A outra tese comumente exposta é que os gestores de política econômica têm esperado demais da política monetária — sem a ajuda da política fiscal, os juros baixos não são capazes de produzir grandes estímulos. Essa tese tem alguma tração, mas um rápido passar de olhos nos dados revela que a política fiscal na maioria dos países hoje não está nem perto de ser contracionista. É possível argumentar que poderia haver um estímulo fiscal maior, mas não é possível afirmar que a política fiscal esteja cuidadosa ao extremo. Portanto, o debate está longe de uma resolução ou uma conciliação de ideias.
Curiosamente, algo que tem sido ignorado nesse debate é o papel da alta da desigualdade. Segundo dados recém-divulgados do Departamento do Censo dos Estados Unidos, a desigualdade nos EUA hoje alcançou o maior nível em 50 anos, ainda que as taxas de desemprego e pobreza tenham diminuído e apesar do longo período de recuperação econômica. O canal de transmissão da desigualdade para a perda de potência da política monetária — isto é, para a dificuldade que se observa de os juros baixos criarem os estímulos que levariam às pressões inflacionárias não observadas — está possivelmente relacionado ao comportamento diferenciado entre os mais ricos e os menos favorecidos. É empiricamente estabelecido que pessoas de renda mais baixa consomem mais como proporção da renda que recebem do que as pessoas de renda mais alta. Portanto, a concentração extrema de renda e riqueza diminui o consumo, a demanda agregada e, portanto, as pressões sobre os preços. Em vez de se observarem pressões sobre os preços de bens e serviços, o que se observa é o aumento dos preços dos ativos — das ações na Bolsa, por exemplo —, bem como de bens e serviços de luxo.
Essa tese sobre a relação entre desigualdade e falta de dinamismo da demanda interna que impede o surgimento de pressões inflacionárias pode também explicar o enigma da economia brasileira. Nossa taxa de juros está em queda já há algum tempo, não há risco inflacionário no horizonte, porém tampouco há consumo ou investimento que ajudem a economia a retomar o fôlego perdido. Por quê? Os dados mostram que nos últimos três anos e meio a informalidade aumentou. Também mostram que os empregos que estão sendo criados são precários — não garantem ao trabalhador qualquer senso de segurança econômica. Ao mesmo tempo, os mais ricos continuaram a enriquecer e os preços dos ativos detidos por pessoas nas faixas mais altas de renda não pararam de subir — afinal, os mais pobres não têm ações na Bolsa.
Desse modo, ocorre algo semelhante ao que se passa nos EUA: os juros estão baixos, mas os consumidores de baixa renda e de classe média, que são os que realmente impulsionam a demanda agregada, não têm capacidade de fazê-lo. Portanto, não há pressão inflacionária, tampouco dinamismo econômico, em razão da brusca alta da desigualdade.
A implicação direta dessa reflexão é que o governo brasileiro, em sua busca por um crescimento mais robusto da economia, deveria estar desenvolvendo políticas para combater a desigualdade, diminuir a informalidade no mercado de trabalho e tornar os empregos criados mais seguros. Entretanto, o que vemos é um governo e uma equipe econômica totalmente desconectados dessa realidade impossível de varrer para debaixo do tapete. A conclusão é que, enquanto não nos dermos conta da importância macroeconômica da desigualdade em ascensão, continuaremos a patinar sem rumo, nos prendendo a debates que são, francamente, inúteis. O país aguarda ansiosamente pelo retorno do bom senso e da ousadia de pensamento de seus economistas.
Monica de Bolle
Nenhum comentário:
Postar um comentário