terça-feira, 8 de outubro de 2019

Briga do PSL expõe a mercantilização da política

A sucessão de escândalos transformou a democracia brasileira num projeto político que saiu pelo ladrão. Nesse projeto, os partidos passaram a ter uma função mercantil. A desavença de Jair Bolsonaro com o seu PSL é apenas mais uma evidência do fenômeno. O presidente tem mais de 100 milhões de razões para espinafrar o PSL e o presidente da legenda, Luciano Bivar —como fez em contato com correligionários, na frente do Alvorada. Por trás da desqualificação está uma disputa por uma caixa registradora com R$ 103 milhões em verbas públicas. Esse é o valor que o PSL passou a beliscar no fundo partidário depois que se tornou, em 2018, a segunda maior bancada da Câmara.


Antes de se associar a Bolsonaro, o PSL não existia. Sua microbancada de dois deputados era um asterisco sujo. Compôs a milícia parlamentar de Eduardo Cunha. Acompanhou o ex-presidemte corrupto da Câmara até a beirada do precipício. Depois da cassação do mandato de Cunha, o próprio Luciano Bivar assumiu uma cadeira de deputado como suplente. Com três representantes, o PSL integrou-se à bancada dos coveiros, ajudando a enterrar na Câmara as denúncias criminais contra Michel Temer.

Foi esse partido que Bolsonaro escolheu para apresentar ao eleitorado brasileiro o teatro da nova política. Dono do PSL, Luciano Bivar comportou-se como homem de negócios. Terceirizou o partido a Bolsonaro durante a campanha, com o compromisso de reassumir depois da eleição. Bivar passou o comando a Gustavo Bebianno, na época homem de confiança do candidato. Consumado o êxito, ele voltou a administrar o empreendimento. Daí o conflito.

Costuma-se dizer que o noticiário político deveria sair na seção de polícia. No caso do PSL, o caderno de economia talvez fosse a melhor opção. Hoje, o partido atua no ramo cítrico. Dedica-se à produção de laranjas. E enfrenta uma disputa societária. Julgando-se responsável pelo salto nos lucros, Bolsonaro não se conforma em exercer papel secundário na distribuição dos dividendos. Nessa briga, o brasileiro entra com o bolso, pois o PSL, como os demais partidos, é 100% financiado pelo déficit público.

Na cultura, governo asfixia críticos e monta máquina de propaganda

Sem muito constrangimento, a Caixa mudou os critérios de seleção de projetos culturais que serão exibidos nas salas e espaços mantidos pelo banco. Os novos itens foram elaborados sob medida para censurar temas incômodos e barrar artistas críticos a Jair Bolsonaro.

Num governo que não esconde a disposição em perseguir adversários e beneficiar puxa-sacos, a patrulha e o aparelhamento na área cultural chamam atenção pela desfaçatez. A atuação de órgãos oficiais reflete um esforço para asfixiar o pensamento diverso e montar uma máquina de propaganda com dinheiro público.

A Caixa pediu que os funcionários responsáveis pelo processo de escolha de projetos patrocinados pelo banco investiguem as redes sociais de artistas e façam um relatório com “possíveis pontos de polêmica de imagem” para a instituição.



Poderia ser uma preocupação empresarial razoável, mas a papelada cita especificamente “manifestações contra a Caixa e contra governo”.

Bolsonaro é um crítico feroz das políticas de financiamento cultural, mas o primeiro passo de seu governo não foi o aperfeiçoamento dessas diretrizes. Na prática, as torneiras do dinheiro público continuarão abertas —apenas, é claro, para artistas e projetos que estejam alinhados à linha ideológica governista.

Um caso emblemático é a cessão de um teatro no Rio a uma companhia de orientação evangélica. O dramaturgo bolsonarista Roberto Alvim, da Funarte, afirmou que pretende formar um “exército de artistas espiritualmente comprometidos com nosso presidente e seus ideais”.

A submissão de políticas públicas ao personalismo rasteiro é explícita. Bolsonaro já havia seguido esse caminho quando disse, há alguns meses, que implantaria um “filtro” na seleção de filmes atendidos por programas de fomento da Ancine.

Esse não é um mero exercício de conservadorismo. Em períodos autoritários, o país já conviveu com departamentos que trabalhavam exclusivamente para explorar e manipular a cultura a serviço de governantes.

Messias, pastor de ovelhas

Deixa eu orar aqui agora. Não sou pastor, não. Meu Deus, salve, lave a cabeça dessa imprensa fétida que nós temos. Lave a cabeça deles, que bote coisas boas dentro da cabeça, que possam perguntar, me ajudar a publicar matéria para salvar o nosso Brasil. Eles não viam problemas em governos anteriores. Vamos ajudar o Brasil. Vocês são importantíssimos para salvar o Brasil. Parem de perguntar besteira
Jair Bolsonaro

Estado, desigualdade e crescimento

Todos os governos e sociedades deveriam buscar um modelo de desenvolvimento que conjugasse crescimento econômico, estabilidade, sustentabilidade e justa distribuição de renda. Nem sempre isso ocorre. No Brasil a desigualdade é extrema. Temos a maior concentração de renda, medida pelo índice de Gini, se comparados com todos os países integrantes da OCDE.

Isso tem levado especialistas a mergulhar no debate sobre as raízes da desigualdade no Brasil e das alternativas de mudança. É o caso do economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que produziu recentemente interessante estudo que leva o título deste meu artigo e vale a pena ser lido e debatido.

A preocupação central é atacar as desigualdades para “deslanchar um círculo virtuoso de crescimento inclusivo e sustentável”, começando por desfazer a falsa contradição entre crescimento e distribuição de renda, oportunidades e riqueza.




O problema é que não só a desigualdade é escandalosa, mas é permanentemente reproduzida por mecanismos institucionais e informais. Exemplo disso é que os dois maiores sistemas públicos, o previdenciário e o tributário, são regressivos. Dito de outra forma, transferem renda dos mais pobres para os mais ricos.

O estudo aponta que as reformas previdenciária, tributária e do Estado e a redução de subsídios e gastos tributários poderiam, ao longo de alguns anos, economizar 9% do PIB. Do fim da Segunda Guerra Mundial a 1979, a renda per capita brasileira dobrou em relação à dos EUA. Mas a crise do petróleo e o choque de juros internacionais foram fatais. E começamos a patinar numa sucessão de crises inflacionárias e de balanço de pagamento, insistindo no erro de apostar no fechamento da economia e na forte intervenção estatal e dando pouca ênfase a educação, produtividade e igualdade. A desigualdade caiu, a partir de 1988, fruto da nova Constituição e das políticas sociais dos governos FHC e Lula, notadamente a valorização do salário mínimo, a melhoria dos indicadores de saúde e a criação de programas como o Benefício de Prestação Continuada (idosos e pessoas com deficiência) e o Bolsa Família. Mas estudos recentes mostram que a queda da desigualdade foi menor do que se imaginava.

A má qualidade dos serviços públicos, a grande informalidade no mercado de trabalho e os raquíticos níveis de cobertura no saneamento retratam um quadro social dramático. Soma-se a isso a desigualdade de oportunidades, notadamente na área educacional, e a captura do aparato governamental por interesses patrimonialistas.

Armínio Fraga identifica ser possível diminuir drasticamente subsídios diretos e indiretos, introduzir mudanças na tributação da renda da pessoa física e da renda do capital, ampliar a tributação sobre heranças segundo padrões internacionais, combater a informalidade no mercado de trabalho e reduzir as taxas de juros, propiciando uma economia de 9% do PIB, que poderiam ser distribuídos na geração de superávit primário para estancar o agravamento da situação fiscal e do endividamento (3%) e no aumento de investimentos sociais, em pesquisa e infraestrutura (6%).

As escolhas são políticas. Cabe a todos nós escolher qual o trecho do hino nacional vamos cantar: permanecer “deitado em berço esplêndido” ou mostrar que o “filho teu não foge à luta”.

Pensamento do Dia


A 'podernite'

Os governantes, regra geral, padecem de grave doença: a ‘podernite’. Que afeta, sobretudo, membros do Poder Executivo, a partir do presidente da República, governadores e prefeitos, podendo, ainda, pegar protagonistas de outros Poderes e os corpos da burocracia.

Como todas as ites, trata-se de uma inflamação, que, ao invés de atacar o corpo, invade a alma. Podemos designá-la como a “doença do poder’”. Se alguém quiser associá-la ao egotismo, a importância que uma pessoa atribui a si mesmo, está correto, pois os conceitos são próximos.


O presidente Bolsonaro, vez ou outra, avisa que o poder é dele. Inclusive, o poder da caneta BIC, substituída pela caneta Compactor, quando tomou conhecimento que a primeira é de origem francesa. (Bolsonaro, lembremos, azucrinou o presidente Emmanuel Macron por conta da questão amazônica). O STF, nos últimos tempos, tem pontuado: em última instância, o poder é nosso. A decisão de conceder aos delatados a condição de serem os últimos a falar nas investigações da Lava Jato é um exemplo do poder da última palavra.

O Legislativo, assustado com a invasão de suas competências e queixoso da debilidade do governo na frente da articulação política, assume papel de protagonista principal em matéria de reformas. Nesse ciclo de grandes interrogações, cada qual quer ter mais poder. Até porque no vácuo, um poder toma o lugar de outro.

O poder traz fruição, deleite, sentimento de onipotência. Governantes e até burocratas se acham donos do pedaço, tocados pela ideia de que são eles que conferem alegrias e tristezas, fecham e abrem horizontes, fazem justiça.

A ‘podernite’ tem graus variados de metástase. Nos homens públicos qualificados, talhados pela razão, os tumores são de pequena monta. Nos Estados mais desenvolvidos, com culturas políticas mais evoluídas, a doença não se espalha muito porque as críticas da mídia e de grupos formadores de opinião funcionam como antivírus. Nos Estados menos aculturados, dominados por estruturas paternalistas e sistemas feudais, a doença geralmente chega a graus avançados.

O primeiro sintoma da doença é a insensibilidade. Só ouve o que quer ouvir. O grito rouco das ruas é para eles uma sinfonia distante. Da insensibilidade, deriva a arrogância. Governantes transformam-se em soberanos, querendo que cidadãos vistam o manto de súditos e achando que os programas governamentais constituem um favor e não um dever. Nessa esteira, desenvolve-se o assistencialismo, com pequenos sacos de migalhas distribuídas a esmo.

A construção da identidade de um Governo transforma-se, assim, em culto à personalidade, sob os aplausos da plêiade de amigos e oportunistas. Alguns governantes descobriram as vantagens das redes sociais e capricham no envio de mensagens, vídeos e fotos sobre sua performance, desprezando a sábia lição de nossos avós: “elogio em boca própria é vitupério”.

O obreirismo inconsequente também passa ser eixo das administrações, no fito de fixar marcas. E é porque faltam recursos. Vivemos momentos de quebradeira geral. Mas o “balonismo pessoal” (fenômeno de enchimento do balão do ego) é impulsionado por levas de áulicos. Ocorre que o Produto Nacional Bruto da Felicidade – o PNBF – não sobe. Os bolsos continuam secando. E a indignação social se expande.

Por isso, as pessoas se afastam dos governantes. Só mesmo grandes sustos – como queda de popularidade – trazem-nos à realidade. Nesse momento, percebem que o poder é uma quimera. Volta-se contra eles mesmos.

Senhores, esta é a dura realidade: a glória mítica de palanques, os palácios, os ministérios e as instâncias da Justiça são coisas passageiras. Mudam como as nuvens. (A propósito, as caravanas que pediam Lula Livre hoje se mobilizam para pedir o Lula Preso. Porque da sede da PF em Curitiba onde está, ele consegue fazer mais barulho do que em seu apartamento de São Bernardo do Campo). Eita, Brasil mutante, ou se quiserem, Brasil do chiste.

Só faltava essa: O procurador de Justiça de Minas Gerais, Leonardo Azeredo dos Santos, ganha R$ 24 mil mensais e garante que esta quantia é um “miserê”. O que dirão os milhões de brasileiros desempregados ou aqueles que põem no bolso o mísero salário mínimo?

Os pacientes de ‘podernite’ agem como Vespasiano, o Imperador, que, na beira da morte, ficava gracejando numa cadeira: Ut Puto Deus Fio (Parece que Me Transformo num Deus).
Gaudêncio Torquato

As desventuras de uma imprensa sem povo

É claro que cada um tem a sua própria medida de tolerância. Mas senão pelo coletivo, ele mesmo, que é uma entidade autônoma com comportamento independente dos indivíduos que o compõem, certamente para os interlocutores da multidão que vivem de voto ainda é a imprensa, mais que qualquer outra força, que pauta todas as instâncias do “Sistema”, do vereador ao ministro do STF, sobre quais os assuntos que ele está ou não obrigado a tratar com prioridade e dentro de quais limites.

A quebra do paradigma tecnológico reduziu substancialmente a barreira de acesso a esse poder. A democratização da disponibilização de recursos gráficos e audiovisuais de qualidade para a produção de conteúdos com alcance planetário nas redes sociais multiplicou exponencialmente a quantidade de gente capaz de fazer barulho à primeira vista aparentado com jornalismo. Mas mais cedo do que tarde o mero fazedor de barulho terá a sua militância identificada como o que é.

As condições mínimas para ser acatado como uma instituição da República – o “4° Poder” sem o qual não existe democracia – continuam as mesmas de sempre: estar equipado para cobrir em primeira mão os assuntos que serão a matéria prima do debate político nacional respeitando um código de ética para o tratamento das controvérsias de todos conhecido, e ser “eleito” por um grupo numérica ou sociologicamente significativo da sociedade em que atua, o que não se consegue sem ter clareza bastante no seu tão inevitável quanto desejável posicionamento ideológico para que todo leitor/espectador saiba como se posicionar em relação a ele para amá-lo ou para odiá-lo.


A “isenção”, extensamente marquetizada no Brasil do século passado, não sendo humana, é sempre fake. O registro burocrático do “outro lado” é nada menos que uma falsificação quando, como quase sempre, ha desproporção na exposição de cada um. E justapor opiniões “contra” e “a favor”, mais frequentemente do que não, ou é um artifício silogístico para furar o viés editorial oficialmente adotado por um veículo “com dono jornalista”, coisa raríssima no Brasil de hoje em dia, ou um meio para pôr alguma coisa sob suspeita sem assumir essa atitude. Nenhum desses expedientes tem qualquer coisa a ver com um esforço genuinamente jornalístico de apuração e busca da verdade que é coisa que não se afere pelo resultado que possa dar mas pela trajetória percorrida pela reportagem que deve ser relatada com minúcia suficiente para convencer o leitor/espectador de que de fato foi feito.

As regras que balizam o 4° Poder estão entre aquelas não escritas do jogo democrático reconhecidas tanto por quem sabe quanto por quem não sabe descrevê-las verbalmente, e que por isso mesmo têm infinitamente mais força que todas as que são escrevinhadas ou gritadas por aí para tentar anulá-las. E é exatamente pela força que tem o “
 Poder” que ha tanta gente empenhada em falsificá-lo e até manuais de conquista do poder através da sistematização cientificamente orientada dessa falsificação como são o de Antonio Gramsci e as novas técnicas de algoritimização do endereçamento da mentira.

No Brasil de hoje é fácil identificar, entre os principais veículos de imprensa escrita, falada, televisiva ou de internet, 1) os que olham o país, seja com os olhos da esquerda, seja com os olhos da direita da “privilegiatura”, entendida como o restrito grupo legal e constitucionalmente credenciado para disputar o poder e o pequeno exército que, uma vez “lá”, ele unge com a dispensa de segurar o emprego e disputar a ascensão nas carreiras com a entrega de resultados e com o “direito adquirido” de se apropriar de metade da renda nacional sem dar nada em troca para a coletividade, 2) os que, no esforço para permanecer “no meio”, atrelam o seu olhar às instituições … que criaram a “privilegiatura” que continuará onde está enquanto elas “estiverem funcionando”, 3) os que tudo referem a uma abordagem policialesca focada exclusivamente nos efeitos e não nas causas dos aleijões institucionais brasileiros, e 4) quem faça tudo isso no todo ou em parte numa linguagem mais culta ou vazada em tons variados de um “populismo jornalístico” que ecoa, contra ou a favor, os populismos que se alternam no poder.

Assim, a imprensa acaba, inevitavelmente, ficando cínica como os “lados” a que se atrela, ou alienada, quando não insuportavelmente injusta como são as “instituições que funcionam” ou ainda superficial e perigosamente jacobina como poderá ser também qualquer dos lados que “apropriar-se” do Poder Judiciário. É por isso que a imprensa inteira está hoje na mesma cesta do resto do País Oficial onde o País Real, com o justo rancor dos traídos, a vê.

O anti-intelectualismo que, com um século de atraso como tudo o mais, tem a sua versão brasileira, não é, como alguns querem fazer crer, uma atitude gratuita de inimigos de nascença da cultura, é uma resposta ao elitismo europeu; mais precisamente à rejeição da tentativa de desclassificação do senso comum como ferramenta competente de solução de problemas da comunidade. Ou em outra formulação mais chã, uma reação à exclusão da comunidade da solução dos problemas da comunidade; um basta à busca a esta altura nada menos que hipócrita de uma elite alienada por respostas exclusivamente onde há cinco séculos, 19 anos e 10 meses o País Real mais a torcida do Corinthians estão carecas de saber que elas não estão.

É preciso começar tudo de novo. No Brasil tudo está em aberto. As instituições estarem funcionando não é a solução, é o problema. Ainda está por ocorrer o ato fundador da sociedade democrática brasileira. E a imprensa só encontrará um tom digno do papel do jornalismo numa democracia; a imprensa só se tornará inteligível para o Brasil Real – a única condição da sua sobrevivência – se e quando partir do elemento essencial do drama brasileiro que é, em pleno 3° Milênio, sermos ainda uma sociedade feudal onde as linhas divisórias não são de classe, na horizontal, são de casta, na vertical.

O poder amoleceu o coração de Moro

O exercício do poder amoleceu o coração de Sergio Moro. Antes de virar ministro, ele se vendia como um implacável caçador de corruptos. Agora se mostra um aliado compreensivo, disposto a perdoar todos os suspeitos que o cercam.

Quando pontificava em Curitiba, o então juiz dizia que o caixa dois era “um crime contra a democracia”. “A corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito”, sentenciou, numa palestra em 2017.

Ao pendurar a toga, ele foi confrontado com as confissões de Onyx Lorenzoni, que admitiu ter recebido R$ 100 mil no caixa dois. Generoso, disse que o colega continuava a contar com sua “grande admiração”. “Ele admitiu o erro, pediu desculpas e tomou providências para repará-lo”, justificou.

No caso Queiroz, Moro continuou a tapar os olhos. O Coaf apontou as movimentações suspeitas de Flávio Bolsonaro e os cheques na conta da primeira-dama, mas o ex-juiz não viu nada de errado. Ao ser questionado no Congresso, alegou que as perguntas eram “ofensivas” e saiu de fininho, sem responder.

Cada vez mais longe da sonhada vaga no Supremo, Moro passou do silêncio complacente à defesa aberta do chefe. No domingo, ele correu ao Twitter para defender Jair Bolsonaro no caso do laranjal do PSL.

De acordo com reportagem da “Folha de S.Paulo”, um depoimento e uma planilha apreendida pela Polícia Federal indicam que a campanha do presidente recebeu dinheiro de caixa dois.

Moro disse que o relato “não condiz com a realidade” e que Bolsonaro fez a campanha presidencial “mais barata da História”. “Nem o delegado, nem o Ministério Público, que atuam com independência, viram algo contra o PR (presidente)”, escreveu.

A declaração revela que o ministro teve acesso privilegiado a um inquérito da PF, e já se apressou a absolver o chefe. Além disso, contraria outra promessa de Moro: a de não usar o cargo para atuar como advogado de defesa do governo.

O que diria o juiz da Lava-Jato?

Pensamento do Dia


Máquina de guerra

Quando surgiu a notícia de que o Ministério da Cidadania havia demitido 19 funcionários do Centro de Artes Cênicas da Funarte, a primeira reação foi de aplauso. Afinal, o governo afastava o diretor Roberto Alvim, que, entre outras barbaridades, ofendeu Fernanda Montenegro como “mentirosa” e “sórdida”. Ledo engano. Era bom demais para ser verdade.

Logo ficou claro o contrário: foram demitidos os coordenadores, gerentes e subgerentes, menos... o chefe Alvim! Ou seja, o governo “limpou a área” para Alvim fazer o que bem entender.

Esse é apenas mais um capítulo da nova guerra ideológica do governo Jair Bolsonaro, com o mundo todo já espantado com sua visão e suas declarações sobre meio ambiente – aliás, o tema central do Sínodo que ocorre neste momento no Vaticano, sob a liderança do papa Francisco.


É enorme o estrago à imagem do Brasil no exterior, por desmatamento, queimadas e, agora, a gravíssima mancha de óleo nas praias de todo o Nordeste, mas principalmente pela nova política para o setor. Ainda enfrentando essa frente, o governo já aprofunda os ataques, investidas e ingerências na área da cultura, onde habitam velhos fantasmas do bolsonarismo, embolados no tal “marxismo cultural”.

A expressão, sempre presente nos escritos e nas falas do chanceler Ernesto Araújo, é também frequente no mundo e nas fantasias do diretor Roberto Alvim, que também vê inimigos esquerdistas e perigosos por toda a parte, prontos a implodir a “cultura judaico-cristã do Ocidente”.

Alvim, que quer transformar o Teatro Glauce Rocha em “teatro evangélico”, seja lá o que isso seja, também já vinha conclamando “profissionais conservadores” a integrarem uma “máquina de guerra cultural” na Funarte. Ai, que medo! Imaginem só o que vai virar o Centro de Artes Cênicas. Um amontoado de críticos à nossa produção cultural, nossos diretores, nossos atores.

A Funarte, porém, é só mais um dos alvos do Planalto e do Ministério da Cidadania, que engoliu o da Cultura já na posse. A artilharia contra a cultura se expande por todas as áreas do governo, até a financeira. No mesmo dia do anúncio das demissões na Funarte, veio a notícia de que a produção cultural da Caixa Econômica Federal agora é sujeita ao crivo ideológico da presidência do órgão e da Secom do Planalto.

Isso remete ao veto de Bolsonaro a uma peça publicitária do Banco do Brasil dedicada ao público jovem, porque incluía a diversidade racial e sexual. Ou ao ataque que ele fez à Ancine, condenando seus “filmes pornográficos” e defendendo que deveriam enfocar os “heróis nacionais” – leia-se, os heróis do próprio Bolsonaro, como o coronel Brilhante Ustra, fartamente apontado como torturador?

Do outro lado, Chico Buarque, excelente escritor e ícone da música de várias gerações, além de não ser “herói”, é tratado como inimigo: a embaixada brasileira em Montevidéu acaba de suspender um documentário sobre o Chico. O Chico! É inacreditável, mas pode acreditar.

A reação já começa, com manifestações de apoio e a devida reverência à diva Fernanda Montenegro e com decisões judiciais como a de ontem, da juíza Laura Bastos de Carvalho, da 11.ª Vara do Rio, que suspendeu por liminar uma portaria do Ministério da Cidadania sobre projetos da Ancine para TVs públicas.

A juíza atendeu a um pedido do Ministério Público, que apontou na portaria, além de prejuízo ao erário, “inequívoca discriminação por orientação sexual e identidade de gênero”. O STF, diga-se, acaba de criminalizar a homofobia.

Demissões, perseguições e censura, além de asfixia financeira da cultura... Isso, sim, é muito “sórdido”.

O fogo dos diabos

O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho. O fogo de Deus é calor que atrai e congrega em unidade. Alimenta-se com partilha, não com os lucros.
O fogo devorador alastra quando se quer fazer triunfar apenas as próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar as diferenças para homogeneizar tudo e todos
Papa Francisco

Uma lição que vem da África

Dia desses, lendo a fascinante revista “New African”, deparei-me com um extenso artigo de seu editor, Baffour Ankomah, digno de reflexão não apenas por cada brasileiro, mas por cada latino-americano. Tentarei resumi-lo.

Voltando o olhar ao passado, registra o autor que “em 1581, o escritor inglês John Hales, cansado de ver sua pátria empobrecer mais e mais, enquanto enriquecia outras terras no continente através da exportação de matéria-prima, lamentava amargamente: que vítimas da esperteza temos sido… entregamos nossos materiais, proporcionando emprego a estrangeiros, para comprá-los novamente depois”.

“Nesta época”, recorda ele, “a Inglaterra era apenas um produtor de matéria-prima, que exportava lã para a Holanda e Itália, e importava as roupas lá produzidas”. Observa, em seguida, que “um patriota, Hales lamentava porque enxergava algo que seus compatriotas se recusavam a ver – a lógica simples de uma lei básica da economia, que dizia, e ainda diz, que, ao exportar matéria-prima para a Itália e a Holanda, a Inglaterra igualmente exportava empregos e vantagens”.


Assim porque, “como o economista e historiador norueguês, o Professor Erik S. Reinert, apontou, entre a matéria-prima e o produto finalizado há um multiplicador: um processo industrial que demanda e cria conhecimento, mecanização, tecnologia, divisão de trabalho, maiores lucros, e, acima de tudo, emprego para as massas de subempregados e desempregados que sempre caracterizam os países pobres”.

Chegou-se, então, a 1721, quando Robert Walpole assumiu o cargo de Primeiro-Ministro, implementando uma política de estímulo à indústria inglesa e ao comércio, enquanto deliberadamente impedia as colônias de fazerem o mesmo, pois que deveriam permanecer apenas na condição de exportadoras de matéria-prima.

Em um de seus mais famosos pronunciamentos perante o Parlamento inglês, este grande governante assim se manifestou: “É evidente que nada contribui mais para a promoção do bem-estar da população que a exportação de produtos manufaturados e a importação de matéria-prima estrangeira”.

Esta política protecionista de Walpole, sabemos todos, contrastou com a “economia colonial” imposta aos africanos e latino-americanos, baseada no extrativismo puro e simples. Nestas regiões, seja através de processos de convencimento ou de imposição, a ordem do dia sempre foi a exportação de riquezas não-renováveis e produtos agrícolas em estado bruto.

Vamos a um exemplo moderno, citado pelo professor africano Calestous Juma: “Em 2014, a África exportou US$ 2,4 bilhões em café. A Alemanha, que não é um produtor, mas um processador, reexportou quase US$ 3,8 bilhões. Esta disparidade é um chamado para que a África agregue valor ao seu café”.

Alerta ele, então, para o fato de que as fontes de matéria-prima não são eternas, e bem assim para a verdade de que o conhecimento humano cresce com o seu uso. Estaria aí, neste aprimoramento da competência humana, o segredo da diversificação industrial, da criação de empregos e da prosperidade econômica.

A partir da análise destes fatos históricos e dados econômicos, o Professor Reinert concluiu, então: “a História ensina que quanto mais um país se especializa em produzir matéria-prima, mais pobre ele se torna”. E acrescenta: “assim, se você desejar entender as causas da prosperidade dos Estados Unidos e da Europa, estude as políticas que eles criaram, e não os conselhos que hoje, ignorando o passado, oferecem”.

É neste ponto que o autor do texto, do alto de sua indignação cidadã, contemplando o pobre povo que habita seu rico continente, exclama: está ouvindo, África? Pois é. A ele peço licença para igualmente perguntar: está ouvindo, Brasil?

Pedro Valls Feu Rosa

Os patifes sempre são os outros

Não dá para continuar com tanta patifaria por parte de vocês (jornalistas). Isso é covardia e patifaria.  Lamento a imprensa agir dessa maneira, o tempo todo mentindo, distorcendo, difamando.
Vocês (jornalistas) querem me derrubar? Eu tenho couro duro, vai ser difícil. Continuem mentindo
Jair Bolsonaro

Bolsonaro e a ingovernabilidade

Nove meses de crises. Assim pode ser definida a presidência de Jair Bolsonaro. E todas as crises foram criadas pelo governo. A fragilidade da oposição partidária e seu desinteresse em construir obstáculos reais ao Palácio do Planalto deram ao presidente a chance de colocar em prática suas ideias. Porém, a inexistência de um programa de governo fez com que a oportunidade fosse perdida. Como não há vazio de poder, o Congresso Nacional, especialmente a Câmara dos Deputados, acabou determinando o ritmo político. Se a Reforma da Previdência foi encaminhada — ainda aguarda a aprovação final do Senado —, deve-se à articulação construída pelos parlamentares à margem da coordenação do Planalto. Se nos primeiros meses de governo foi possível substituir a inépcia do Executivo, nada indica que isto poderá se repetir durante os próximos meses. Menos ainda se pensarmos na gestão, que vai até o final de 2022 — se o presidente resistir até lá.



A ingovernabilidade é a principal marca de Jair Bolsonaro. A rejeição a fazer política no sentido republicano, a estabelecer um diálogo construtivo com o Congresso Nacional e a ouvir a sociedade civil criou uma fratura que foi crescendo ao longo dos meses. O pior é que o presidente não sinaliza pretender alterar a estratégia de sempre buscar o confronto. Pelo contrário, indica que vai continuar o embate, questionando as instituições e atacando o estado democrático de direito. Acredita que solapando as bases da Constituição de 1988 abrirá condições para governar sem amarras legais. Isso significa que para ele a institucionalidade é um obstáculo. E é mesmo. Graças à ordem legal construída desde a promulgação da Carta Magna, as antigas aventuras golpistas estão dificultadas pelo arcabouço democrático, produto de uma longa luta que, sem exagero, pode ter seu início lá na Primeira República. Além do que, o panorama mundial — e mesmo o da América Latina — não é mais propício aos regimes ditatoriais.

Em vez de atacar a democracia e o arcabouço das garantias jurídicas arduamente criadas, o presidente precisa encontrar seu Caminho para Damasco
É imprescindível para que o Brasil tenha condições de enfrentar — e vencer — os graves problemas nacionais a conversão de Jair Bolsonaro à democracia. Ele tem de encontrar o seu Caminho para Damasco. Os ataques sucessivos às instituições poderão conduzir o País para uma grave crise política com terríveis consequências econômicas. É fundamental que as forças políticas, as lideranças empresariais e a sociedade civil tomem a iniciativa de dar um brado de alerta antes que seja tarde.
Marco Antonio Villa

Brasil de futuro


Não há como tirar as crianças da sala

Na semana passada, escrevi um artigo sobre o Supremo. As coisas de sempre, bloqueio de investigacões financeiras, o flerte com o autoritarismo.Mas com tanto problema interno no Brasil, deixei de lado algo que talvez possa contribuir: a passagem de Greta Thunberg pela ONU e as reacões que ela suscitou no Brasil.

Muitos estranharam o fervor da adolescente. Mas ela vem de uma cultura em que, apesar do grande avanço material, a religião ainda tem um peso.A religião é um dos temas resilientes. Ela nunca desaparece, comunistas e liberais são constantemente apontados como adeptos de uma religião secular.

Isso é secundário diante do agravamento da crise ambiental. Ela não só está produzindo personalidades como Greta, mas influencia também as crianças do mundo inteiro.As praias de Alagoas, depois do vazamento de óleo, foram limpas por crianças de escolas primárias e seu discurso era bastante consciente da gravidade do problema.

Adultos costumam se irritar com a precocidade política. Esquecem, no entanto, que estão diante de um tema singular, diferente dos outros. Crianças o tomam como seu porque entendem que o próprio destino em jogo. Têm portanto legitimidade.

Há uma diferença entre nós, que muitos vezes fomos chamados ecochatos, e esta novíssima geração. A tendência nos primórdios do movimento, era considerar a luta ambiental como uma atitude ética em relação aos que viriam depois de nós.

O discurso de Greta não enfatiza novas gerações, mas a dela própria. É simultaneamente uma cobrança e uma acusação. Os adolescentes se colocam no centro do drama.

As pessoas que combatem Greta ou se assustam com seu tom talvez não tenham ainda uma ideia nítida de como as coisas vão se complicar.Um exemplo disso é o surgimento de novas organizações, um pouco diferentes do Greenpeace e das outras que conhecemos.São grupos que consideram que o ponto de não retorno na degradação planetária pode ter sido atingido e atuam com a ideia de que há uma emergência.

Tomei conhecimento do programa de uma delas, a Extintion Rebellion que parece estar crescendo na Inglaterra.Eles propõem a desobediência civil pacífica, mas às vezes a polícia intervém e prende alguns deles.

Segundo li em seus folhetos, de um modo geral a relação com a policia costuma ser tranquila, apesar das detenções.

A mesma civilidade não acontece com os estrangeiros que se aventuram a apoiar o Extintion Rebellion. A polícia inglesa é mais dura com eles, outros fatores entram em cena.

Interessante o caso brasileiro. No mesmo momento em que a questão ambiental torna-se mais dramática o pais radicaliza sua negação de fenômenos cono o aquecimento global.

Esta semana, Bolsonaro disse que os estrangeiros não se interessam pelos índios nem pela porra das árvores mas pelo minério da Amazônia. É uma tese de fácil aceitação entre as pessoas mais simples.

No discurso de Bolsonaro na ONU ele disse apenas uma vez a palavra biodiversidade, ao referir-se à Amazônia.

A porra da árvores, se a tomamos como um símbolo da biodiversidade, é considerada um recurso invejável, um passaporte para o futuro. Por essa razão, a distância entre a preocupação mundial e as teses brasileiras vai se tornando cada vez mais um abismo.

Supor que tudo o que se passa hoje nesse campo seja apenas uma expressão do marxismo internacional ou mesmo de potenciais exploradores de minério é um gigantesco erro de avaliação.

Não é preciso ter uma visão catastrofista, nem achar que o ponto de não retorno já aconteceu e que o planeta caminha para ser hostil à vida humana.

Basta apenas dar uma chance à realidade, admitir a existência do problema. Isso não significa concordância com qualquer maneira de atacá-lo. Há uma ampla gama de posições disponíveis.

Tratar a biodiversidade como a porra da árvore só traz desalento e leva muitos a pensar que uma parte da humanidade merece os eventos extremos e caminha de forma arrogante para a extinção. Os dinossauros, pelo menos, foram pegos de surpresa. Nem tiveram que ser avisados pelas crianças.

Assombração permanente

No Brasil, uma demissão ou uma doença na família são suficientes para que uma pessoa volte a cair na pobreza
Pedro H.G. Ferreira de Souza, autor de "Uma História de Desigualdade: A Concentração de Renda Entre os Ricos no Brasil"

Desigualdade e falta de imaginação

Entre os grandes enigmas econômicos atuais consta o da falta de pressões inflacionárias no mundo perante taxas de juros extremamente baixas por um período prolongado. Logo após a crise financeira de 2008, muitos acreditavam que as políticas adotadas pelos bancos centrais e a redução sincronizada dos juros poderiam em algum momento levar a inflação a subir de forma descontrolada. Essa, afinal, deveria ser a consequência de manter estímulos monetários por tempo prolongado de acordo com a teoria econômica. O fato de isso não ter acontecido depois de 11 anos da crise e com os juros ainda no chão tem levado economistas a questionar suas teses e premissas, em alguns casos revertendo conceitos ou redefinindo-os — esse é o caso dos defensores da chamada Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês), que defende a monetização de déficits do governo. A monetização de déficits, como bem sabem os latino-americanos, geralmente acaba em hiperinflação.

A outra tese comumente exposta é que os gestores de política econômica têm esperado demais da política monetária — sem a ajuda da política fiscal, os juros baixos não são capazes de produzir grandes estímulos. Essa tese tem alguma tração, mas um rápido passar de olhos nos dados revela que a política fiscal na maioria dos países hoje não está nem perto de ser contracionista. É possível argumentar que poderia haver um estímulo fiscal maior, mas não é possível afirmar que a política fiscal esteja cuidadosa ao extremo. Portanto, o debate está longe de uma resolução ou uma conciliação de ideias.


Curiosamente, algo que tem sido ignorado nesse debate é o papel da alta da desigualdade. Segundo dados recém-divulgados do Departamento do Censo dos Estados Unidos, a desigualdade nos EUA hoje alcançou o maior nível em 50 anos, ainda que as taxas de desemprego e pobreza tenham diminuído e apesar do longo período de recuperação econômica. O canal de transmissão da desigualdade para a perda de potência da política monetária — isto é, para a dificuldade que se observa de os juros baixos criarem os estímulos que levariam às pressões inflacionárias não observadas — está possivelmente relacionado ao comportamento diferenciado entre os mais ricos e os menos favorecidos. É empiricamente estabelecido que pessoas de renda mais baixa consomem mais como proporção da renda que recebem do que as pessoas de renda mais alta. Portanto, a concentração extrema de renda e riqueza diminui o consumo, a demanda agregada e, portanto, as pressões sobre os preços. Em vez de se observarem pressões sobre os preços de bens e serviços, o que se observa é o aumento dos preços dos ativos — das ações na Bolsa, por exemplo —, bem como de bens e serviços de luxo.

Essa tese sobre a relação entre desigualdade e falta de dinamismo da demanda interna que impede o surgimento de pressões inflacionárias pode também explicar o enigma da economia brasileira. Nossa taxa de juros está em queda já há algum tempo, não há risco inflacionário no horizonte, porém tampouco há consumo ou investimento que ajudem a economia a retomar o fôlego perdido. Por quê? Os dados mostram que nos últimos três anos e meio a informalidade aumentou. Também mostram que os empregos que estão sendo criados são precários — não garantem ao trabalhador qualquer senso de segurança econômica. Ao mesmo tempo, os mais ricos continuaram a enriquecer e os preços dos ativos detidos por pessoas nas faixas mais altas de renda não pararam de subir — afinal, os mais pobres não têm ações na Bolsa.

Desse modo, ocorre algo semelhante ao que se passa nos EUA: os juros estão baixos, mas os consumidores de baixa renda e de classe média, que são os que realmente impulsionam a demanda agregada, não têm capacidade de fazê-lo. Portanto, não há pressão inflacionária, tampouco dinamismo econômico, em razão da brusca alta da desigualdade.

A implicação direta dessa reflexão é que o governo brasileiro, em sua busca por um crescimento mais robusto da economia, deveria estar desenvolvendo políticas para combater a desigualdade, diminuir a informalidade no mercado de trabalho e tornar os empregos criados mais seguros. Entretanto, o que vemos é um governo e uma equipe econômica totalmente desconectados dessa realidade impossível de varrer para debaixo do tapete. A conclusão é que, enquanto não nos dermos conta da importância macroeconômica da desigualdade em ascensão, continuaremos a patinar sem rumo, nos prendendo a debates que são, francamente, inúteis. O país aguarda ansiosamente pelo retorno do bom senso e da ousadia de pensamento de seus economistas.

Monica de Bolle

'Tá com a sua mãe', disse o pai, Bolsonaro

Eu sei que quem diz “a porra da árvore” em ato público para garimpeiros, sabendo que seu discurso será transmitido internamente e no exterior, não pode cair muito mais baixo. Mas, como sou mulher, mãe e avó, continuo a me incomodar profundamente com a grosseria machista desse presidente e, claro, de seu entorno. Porque é bonito imitar o líder.

Por isso, todos se sentem no direito de expressar pelos poros e pela boca sua falta de educação. Cortesia e dignidade é o mínimo que se espera de representantes do povo. Mas não. Então, o ministro da Economia Paulo Guedes diz que tchutchuca é a avó, o diretor da Funarte diz que nossa maior atriz é sórdida...e por aí vai. O exemplo vem de cima. Se bem que é difícil, vindo de Jair Bolsonaro, usar a expressão “de cima”. 


Para quem não viu ou leu, Bolsonaro papeava com simpatizantes (ele hostiliza os “antipatizantes”) no portão do Palácio do Alvorada, no sábado, em sua moto, quando um homem, não identificado, perguntou a ele onde estava Fabrício Queiroz, ex-PM e ex-assessor de seu filho Flávio Bolsonaro. Era uma provocação do homem. Um presidente normal reagiria de outra forma.

Todos sabem que Queiroz foi motorista da família Bolsonaro, muito amigo do presidente, passou vários cheques para a primeira-dama Michelle (que depois foram qualificados de pagamento de empréstimo de R$ 40 mil), foi funcionário durante 10 anos de Flávio Bolsonaro. A amizade com a família presidencial é tanta que o senador Flávio pediu ao Supremo a suspensão de todas as ações no Ministério Público e no Tribunal de Justiça do Rio que o envolvem no caso Queiroz. Foi atendido pelo ministro Gilmar Mendes.

Refrescando a memória de todos, o ex-PM, que se trata hoje de câncer em São Paulo, foi acusado de comandar um esquema de “rachadinhas” no gabinete de Flávio. Ficava com os salários de funcionários. E movimentou R$ 1,2 milhão suspeitos em suas contas. Venda de imóveis, compra de imóveis, venda de eletrônicos, compra de eletrônicos, essas foram as alegações de Queiroz. O ex-PM continua a ser um ex-amigo muito inconveniente para o clã. Mas sempre elogiado por Bolsonaro, o pai.

Estou me desviando do propósito principal deste texto. O propósito é mostrar que basta a menção do nome Queiroz para Bolsonaro perder as estribeiras e botar “a mãe” no meio. Nem tosco ele é mais. O presidente é grosso. E representa o mais puro sentimento do machão que coça o saco em público. Não xinga alguém de “filho do pai”. Bolsonaro não falaria “(Queiroz) tá com o seu pai”. É a mãe, é a avó...tristes são esses homens que não respeitam as mulheres mais importantes de sua família.

Sei que seus apoiadores mais fanáticos adoram a faceta grosseira e mal-educada de Bolsonaro. O que eles dizem? Não adianta criticar o capitão em tudo que ele fala. Vão ter que engolir Bolsonaro até o fim do mandato. Quando o capitão era só deputado do baixo clero, a mãe dele, dona Olinda, disse ao jornal gaúcho Zero Hora que criou o Jair “com amor, muito amor. Não queria que fosse uma criança estúpida, bruta, falasse besteira. Dava comidinha na hora certa...” Dona Olinda disse que o menino Jair “era digno, não era de falar besteira”. Mudou.

Como presidente, Bolsonaro não se comporta como filho de sua mãe. Ela já tem mais de 90 anos e um sorriso terno.
Ruth de Aquino