sexta-feira, 13 de maio de 2016
O novo venceu o velho
O projeto criminoso de poder foi ferido de morte. Se a crise econômica e a Lava Jato tiveram importante papel neste processo, foram as ruas que decidiram a parada. As quatro manifestações de massa de 2015 sinalizaram que não havia mais meios de uma conciliação pelo alto. De uma saída à la brasileira, dentro da velha tradição nacional. O ponto final foi o dia 13 de março, quando milhões saíram às ruas e apontaram que o impeachment era a única solução para a mais grave crise política do Brasil.
No Senado — já são favas contadas — o julgamento vai condenar o governo petista por crime de responsabilidade. A pena (política) de Dilma é amena: será inabilitada, por oito anos, para o exercício de função pública. Mas o PT foi destroçado. Saiu do governo com a pecha de corrupto. Pior ainda: de ter organizado o maior desvio de recursos públicos da história. Diferentemente de 1992, a condenação não será individualizada. Não. A condenação foi do partido — e de seus asseclas, como PC do B, PSOL e parte da Rede — e de um projeto que construiu, no interior do Estado, o que o ministro Celso de Mello chamou, em um dos votos da AP-470, de “macrodelinquência governamental.” Conseguir reabilitação política a curto prazo é impossível. O PT vai se fragmentar em pequenos partidos, sem força eleitoral expressiva. E o projeto de poder que sustentou parte da esquerda brasileira morreu.
O que chama a atenção foi como tudo ruiu tão rapidamente, no sentido político, claro, pois a crise econômica tinha sido gestada no segundo governo Lula e já dava sinais de agravamento desde 2012. Ter devassado os “marginais do poder”, expressão também de Celso de Mello, deu à Lava Jato um importante papel. Porém, o governo ainda apresentava condições de conviver com o escândalo, tentando diminuir seus efeitos políticos, mantendo sob seu jugo a base da pirâmide social — os mais pobres —, o andar de cima, via bolsa BNDES e o colchão de amortecimento representado por intelectuais, artistas, docentes universitários e movimentos sociais que funcionavam como os tonton-macoute do petismo em troca de generosos apoios às suas ações.
Este bloco parecia invencível. E o Brasil condenado a sustentá-los ad eternum. Coube à sociedade civil desatar o nó górdio do projeto criminoso de poder. Não temos tradição de enfrentar o Estado. Pelo contrário. O Estado é fonte de tudo. Mas desta vez a sociedade deixou de ser invertebrada. Foi um processo maturado nas redes sociais e nos movimentos autônomos que foram surgindo nos últimos anos. A espontaneidade foi a marca deste momento. Quem imaginaria o sucesso da manifestação de 15 de março de 2015?
Os velhos formadores de opinião ficaram olhando para o passado. Foram aliados — alguns entusiásticos — do projeto criminoso de poder. Acharam que tinham um poder de influência fantástico. Coitados. Ficaram falando sozinhos. Ninguém mais os lia ou os ouvia. Seus gritos foram recebidos com risos. Falavam de golpe quando se estava cumprindo o que era determinado pela Constituição. Perderam feio. Quiseram até acionar o Papa. Patético!
Temer começa como Lula
O governo Michel Temer começa da mesma forma que começou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva: com Henrique Meirelles como o homem forte da economia. Como presidente do BC, Meirelles determinava os dois preços vitais da economia, o do dinheiro (juros) e o da moeda (câmbio), além de condicionar a terceira perna de qualquer economia, a fiscal.
É o suficiente para demonstrar o nível de indigência mental de quem põe esquerda/direita no debate sobre a conjuntura brasileira.
Outra fraude é supor que haja um conflito entre os setores supostamente populares e os antipopulares. Vai me enganar que Katia Abreu, a ministra da Agricultura, é “do povo”?
Não é a única coincidência direita/esquerda, constata Antonio Navalón, colunista de “El País”: “Nenhuma razão desculpa Lula e Rousseff de terminar cheirando a podre como os inimigos do passado.”
Não que não exista direita. Existe desde sempre, é poderosa e domina a vida política e econômica. O que não existe mais é esquerda, salvo bolsões (que não estão no PT).
A esquerda brasileira, com exceções que não conseguem interferir de fato no debate público, não produziu uma ideia, uma que fosse, capaz de se contrapor ao pensamento único que está para (re)assumir o governo.
A rendição da esquerda ao receituário e aos nomes da direita e a sua tentativa de escondê-la escancaram um país primitivo. Primitivo em todos os sentidos, miserável educacional e intelectualmente, inerme, catatônico.
Houve um espasmo, é verdade, em 2013, com aquelas manifestações que exigiam serviços públicos “padrão Copa”.
O 2013 brasileiro se dá agora na França com o “Nuit Debout” (Noite de Pé), movimento que nasceu contra a reforma trabalhista proposta pelo governo (supostamente socialista) de François Hollande e se transformou em acampamento permanente na praça da República.
O nome parece uma alusão ao verso que abre a Internacional, a canção comunista (“Debout les damnés de la Terre, “De pé os malditos da Terra). É um movimento absolutamente anárquico e à margem dos partidos, o que mostra “uma profunda deslegitimação” destes, diz o pesquisador Pascal Perrineau a “El País”.
Deslegitimação que nasce claramente do fato de que partidos são, sempre segundo Perrineau, “organizações de profissionais da política”.
Todas as pesquisas recentes demonstram que também no Brasil os partidos perderam completamente o contato com os que pretendem representar, inclusive e principalmente o PT, que tinha ou pretendia ter a propriedade da rua.
Agora, em São Paulo, única cidade em que houve medições científicas das manifestações contra e pró-impeachment, havia cinco vezes mais gente contra o governo do PT do que a favor dele.
O problema é que, como em 2013, a rua logo se esvazia, e o jogo volta a ser jogado exclusivamente pelos “profissionais da política”. É um jogo feio, como o demonstra o comportamento dessa gente no dia da votação do impeachment na Câmara e tudo o que se viu e/ou se anunciou depois dele.
É o suficiente para demonstrar o nível de indigência mental de quem põe esquerda/direita no debate sobre a conjuntura brasileira.
Outra fraude é supor que haja um conflito entre os setores supostamente populares e os antipopulares. Vai me enganar que Katia Abreu, a ministra da Agricultura, é “do povo”?
Não que não exista direita. Existe desde sempre, é poderosa e domina a vida política e econômica. O que não existe mais é esquerda, salvo bolsões (que não estão no PT).
A esquerda brasileira, com exceções que não conseguem interferir de fato no debate público, não produziu uma ideia, uma que fosse, capaz de se contrapor ao pensamento único que está para (re)assumir o governo.
A rendição da esquerda ao receituário e aos nomes da direita e a sua tentativa de escondê-la escancaram um país primitivo. Primitivo em todos os sentidos, miserável educacional e intelectualmente, inerme, catatônico.
Houve um espasmo, é verdade, em 2013, com aquelas manifestações que exigiam serviços públicos “padrão Copa”.
O 2013 brasileiro se dá agora na França com o “Nuit Debout” (Noite de Pé), movimento que nasceu contra a reforma trabalhista proposta pelo governo (supostamente socialista) de François Hollande e se transformou em acampamento permanente na praça da República.
O nome parece uma alusão ao verso que abre a Internacional, a canção comunista (“Debout les damnés de la Terre, “De pé os malditos da Terra). É um movimento absolutamente anárquico e à margem dos partidos, o que mostra “uma profunda deslegitimação” destes, diz o pesquisador Pascal Perrineau a “El País”.
Deslegitimação que nasce claramente do fato de que partidos são, sempre segundo Perrineau, “organizações de profissionais da política”.
Todas as pesquisas recentes demonstram que também no Brasil os partidos perderam completamente o contato com os que pretendem representar, inclusive e principalmente o PT, que tinha ou pretendia ter a propriedade da rua.
Agora, em São Paulo, única cidade em que houve medições científicas das manifestações contra e pró-impeachment, havia cinco vezes mais gente contra o governo do PT do que a favor dele.
O problema é que, como em 2013, a rua logo se esvazia, e o jogo volta a ser jogado exclusivamente pelos “profissionais da política”. É um jogo feio, como o demonstra o comportamento dessa gente no dia da votação do impeachment na Câmara e tudo o que se viu e/ou se anunciou depois dele.
O que sobrar
Lula anunciou que montará um "governo paralelo" para fiscalizar a gestão de Michel Temer. É o que os ingleses chamam de "shadow cabinet" - um ministério informal, agindo à sombra do oficial, para ver se este está trabalhando a favor dos interesses da população. Já leu? Pois esqueça. Lula disse isto todas as vezes em que foi derrotado numa eleição. O "shadow cabinet" é um de seus factoides, destinado apenas a fazer espuma e adoçar seu minguante eleitorado interno.
Se Lula não fiscalizou seu governo, nem o de Dilma, como fiscalizará um governo alheio? Nos 13 anos de PT no poder, houve o aparelhamento e a tomada do Estado, o assalto à Petrobras, o festival de propinas, a farra das montadoras e das empreiteiras, a venda de medidas provisórias, a bacanal fiscal e o rombo nas contas públicas. Tudo isto levou o país para o buraco e, como a Carolina do Chico Buarque, só Lula não viu.
Lula não fiscalizou as manhas e artimanhas de seus amigos José Dirceu,Delúbio Soares, José Genoíno, João Vaccari, Silvinho Pereira, Delcídio do Amaral e demais cartolas do PT, dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, dos empreiteiros Leo Pinheiro e Marcelo Odebrecht, do pecuaristaJosé Carlos Bumlai e de outros que ficam, literalmente, na geladeira.
Aliás, Lula não fiscalizou nem a si mesmo. Deslumbrou-se com os vinhos e jatinhos da elite golpista loura e de olhos azuis, promoveu reformas em sítios e tríplex que não lhe pertenciam e fez palestras milionárias de que não se conhece uma palavra.
E, agora, Lula já não conseguirá fiscalizar seus antigos aliados, que estão presos na Lava Jato e a fim de contar o que sabem para mitigar as sentenças de que não escaparão. Marcelo Odebrecht, por exemplo, quer falar para reduzir os 100 anos de cadeia a que está sujeito e, quem sabe, dividir com Lula o que sobrar.
Ruy Castro
Se Lula não fiscalizou seu governo, nem o de Dilma, como fiscalizará um governo alheio? Nos 13 anos de PT no poder, houve o aparelhamento e a tomada do Estado, o assalto à Petrobras, o festival de propinas, a farra das montadoras e das empreiteiras, a venda de medidas provisórias, a bacanal fiscal e o rombo nas contas públicas. Tudo isto levou o país para o buraco e, como a Carolina do Chico Buarque, só Lula não viu.
Aliás, Lula não fiscalizou nem a si mesmo. Deslumbrou-se com os vinhos e jatinhos da elite golpista loura e de olhos azuis, promoveu reformas em sítios e tríplex que não lhe pertenciam e fez palestras milionárias de que não se conhece uma palavra.
E, agora, Lula já não conseguirá fiscalizar seus antigos aliados, que estão presos na Lava Jato e a fim de contar o que sabem para mitigar as sentenças de que não escaparão. Marcelo Odebrecht, por exemplo, quer falar para reduzir os 100 anos de cadeia a que está sujeito e, quem sabe, dividir com Lula o que sobrar.
Ruy Castro
A primeira boa notícia
Por enquanto, a primeira boa notícia é que o Brasil deve pelo menos sair da completa paralisia política em que se encontrava. A segunda boa notícia é que acabaram as penosas e intermináveis votações sobre o impeachment. Pelo menos até o julgamentoFrancis França
Há um Brasil que não se presta para otário
Ouvindo os dois pronunciamentos da presidente Dilma, tive a clara percepção de que, de fato, estávamos sendo governados por uma pessoa que derrubou limites na sua relação com a realidade. Era algo que já se identificava durante a campanha eleitoral. À época, essa conduta foi inteiramente atribuída a um esforço para esconder do eleitorado a crise já em curso. Certamente havia bastante disso, sim, na publicidade eleitoral e nas orientações que, a peso de ouro, produzia João Santana. Mas evidenciou-se nos últimos meses que algo mais grave envolvia pessoalmente a presidente. Para todos os efeitos práticos, Dilma presidia um país diferente. Exercia um outro governo.
Mesmo diante de indicadores gravíssimos, que diagnosticavam a maior crise nacional em oito décadas, a presidente jamais lhe dedicou a atenção necessária. Erro imperdoável! Quem não se acautela ante um inimigo desse porte será implacavelmente abatido por ele. Essa é uma crise cujo enfrentamento cobra ações sérias e responsáveis. Dilma desconsiderou as mais prudentes advertências, desdenhou as reações das agências de risco. Condenou os críticos da política econômica. O navio afundava e ela ouvia a orquestra dos companheiros.
A corrupção grassava no governo. Fortunas se acumulavam no seu entorno. É bom lembrar: esses escândalos não foram "descobertos" pela Lava Jato. Eles já enchiam as páginas das revistas semanais bem antes de caírem nas mãos diligentes da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba. E o que fazia a presidente? Estimulava a reação de sua militância contra as publicações, sem enfrentar os fatos escabrosos que eram denunciados.
Quantas matérias foram produzidas sobre os negócios de seu anjo da guarda, Luís Inácio Lula da Silva, com empreiteiras nacionais em arranjos bolivarianos e africanos envolvendo o BNDES? Quantas denúncias sobre o enriquecimento da família Lula da Silva? Quantas informações circularam no país, durante anos, sobre os desmandos da Petrobrás? Ela sempre ocupando postos, caneta e cadeira de mando. E quanta prosperidade ao seu redor! Não, não me impressionam as alegações da presidente afastada sobre a própria honestidade. Não há mérito em não furtar. Os crimes que se gaba de não ter praticado aconteceram com o que estava sob seu zelo! Ademais, mentir não é honesto. Ocultar a verdade, tampouco. Já a tolerância, a imprudência, a omissão, a negligência e a vista grossa compõem gravíssimos deméritos.
Nos dois pronunciamentos com que se despediu, Dilma Rousseff reincidiu nos mesmos equívocos. Buscou sacralizar um mandato conquistado no mais destapado estelionato eleitoral, tão escandaloso e tão rapidamente evidenciado que levou a nação às ruas já antes de sua posse. Atribuiu seu afastamento a um complô golpista e não a um justificado clamor popular e a um correto procedimento constitucional. Afirmou que seus adversários são inconformados com as "conquistas sociais" e com a "prosperidade dos mais pobres". Somente alguém destituído de juízo pode crer que investidores, empresários, profissionais liberais, por exemplo, se beneficiem da pobreza dos pobres. Fosse assim, o mundo dos negócios se mudaria para Serra Leoa e para a Somália. Quem não sabe disto? Ao contrário, o que de melhor aconteceu para a economia mundial neste século foi proporcionado por 400 milhões de chineses que começaram a produzir, consumir, e saíram da pobreza. Até o Brasil petista cresceu, mas a riqueza foi consumida pelos piores meios e fins, e seus benefícios, hoje, atendem pelo nome de desastre brasileiro.
No entanto, no cérebro da presidente afastada, não há esse tipo de registro. Ali só têm lugar meia dúzia de chavões ideológicos que compõem os mandamentos de seu grupo político. Então, é melhor suportá-los na oposição do que nos submetermos por mais tempo ao desastre que foi a gestão petista.
Percival Puggina
Mesmo diante de indicadores gravíssimos, que diagnosticavam a maior crise nacional em oito décadas, a presidente jamais lhe dedicou a atenção necessária. Erro imperdoável! Quem não se acautela ante um inimigo desse porte será implacavelmente abatido por ele. Essa é uma crise cujo enfrentamento cobra ações sérias e responsáveis. Dilma desconsiderou as mais prudentes advertências, desdenhou as reações das agências de risco. Condenou os críticos da política econômica. O navio afundava e ela ouvia a orquestra dos companheiros.
A corrupção grassava no governo. Fortunas se acumulavam no seu entorno. É bom lembrar: esses escândalos não foram "descobertos" pela Lava Jato. Eles já enchiam as páginas das revistas semanais bem antes de caírem nas mãos diligentes da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba. E o que fazia a presidente? Estimulava a reação de sua militância contra as publicações, sem enfrentar os fatos escabrosos que eram denunciados.
Quantas matérias foram produzidas sobre os negócios de seu anjo da guarda, Luís Inácio Lula da Silva, com empreiteiras nacionais em arranjos bolivarianos e africanos envolvendo o BNDES? Quantas denúncias sobre o enriquecimento da família Lula da Silva? Quantas informações circularam no país, durante anos, sobre os desmandos da Petrobrás? Ela sempre ocupando postos, caneta e cadeira de mando. E quanta prosperidade ao seu redor! Não, não me impressionam as alegações da presidente afastada sobre a própria honestidade. Não há mérito em não furtar. Os crimes que se gaba de não ter praticado aconteceram com o que estava sob seu zelo! Ademais, mentir não é honesto. Ocultar a verdade, tampouco. Já a tolerância, a imprudência, a omissão, a negligência e a vista grossa compõem gravíssimos deméritos.
Nos dois pronunciamentos com que se despediu, Dilma Rousseff reincidiu nos mesmos equívocos. Buscou sacralizar um mandato conquistado no mais destapado estelionato eleitoral, tão escandaloso e tão rapidamente evidenciado que levou a nação às ruas já antes de sua posse. Atribuiu seu afastamento a um complô golpista e não a um justificado clamor popular e a um correto procedimento constitucional. Afirmou que seus adversários são inconformados com as "conquistas sociais" e com a "prosperidade dos mais pobres". Somente alguém destituído de juízo pode crer que investidores, empresários, profissionais liberais, por exemplo, se beneficiem da pobreza dos pobres. Fosse assim, o mundo dos negócios se mudaria para Serra Leoa e para a Somália. Quem não sabe disto? Ao contrário, o que de melhor aconteceu para a economia mundial neste século foi proporcionado por 400 milhões de chineses que começaram a produzir, consumir, e saíram da pobreza. Até o Brasil petista cresceu, mas a riqueza foi consumida pelos piores meios e fins, e seus benefícios, hoje, atendem pelo nome de desastre brasileiro.
No entanto, no cérebro da presidente afastada, não há esse tipo de registro. Ali só têm lugar meia dúzia de chavões ideológicos que compõem os mandamentos de seu grupo político. Então, é melhor suportá-los na oposição do que nos submetermos por mais tempo ao desastre que foi a gestão petista.
Percival Puggina
Perdas e danos
Desta vez não foi um circo dos horrores, como a explosão da boçalidade popular da Câmara. Com raras exceções, foi um tedioso comício com quase todos aproveitando cada segundo para se exibirem para seus eleitores, repetindo ad nauseam argumentos que todos já sabem de cor. Foi mais uma, a última, a maior das perdas de Dilma Rousseff.
Quando era jovem e idealista, Dilma acreditava de coração que só um socialismo como o cubano salvaria o Brasil injusto e atrasado. Combatendo nas sombras, arriscando a vida em guerrilhas urbanas, com atentados, expropriações, sabotagens e assassinatos, acreditava que eles seriam capazes de abalar a gigantesca estrutura militar-policial da ditadura e instaurar uma nova ordem.
Dura e mandona, líder de seu grupo, Dilma perdeu. Foi presa, torturada, perdeu três anos de vida por uma crença desmentida pela razão e pelos fatos.
Hoje ela diz que foi vítima de uma injustiça. Em guerra contra o Estado, Dilma perdeu por suas escolhas erradas e teimosas contra todas as evidências, quando a valentia se confunde com a soberba.
Quarenta anos depois de sua prisão, ungida por Lula, o poder lhe caiu nas mãos.
Em 2010, a candidata Dilma declarou que guardava R$ 150 mil em dinheiro vivo em casa. Em seis anos, a inflação criada pelo seu governo roeu uma boa parte de suas economias, e ao mesmo tempo deixou de ganhar um bom rendimento na poupança. Perdeu duas vezes. Por vocação ? Ou metáfora ?
Mentiu, prometeu e gastou o que não tinha para ganhar a eleição. Venceu nas urnas mas perdeu a credibilidade. Rejeitada por 65% da população e pela maioria da Câmara e do Senado, de novo se disse injustiçada. Mas não reconheceu a derrota, nunca assumiu qualquer responsabilidade no assalto da Petrobras para bancar um projeto de poder e nem na crise econômica. Perdeu pelos danos que causou.
Parece estranho, mas Dilma é leitora e admiradora de Nelson Rodrigues, que passou a vida ridicularizando tudo em que ela mais acreditava. Agora lhe resta citá-lo quando disserem que são os fatos que a condenam: Então pior para os fatos.
Quando era jovem e idealista, Dilma acreditava de coração que só um socialismo como o cubano salvaria o Brasil injusto e atrasado. Combatendo nas sombras, arriscando a vida em guerrilhas urbanas, com atentados, expropriações, sabotagens e assassinatos, acreditava que eles seriam capazes de abalar a gigantesca estrutura militar-policial da ditadura e instaurar uma nova ordem.
Dura e mandona, líder de seu grupo, Dilma perdeu. Foi presa, torturada, perdeu três anos de vida por uma crença desmentida pela razão e pelos fatos.
Hoje ela diz que foi vítima de uma injustiça. Em guerra contra o Estado, Dilma perdeu por suas escolhas erradas e teimosas contra todas as evidências, quando a valentia se confunde com a soberba.
Quarenta anos depois de sua prisão, ungida por Lula, o poder lhe caiu nas mãos.
Em 2010, a candidata Dilma declarou que guardava R$ 150 mil em dinheiro vivo em casa. Em seis anos, a inflação criada pelo seu governo roeu uma boa parte de suas economias, e ao mesmo tempo deixou de ganhar um bom rendimento na poupança. Perdeu duas vezes. Por vocação ? Ou metáfora ?
Parece estranho, mas Dilma é leitora e admiradora de Nelson Rodrigues, que passou a vida ridicularizando tudo em que ela mais acreditava. Agora lhe resta citá-lo quando disserem que são os fatos que a condenam: Então pior para os fatos.
Esquerdas envelhecidas
Não fui eu que mudei; foi a esquerda que envelheceu, não eu. A esquerda que está há 13 anos no poder, o que demonstra um desapego à democracia, manipulando, cooptando, criando narrativas em vez de análises; com a preferência pelo assistencialismo em vez de uma preferência pela transformação social; com um apego ao poder que consegue, inclusive, driblar a Constituição, fazendo com que o presidente Lula tenha quatro mandatos: dois em seu nome e dois em nome da presidente Dilma Rousseff; com o vício de corrupção, que nenhum de nós imaginava; com a incompetência gerencial, cujos resultados são nefastos e visíveis; com o aparelhamento do Estado; e com gosto por narrativas como essa de que o que estamos fazendo aqui, dentro de todo o rigor constitucional, é golpe.
Por que não fortalecemos a democracia, preferindo comprar parlamentares com mensalão e movimentos sociais com financiamento de projeto? Por que não realizamos as transformações sociais, estruturais, preferindo a assistência, com propósitos generosos, mas também fisiológicos, em troca de votos? Por que não pusemos o Estado a serviço do povo? Ao contrário, entregamos os órgãos públicos aos partidos, porteira fechada; os fundos de pensão aos grupos sindicais e até mesmo ao financiamento de carteiras de governos estrangeiros aliados; os bancos estatais entregamos a negociatas, visando ao financiamento de campanhas eleitorais.
Senador Cristovam Buarque (PPS-DF), ex-ministro da Educação de Lula, em seu voto a favor do impeachment
Senador Cristovam Buarque (PPS-DF), ex-ministro da Educação de Lula, em seu voto a favor do impeachment
Um silêncio enganador
Nunca houve presidente no Brasil que falasse tanto quanto Lula. Dia sim e outro também, lá estava ele no rádio, na televisão e nos jornais, falando sobre tudo e mais alguma coisa. Lula é um bom comunicador, um orador inspirado, mas depois de oito anos seguidos de falação, o silêncio que subitamente se fez no Planalto após a primeira eleição de Dilma foi um bálsamo. Ela transmitia uma sensação de seriedade e de concentração, e dava a todos nós, mesmo os que não votamos nela, a impressão de que lá estava, afinal, uma pessoa que estudava e trabalhava com empenho, e que mais ouvia do que falava.
Aos poucos, porém, a sua política canhestra foi se fazendo conhecida, assim como a sua administração desastrada; aos poucos começaram a circular histórias. E percebemos que o silêncio abençoado era, afinal, pura ilusão, apenas a ponta do iceberg de arrogância e de falta de diálogo que acabaria por afundar o governo.
Dilma não caiu por causa das pedaladas; Dilma caiu pelo conjunto da obra. Mas caiu, sobretudo, porque é impossível exercer bem qualquer ofício sem ter gosto ou vocação para este ofício.
A “presidenta”, que até hoje gosta de dizer que defendia a democracia quando pegou em armas — e que eventualmente até acredita nisso, ao contrário de colegas mais sinceros, que já reconheceram que lutavam para substituir uma ditadura por outra —, nunca teve talento para a convivência democrática. A melhor prova disso talvez seja o seu descaso pela política externa, que abandonou por completo ao descobrir que, no palco mundial, deveria tratar seus interlocutores com tato e diplomacia, ao invés de dar ordens como dava em casa.
Dilma Rousseff não foi, em nenhum momento, a presidente de todos os brasileiros; ela foi a sua própria criatura, incapaz de conversar, de ouvir, de aceitar críticas, de delegar poderes — incapaz, em suma, daquele conjunto de atitudes que é a base de um governo plural. A sua assinatura atravessa a crise de ponta a ponta.
Aos poucos, porém, a sua política canhestra foi se fazendo conhecida, assim como a sua administração desastrada; aos poucos começaram a circular histórias. E percebemos que o silêncio abençoado era, afinal, pura ilusão, apenas a ponta do iceberg de arrogância e de falta de diálogo que acabaria por afundar o governo.
Dilma não caiu por causa das pedaladas; Dilma caiu pelo conjunto da obra. Mas caiu, sobretudo, porque é impossível exercer bem qualquer ofício sem ter gosto ou vocação para este ofício.
A “presidenta”, que até hoje gosta de dizer que defendia a democracia quando pegou em armas — e que eventualmente até acredita nisso, ao contrário de colegas mais sinceros, que já reconheceram que lutavam para substituir uma ditadura por outra —, nunca teve talento para a convivência democrática. A melhor prova disso talvez seja o seu descaso pela política externa, que abandonou por completo ao descobrir que, no palco mundial, deveria tratar seus interlocutores com tato e diplomacia, ao invés de dar ordens como dava em casa.
Dilma Rousseff não foi, em nenhum momento, a presidente de todos os brasileiros; ela foi a sua própria criatura, incapaz de conversar, de ouvir, de aceitar críticas, de delegar poderes — incapaz, em suma, daquele conjunto de atitudes que é a base de um governo plural. A sua assinatura atravessa a crise de ponta a ponta.
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