um candidato avulso.

A campanha de Bolsonaro está, hoje, nas mãos dos filhos civis e do vice militar. Que brigam por espaço. O general Hamilton Mourão acha que deve substituir o capitão-candidato em eventos como debates na TV, por exemplo. Os filhos de Bolsonaro levam o pé à porta. É como se Mourão, adepto da intervenção militar, ensaiasse um golpe contra alguém que ainda nem chegou ao poder. O Brasil não é mais imprevisível. Tornou-se um país tristemente previsível. É como dizia o poeta Cacaso: ''Ficou moderno o Brasil, ficou moderno o milagre: a água já não vira vinho, vira direto vinagre.''