Ponte símbolo do êxodo de venezuelano entre San Antonio del Táchira, na Venezuela, e Villa Del Rosario, do lado colombiano |
sábado, 25 de agosto de 2018
Gente fora do mapa
Corporativismo voraz
Introduzido no Brasil nos anos 1930, e mais especificamente e com maior eficácia na ditadura estado-novista (1937-1945), tornou-se política de governo ou mesmo de Estado. O corporativismo pressupunha que a sociedade deveria ser organizada pelo Estado, por meio de corporações econômicas e de critérios que excluíam a representação eleitoral, os partidos políticos, as ideologias liberais ou socialistas, etc. O Estado, no papel de organizador e regulador da sociedade, teria de garantir a harmonia, a paz social e o progresso – antagonismos sociopolíticos e/ou conflitos entre capital e trabalho não eram admitidos. Getúlio Vargas já em 1931 afirmava que isso seria alcançado na medida em que estivessem reunidos e congraçados “plutocratas e proletários, patrões e sindicalistas, todos representantes de classe, integrados no organismo do Estado”.
Resultado exemplar dessa política foi a decretação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Inspirada na Carta del Lavoro do fascismo italiano, a CLT foi assentada em três pilares – estrutura sindical, Justiça do Trabalho e legislação trabalhista –, tendo como fundamento o corporativismo. Juntamente com a regulamentação das relações de trabalho se criou um sindicalismo vertical e subordinado ao Estado, delimitado pela unicidade e sustentado por imposto compulsório. Esse arranjo institucional, além de implicar o estabelecimento de mecanismos inibidores da organização e da intervenção autônoma dos trabalhadores e também do empresariado, instaurou direitos de cidadania regulados e restritos, do mesmo modo que acarretou a cooptação de parte expressiva da sociedade civil. Tendo sobrevivido a vários testes históricos, a CLT preserva, ainda hoje, seus elementos essenciais, que persistem reavivados por força de poderes e privilégios, mesmo antiquados ou extemporâneos.
Conformado, ao longo de décadas, de modo sub-reptício, ao modus operandi, o corporativismo foi potencializado nos anos 1980, num momento de explosão de movimentos reivindicativos, em reação à compressão imposta pelo regime ditatorial. Nessa conjuntura, houve até mesmo uma impetuosa radicalização de pleitos corporativos, animada pela emergência de um sindicalismo de resultados vigoroso – processo que culminaria na Constituinte de 1988.
A nova Carta, ainda que tenha abrigado garantias essenciais de cidadania, acabou saturada de privilégios e mercês, travestidos de direitos lídimos, por pressão de corporações muito bem organizadas e poderosas. Dentre as novidades corporativas pode-se ressaltar o direito de sindicalização e de greve do funcionalismo público. Esses preceitos impeliram à sindicalização extensiva de órgãos e instituições – sindicalizou-se tudo: prefeituras, governos estaduais e federal, Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, polícias, fundações, institutos e universidades, agências reguladoras, etc. Até o Itamaraty foi sindicalizado.
Consecutivamente, houve um aumento significativo de movimentos paredistas e ações por demandas particularistas, manifestações em defesa de salvaguardas estabelecidas. O paredismo nos serviços públicos constituiu-se no melhor dos mundos – depois de meses sem trabalhar e sem perdas e danos e quaisquer ônus em seus proventos, o servidor pode receber vantagens como aumento de salário e benefícios vários, mas, em geral, nada ou quase nada repõe. As greves conduzidas por um sindicalismo de resultados audacioso e impelido por um corporativismo voraz, que subsistem de mercadejar o patrimônio e os fundos públicos, têm como propósito capital a maximização de interesses e proventos pecuniários.
O apogeu desse processo de solidificação do corporativismo se deu neste início de século, não por acaso, nos governos chefiados pelo Partido dos Trabalhadores – consorciado com partidos fisiológicos e clientelistas –, que esteve norteado, desde seu nascimento, por interesses e instintos sôfregos. Nesses governos se retomaram muitas das diretivas corporativas do varguismo: a cooptação da sociedade civil, em especial dos sindicatos; a gestão do Estado em consonância com as corporações estatais e privadas; a reatualização do nacional-estatismo, concertado com conglomerados empresariais e categorias de trabalhadores; a execução de políticas públicas adequadas a determinados setores socioeconômicos; as ações legislativas de fomento a interesses particulares em detrimento do público, além de outras orientações similares. Concomitantemente, revigorou-se aquela cultura política sincrética (mescla de corporativismo, clientelismo e patrimonialismo) referida no início. O resultado foi evidenciar e/ou ativar concepções e práticas, entre as quais a promiscuidade entre o público e o privado; apropriação de bens e fundos públicos por corporações estatais ou não; transfiguração da ética da responsabilidade em ética de conveniência.
Sem sombra de dúvida, a perpetuação dessa cultura política, da qual o corporativismo constitui um de seus pilares centrais, é uma questão primordial a ser solucionada pelas forças que objetivam a democratização e a publicização do Estado e sua relação equânime com a sociedade civil e política. Infelizmente, entretanto, os candidatos à direção e gestão do País têm colocado o problema de forma lateral ou mitigada e alguns nem ao menos o aventam.
Robin Hood às avessas
Numa sociedade como a nossa, de capitalismo selvagem, em que há um desencontro radical e desapiedado entre os interesses de ricos e pobres, o poder do Estado defende os ricos e oprime os pobres, milimétrica e sistematicamenteHelio Pellegrino
A doença que mata qualquer saúva
Um sucesso que deveria ser aplicado em campanha de combate à corrupção. Se o fumo mata o fumante, deveria ser lembrado que a corrupção não mata o corrupto, mas sua ação é nefasta contra a cidadania de milhares.
Um só corrupto com mais de R$ 50 milhões guardados em um apartamento provocou um genocídio com a apropriação da milionária propina sem que qualquer familiar ou pessoa próxima fosse atingida pelos danos, mas apenas pelos benefícios. Os milhões embolsados por um governador corrupto e presidiário foram ainda mais avassaladores sem destruição entre os mais próximos. Arrasada ficou toda a população de um estado vivendo na precariedade de serviços essenciais como a saúde.
Alertas desse tipo mostram que o cigarro é um inconsequente trombadinha de morte. Derruba apenas o próprio “bandido”, enquanto o corrupto usufrui, muitos eternamente, dos seus saques inclusive para se blindar das doenças que semeiam com sua ação. Ai de quem estiver na área de alcance de seus sistemas corruptos. Pode contar com a miséria certa, a fome rápida e ainda terá que pagar o caixão.
A campanha contra a corrupção deveria mostrar fotos das suas consequências como crianças esperando desde os primeiros meses de vida um implante, bebês em tratamento em quarto com infiltração e mofo, os doentes pedindo, por misericórdia liberação de remédios para continuarem vivos, aposentados cada vez mais pobres, e a regalia da bandidagem política. Não faltaria o que apresentar como prova de que a corrupção é o câncer em pessoa que mata e esfola como uma ceifadeira.
Luiz Gadelha
Um presidente populista e um jingle alucinante
Ele assustava os líderes tradicionais, mas seduzia o povo, porque mantinha o cabelo desgrenhado, usava terno amarfanhado, com caspas, e comia sanduíche assentado na calçada. Suas atitudes exóticas eram pontilhadas pelo autoritarismo, pela instabilidade emocional e pela egolatria, sendo mesmo indomável quando optava por uma ação. Assim, irritou seus padrinhos, na disputa nacional, quando visitou Fidel Castro, em 29 de março de 1960, recebendo honras de chefe de Estado. O ditador cubano havia assumido o poder apenas um ano antes.
Apesar de suas excentricidades, Jânio Quadros foi eleito no dia 3 de outubro de 1960, com 5.636.623 votos, vencendo o general Henrique Teixeira Lott e Ademar de Barros. Tomou posse em Brasília, recebendo a faixa presidencial de Juscelino Kubitscheck, no dia 31 de janeiro de 1961.
Suas medidas incomodaram muitos setores, porque ele hostilizava o antecessor, provocava impacto na economia popular com medidas draconianas e despertava ironia pela insignificância de algumas sanções. Gerou mal-estar pelas manifestações de desprezo ao Congresso Nacional e pela redução do Orçamento das Forças Armadas. Além disso, condecorou Che Guevara, no dia 19 de agosto de 1961.
Sua renúncia no sétimo mês de mandato foi o fecho da ópera do absurdo, surpreendendo todos. Tratava-se de uma jogada para voltar como ditador se houvesse intensa mobilização popular a seu favor. Isso não aconteceu, e o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, apresentou logo a carta ao plenário, dizendo que a renúncia era um gesto unilateral e Ranieri Mazzilli deveria ocupar a Presidência da República, até que o vice-presidente João Goulart retornasse da China.
Uma visão da campanha
O chamado socialismo do século 21 foi pro espaço. Seus estilhaços caem dentro do território brasileiro, na forma de onda migratória, crise energética, revolta e violência. Logo no Brasil, arruinado por uma experiência de esquerda e hoje governado pelos parceiros eleitorais do PT.
Não sei se isso vai repercutir na campanha eleitoral brasileira. É tudo tão longe. E aqui não temos o hábito de avaliar criticamente o passado. A esquerda comporta-se como se nada tivesse acontecido. Sua proposta nostálgica é uma viagem ao início do século, voltar a ser feliz.
Não se discute o processo de democratização, sua esperança de usar o Estado para a redução das desigualdades, superar por meio de uma ação de governo todos os grandes problemas do País. A própria Constituição foi escrita nessa ânsia de promover a justiça social, com juros limitados a 12% e uma previsão de imposto sobre grandes heranças. Ficou no papel, mas revela um pouco do espírito da época, que acabou encontrando sua maior expressão no governo de esquerda.
Ainda hoje, a ilusão de que o governo vai resolver todos os grandes problemas sobrevive. Os próprios candidatos revelam seus programas, dizem o que vão fazer em cada área, como se estivessem vendendo o serviço que nos prestarão.
Há pouco espaço nesse tipo de discurso para a participação social, exceto consumir bens e serviços. O PT, por exemplo, tende a igualar felicidade ao aumento de consumo. Um bom exercício para seus militantes seria, por exemplo, refletir sobre esta questão: muita gente diz que votaria em Lula, mas quase ninguém, exceto CUT e MST, se mobiliza para tirá-lo da cadeia.
Minha hipótese é de que todos recebem bem a ideia de aumento de consumo, mas poucos se interessam por valores. No caso de Lula, pode até ser que não se movam baseados num valor: o respeito à independência da Justiça. Mas se isso é verdade, como explicar sua opção eleitoral?
Parto da esquerda para avançar no espectro e constato que a maioria dos candidatos se apresenta como alguém que vai realizar inúmeras tarefas, como se estivesse vendendo seus serviços a clientes cuja única missão é comprá-los. Dificilmente mencionam nos debates o papel que destinam à sociedade na grande tarefa da reconstrução. Basta votar certo, isto é, no orador, que tudo se vai resolver a partir do esforço e competência dele.
O interessante, sem querer criticar os candidatos, pois os tempos são duros, é que se apresentam como aspirantes a um cargo e prometem trabalhar bem. Mas não ousam exercer uma liderança, definindo as tarefas conjuntas de governo e sociedade. No momento em que a hipótese de interação aparece na campanha, ela é inadequada e, ainda assim, respondida com a tradicional afirmação: isso é tarefa do governo e não devemos envolver as pessoas.
Refiro-me à proposta de Jair Bolsonaro de liberar a compra de armas. É possível afirmar que não é o melhor caminho, mas com outro argumento: o de que a participação da sociedade deve focar a informação, a autodefesa com a ajuda da tecnologia, celulares, aplicativos.
Sempre vai aparecer alguém para dizer: e se um assaltante entra na sua casa, armado, de que adianta o telefone celular? De fato, nessa circunstância há pouco a fazer. Mas dentro de uma outra perspectiva, câmeras, vizinhos antenados, sistemas de alarme, tudo isso pode fazer um estranho ser detectado antes de entrar numa casa. É apenas um exemplo, até prosaico, para indicar a sensação de lacuna que sinto na campanha.
A sociedade brasileira teve esperanças e ilusões. Elas se perderam no caminho. Mas precisam de alguma forma ser renovadas.Um escritor espanhol costumava dizer que uma sociedade sem esperança e ilusões é como um monte de pedras na beira de um caminho. O que às vezes os candidatos parecem dizer é isto: reconheço seu ceticismo, mas vou trabalhar muito bem e quando concluir minhas tarefas o País estará novamente de pé.
O que a esquerda propõe é renovar as esperanças num projeto fracassado. Por seu lado, a direita nos remete ao dístico da bandeira: ordem e progresso. Ordem com uma política de segurança rígida e progresso por meio de uma economia liberal.
Uma simples frase inspirada no positivismo não é capaz de abarcar a complexidade do momento. Mesmo porque o progresso hoje é visto também com desconfiança, num momento em que as ameaças ao planeta se tornam visíveis. Progresso para continuar ou acabar com a sobrevivência humana.
O próprio conceito de ordem não se limita à segurança pública. A corrupção é uma desordem, o gasto irracional da máquina do governo é outra, assim como obras inacabadas, vulnerabilidade biológica com o colapso da saúde pública.
Reconheço que é muito difícil sintetizar num slogan uma saída para o Brasil. No passado, quando se tratava apenas do progresso, Juscelino nos propôs avançar 50 anos em 5. Tenho a impressão de que agora, num momento eleitoral, é preciso falar de crescimento para 13 milhões de desempregados.
Mas creio que cada vez mais amadurece entre as pessoas a hipótese de que a educação pode ser o motor dessa nova fase nacional. Seria preciso alguém afirmando que, além de suas tarefas presidenciais, nos levaria a uma sociedade mais bem educada, alguém que propusesse essa nova esperança, acreditasse mais na sociedade do que no próprio governo e a liderasse para esse objetivo.
Por enquanto, os candidatos hipnotizam com suas propostas. Não se preocupam em mobilizar, dividir papéis. Nesse sentido, é uma campanha analógica, embora, paradoxalmente, tenha invadido as redes sociais.
Como ela está no começo, merece o benefício da dúvida: são reflexões provisórias.
E o povão nada
Os interesses dos partidos de esquerda – de direita já não falamos – passaram a ser mais importantes do que os interesses da população. E dessa forma não se pode avançarRichard Sennett
Lula pode estrear na TV antes do veto do TSE
Começou a contar nesta quinta-feira o prazo de sete dias para que os advogados de Lula apresentem a sua defesa. O PT não cogita senão consumir o prazo em sua extensão máxima. Portanto, a defesa deve ser protocolada em 30 de agosto. O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, estará liberado, então, para solicitar a inclusão do julgamento na pauta do TSE.
Barroso sinaliza internamente a intenção de levar o caso de Lula ao plenário do TSE, composto de sete ministros. O blog apurou que a primeira sessão da Corte máxima da Justiça Eleitoral depois do encerramento do prazo oferecido à defesa ocorrerá em 4 de setembro, uma terça-feira, três dias depois da estreia do horário eleitoral, no dia 1º, um sábado. O segundo programa dos candidatos ao Planalto irá ao ar no mesmo dia do provável julgamento.
Ou seja: mantido o calendário, Lula poderá apresentar-se ao eleitorado como candidato oficial do PT em pelo menos dois programas antes do seu provável enquadramento na Lei da Ficha Limpa: no sábado (1º) e na terça (4).
O próprio PT dá como fava contada o veto do TSE a Lula. Condenado na segunda instância do Judiciário a 12 anos e um mês de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro, ele se tornou inelegível. Porém, o petismo se equipou para esticar ao máximo a sobrevida do seu candidato-fantasma.
Até aqui, os petistas celebram o êxito da estratégia. A superexposição proporcionada pela coreografia do registro da candidatura rendeu a Lula uma ascensão nas pesquisas. No mais recente levantamento do Datafolha, o preso amealhou 39% das intenções de voto.
Lula e seus seguidores imaginam que a chance de êxito da transfusão de votos para o substituto Fernando Haddad aumenta na proporção direta da elevação do nível de comoção criado em torno da decisão do TSE. Daí o esforço para empurrar o veredicto com a barriga até onde for possível.
Desta vez, a sucessão será decidida no TSE e no Supremo, e não pelos eleitores
Se os ministros do TSE e do STF seguirem à risca a lei, não há dúvida de que Lula e Bolsonaro estarão alijados da disputa, que se travará entre os outros quatro candidatos principais – Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Alvaro Dias (Pode).
No caso de Bolsonaro, a impugnação tem base constitucional, por ser réu de duas ações penais (injúria e incitação ao crime de estupro), no caso da briga com a deputada Maria do Rosário. E agora vai a julgamento no STF por outra acusação (racismo), pelas referências feitas aos quilombolas em palestra na Hebraica do Rio.
Na impugnação de Bolsonaro, há uma circunstância agravante na jurisprudência do Supremo. É o recente caso do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que era o segundo na linha sucessória do presidente Michel Temer, mas ficou proibido de assumir o cargo, por estar na condição de réu perante o STF. Esta é exatamente a situação atual de Jair Bolsonaro, que já responde a duas ações penais e pode ganhar mais uma no julgamento do próximo dia 4, que o candidato do PSL está até tentando antecipar.
Na época do caso Renan, o editor da” Tribuna da Internet” entendeu que o Supremo errou no caso de Renan, porque ser réu não significa ser culpado ou condenado. Porém, examinando melhor a questão, chegou à conclusão de que o STF agiu certo, porque o presidente da República é afastado das funções caso haja denúncia contra ele no Supremo, sendo transformado em réu. E o mesmo deve valer para qualquer sucessor ou aspirante a presidente.
Esta regra, no entanto, é meio mandrake, porque Temer virou réu duas vezes e não foi suspenso das funções, porque a Câmara rejeitou as decisões do STF. Quer dizer, a norma constitucional vale, mas não vale muito…
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