sábado, 6 de janeiro de 2018
Ralos e gargalos
Sente-se estar no meio do nevoeiro em pleno deserto. Neste clima, o debate eleitoral tem sido, com alguma exceção, apenas emocional. Análise de nossa realidade social, econômica e política, com propostas para solucionar os problemas, isso é raridade.
Material para tanto não falta. Três recentes documentos – do Banco Mundial, do IBGE e do economista francês Thomas Piketty, do instituto World Wealth & Income Database – espelham a situação do Brasil, onde impera imensa desigualdade social. Os três trabalhos coincidem na constatação de que 1% da população mais rica concentra renda correspondente a 38 vezes a renda de 50% da população. É um número assustador. Em termos comparativos com país de Primeiro Mundo, o estudo de Piketty mostra que os 90% mais pobres no Brasil têm renda semelhante às dos 20% mais pobres da França.
Essa desigualdade, segundo Piketty, não é apenas um problema de justiça social, prejudica também a eficiência econômica, pois é nociva ao crescimento e desenvolvimento sustentável, sendo vital melhorar o nível de vida dos mais pobres com investimento maciço em educação e infraestrutura. A desigualdade é um grande gargalo.
A pobreza é multidimensional, conforme realça o estudo do IBGE, compreendendo diversos fatores. Basta nos limitarmos neste artigo a duas vertentes, educação e saneamento básico, examinando em ambas os ralos e gargalos.
Se educação sempre foi essencial para o crescimento de um país, hoje, com o desenvolvimento tecnológico, sem pessoas dotadas de qualificação uma nação se afasta velozmente das mais adiantadas. Sua população não terá condições de prosperar econômica e culturalmente. Só exportaremos commodities.
Relatório do IBGE indica ter o Brasil ainda 12,9 milhões de pessoas com mais de 15 anos analfabetas, sendo 50% destas maiores de 60 anos e outros 30% de 40 a 60 anos.
Se o analfabetismo total é relevante, mais preocupante é o número de analfabetos funcionais: 27% dos brasileiros com mais de 15 anos. Eles cursaram a escola primária, aprenderam a ler e a escrever, bem como aritmética, porém, não sabem manejar a língua nem as contas: perderam a habilidade da leitura, da escrita e da matemática. Nesse caso estão 70% das pessoas do mundo rural, 40% dos empregados domésticos e 40% dos trabalhadores da construção civil, que ao longo do tempo esqueceram as habilidades eventualmente aprendidas. Entre os fatores determinantes desse quadro estão o elevado grau de ineficiência do ensino fundamental e médio prestado e também o desuso.
Se esse é um gargalo ao crescimento pessoal e econômico dos mais pobres, há também ralos por onde escoa a verba pública como fruto da corrupção, até mesmo no processo de educação dos adultos.
A alfabetização de adultos cabe ao município, com verba federal repassada pela União. O município de Alagoinha, no Piauí, por exemplo, com cerca de 3 mil habitantes, apresenta, porcentualmente, o maior número de adultos analfabetos. Mas, curiosamente, tem número elevado de professores encarregados de lecionar para os adultos: mais de 40 docentes, além de 8 coordenadores. Se quanto mais analfabetos, mais verba, aumentou-se o número de analfabetos adultos para receber mais recursos, ganhando R$ 400 o professor e R$ 600 o coordenador.
O Ministério Público constatou que coordenadores e alfabetizadores formavam turmas, mas não ministravam aulas. Muitos dos sedizentes analfabetos sabem ler e escrever: “Eles davam seus nomes para permitir que alfabetizadores pudessem formar turmas e assim receber suas bolsas”. Não são apenas os políticos que sugam a riqueza nacional pela corrupção, alguns alfabetizadores também.
Outro indicador da pobreza está na cobertura de três serviços de saneamento básico: abastecimento de água por rede geral, esgotamento sanitário por rede coletora e coleta de lixo. Os serviços de saneamento básico são fundamentais para prevenção de doenças. Contudo só 30% dos municípios, apesar de adiado continuamente o prazo, apresentaram plano de implantação do saneamento básico ao Ministério das Cidades. Falta capacidade na atividade-meio. Os municípios não têm condições de planejamento técnico. As verbas perdem-se no órgão central e a população adoece por falta de saneamento básico.
Não basta detectar os gargalos, há que atuar para desobstruí-los. O Banco Mundial sugere focar a atenção no atendimento aos segmentos mais pobres, sendo, para tanto, necessária uma reforma tributária simplificadora e justa: há 85 impostos, contribuições e taxas no Brasil e 55% da receita deriva de impostos indiretos (ICMS, IPI), que o pobre paga tanto como o rico. O sistema tributário transfere do pobre para o rico e os pobres pagam mais tributos do que recebem em benefícios.
Como desatar esse nó? Enfrentam-se os ralos com governança e persecução penal e administrativa à corrupção. Os gargalos, em parte, com arrecadação justa e gasto com eficiência, dando aos municípios capacidade de organização administrativa, pois muitos nem cobram impostos de sua competência.
Exemplos para eliminar injustiças tributárias estão na revogação do artigo 10 da Lei 9.249, de 1995, pelo qual a distribuição de lucros e dividendos não sofre incidência de Imposto de Renda, e na supressão da desoneração de tributos para empresas, que alcançou 4,5% do PIB em 2015 e ainda perdura em parte.
De outro lado, a União tem 149 entidades estatais. Muitas ligadas à administração de portos, com incidência elevada de desperdício e corrupção. Os Estados endividados, como Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro têm, cada qual, cerca de 30 entidades estatais. Privatizar parte delas é outro caminho.
Apesar desses problemas, a discussão séria não é objeto de atenção dos pretendentes à direção da Nação. Se ficarmos só na demagogia, estacionaremos no nevoeiro.
Material para tanto não falta. Três recentes documentos – do Banco Mundial, do IBGE e do economista francês Thomas Piketty, do instituto World Wealth & Income Database – espelham a situação do Brasil, onde impera imensa desigualdade social. Os três trabalhos coincidem na constatação de que 1% da população mais rica concentra renda correspondente a 38 vezes a renda de 50% da população. É um número assustador. Em termos comparativos com país de Primeiro Mundo, o estudo de Piketty mostra que os 90% mais pobres no Brasil têm renda semelhante às dos 20% mais pobres da França.
Essa desigualdade, segundo Piketty, não é apenas um problema de justiça social, prejudica também a eficiência econômica, pois é nociva ao crescimento e desenvolvimento sustentável, sendo vital melhorar o nível de vida dos mais pobres com investimento maciço em educação e infraestrutura. A desigualdade é um grande gargalo.
A pobreza é multidimensional, conforme realça o estudo do IBGE, compreendendo diversos fatores. Basta nos limitarmos neste artigo a duas vertentes, educação e saneamento básico, examinando em ambas os ralos e gargalos.
Se educação sempre foi essencial para o crescimento de um país, hoje, com o desenvolvimento tecnológico, sem pessoas dotadas de qualificação uma nação se afasta velozmente das mais adiantadas. Sua população não terá condições de prosperar econômica e culturalmente. Só exportaremos commodities.
Relatório do IBGE indica ter o Brasil ainda 12,9 milhões de pessoas com mais de 15 anos analfabetas, sendo 50% destas maiores de 60 anos e outros 30% de 40 a 60 anos.
Se esse é um gargalo ao crescimento pessoal e econômico dos mais pobres, há também ralos por onde escoa a verba pública como fruto da corrupção, até mesmo no processo de educação dos adultos.
A alfabetização de adultos cabe ao município, com verba federal repassada pela União. O município de Alagoinha, no Piauí, por exemplo, com cerca de 3 mil habitantes, apresenta, porcentualmente, o maior número de adultos analfabetos. Mas, curiosamente, tem número elevado de professores encarregados de lecionar para os adultos: mais de 40 docentes, além de 8 coordenadores. Se quanto mais analfabetos, mais verba, aumentou-se o número de analfabetos adultos para receber mais recursos, ganhando R$ 400 o professor e R$ 600 o coordenador.
O Ministério Público constatou que coordenadores e alfabetizadores formavam turmas, mas não ministravam aulas. Muitos dos sedizentes analfabetos sabem ler e escrever: “Eles davam seus nomes para permitir que alfabetizadores pudessem formar turmas e assim receber suas bolsas”. Não são apenas os políticos que sugam a riqueza nacional pela corrupção, alguns alfabetizadores também.
Outro indicador da pobreza está na cobertura de três serviços de saneamento básico: abastecimento de água por rede geral, esgotamento sanitário por rede coletora e coleta de lixo. Os serviços de saneamento básico são fundamentais para prevenção de doenças. Contudo só 30% dos municípios, apesar de adiado continuamente o prazo, apresentaram plano de implantação do saneamento básico ao Ministério das Cidades. Falta capacidade na atividade-meio. Os municípios não têm condições de planejamento técnico. As verbas perdem-se no órgão central e a população adoece por falta de saneamento básico.
Não basta detectar os gargalos, há que atuar para desobstruí-los. O Banco Mundial sugere focar a atenção no atendimento aos segmentos mais pobres, sendo, para tanto, necessária uma reforma tributária simplificadora e justa: há 85 impostos, contribuições e taxas no Brasil e 55% da receita deriva de impostos indiretos (ICMS, IPI), que o pobre paga tanto como o rico. O sistema tributário transfere do pobre para o rico e os pobres pagam mais tributos do que recebem em benefícios.
Como desatar esse nó? Enfrentam-se os ralos com governança e persecução penal e administrativa à corrupção. Os gargalos, em parte, com arrecadação justa e gasto com eficiência, dando aos municípios capacidade de organização administrativa, pois muitos nem cobram impostos de sua competência.
Exemplos para eliminar injustiças tributárias estão na revogação do artigo 10 da Lei 9.249, de 1995, pelo qual a distribuição de lucros e dividendos não sofre incidência de Imposto de Renda, e na supressão da desoneração de tributos para empresas, que alcançou 4,5% do PIB em 2015 e ainda perdura em parte.
De outro lado, a União tem 149 entidades estatais. Muitas ligadas à administração de portos, com incidência elevada de desperdício e corrupção. Os Estados endividados, como Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro têm, cada qual, cerca de 30 entidades estatais. Privatizar parte delas é outro caminho.
Apesar desses problemas, a discussão séria não é objeto de atenção dos pretendentes à direção da Nação. Se ficarmos só na demagogia, estacionaremos no nevoeiro.
Notícias velhas
Dia desses descobri uma curiosa atitude de um jornal norte-americano chamado "The Onion": a cada chacina ocorrida nos EUA ele publica um mesmo texto, noticiando o fato e abordando suas causas e as lições a serem extraídas - são alteradas apenas a data e o local. O incrível é que a notícia permanece atual!
Fiquei a meditar sobre isso. Passam-se os anos e os problemas se repetem, apesar de perfeitamente identificados e diagnosticados. As soluções, no mais das vezes absolutamente simples e lógicas, simplesmente não são aplicadas.
Vamos a outro exemplo: localizei uma notícia, publicada nos idos de 1987, indicando a perda de 20% da produção agrícola por falta de locais de estocagem. Eis aí um problema claramente identificado e de solução óbvia. Pois bem: esta mesma notícia, se publicada nos tempos atuais, estaria correta, não fosse por um detalhe: já não são mais 20%, e sim 44%. Sim, o problema aumentou! Será que nosso país não descobriu ainda que sairia mais barato construir armazéns e silos?
O que dizer de um texto, publicado por Mem de Sá, no qual era recomendada a simplificação dos procedimentos judiciais do Brasil "a fim de que se desentulhassem os escaninhos das Relações"? Vejam só: o Brasil deixou de ser colônia de Portugal, séculos se passaram, e este texto continua rigorosamente atual. Não conseguimos, ainda, nos libertar dos formalismos inúteis - o máximo que alcançamos foi digitalizá-los ao máximo, aumentando nossa humilhação.
Recordei-me de um discurso proferido por meu saudoso pai em maio de 1980, lá no Congresso Nacional. Disse ele, reproduzindo denúncias da imprensa, que "durante o ano passado, pressionada pelos índices de poluição do ar e da água causados por sua atividade, a Vale do Rio Doce divulgou promessas de instalação de inúmeros equipamentos. No entanto, passado o prazo determinado pela própria empresa, os médicos da região não constataram ainda a diminuição da ocorrência de casos de faringite causada pela inalação de partículas sólidas ou de gases tóxicos". Eis aí mais um problema claro e de solução evidente - e que só piorou de lá para cá!
Cheguei a uma conclusão: nosso maior sofrimento não vem dos problemas velhos, mas da velha mentalidade daqueles poucos que, ao longo dos séculos, tinham como dever solucioná-los. Simples assim.
Pedro Valls Feu Rosa
Fiquei a meditar sobre isso. Passam-se os anos e os problemas se repetem, apesar de perfeitamente identificados e diagnosticados. As soluções, no mais das vezes absolutamente simples e lógicas, simplesmente não são aplicadas.
Vamos a outro exemplo: localizei uma notícia, publicada nos idos de 1987, indicando a perda de 20% da produção agrícola por falta de locais de estocagem. Eis aí um problema claramente identificado e de solução óbvia. Pois bem: esta mesma notícia, se publicada nos tempos atuais, estaria correta, não fosse por um detalhe: já não são mais 20%, e sim 44%. Sim, o problema aumentou! Será que nosso país não descobriu ainda que sairia mais barato construir armazéns e silos?
O que dizer de um texto, publicado por Mem de Sá, no qual era recomendada a simplificação dos procedimentos judiciais do Brasil "a fim de que se desentulhassem os escaninhos das Relações"? Vejam só: o Brasil deixou de ser colônia de Portugal, séculos se passaram, e este texto continua rigorosamente atual. Não conseguimos, ainda, nos libertar dos formalismos inúteis - o máximo que alcançamos foi digitalizá-los ao máximo, aumentando nossa humilhação.
Cheguei a uma conclusão: nosso maior sofrimento não vem dos problemas velhos, mas da velha mentalidade daqueles poucos que, ao longo dos séculos, tinham como dever solucioná-los. Simples assim.
Pedro Valls Feu Rosa
No ano passado, eu morri...
O ano passado terminou sob – ou, como prefere o novo diretor da Polícia Federal (PF), Fernando “por qué no te callas” Segóvia, sobre – a égide da luta surda entre os poderosos mandatários de plantão e os impotentes cidadãos em nome dos quais aqueles exercem o poder máximo num possível Estado de Direito. Esta luta sem quartel pelo comando do “cartel de Abrantes”, paródia da expressão popular dos tempos em que patentes militares eram sinais de respeito, prestígio e, sobretudo, poder, é tão encarniçada que o máximo que se pode desejar em cartões bem intencionados de boas-festas resume-se num verso genial do repentista paraibano Zé Limeira, dito “o poeta do absurdo”: “No ano passado eu morri, mas neste ano eu não morro”. Se tudo der certo para a cidadania, o que é muito difícil, ele será uma grande Páscoa. Mas, se entre a votação da reforma da Previdência e a posse do presidente eleito pelo povo os desaforados aforados continuarem com a faca e o queijo em mãos, será uma quaresma sem carnaval para compensar.
O marco zero (como ponto de partida e nota de desempenho) da realidade áspera que está sendo imposta à Nação foram as duas votações na Câmara que dispensaram o presidente da República de ser investigado por participação – e possível mando – no “quadrilhão do MDB”, a pedido do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Mantido no cargo pela metade mais um dos companheiros de antanho na Câmara mais do que nunca “baixa”, o constitucionalista de Tietê Michel Temer conseguiu até dobrar de popularidade das profundezas dos 3% para ainda inaceitáveis, mas bem melhores, 6%. Impopularidade à parte, Sua Excelência começa o ano útil de 2018 em 19 de fevereiro, quando sua mitigada reforma da Previdência será submetida a votação mais difícil na Câmara, de vez que não é mais necessária apenas a aprovação de um terço de seus antigamente nobres pares e hoje ignaros “parças”, mas três quintos dos plenários do Congresso para aprovar seu (e nosso) primeiro grande objetivo no ano.
Para conseguir o intento, e com isso evitar transferir o abacaxi azedo e podre para o sucessor eleito, o vice de Dilma guindado ao poder pelas peraltices contábeis dela enfrenta a má vontade generalizada de uma população cuja desconfiança se transforma em votos num Congresso desmoralizado, mas com poder para decidir se o País continuará à míngua para pagar os privilégios dos articuladíssimos marajás dos Três Poderes, assegurados por cabos eleitorais, assessores e, em muitos casos, donos das impressões digitais do dinheiro vivo que contam propinas em contas no exterior, caixas de joias e até em apartamentos (ou aparelhos, como nos tempos de Dilma guerrilheira) vazios de gente e povoados por cédulas.
No ano em que alguns de nós morreram de verdade, mas muitos morremos apenas um pouco, os donos do poder da República fizeram o possível para manter o cetro e conter o martelo impiedoso de alguns juízes que resolveram romper o ciclo no qual só eram presos pobres, pretos e prostitutas. Com proxenetas e contadores fazendo delações premiadas, o ano das mortes aos pedaços terminou com a volta à casa de dois símbolos da propinocracia reinante. Para sua mansão em São Paulo regressou o pai severo e empreiteiro-mor do País, Marcelo Odebrecht, cumprindo pena de tornozeleira no calcanhar de Aquiles. O mandachuva das obras superfaturadas pode dizer como um malandro qualquer ao subir o morro de onde saiu: “Já paguei minha dívida com a sociedade”.
O seio da família na Zona Sul carioca é o destino do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, libertado graças à boa vontade que os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm com militantes de sua fé ideológica e com clientes abonados de colegas que frequentam a promiscuidade de convescotes do poder no Planalto Central do País. O egresso do inferno presidiário de volta ao lar, doce lar cruzou os portões da Papuda com dinheiro no banco e, no bolso, a carteirinha do Partido dos Trabalhadores, que para o STF o distingue de meros mortais. Ela garantiu a Dilma o direito de sonhar ser merendeira de escola. E ele foi o elo vivo entre a militância e os fundos do bicentenário banco público número um de Pindorama, dito do Brasil. Pizzolato passeou pelo Código Penal com desenvoltura: corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da justiça, falsidade ideológica e fuga para o exterior. Condenado a 12 anos e 7 meses de prisão, ficou dois foragido na Itália, esperou um pela extradição e mais dois e meio na Papuda. Um quarto de pena cumprido com bom comportamento na caderneta de detento bastou para mobilizar a benemerência do ministro Barroso, que lhe concedeu liberdade provisória.
Do mensalão agora só resta preso Marcos Valério, chamado de operador por Roberto Jefferson, o delator, que, também indultado, nesta virada de ano negocia com o presidente da República a mudança do titular do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criado por Getúlio, perdido por Brizola e refundado por Carlos Lupi, no Ministério do Trabalho. Outro condenado naquelas eras, Valdemar Costa Neto, Boy, também desfruta sua liberdade negociando ministérios com Temer à sombra do Jaburu. Pizzolato, o petista libertado, agora quer gozar benefícios de um indulto, que a Nação chama de insulto e duas damas, Raquel Dodge e Cármen Lúcia, consideraram inconstitucional por tornar o crime compensação das agruras que o peso do poder impõe aos martirizados políticos nacionais.
O indulto, que alguns desaforados impenitentes apelidaram de insulto, trocando uma consoante e mofando da generosidade do chefe do Executivo, aliás, deu o que falar no Natal, em que o presidente disputou o título de Papai Noel do século, afastando competidores menos votados.
O pórtico do ano dito novo foi atravessado por uma semana de lambanças patrocinadas pela comemorada habilidade genial do constitucionalista de Tietê. A primeira foi nomear para a Secretaria de Governo, leia-se negociação com o Congresso, a começar pela emenda constitucional da reforma da Previdência, um político apropriado para estes tempos de “sou grande, sou bruto, sai da frente, senão atropelo”. Se o deputado de primeira legislatura Carlos Marun tivesse um brasão, este seria o dístico adequado. Em seu estilo de valentão do Cerrado, disse aos nove governadores do Nordeste que quem quiser financiamento de banco público tem de forçar a bancada do Estado a aprovar a reforma da Previdência. Sinceridade ou sincericídio? Franqueza ou estupidez?
Como se vê, o novo estafeta do presidente no reino das cumbucas não é propriamente uma figura hamletiana. Ele não tem dúvidas nem meias palavras. Com Marun, ou dá ou desce. A fama de Temer não era esta até ganhar as fatídicas votações em que sepultou a carreira de arqueiro de flechas de bambu de Janot. Mas estes são outros tempos. Agora, com o poder que emana de representantes que o povo elegeu e por eles tem sido desprezado, Temer ousou e não esperava ser desafiado.
O chefe do governo teve de engolir o insulto que disparou antes do aniversário do galileu porque não contou com a astúcia de duas damas, depois de ler uma carta de sete governadores que se sentiram agredidos pelo pitbull que mantém amarrado à porta de seu gabinete. E talvez perceba que gorou seu projeto de perdoar as multas dos criminosos de colarinho branco em nome da miséria dos pobres que cumprem penas a que não foram condenados ou que já foram cumpridas, no dizer de seu ministro da Justiça, Torquato, que está mais pra capoeira do que pra Jardim.
Circula nas redes sociais post (perdão pelo anglicismo inevitável) do portal O Antagonista atribuindo ao chefe dos Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo do Vale Rocha, a autoria secreta do passo em falso. O moço foi, como se sabe, indicado para o prestigiado posto pelo presidiário Eduardo Cunha, com endereço certo e sabido numa certa cela em Curitiba, e goza de prestígio junto ao chefão geral. Mas isso não basta para incriminá-lo à falta de provas, claro. De toda maneira, contudo, sua simples presença num gabinete no Planalto é uma espécie de impressão digital do Caranguejo da Odebrecht, a quem também, não se pode esquecer, Marun sempre serviu com denodo de congregado mariano. Amém.
É, amigos, mesmo para quem tenha morrido em 2017, não vai ser fácil sobreviver em 2018 à sombra de tantas cicatrizes, rugas e marcas do ano passado. Haja pimenteira.
O marco zero (como ponto de partida e nota de desempenho) da realidade áspera que está sendo imposta à Nação foram as duas votações na Câmara que dispensaram o presidente da República de ser investigado por participação – e possível mando – no “quadrilhão do MDB”, a pedido do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Mantido no cargo pela metade mais um dos companheiros de antanho na Câmara mais do que nunca “baixa”, o constitucionalista de Tietê Michel Temer conseguiu até dobrar de popularidade das profundezas dos 3% para ainda inaceitáveis, mas bem melhores, 6%. Impopularidade à parte, Sua Excelência começa o ano útil de 2018 em 19 de fevereiro, quando sua mitigada reforma da Previdência será submetida a votação mais difícil na Câmara, de vez que não é mais necessária apenas a aprovação de um terço de seus antigamente nobres pares e hoje ignaros “parças”, mas três quintos dos plenários do Congresso para aprovar seu (e nosso) primeiro grande objetivo no ano.
Para conseguir o intento, e com isso evitar transferir o abacaxi azedo e podre para o sucessor eleito, o vice de Dilma guindado ao poder pelas peraltices contábeis dela enfrenta a má vontade generalizada de uma população cuja desconfiança se transforma em votos num Congresso desmoralizado, mas com poder para decidir se o País continuará à míngua para pagar os privilégios dos articuladíssimos marajás dos Três Poderes, assegurados por cabos eleitorais, assessores e, em muitos casos, donos das impressões digitais do dinheiro vivo que contam propinas em contas no exterior, caixas de joias e até em apartamentos (ou aparelhos, como nos tempos de Dilma guerrilheira) vazios de gente e povoados por cédulas.
O seio da família na Zona Sul carioca é o destino do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, libertado graças à boa vontade que os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm com militantes de sua fé ideológica e com clientes abonados de colegas que frequentam a promiscuidade de convescotes do poder no Planalto Central do País. O egresso do inferno presidiário de volta ao lar, doce lar cruzou os portões da Papuda com dinheiro no banco e, no bolso, a carteirinha do Partido dos Trabalhadores, que para o STF o distingue de meros mortais. Ela garantiu a Dilma o direito de sonhar ser merendeira de escola. E ele foi o elo vivo entre a militância e os fundos do bicentenário banco público número um de Pindorama, dito do Brasil. Pizzolato passeou pelo Código Penal com desenvoltura: corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da justiça, falsidade ideológica e fuga para o exterior. Condenado a 12 anos e 7 meses de prisão, ficou dois foragido na Itália, esperou um pela extradição e mais dois e meio na Papuda. Um quarto de pena cumprido com bom comportamento na caderneta de detento bastou para mobilizar a benemerência do ministro Barroso, que lhe concedeu liberdade provisória.
Do mensalão agora só resta preso Marcos Valério, chamado de operador por Roberto Jefferson, o delator, que, também indultado, nesta virada de ano negocia com o presidente da República a mudança do titular do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criado por Getúlio, perdido por Brizola e refundado por Carlos Lupi, no Ministério do Trabalho. Outro condenado naquelas eras, Valdemar Costa Neto, Boy, também desfruta sua liberdade negociando ministérios com Temer à sombra do Jaburu. Pizzolato, o petista libertado, agora quer gozar benefícios de um indulto, que a Nação chama de insulto e duas damas, Raquel Dodge e Cármen Lúcia, consideraram inconstitucional por tornar o crime compensação das agruras que o peso do poder impõe aos martirizados políticos nacionais.
O indulto, que alguns desaforados impenitentes apelidaram de insulto, trocando uma consoante e mofando da generosidade do chefe do Executivo, aliás, deu o que falar no Natal, em que o presidente disputou o título de Papai Noel do século, afastando competidores menos votados.
O pórtico do ano dito novo foi atravessado por uma semana de lambanças patrocinadas pela comemorada habilidade genial do constitucionalista de Tietê. A primeira foi nomear para a Secretaria de Governo, leia-se negociação com o Congresso, a começar pela emenda constitucional da reforma da Previdência, um político apropriado para estes tempos de “sou grande, sou bruto, sai da frente, senão atropelo”. Se o deputado de primeira legislatura Carlos Marun tivesse um brasão, este seria o dístico adequado. Em seu estilo de valentão do Cerrado, disse aos nove governadores do Nordeste que quem quiser financiamento de banco público tem de forçar a bancada do Estado a aprovar a reforma da Previdência. Sinceridade ou sincericídio? Franqueza ou estupidez?
Como se vê, o novo estafeta do presidente no reino das cumbucas não é propriamente uma figura hamletiana. Ele não tem dúvidas nem meias palavras. Com Marun, ou dá ou desce. A fama de Temer não era esta até ganhar as fatídicas votações em que sepultou a carreira de arqueiro de flechas de bambu de Janot. Mas estes são outros tempos. Agora, com o poder que emana de representantes que o povo elegeu e por eles tem sido desprezado, Temer ousou e não esperava ser desafiado.
O chefe do governo teve de engolir o insulto que disparou antes do aniversário do galileu porque não contou com a astúcia de duas damas, depois de ler uma carta de sete governadores que se sentiram agredidos pelo pitbull que mantém amarrado à porta de seu gabinete. E talvez perceba que gorou seu projeto de perdoar as multas dos criminosos de colarinho branco em nome da miséria dos pobres que cumprem penas a que não foram condenados ou que já foram cumpridas, no dizer de seu ministro da Justiça, Torquato, que está mais pra capoeira do que pra Jardim.
Circula nas redes sociais post (perdão pelo anglicismo inevitável) do portal O Antagonista atribuindo ao chefe dos Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo do Vale Rocha, a autoria secreta do passo em falso. O moço foi, como se sabe, indicado para o prestigiado posto pelo presidiário Eduardo Cunha, com endereço certo e sabido numa certa cela em Curitiba, e goza de prestígio junto ao chefão geral. Mas isso não basta para incriminá-lo à falta de provas, claro. De toda maneira, contudo, sua simples presença num gabinete no Planalto é uma espécie de impressão digital do Caranguejo da Odebrecht, a quem também, não se pode esquecer, Marun sempre serviu com denodo de congregado mariano. Amém.
É, amigos, mesmo para quem tenha morrido em 2017, não vai ser fácil sobreviver em 2018 à sombra de tantas cicatrizes, rugas e marcas do ano passado. Haja pimenteira.
A ele não importa a lei
O azougue petista entrou em campo. A agremiação convoca a todos para a arruaça. Desavergonhados representantes da cúpula como José Dirceu – condenado por vários crimes e, não se sabe por que, ainda fora da cadeia – falam em colocar fogo no País se condenarem seu líder máximo, Luiz Inácio Lula da Silva, no próximo dia 24 na Corte do TRF-4, em Porto Alegre. Os incendiários João Pedro Stédile, Guilherme Boulos e quetais fazem o mesmo. Até a deposta Dilma, sem um pingo de vergonha na cara pelo que já causou de mal aos brasileiros, promete vigília na porta do Tribunal. O próprio Lula tenta politizar um julgamento que é eminentemente técnico. Faz firula. Diz que estará presente no dia para animar a claque. Reivindica o direito de se manifestar na ocasião – algo completamente fora de propósito nesse estágio do processo. Confronta os juízes. Tripudia das decisões. Ataca os investigadores. Tempos atrás ameaçou prender, caso volte ao poder, aqueles que hoje querem colocá-lo atrás das grades. Continua a se fazer de vítima numa estratégia que não cola mais. Exacerba na tática de procrastinação. Catimba como pode. Lula se coloca como um réu político quando não passa de mero condenado comum por crime de corrupção em sentença já beirando os dez anos. Pode vir mais tempo de pena. A militância, os asseclas do lulopetismo, a trupe de agitadores dos MSTs da vida tratam a apelação em segunda instância como final de Copa do Mundo ou um Fla/Flu que devem levar no grito ou no tapetão. Querem armar uma fuzarca sem tamanho. Não entenderam nada. Nas palavras de ordem falam em “defesa da democracia” e no “direito” de Lula em ser candidato. A questão não tem nada a ver com democracia. Não há ninguém sendo perseguido por viés ideológico ou o que valha. O que o TRF-4 vai julgar também não é a candidatura presidencial de Lula. São crimes previstos na Constituição, evidenciados por um calhamaço de provas testemunhais e documentais. Não há nada de defesa da democracia nesse movimento que tenta impor à força a sua vontade, à revelia da Justiça, radicalizando manifestações que, de mais a mais, só carregam um único objetivo: provar que Lula tem de estar acima da lei. Parece piada. Mas não é. Do ponto de vista institucional, está nas mãos do TRF-4 delinear a cara do Brasil daqui para frente. Seu veredito não pode vir contaminado pela antiga ideia de que alguns são mais iguais que outros perante o primado das regras em vigor. Condenação em segunda instância dá cadeia. Políticos com “ficha suja” não devem concorrer. Qualquer regime de exceção fora desses parâmetros deixará na sociedade a sensação de que transgredir compensa. Que a impunidade vai continuar a prevalecer, não obstante a Lava Jato e todos os esforços para frear a bandalheira que tomou conta do Estado. Lula é réu em inúmeros processos. Do triplex ao sítio em Atibaia, do terreno do Instituto às palestras regiamente pagas em troca de favores, não faltam demonstrações de seus desvios. E mesmo assim o PT prega com veemência a entrada dele na disputa de 2018 como algo legítimo. Deliberadamente ignora a Lei da Ficha Limpa, aprovada, diga-se de passagem, por pressão popular, imaginando talvez que só o Partido detém o monopólio sobre o que é do interesse do povo ou não. Na prática, os talibãs do PT apelam com falsas bandeiras para convencer a turba, mas não conseguem arregimentar hoje em dia sequer meia dúzia de gatos pingados em seus protestos, além dos militantes de sempre. O exército de araque se pinta para a “guerra”. No lero-lero para driblar o inevitável incluiu até um manifesto em inglês, espanhol e francês para levantar a lorota de que tudo não passa de um grande esquema com o objetivo de evitar a volta de Lula ao poder. A mesma ladainha de golpe. Debocha-se dos fatos. O PT se apequenou e Lula, que nem remotamente lembra mais aquele idealista de outrora, agora confronta a Lei como um Quixote sem destino.
Quem é pior: bandidagem do PCC ou corruptos?
As rebeliões na maior cadeia de Goiás devolveram às manchetes o flagelo da crise no sistema prisional. De repente, a bandidagem que transforma os calabouços em centros de selvageria disputa o noticiário com os corruptos. Responda rápido: qual das facções é pior, a dos mensalões e petrolões ou a dos PCCs e Comandos Vermelhos?
Os dois tipos de criminosos são execráveis. Mas os assaltantes de cofres públicos conseguem ser mais nocivos à ideia de civilização. O dinheiro roubado por corruptos é o que falta para que um Estado moralmente sustentável funcione decentemente -inclusive atrás das grades.
Parte da sociedade brasileira acha bom que os criminosos se matem nas cadeias. Mas a mesma sociedade elege e re elege os membros da falange da gola branca. A barbárie nas celas é desumana e ilegal. A pena de morte política é legal e democrática. Depende apenas do voto. Sem mandato, os larápios de gravata vão se juntar a Cunhas, Cabrais, Geddeis e Paloccis. Até o cardápio das cadeias tende a melhorar. Com sorte, sobra algum dinheiro para escolas, hospitais e, veja você, segurança pública.
Ansiedade econômica e os limites de Lula
Na visão que o cidadão comum tem da política, são naturais a mitificação de personagens e a construção artificial de ídolos. O líder emerge abstrato e absoluto, como se tudo dependesse de seus méritos e virtudes; é entendido como uma espécie de herói. Nada mais equivocado. É claro que personalidade conta, mas isto pode simplesmente sucumbir à falta de oportunidade histórica, sem nunca ter encontrado sua hora e sua chance. As circunstâncias são tão ou mais importantes que os atores.
Recentemente, em mais um de seus jogos de palavras, com vistas a diminuir resistências e ampliar seu campo político, o ex-presidente Lula declarou-se um moderado; disse não ser um radical político e que, portanto, não deveria ser temido por agentes econômicos, que poderiam aceita-lo sem qualquer prevenção. Fez sucesso porque disse o que seus interlocutores pediam para ouvir.
De fato, em que pese discursos de palanques nas caravanas pelos rincões do país nas quais se embrenha, Lula nunca foi mesmo um radical. Ainda nos tempos da ditadura, questionado se era ''comunista'', respondera: ''não, sou um torneiro mecânico''. Distanciava-se, já naquele momento, de ilusões políticas e das amarras ideológicas de muitos de seus companheiros. Não era socialista, nem comunista, nem esquerdista; era tão somente um pragmático.
A declaração de 2017 fez despertar, então, toda sorte de comentários e análises voltados a amenizar a sensação de risco com a eventual vitória de Lula, na eleição deste ano. Raciocínios dispostos a resgatar o comedimento e a moderação que, de fato, houve, sobretudo, nos primeiros anos do governo do PT, no primeiro mandato do ex-presidente (2003-2006), o que, na ocasião, surpreendeu muita gente.
Com efeito, Lula nunca foi mesmo nada disso. Sua personalidade política é conciliadora, distancia-se de qualquer furor em torno de concepções vinculadas à luta de classes ou a abstratos maneirismos intelectuais. Sua visão de mundo é simples: no fundo, um sonho de classe média — o que se pôde notar, inclusive no campo pessoal, pelas agruras em que se meteu, bem mais tarde, com idílicos sítios de lagos e pedalinhos ou modestos apartamentos tríplex.
Mas, a questão, como se disse acima, é que em política a personalidade conta pouco. Ou antes, ela só será expressiva se as circunstâncias permitirem, se a história colaborar.
Na eleição de 2002, era possível dizer aos desconfiados agentes de mercado que Lula, uma vez eleito presidente da República, não seria o bicho papão que muita gente pintara; no fundo, no fundo, no fundo, sempre esteve mais para ''Lulinha paz e amor''. É seu temperamento. Mas, havia ali uma série de condições que favoreceriam a moderação e a conciliação, que estavam muito além de sua disposição e caráter pessoais. O país e o mundo viviam momento diferente.
Em primeiro lugar, desenhava-se ali um quadro econômico positivo. Com a China, finalmente, absorvida pela Organização Mundial do Comércio, vislumbrava-se o ''choque de commodities'', que favoreceu imensamente a economia brasileira. Claro que Lula poderia desprezar essa chance e pôr tudo a perder desde o primeiro momento. Mas, não o fez por uma série de motivos.
Após inúmeras tentativas, sua vitória eleitoral foi recebida com otimismo — ou pelo menos condescendência — por amplas parcelas da população, entre elas, a classe média dos centros urbanos e mesmo os setores de elite que lhe deram o benefício da dúvida e a oportunidade de provar ao que viera. Houve, sim, após a eleição, mais um voto de confiança.
Essa boa vontade recaía também sobre o PT, que até ali, expressava o resgate da esperança e da virtude moral. Ocupara, por anos, o confortável espaço da oposição ''contra tudo isto que está aí''; suas lideranças, algumas míticas, abrigavam-se à sombra dos ''heróis da resistência à longa noite da ditadura'', como se dizia. É irônico dá-se conta, hoje, do romantismo dessa atmosfera em torno do PT.
Além disso, o PT de então possuía quadros políticos de outra qualidade — Luiz Gushiken, José Dirceu, Antônio Palocci entre outros — que permitiram ao governo atrair parte significativa da inteligência nacional. Foi possível dar sequência à manutenção da estabilidade da moeda, fazer ajustes e aperfeiçoar políticas públicas, em virtude da capacidade de entendimento e articulação desses quadros políticos.
E, por último, em que pesem tolices a respeito da ''herança maldita'' que petistas diziam ter recebido do antecessor, a realidade é que Fernando Henrique legou ao país um governo e um Estado bem mais equilibrados do que se possa imaginar encontrar em 2019. Política, econômica e administrativamente, o Brasil era outro, em condições imensamente mais favoráveis que as atuais. A credibilidade dos agentes políticos era incomparável com a atual.
Eventual futuro presidente, nada disto Lula terá novamente. Eleito, tende a ter contra si a maioria da classe média, sobretudo, do Sul e Sudeste do país; o Poder Judiciário, o Ministério Público. E mesmo que consiga compor com o Congresso Nacional, o preço dos apoios será significativamente elevado, inflacionado pelo fisiologismo sabedor da dramaticidade, resultante da necessidade e urgência que presidente e governo terão.
Em paralelo, diante desse quadro de pressões — que estarão presentes já durante a campanha —, como Lula poderá negar retribuição a setores sociais e políticos que estarão ao seu lado, na eleição e após, sustentando-o nas ruas? Como poderá voltar-se, por outro lado, mais uma vez, para aqueles que o estigmatizaram na sociedade, na Justiça e no mercado?
Se em 2003 Lula soube moldar-se às circunstâncias favoráveis que o cercavam, em 2019 terá que transformar as péssimas condições políticas, sociais e econômicas a que será submetido. Mais do que do limão uma limonada, fazer melaço do fel da bílis que o amarga. Isto exigirá do ex-presidente muito mais do que pôde demonstrar até hoje; uma liderança extraordinária que se coloque e se imponha sobre as circunstâncias.
Casos assim são raros na história da humanidade, Lula teria que ombrear-se a um Lincoln, a um Churchill. E o ex-presidente parece estar bem aquém disto. Aliás, não apenas ele, no Brasil e no mundo contemporâneos. Por isso, é bom colocar os pés no chão, compreender os personagens e, sobretudo, as circunstâncias que os cercam. O processo político é muito mais complexo do que supõe os desejos e vã ansiedade.
Carlos Melo
Recentemente, em mais um de seus jogos de palavras, com vistas a diminuir resistências e ampliar seu campo político, o ex-presidente Lula declarou-se um moderado; disse não ser um radical político e que, portanto, não deveria ser temido por agentes econômicos, que poderiam aceita-lo sem qualquer prevenção. Fez sucesso porque disse o que seus interlocutores pediam para ouvir.
De fato, em que pese discursos de palanques nas caravanas pelos rincões do país nas quais se embrenha, Lula nunca foi mesmo um radical. Ainda nos tempos da ditadura, questionado se era ''comunista'', respondera: ''não, sou um torneiro mecânico''. Distanciava-se, já naquele momento, de ilusões políticas e das amarras ideológicas de muitos de seus companheiros. Não era socialista, nem comunista, nem esquerdista; era tão somente um pragmático.
A declaração de 2017 fez despertar, então, toda sorte de comentários e análises voltados a amenizar a sensação de risco com a eventual vitória de Lula, na eleição deste ano. Raciocínios dispostos a resgatar o comedimento e a moderação que, de fato, houve, sobretudo, nos primeiros anos do governo do PT, no primeiro mandato do ex-presidente (2003-2006), o que, na ocasião, surpreendeu muita gente.
Com efeito, Lula nunca foi mesmo nada disso. Sua personalidade política é conciliadora, distancia-se de qualquer furor em torno de concepções vinculadas à luta de classes ou a abstratos maneirismos intelectuais. Sua visão de mundo é simples: no fundo, um sonho de classe média — o que se pôde notar, inclusive no campo pessoal, pelas agruras em que se meteu, bem mais tarde, com idílicos sítios de lagos e pedalinhos ou modestos apartamentos tríplex.
Mas, a questão, como se disse acima, é que em política a personalidade conta pouco. Ou antes, ela só será expressiva se as circunstâncias permitirem, se a história colaborar.
Na eleição de 2002, era possível dizer aos desconfiados agentes de mercado que Lula, uma vez eleito presidente da República, não seria o bicho papão que muita gente pintara; no fundo, no fundo, no fundo, sempre esteve mais para ''Lulinha paz e amor''. É seu temperamento. Mas, havia ali uma série de condições que favoreceriam a moderação e a conciliação, que estavam muito além de sua disposição e caráter pessoais. O país e o mundo viviam momento diferente.
Em primeiro lugar, desenhava-se ali um quadro econômico positivo. Com a China, finalmente, absorvida pela Organização Mundial do Comércio, vislumbrava-se o ''choque de commodities'', que favoreceu imensamente a economia brasileira. Claro que Lula poderia desprezar essa chance e pôr tudo a perder desde o primeiro momento. Mas, não o fez por uma série de motivos.
Após inúmeras tentativas, sua vitória eleitoral foi recebida com otimismo — ou pelo menos condescendência — por amplas parcelas da população, entre elas, a classe média dos centros urbanos e mesmo os setores de elite que lhe deram o benefício da dúvida e a oportunidade de provar ao que viera. Houve, sim, após a eleição, mais um voto de confiança.
Essa boa vontade recaía também sobre o PT, que até ali, expressava o resgate da esperança e da virtude moral. Ocupara, por anos, o confortável espaço da oposição ''contra tudo isto que está aí''; suas lideranças, algumas míticas, abrigavam-se à sombra dos ''heróis da resistência à longa noite da ditadura'', como se dizia. É irônico dá-se conta, hoje, do romantismo dessa atmosfera em torno do PT.
Além disso, o PT de então possuía quadros políticos de outra qualidade — Luiz Gushiken, José Dirceu, Antônio Palocci entre outros — que permitiram ao governo atrair parte significativa da inteligência nacional. Foi possível dar sequência à manutenção da estabilidade da moeda, fazer ajustes e aperfeiçoar políticas públicas, em virtude da capacidade de entendimento e articulação desses quadros políticos.
E, por último, em que pesem tolices a respeito da ''herança maldita'' que petistas diziam ter recebido do antecessor, a realidade é que Fernando Henrique legou ao país um governo e um Estado bem mais equilibrados do que se possa imaginar encontrar em 2019. Política, econômica e administrativamente, o Brasil era outro, em condições imensamente mais favoráveis que as atuais. A credibilidade dos agentes políticos era incomparável com a atual.
Eventual futuro presidente, nada disto Lula terá novamente. Eleito, tende a ter contra si a maioria da classe média, sobretudo, do Sul e Sudeste do país; o Poder Judiciário, o Ministério Público. E mesmo que consiga compor com o Congresso Nacional, o preço dos apoios será significativamente elevado, inflacionado pelo fisiologismo sabedor da dramaticidade, resultante da necessidade e urgência que presidente e governo terão.
Em paralelo, diante desse quadro de pressões — que estarão presentes já durante a campanha —, como Lula poderá negar retribuição a setores sociais e políticos que estarão ao seu lado, na eleição e após, sustentando-o nas ruas? Como poderá voltar-se, por outro lado, mais uma vez, para aqueles que o estigmatizaram na sociedade, na Justiça e no mercado?
Se em 2003 Lula soube moldar-se às circunstâncias favoráveis que o cercavam, em 2019 terá que transformar as péssimas condições políticas, sociais e econômicas a que será submetido. Mais do que do limão uma limonada, fazer melaço do fel da bílis que o amarga. Isto exigirá do ex-presidente muito mais do que pôde demonstrar até hoje; uma liderança extraordinária que se coloque e se imponha sobre as circunstâncias.
Casos assim são raros na história da humanidade, Lula teria que ombrear-se a um Lincoln, a um Churchill. E o ex-presidente parece estar bem aquém disto. Aliás, não apenas ele, no Brasil e no mundo contemporâneos. Por isso, é bom colocar os pés no chão, compreender os personagens e, sobretudo, as circunstâncias que os cercam. O processo político é muito mais complexo do que supõe os desejos e vã ansiedade.
Carlos Melo
A saturação da servidão
Hoje estão em causa, não as paradas, que é tudo em que as multidões são adestradas, ou a guerra, a que se convidam; está em causa toda uma dinâmica nova para criar o habitat duma humanidade que atingiu a saturação da servidão, depois de há milênios ter dado o passo da reflexão. As pessoas interrogam-se em tudo quanto vivem. A saturação da servidão não é uma revolta; é um sentimento de desapego imenso quanto aos princípios que amaram, os deuses a que se curvaram, os homens que exaltaram.
(...) Mas foi crescendo a saturação da servidão, porque a alma humana cresceu também, tornou-se capaz de ser amada espontaneamente; tudo o que servimos era o intermediário do nosso amor pelo que em absoluto nós somos. Serviram-se valores porque neles se representava a aparência duma qualidade, como a beleza, o saber, a força; esses valores estão agora saturados, demolidos pela revelação da verdade de que tudo é concedido ao corpo moral da humanidade e não ao seu executor.
Um grande terror sucede à saturação da servidão. Receamos essa motivação nova que é a nossa vontade, a nossa fé sem justificação a não ser estarmos presentes num imenso espaço que não é povoado pela mitologia de coisa alguma. Somos novos na nossa velha aspiração: a liberdade é doce para os que a esperam; quando ela for um facto para toda a gente, damos-lhe outro nome.
Agustina Bessa-Luís, "'Dicionário Imperfeito"
Um grande terror sucede à saturação da servidão. Receamos essa motivação nova que é a nossa vontade, a nossa fé sem justificação a não ser estarmos presentes num imenso espaço que não é povoado pela mitologia de coisa alguma. Somos novos na nossa velha aspiração: a liberdade é doce para os que a esperam; quando ela for um facto para toda a gente, damos-lhe outro nome.
Agustina Bessa-Luís, "'Dicionário Imperfeito"
Número de moradores de rua dispara na capital da miséria dos EUA
“Nunca foi tão ruim.” Quem diz isso enquanto caminha pela rua Seis do centro de Los Angeles, Califórnia, viu de tudo em se tratando de miséria. É o policial Deon Joseph, que tem vinte anos de experiência patrulhando na delegacia Central da cidade, situada em meio à maior concentração de pessoas morando nas ruas dos Estados Unidos, o bairro conhecido como Skid Row.
Os números oficiais dão razão ao policial. Pelo menos no tempo que ele está no bairro, a situação nunca esteve tão ruim. A situação dos moradores em situação de rua em Los Angeles, que as autoridades locais já qualificaram de “emergência”, se tornou uma questão nacional este mês, quando foram divulgados os últimos números do fenômeno nos Estados Unidos. O número de pessoas sem teto aumentou 1% no país, o primeiro aumento em sete anos.
O aumento espetacular no condado de Los Angeles, com 23% a mais de sem-teto em um ano, chegando a quase 58.000 pessoas, explica em si os números nacionais. Se não fosse pela região de Los Angeles, a população sem teto teria caído 1,5%. Os números aumentaram em toda a Costa Oeste. Das sete regiões urbanas com mais pessoas sem teto, cinco estão no Pacífico (Los Angeles, Seattle, San Diego, San José e San Francisco).
Nos Estados Unidos há 553.000 pessoas sem moradia segundo o último censo do Departamento de Habitação publicado no início de dezembro. Corresponde a 0,17% da população, uma porcentagem superior ao México (0,04%), mas inferior ao Canadá (0,44%), Reino Unido (0,25%) e Suécia (0,36%), segundo dados compilados pela OCDE. Um em cada cinco vive em Nova York ou em Los Angeles. Em números absolutos, a cidade de Nova York é a que mais tem sem-tetos nos EUA, acima de 76.000. A diferença é que em Nova York, 90% têm onde passar a noite. Três em cada quatro pessoas sem teto em Los Angeles não têm cama em algum albergue ou solução temporária.
O policial Deon Joseph patrulha a pé andando pelo meio da rua Seis, porque não é possível usar as calçadas. São uma mistura de barracas de camping, lixo e ferro-velho, onde vivem milhares de pessoas. De vez em quando, o cheiro é repugnante. Alguns se aproximam para cumprimentar ou contar seus problemas. Joseph diz que essas pessoas se tornaram vítimas das gangues, que cobram pelo espaço nas calçadas, em dinheiro (até 200 dólares por mês) ou em serviços, desde o tráfico de drogas até a prostituição. Em algumas dessas barracas, explica, foram encontradas armas. O comércio está quase à vista. Os estupros são comuns. Carros de alto nível estão estacionados junto a pessoas inconscientes na calçada a quem todo mundo ignora. O crime na região “está fora de controle”, afirma Joseph, atraído pelo tráfico de drogas. O policial é muito crítico com o que considera a “política de não se misturar” das autoridades.
Em uma esquina encontramos Jennifer de León. Praticamente sem dentes, explica que tem 40 anos e mora nesta esquina desde 2009, em uma barraca que começou pequena, mas agora ocupa cerca de seis metros quadrados. Seus pais moram em Desert Hot Springs, a duas horas daqui. Não fala com eles. Vive de uma pensão da Seguridade Social desde os 18 anos que hoje chega a 997 dólares (cerca de 3.200 reais), e no entanto continua na rua. Simplesmente esta é sua vida. Acabou aqui depois de se envolver com o crack e a metanfetamina. Toma banho no albergue mais próximo. Se não precisa ir até lá, faz suas necessidades em um cesto de lixo e joga na rua.
Midnight Mission é um dos albergues mais antigos de Skid Row, fundado em 1914. “Na crise de 29 servíamos um milhão de refeições por ano”, explica Joey Weinert, coordenador dos voluntários do albergue. Aqui se vem para comer, mas também para passar a noite e, se a pessoa consegue se estabilizar, a Midnight Mission oferece uma solução habitacional temporária que lhe permite reconstruir sua vida. “Quem pede ajuda, encontra”, garante Weinert. Todos os habitantes das calçadas de Skid Row podem comer três vezes por dia e conseguem roupa limpa e acesso à higiene pessoal. “É com a Meca dos sem-teto. Aqui estão todos os serviços.”
As causas do aumento dos sem-teto são diversas e profundas. Weinert cita o aumento no consumo de drogas, os efeitos de longo prazo da crise econômica e também a crise habitacional que sofre o condado de Los Angeles, onde o aumento dos preços está erodindo rapidamente a classe média. Esta é a razão mais admitida pelas autoridades locais, em todas as cidades da Costa Oeste. Também afirma que vêm moradores em situação de rua de outros lugares, sabendo que aqui é possível levar essa vida. “Se você está na rua em Chicago nesta época do ano e te oferecem uma passagem de ônibus para a Califórnia, você vai.”
A situação está se ampliando há dois anos para fora do centro da cidade. As barracas aparecem da noite para o dia em toda Los Angeles. A situação é tão evidente que este ano os eleitores aprovaram duas vezes em referendo aumentar os impostos para arrecadar um total de 4,7 bilhões de dólares em 10 anos para construir moradias permanentes para pelo menos 15.000 pessoas sem teto e os serviços de que necessitam. Na semana passada, o prefeito inaugurou a primeira dessas obras.
Weinert não acredita que colocar dinheiro no problema seja a solução. “Se você dá um apartamento a um viciado em crack, seus amigos vão se enfiar ali e o que você fez foi montar um apartamento liberado para a venda de crack.” Não se pode resolver a situação de uma pessoa que está na rua sem resolver antes os motivos de terem chegado à rua, explica, especialmente o vício e os problemas mentais. “Nosso país não cuida dos pobres e dos fracos.”
Os números oficiais dão razão ao policial. Pelo menos no tempo que ele está no bairro, a situação nunca esteve tão ruim. A situação dos moradores em situação de rua em Los Angeles, que as autoridades locais já qualificaram de “emergência”, se tornou uma questão nacional este mês, quando foram divulgados os últimos números do fenômeno nos Estados Unidos. O número de pessoas sem teto aumentou 1% no país, o primeiro aumento em sete anos.
O aumento espetacular no condado de Los Angeles, com 23% a mais de sem-teto em um ano, chegando a quase 58.000 pessoas, explica em si os números nacionais. Se não fosse pela região de Los Angeles, a população sem teto teria caído 1,5%. Os números aumentaram em toda a Costa Oeste. Das sete regiões urbanas com mais pessoas sem teto, cinco estão no Pacífico (Los Angeles, Seattle, San Diego, San José e San Francisco).
Nos Estados Unidos há 553.000 pessoas sem moradia segundo o último censo do Departamento de Habitação publicado no início de dezembro. Corresponde a 0,17% da população, uma porcentagem superior ao México (0,04%), mas inferior ao Canadá (0,44%), Reino Unido (0,25%) e Suécia (0,36%), segundo dados compilados pela OCDE. Um em cada cinco vive em Nova York ou em Los Angeles. Em números absolutos, a cidade de Nova York é a que mais tem sem-tetos nos EUA, acima de 76.000. A diferença é que em Nova York, 90% têm onde passar a noite. Três em cada quatro pessoas sem teto em Los Angeles não têm cama em algum albergue ou solução temporária.
Cena comum na rua Seis, em Skid Row, no centro de Los Angeles |
Além disso, a diferença no clima (a temperatura máxima em Nova York esta semana foi de -5 graus e em Los Angeles, 26) faz com que as pessoas fiquem ao ar livre, nas calçadas de toda a cidade. E em Skid Row é onde esse teatro da miséria norte-americana se mostra mais cru. Nas 50 quadras de Skid Row se concentra a metade dos sem-tetos da cidade de Los Angeles. O detetive Harry Bosch, dos romances policiais de Michael Connelly, define a região assim: “Você atravessa uma rua e está em Calcutá”. Bem assim.
O policial Deon Joseph patrulha a pé andando pelo meio da rua Seis, porque não é possível usar as calçadas. São uma mistura de barracas de camping, lixo e ferro-velho, onde vivem milhares de pessoas. De vez em quando, o cheiro é repugnante. Alguns se aproximam para cumprimentar ou contar seus problemas. Joseph diz que essas pessoas se tornaram vítimas das gangues, que cobram pelo espaço nas calçadas, em dinheiro (até 200 dólares por mês) ou em serviços, desde o tráfico de drogas até a prostituição. Em algumas dessas barracas, explica, foram encontradas armas. O comércio está quase à vista. Os estupros são comuns. Carros de alto nível estão estacionados junto a pessoas inconscientes na calçada a quem todo mundo ignora. O crime na região “está fora de controle”, afirma Joseph, atraído pelo tráfico de drogas. O policial é muito crítico com o que considera a “política de não se misturar” das autoridades.
Em uma esquina encontramos Jennifer de León. Praticamente sem dentes, explica que tem 40 anos e mora nesta esquina desde 2009, em uma barraca que começou pequena, mas agora ocupa cerca de seis metros quadrados. Seus pais moram em Desert Hot Springs, a duas horas daqui. Não fala com eles. Vive de uma pensão da Seguridade Social desde os 18 anos que hoje chega a 997 dólares (cerca de 3.200 reais), e no entanto continua na rua. Simplesmente esta é sua vida. Acabou aqui depois de se envolver com o crack e a metanfetamina. Toma banho no albergue mais próximo. Se não precisa ir até lá, faz suas necessidades em um cesto de lixo e joga na rua.
Midnight Mission é um dos albergues mais antigos de Skid Row, fundado em 1914. “Na crise de 29 servíamos um milhão de refeições por ano”, explica Joey Weinert, coordenador dos voluntários do albergue. Aqui se vem para comer, mas também para passar a noite e, se a pessoa consegue se estabilizar, a Midnight Mission oferece uma solução habitacional temporária que lhe permite reconstruir sua vida. “Quem pede ajuda, encontra”, garante Weinert. Todos os habitantes das calçadas de Skid Row podem comer três vezes por dia e conseguem roupa limpa e acesso à higiene pessoal. “É com a Meca dos sem-teto. Aqui estão todos os serviços.”
As causas do aumento dos sem-teto são diversas e profundas. Weinert cita o aumento no consumo de drogas, os efeitos de longo prazo da crise econômica e também a crise habitacional que sofre o condado de Los Angeles, onde o aumento dos preços está erodindo rapidamente a classe média. Esta é a razão mais admitida pelas autoridades locais, em todas as cidades da Costa Oeste. Também afirma que vêm moradores em situação de rua de outros lugares, sabendo que aqui é possível levar essa vida. “Se você está na rua em Chicago nesta época do ano e te oferecem uma passagem de ônibus para a Califórnia, você vai.”
A situação está se ampliando há dois anos para fora do centro da cidade. As barracas aparecem da noite para o dia em toda Los Angeles. A situação é tão evidente que este ano os eleitores aprovaram duas vezes em referendo aumentar os impostos para arrecadar um total de 4,7 bilhões de dólares em 10 anos para construir moradias permanentes para pelo menos 15.000 pessoas sem teto e os serviços de que necessitam. Na semana passada, o prefeito inaugurou a primeira dessas obras.
Weinert não acredita que colocar dinheiro no problema seja a solução. “Se você dá um apartamento a um viciado em crack, seus amigos vão se enfiar ali e o que você fez foi montar um apartamento liberado para a venda de crack.” Não se pode resolver a situação de uma pessoa que está na rua sem resolver antes os motivos de terem chegado à rua, explica, especialmente o vício e os problemas mentais. “Nosso país não cuida dos pobres e dos fracos.”
Caveira de burro?
Você já deu uma olhada nos nomes listados nas pesquisas de intenção de voto para as futuras eleições presidenciais? Pois é. Integram-nas alguns personagens da nossa cena política que jamais convidaríamos para um jantar em família. Outros há aos quais ninguém de bom senso confiaria a condução de uma microempresa familiar. Tudo indica, porém, que a nação entregará a um deles seu destino quando chamada - mais uma vez! - a escolher com base no inevitável e desesperado critério do mal menor. Caveira de burro, fatalidade?
Qual o perfil do presidente que desejaríamos ter? Honesto, competente, bem instruído nos negócios de Estado. Ademais, animado por um talento de estadista que lhe permitisse formular e sustentar soluções eficazes para nossas dificuldades sociais e econômicas. Sem ser demagogo, teria que estar dotado de excepcional capacidade de comunicação, pois lhe caberia arregimentar a opinião pública num nível capaz de alcançar dezenas de milhões de votos. Para viabilizar sua campanha em âmbito nacional, esse varão de Plutarco precisaria arrecadar uma fortuna entre doadores interessados no bom desempenho da frondosa árvore do poder e totalmente desapegados de sua acolhedora sombra e saborosos frutos.
Chegado ao Planalto nos braços do povo lhe caberia a indispensável tarefa política de compor sua sustentação parlamentar, posto que com nosso pluripartidarismo ela nunca lhe adviria da própria legenda. E mais uma vez, seu envolvente talento e bom programa produziriam o sortilégio de implantar suas ideias em cabeças onde elas não ocupavam qualquer espaço.
Há mais de um século, renunciamos à superior racionalidade do parlamentarismo e começamos a procurar por esse sujeito. E a fé em que o encontraremos resiste a golpes e rupturas institucionais, suicídios e revoluções, num cortejo de débeis honestos, poderosos safados, ditadores, demagogos, oportunistas, corretores da nação, idealistas repetidores de péssimos chavões. Caveira de burro ou burrice do sistema?
Se a concentração de poder no governante e se a possibilidade de partidarizar o Estado e a administração pública são causa relevantíssima de incompetência e corrupção, por que não separar essas funções? Se é tão difícil conseguir apoio parlamentar para medidas inerentes a um determinado plano de governo, por que não fazer dele o tema das campanhas eleitorais, centrando na eleição parlamentar o maior interesse político? Se seria tão apropriado dar a quem concede mandatos, ao eleitor, o poder de cancelá-los em caso de mau desempenho, corrupção ou infidelidade aos compromissos de campanha, por que não instituir o voto distrital com recall (que só é exequível nesse tipo de eleição)?
O presidencialismo brasileiro, com tão longa história de fracassos, se tornou um caso de fetiche. Nenhuma ideia na cabeça de um presidente se concretiza se não estiver antes na cabeça da maioria parlamentar. A importância da eleição do Congresso é uma obviedade que grita nas páginas da História!
Percival Puggina
Qual o perfil do presidente que desejaríamos ter? Honesto, competente, bem instruído nos negócios de Estado. Ademais, animado por um talento de estadista que lhe permitisse formular e sustentar soluções eficazes para nossas dificuldades sociais e econômicas. Sem ser demagogo, teria que estar dotado de excepcional capacidade de comunicação, pois lhe caberia arregimentar a opinião pública num nível capaz de alcançar dezenas de milhões de votos. Para viabilizar sua campanha em âmbito nacional, esse varão de Plutarco precisaria arrecadar uma fortuna entre doadores interessados no bom desempenho da frondosa árvore do poder e totalmente desapegados de sua acolhedora sombra e saborosos frutos.
Há mais de um século, renunciamos à superior racionalidade do parlamentarismo e começamos a procurar por esse sujeito. E a fé em que o encontraremos resiste a golpes e rupturas institucionais, suicídios e revoluções, num cortejo de débeis honestos, poderosos safados, ditadores, demagogos, oportunistas, corretores da nação, idealistas repetidores de péssimos chavões. Caveira de burro ou burrice do sistema?
Se a concentração de poder no governante e se a possibilidade de partidarizar o Estado e a administração pública são causa relevantíssima de incompetência e corrupção, por que não separar essas funções? Se é tão difícil conseguir apoio parlamentar para medidas inerentes a um determinado plano de governo, por que não fazer dele o tema das campanhas eleitorais, centrando na eleição parlamentar o maior interesse político? Se seria tão apropriado dar a quem concede mandatos, ao eleitor, o poder de cancelá-los em caso de mau desempenho, corrupção ou infidelidade aos compromissos de campanha, por que não instituir o voto distrital com recall (que só é exequível nesse tipo de eleição)?
O presidencialismo brasileiro, com tão longa história de fracassos, se tornou um caso de fetiche. Nenhuma ideia na cabeça de um presidente se concretiza se não estiver antes na cabeça da maioria parlamentar. A importância da eleição do Congresso é uma obviedade que grita nas páginas da História!
Percival Puggina
Temer, um governo sem critério para escolher ministros
A essa altura você também deve estar se perguntando: que bagunça é essa, gente? Que país é esse? Ai, eu respondo: é a nossa republiqueta de bananas, conforme-se. Primeiro foi a nomeação do ministro das Cidades, o deputado Alexandre Baldy, de Goiás, envolvido com o bicheiro Carlinhos Cachoeiro, a quem o contraventor chamava de “Menino de ouro”. Agora é a deputada Cristiane Brasil no ministério do Trabalho. Ela é filha do delator Roberto Jefferson, ex-presidiário, que ajudou afundar o PT ao denunciar a cúpula do mensalão. Não seria exagero dizer aqui que a republiqueta também é a Casa de Noca.
É triste, mas é a realidade: o padrão Temer de qualidade só é comparado ao de Dilma, a presidente lunática. Não se exige de seus ministros para nomeá-los nenhuma qualificação profissional. Basta apenas que ele seja de um partido aliado e fiel ao governo. A senhora que hoje chega ao ministério do Trabalho está envolvida na Lava Jato e na podridão dos irmãos Batista, da JBS. Quanto ao pai, dispensam-se comentários. Ao se emocionar com a nomeação da filha, Roberto Jefferson disse que o ato de Temer limpa o nome da família, como se isso apagasse da memória dos brasileiros todo os seus malfeitos ao longo da sua carreira política.
O Palácio do Planalto deixou de ser o local de despacho do presidente para se transformar numa casa de reeducandos. Lá dentro já estão Moreira Franco e Eliseu Padilha, dois ministros da cozinha de Temer envolvidos na Lava Jato. O próprio presidente já responde por crimes de corrupção. Portanto, encher os ministérios de gente envolvida em corrupção parece ser uma coisa muito natural desse governo.
Como um déspota, do alto da poltrona, Temer decide o que é bom para o país ou para si próprio. Bastou a economia apresentar sinal de sobrevivência para ele agir como um chefete de uma republiqueta. Já tentou, com uma canetada, mudar a legislação do trabalho escravo no Brasil, liberar uma área de preservação ambiental na Amazônia para mineração, ajudar amigos presos com indulto natalino e continua, desavergonhadamente, liberando bilhões de reais em emendas para se sustentar no cargo ou aprovar as suas reformas.
Como se não existissem outros poderes da república, Temer age ignorando as leis. Por isso, suas ações descabidas e sem respaldo constitucional têm sido derrubadas no Supremo Tribunal Federal. É lamentável, pois como ex-deputado e jurista ele deveria respeitar a constituição pela experiência no parlamento, onde foi três vezes presidente da Câmara, e como professor de direito constitucional. Mas na presidência tem deixado que assessores despreparados governem por ele, daí as aberrações que chegam ao Congresso Nacional em forma de Medida Provisória e as mudanças das leis por decreto presidencial.
Na verdade, o país está acéfalo, o poder caiu nas mãos de pessoas incapazes e despreparadas para os cargos que ocupam. Veja: Moreira Franco, até a ascensão de Temer, era empregado do PMDB. Vivia às custas do partido, a exemplo de outros ex-parlamentares desempregados. Eliseu Padilha quando perdeu o mandato de deputado também se ancorou nos penduricalhos do partido como dirigente da Fundação Ulysses Guimarães. Como se vê, nenhuma dessas pessoas seria aproveitada em uma empresa privada. Portanto, a saída para a sobrevivência é a de se agrupar dentro de um partido político de onde tiram seu sustento às custas do contribuinte.
Não se esqueça, o presidente Temer é uma invenção do Lula. Partiu dele a ideia de grudá-lo na Dilma por duas razões: precisava de um partido com estrutura para se coligar com o seu e de um politico experiente para monitorar a sua candidata na presidência. Viu-se, depois, traído e o poder escorregar pelos dedos.
Na surdina, Lula quer reeditar essa aliança nos estados com o hoje MDB de Michel Temer nas eleições deste ano, por isso orientou que seus militantes tratem o governo Temer com parcimônia, fazendo uma oposição moderada para não sucumbir nas urnas este ano. Como se vê, mais uma vez o PT pensa primeiramente nos seus interesses fisiológicos. O povo, a quem ele dizia estar aliado, que se lixe.
É lamentável, mas verdadeiro: ainda estamos convivendo com essa herança maldita do PT que pretende voltar ao poder a todo custo. Só nos resta, portanto, rezar muito em 2018.
Jorge Oliveira
É triste, mas é a realidade: o padrão Temer de qualidade só é comparado ao de Dilma, a presidente lunática. Não se exige de seus ministros para nomeá-los nenhuma qualificação profissional. Basta apenas que ele seja de um partido aliado e fiel ao governo. A senhora que hoje chega ao ministério do Trabalho está envolvida na Lava Jato e na podridão dos irmãos Batista, da JBS. Quanto ao pai, dispensam-se comentários. Ao se emocionar com a nomeação da filha, Roberto Jefferson disse que o ato de Temer limpa o nome da família, como se isso apagasse da memória dos brasileiros todo os seus malfeitos ao longo da sua carreira política.
O Palácio do Planalto deixou de ser o local de despacho do presidente para se transformar numa casa de reeducandos. Lá dentro já estão Moreira Franco e Eliseu Padilha, dois ministros da cozinha de Temer envolvidos na Lava Jato. O próprio presidente já responde por crimes de corrupção. Portanto, encher os ministérios de gente envolvida em corrupção parece ser uma coisa muito natural desse governo.
Como um déspota, do alto da poltrona, Temer decide o que é bom para o país ou para si próprio. Bastou a economia apresentar sinal de sobrevivência para ele agir como um chefete de uma republiqueta. Já tentou, com uma canetada, mudar a legislação do trabalho escravo no Brasil, liberar uma área de preservação ambiental na Amazônia para mineração, ajudar amigos presos com indulto natalino e continua, desavergonhadamente, liberando bilhões de reais em emendas para se sustentar no cargo ou aprovar as suas reformas.
Como se não existissem outros poderes da república, Temer age ignorando as leis. Por isso, suas ações descabidas e sem respaldo constitucional têm sido derrubadas no Supremo Tribunal Federal. É lamentável, pois como ex-deputado e jurista ele deveria respeitar a constituição pela experiência no parlamento, onde foi três vezes presidente da Câmara, e como professor de direito constitucional. Mas na presidência tem deixado que assessores despreparados governem por ele, daí as aberrações que chegam ao Congresso Nacional em forma de Medida Provisória e as mudanças das leis por decreto presidencial.
Na verdade, o país está acéfalo, o poder caiu nas mãos de pessoas incapazes e despreparadas para os cargos que ocupam. Veja: Moreira Franco, até a ascensão de Temer, era empregado do PMDB. Vivia às custas do partido, a exemplo de outros ex-parlamentares desempregados. Eliseu Padilha quando perdeu o mandato de deputado também se ancorou nos penduricalhos do partido como dirigente da Fundação Ulysses Guimarães. Como se vê, nenhuma dessas pessoas seria aproveitada em uma empresa privada. Portanto, a saída para a sobrevivência é a de se agrupar dentro de um partido político de onde tiram seu sustento às custas do contribuinte.
Não se esqueça, o presidente Temer é uma invenção do Lula. Partiu dele a ideia de grudá-lo na Dilma por duas razões: precisava de um partido com estrutura para se coligar com o seu e de um politico experiente para monitorar a sua candidata na presidência. Viu-se, depois, traído e o poder escorregar pelos dedos.
Na surdina, Lula quer reeditar essa aliança nos estados com o hoje MDB de Michel Temer nas eleições deste ano, por isso orientou que seus militantes tratem o governo Temer com parcimônia, fazendo uma oposição moderada para não sucumbir nas urnas este ano. Como se vê, mais uma vez o PT pensa primeiramente nos seus interesses fisiológicos. O povo, a quem ele dizia estar aliado, que se lixe.
É lamentável, mas verdadeiro: ainda estamos convivendo com essa herança maldita do PT que pretende voltar ao poder a todo custo. Só nos resta, portanto, rezar muito em 2018.
Jorge Oliveira
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